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Federalismo e Educação na Constituição Federal de 1988

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18/06/2009 às 00:00
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3. O Federalismo Brasileiro na Constituição de 1988 e a repartição de competências

O art. 1º da nossa Carta Magna ressalta que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e Distrito Federal. O art. 18 estabelece que a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil é compreendida pela União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos.

Em que pese o esquecimento da União Federal como ente da composição federativa na descrição do art. 1º e as interessantes críticas de Raul Machado Horta [05], em verdade, tanto o art. 1º quanto o art. 18 da Constituição de 1988, destacam os entes da forma federativa e seu caráter de indissolubilidade (ROCHA, 1996, p. 237). Oportuno relatar que à forma federativa do Estado Brasileiro, é conferido o status de Cláusula Pétrea, de acordo com o art. 60, § 4º, inciso I, proibindo qualquer tendência de abolir a Federação. Também inadmissível qualquer pretensão de um Estado-membro ou de qualquer Município componente da Federação se separar, "inexistindo em nosso ordenamento jurídico o denominado direito de secessão" (MORAES, 2003, p. 268), sendo que, qualquer tentativa do gênero acarretará intervenção federal, nos termos do art. 34, I, da Constituição de 1988.

A Constituição Federal de 1988 trouxe a lume várias inovações, dentre as quais, a inclusão do Município como ente que compõe a estrutura federativa, conferindo-lhe autonomia. José Afonso da Silva (2000, p. 105) alerta que "foi um equívoco do constituinte incluir os Municípios como componentes da Federação." Segundo o autor, o "Município é divisão política do Estado-membro", [sendo] "componente da Federação, mas não é entidade federativa" (SILVA, 2000, p. 105), não existindo federação de Municípios, constituindo situação singular na historicidade do federalismo mundial.

Sem embargo, a adoção da forma federativa possui o fito principal de prestigiar a descentralização na organização político-administrativa, dotando as entidades componentes do Estado Federal de certa autonomia, com poder de auto-organização e normatização própria, auto-governo e auto-administração, designando a chamada tríplice capacidade (CRETELLA JÚNIOR, 2000, p. 215).

Deste modo, impossível descrever o Estado Federal Brasileiro atual, sem externar a repartição de competências, questão central da organização político-administrativa, haja vista a autonomia das entidades federativas. A palavra competência, na definição de José Afonso da Silva (2000, p. 479), "é a faculdade juridicamente atribuída a uma entidade ou a um órgão ou agente do Poder Público para emitir decisões," [bem como], "competências são as diversas modalidades de poder de que se servem os órgãos ou entidades estatais para realizar suas funções".

O texto constitucional em vigor, de certa forma abandona as clássicas repartições de competências das Constituições anteriores, onde eram reservados poderes enumerados à União e poderes reservados aos Estados, para externar um federalismo de equilíbrio e cooperativo, fundamental para definição de um Estado Federal contemporâneo. Conforme Fernanda Dias Menezes de Almeida (2000, p. 74):

Estruturou-se um sistema complexo em que convivem competências privativas, repartidas horizontalmente, com competências concorrentes, repartidas verticalmente, abrindo-se espaço também para a participação das ordens parciais na esfera de competências próprias da ordem central, mediante delegação.

A técnica de repartição de competências adotadas na Constituição de 1988 enumera as seguintes classificações: a) competência geral da União (art. 21, I até XXV); b) competência de legislação privativa da União (art. 22, I a XXIX, parágrafo único); c) competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 23, I a XII, parágrafo único); d) competência de legislação concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal (art. 24, I a XVI, § 1°, 2°, 3° e 4°); e) competência dos poderes reservados aos Estados (art. 25, § 1°, e 125, § 1°, 2°, 3° e 4°). [06] Ainda acerca da competência legislativa privativa, situação positiva à descentralização de poderes, é o parágrafo único do art. 22 da Constituição Federal de 1988, que prevê a possibilidade através de lei complementar, dos Estados-membros legislar sobre assuntos específicos exprimidos na competência privativa.

Algumas observações podem ser feitas em relação à divisão de competências no atual texto constitucional. Quanto às competências concorrentes, são aquelas em que as entidades político-administrativas juntam-se para exercer uma ação comum, no intuito de contribuir e cooperar na atividade legislativa. A competência concorrente em relação à União, é de fixar normas gerais, e o seu exercício vem a suprimir a competência legislativa exercida pelo Estado-membro, quando ocorre a inércia daquele ente nacional (ROCHA, 1996, p. 250). Destaque para a matéria do inciso IX do art. 24 da Constituição Federal de 1988, que ressalta a competência concorrente sobre educação, ensino, cultura e desporto. A Carta Magna de 1988, de certa forma, estipulou quatro regras em relação à competência legislativa concorrente, de acordo com a lição de Raul Machado Horta (2003, p. 358):

A primeira, precisando que no âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais (art. 24, § 1°). A segunda, dispondo que a competência de normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. A terceira, para esclarecer que, inexistindo lei federal sobre a matéria de legislação concorrente, os Estados exercerão a legislação suplementar para atender suas peculiaridades (art. 24, § 3°). A quarta, regulando a superveniência da lei federal e a ineficácia da lei estadual quando conflitar com a lei federal.

Já a competência exclusiva designa que somente um ente componente da Federação possui exclusividade para gerir tal assunto ou função, pois são as competências privativas. As competências supletivas ou complementares são aquelas em que os Estados-membros se utilizam para aperfeiçoar determinados assuntos, adequando às necessidades regionais.

Na competência comum, há uma espécie de convocação de todos os entes que compõem o Estado Federal Brasileiro, a exercer uma ação cooperativa na responsabilidade de determinadas matérias. Designa-se uma atuação de cada esfera do Poder Público conjuntamente, na consecução das matérias relacionadas no art. 23 e seus doze incisos, não havendo superioridade hierárquica, privilegiando assim, novamente a descentralização do Estado, no escopo do equilíbrio do desenvolvimento e bem estar no âmbito nacional (ROCHA, 1996, p. 252-253). Deste modo, o princípio básico que norteia o sistema de repartição de competências é o da ‘predominância do interesse’. Nesse sentido ensina Alexandre de Moraes (2003, p. 287):

Assim, pelo princípio da predominância do interesse, à União caberá aquelas matérias e questões de predominância do interesse geral ao passo que aos Estados referem-se as matérias de predominância de interesse regional, e aos Municípios concernem os assuntos de interesse local.

Apesar da tríplice estrutura de repartição de competências (União, Estados-membros e Municípios), não podemos deixar de citar o Distrito Federal com situação ímpar, detendo competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios (art. 32, § 1º da CF/88). O Município em virtude da inserção inédita na organização político-administrativa do Estado Federal Brasileiro, externou-se delimitação própria para enumerar a competência municipal nos arts. 29 a 31, §§ 1 º, 2 º, 3 º e 4 º da Lei Maior de 1988. Aos Estados-membros, a Constituição garante seu poder de organização e poderes reservados e não vedados, descritos no art. 25, e § 1º, designando um duplo poder, asseverando o bom convívio entre o poder de organização dos Estados e os poderes da União, não sufocando a autonomia estadual, afastando a tendência centralista da Carta Constitucional de 1967. Destarte, o ingresso dos Estados na competência concorrente, garantiu maior autonomia, eis que há um volume razoável de matérias disciplinadas no art. 24 e seus incisos.

A repartição de competências na Carta Constitucional de 1988 busca o chamado federalismo cooperativo e de equilíbrio, o que acarretou forte influência da Lei Fundamental da República Federal da Alemanha de 1949 (ROVIRA, 1986, p. 25). É através do federalismo cooperativo [07] que se busca maior eficiência do Poder público, interligando seu raio de ação nas três esferas de poder: federal, estadual e municipal. Um claro exemplo de federalismo cooperativo está nas ações e serviços da educação, através do Fundef , em que a União fiscaliza, impedindo o destino irregular de verbas, acabando com o clientelismo político em negociar a verba disponibilizada pelo Governo Federal, tornando público os valores repassados para os Municípios.


4. A Educação na Constituição Federal de 1988

A palavra educação, deriva da expressão latina educere, que designa o ato de conduzir, de levar adiante o educando no sentido pedagógico. Em verdade, ninguém escapa da educação. Desde o nascimento do ser humano, até seu desenvolvimento e posteriormente seu padecimento (ciclo da vida), a educação é constante no dia a dia de todas as pessoas. Segundo Carlos Rodrigues Brandão (1994, p. 10) "da família à comunidade, a educação existe difusa em todos os mundos sociais, entre as incontáveis práticas dos mistérios de aprender."

Começando a analisar o teor da Constituição Federal, no que se refere ao direito à educação, note-se que inicialmente a Carta de 1988 possui um caráter eminentemente social, pois o art. 6º da CF/88 reza que "são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição", reconhecendo, assim, a educação como um direito fundamental social. Partindo do pressuposto de que os direitos fundamentais são os "direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito Constitucional positivo de determinado Estado" (SARLET, 1998, p. 44), o direito à educação, direito fundamental que é, passa a ser um direito que exige do Estado prestações positivas no sentido de efetivar a garantia e aplicação da educação.

Os direitos sociais localizam-se no Capítulo II do Título II da nossa Carta Magna de 1988. O Título II da nossa Constituição Federal relaciona os direitos e garantias fundamentais. Neste diapasão, se os direitos sociais estão esculpidos em um capítulo que se situa e que está sob a égide dos direitos e garantias fundamentais, é óbvio que os direitos sociais (como a educação) são direitos fundamentais do homem, não podendo ser concebidos como uma norma programática [08] (HUMENHUK, 2001, p. 52).

O direito à educação vincula o Estado a garantir sua aplicação de forma imediata. O principal dispositivo que dá guarida a esta preleção acerca dos direitos fundamentais, é o § 1º do artigo 5º da nossa Carta Magna, que dispõe: "As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata". Nesse sentido, insere-se a educação no rol dos direitos fundamentais explicitamente. E caso surgisse alguma controvérsia a respeito, podíamos nos socorrer a norma do art. 5 º, § 2 º da Lei Maior de 1988, ao qual, desencadearia o direito à educação, embora não-escrito, como um direito fundamental implícito (SARLET, 1998, p. 298).

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Com o escopo de tornar mais nítida a noção do que representa os direitos fundamentais (e no caso o direito à educação), como base da Constituição, que segundo Konrad Hesse (1998, p. 37): "é a ordem fundamental jurídica da coletividade", mister se faz a lição de Ingo Wolfgand Sarlet (1998, p. 60):

Os direitos fundamentais integram, portanto, ao lado da definição da forma de Estado, do sistema de governo e da organização do poder, a essência do Estado Constitucional, constituindo neste sentido, não apenas parte da Constituição formal, mas também elemento nuclear da Constituição material.

Especificamente, emergindo do Título VIII, que ressalta a Ordem Social, no Capítulo III (da educação, da cultura e do desporto), da Carta Magna de 1988, explicitar-se-á o art. 205, dispondo que a educação é um direito de todos e dever do Estado e da família, a ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, bem como seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Escreve Marcos Augusto Maliska (2001, p. 156) que "falar em direito à educação é, pois, reconhecer o papel indispensável dos fatos sociais na formação do indivíduo." Logo, Jean Piaget (1973, p. 35) ensina que a lógica se constrói, não é natural, sendo que, a primeira tarefa da educação consiste na formação do raciocínio. Em relação ainda ao art. 205, podemos designar que a educação não deve, somente, ser assegurada pelo Estado, através de seus entes federativos, mas, inclusive, através da família. O dever da família, é o direito que os pais possuem para escolher o gênero de educação a dar para seus filhos, fundamenta-se na exigência que a Constituição faz aos pais de educar seus filhos (arts. 205, 208, § 3º, 227 e 229 da CF/88) (MALISKA, 2001, p. 159-161).

A educação como dever do Estado, consiste no interesse público que a qualifica, visando o "alcance indiscriminado da oferta obrigatória e gratuita do ensino público fundamental, estendido a toda população independente da idade (art. 208, I)" (RANIERI, 2000, p. 75). Na condição de direito público subjetivo, a educação possui acesso gratuito aos níveis de ensino, conforme o art. 208, § 1º da CF/88. Contudo, o não oferecimento da educação por parte do Poder Público, implica na responsabilização da autoridade competente (art. 208, § 2º da CF/88). Assim, a gratuidade do ensino público nos estabelecimentos oficiais (art. 206, IV da CF/88), é um princípio educacional com força constitucional, o que revela a dimensão democrática da Constituição de 1988.

O art. 206 da nossa Lei Fundamental revela uma gama de princípios a serem seguidos em relação ao ensino. Deste modo, a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, a gratuidade do ensino público, bem como, a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, constituem princípios basilares da educação. O art. 207 estabelece que "as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão," garantindo a autonomia universitária, em que pese haver uma série de discussões a respeito do alcance desta autonomia didático-científica, administrativa e financeira [09] (MALISKA, 2001, p. 267).

No art. 209 da CF/88, foi autorizado a livre iniciativa privada em relação ao ensino, desde que atendidos os princípios das normas gerais de educação, bem como, intervenção do Poder Público na fiscalização e no controle. O art. 212 da Constituição Federal de 1988 prevê o financiamento do ensino público pelos entes federados. Conforme Nina Beatriz Ranieri (2000, p. 80 e 88), "a aplicação desses recursos, portanto, é regida pelo princípio da anualidade, não admitindo o parcelamento de eventuais débitos para além do ano em curso." O art. 212 prevê a descentralização política demonstra traços do federalismo cooperativo da nossa Constituição, ao incumbir todos os entes federados de financiar o ensino público.

Questão extremamente interligada e com enorme influência do federalismo, é o art. 211 da Carta Constitucional de 1988, designando que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração os seus Sistemas de Ensino. Deste artigo supra, quer dizer que os entes componentes da federação, organizarão, cooperativamente, seus sistemas educacionais. Assim sendo, a definição de Sistemas de Ensino conforme a lição de Edivaldo Boaventura (1997, p. 192-193), pode ser entendido como os complexos conjuntos educacionais de normas, instituições, pessoas, idéias, coisas, investimentos, recursos, seja da União por seu sistema federal de ensino, bem como, dos Estados-membros e do Distrito Federal, por seu sistema estadual de ensino, externa a denominação constitucional e ordinária do sentido de ‘Sistema de Ensino’.

Efetivamente, no campo educacional, os Sistemas de Ensino estão reciprocamente alinhados com a organização político-administrativa designada no federalismo cooperativo da Constituição Federal de 1988, conforme teor do artigo 18, em seu caput, ou seja, adota-se o princípio da descentralização política normativa. Com isso, verifica-se a autonomia dos Sistemas de Ensino, uma vez que a Constituição Federal estabelece a descentralização política. Neste óbice, Miguel Reale (1981, p. 97) assevera:

[...] cada Estado organiza seu sistema de ensino com autonomia, sendo-lhe lícito eleger fins particulares e os meios que julgar mais adequados à consecução do Plano Nacional de Educação no âmbito do seu território, e até mesmo estabelecer objetivos especiais de ensino, desde que não conflitem com os predeterminados pela legislação federal eminente.

Desta lição pode-se concluir que os Estados possuem autonomia em relação aos seus Sistemas de Ensino, desde que não conflitem com os planos gerais traçados pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, sendo que essa legislação, por ser uma lei nacional também não pode esgotar o Sistema Estadual de Ensino, no que lhe é pertinente.

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Sobre o autor
Hewerstton Humenhuk

Advogado publicista. Especialista em Direito Administrativo e Gestão Pública pelo CESUSC. Professor de Direito Administrativo e Direito da Criança e do Adolescente nos cursos de graduação e pós-graduação em Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina - UNOESC e professor de Direito aplicado à Administração no curso de graduação em Administração da mesma instituição. Consultor e Assessor jurídico de Prefeituras e Câmaras de Vereadores do Estado de Santa Catarina. Membro do Instituto de Direito Administrativo de Santa Catarina - IDASC. Associado do Escritório Cristóvam & Tavares Advogados Associados, com sede em Florianópolis. Autor de artigos e ensaios científicos publicados em revistas especializadas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HUMENHUK, Hewerstton. Federalismo e Educação na Constituição Federal de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2178, 18 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13014. Acesso em: 28 mar. 2024.

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