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A desnecessidade da intimação no cumprimento de sentença

05/07/2009 às 00:00

Resumo:


  • A Lei 11.232/2005 trouxe mudanças significativas ao Direito Processual Civil brasileiro, abolindo a ação de execução de sentença e criando o cumprimento de sentença, tornando o processo mais célere e efetivo.

  • Existem duas correntes doutrinárias sobre a necessidade de intimação do devedor para cumprimento voluntário da sentença: uma acredita ser indispensável para iniciar o prazo de 15 dias do art. 475-J do CPC, enquanto a outra considera desnecessária, pois o prazo inicia automaticamente após o trânsito em julgado.

  • O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem adotado o entendimento de que a intimação pessoal do devedor é desnecessária para o cumprimento da sentença, bastando a intimação do advogado constituído nos autos para que o ato seja válido.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A Lei 11.232 de 22 de dezembro de 2005 é um marco positivo na historia do Direito Processual Civil brasileiro, uma vez que atendeu ao clamor da sociedade e tornou o processo mais célere e efetivo.

A palavra de ordem é efetividade. Muito se ouviu falar que em nosso país você ganha, mas não leva. Isso porque existia uma dicotomia ignóbil que insistiu em permanecer em nosso ordenamento jurídico por anos e anos.

Após a prolação de uma sentença, era necessário que o credor ajuizasse uma ação de execução de sentença para que o bem da vida já assegurado pela decisão judicial, coberta pelo manto da coisa julgada, lhe fosse conferida.

Isso retirava toda a efetividade da sentença e burocratizava em demasia o seu cumprimento, posto que, seria necessária a renovação de todos os atos processuais já praticados na ação ordinária, tais como, a citação.

Todavia, a referida Lei aboliu a ação de execução de sentença, criando uma nova etapa ao processo, o cumprimento de sentença. A doutrina deu o nome a essa inovação de processo sincrético, posto que, uniu-se ao processo de conhecimento o processo de execução.

A inovação foi recebida com entusiasmo, porém, nem tudo são flores. Várias lacunas foram deixadas, transformando a conquista em dúvida, posto que as interpretações são as mais variadas e causam larga discussão entre os operadores do direito.

Passados, quase quatro anos de sua promulgação, a matéria já foi enfrentada pelas mais altas cortes do país, sem, no entanto, encontrar uniformidade. O Superior Tribunal de Justiça tem sinalizado em uma direção, contudo, a matéria não está pacificada.

Em que pese o STJ já ter dado entendimento diverso ao assunto, vários Tribunais insistem em afirmar a necessidade de intimação da parte vencida, ainda que na pessoa de seu advogado, a fim de se estabelecer o termo inicial do prazo de 15 dias previstos no art. 475-J do Código de Processo Civil.

Essa corrente, mais conservadora, diz que o prazo previsto no art. 475-J somente tem início após a intimação do devedor para cumprir a sentença. Àqueles que sustentam essa tese, dizem que a intimação é indispensável para que o devedor tenha ciência do início do prazo, sem a qual, ficaria impossibilitado de conhecer o seu termo inicial, o que resultaria em discussões intermináveis a esse respeito.

O insigne Rogério Cruz e Tucci, em artigo publicado na Revista Virtual Consultor Jurídico em 6 de setembro de 2007, mostrou-se adepto da citada corrente, posto que, asseverou a impossibilidade de se ter certeza legal quanto a precisa data da ocorrência do trânsito em julgado:

"Todavia, quem advoga sabe que em todas as hipóteses de sucumbência recíproca, ainda que mínima, somente por meio de exercício de adivinhação é que se torna possível certificar-se do trânsito em julgado. Explico-me: se, por exemplo, contra uma sentença, que acolheu parcialmente o pedido condenatório deduzido pelo autor, não for interposto recurso de apelação por nenhum dos litigantes, o réu-devedor, quando se der conta de que não houve impugnação pelo demandante, já deixou decorrer o prado de 15 dias ‘a contar do trânsito em julgado’".

Por outro lado, a segunda corrente doutrinária, mais liberal, entende ser completamente desnecessária a intimação do devedor para pagamento. Os defensores desse entendimento sustentam que a contagem do prazo para pagamento se inicia logo após o trânsito em julgado, inexistindo a necessidade de intimação do devedor, que terá 15 (quinze) dias para efetuar o pagamento de maneira voluntária. Transcorrido o lapso temporal, caberá ao credor requerer o cumprimento da sentença.

Nesse sentido, o Ilustre Humberto Theodoro Junior asseverou que:

"Há, porém, um prazo legal para cumprimento voluntário pelo devedor, que corre independentemente de citação ou intimação do devedor. A sentença condenatória líquida, ou a decisão de liquidação da condenação genérica, abrem, por si só, o prazo de 15 dias para o pagamento do valor da prestação devida."

Ao nosso entendimento, em que pese o respeito ás convicções contrárias, a segunda corrente parece atender de modo mais adequado à sistemática imposta pela nova lei. A necessidade de nova intimação para que a sentença seja cumprida de forma "voluntária" é um grande contra-senso.

No momento em que a sentença é publicada impondo ao perdedor a obrigação de efetuar o pagamento de quantia líquida e certa, esse tem plena ciência se irá ou não recorrer, sendo certo que transcorridos 15 (quinze) dias, sem a interposição do recurso de apelação, nasce o termo inicial para contagem do prazo.

Os defensores da corrente conservadora perguntariam: "E se a parte vencedora recorrer?"

Ora, do mesmo modo que o advogado acompanha a juntada do mandado de citação para o início do prazo da contestação, deverá acompanhar a certificação do trânsito em julgado. Esse expediente não é estranho ao advogado, de modo que não trará maiores problemas em sua verificação.

No entanto, caso o trânsito em julgado ocorra em instância superior, o prazo para pagamento se inicia com a intimação das partes a respeito da chegada dos autos à vara de origem. Note que não há a intimação para o pagamento, mas a mera ciência da chegada dos autos ao cartório, o que permite ao interessado que cumpra a obrigação imposta na sentença.

O artigo 475-J confere à parte devedora a faculdade de cumprir a obrigação de maneira voluntária. Nesse sentido, ensina o Ilustre Ministro Athos Carneiro Gusmão:

"Com a intimação da sentença, o réu está ciente do prazo em lei pra que cumpra a decisão e pague a quantia devida. Não o fazendo, estará inadimplente, e sujeito à incidência da multa."

Assim, transitada em julgada a sentença, o devedor terá 15 dias para efetuar o pagamento voluntário da obrigação. Feito isso, o devedor estará liberado da obrigação. Caso contrário, caberá ao exeqüente formular o pedido de expedição do mandado de penhora e avaliação, nos exatos termos do artigo 475-J.

Nesse ponto, importante destacar o inteiro teor do caput do referido artigo:

"Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação."

Apesar de não determinar expressamente, nos parece claro que o credor não irá requerer a intimação do devedor para o cumprimento da sentença, pelo contrário, não satisfeita de modo voluntário por esse, o credor irá requerer a penhora e avaliação do patrimônio do executado.

Por esses motivos, entendemos que não existe a necessidade de intimação do devedor para cumprimento de sentença de obrigação por quantia certa, posto que, a lei impõe que esse o faça de modo voluntário à partir do trânsito em julgado da sentença.

O Superior Tribunal de Justiça tem aplicado o entendimento sustentado pela segunda corrente. Impõe-se colacionar alguns julgados nesse sentido:

"PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO – ADMINISTRATIVO – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADA – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 535 DO CPC – CITAÇÃO – ART. 475-J DO CPC – MULTA DO ART.620 DO CPC – CABIMENTO – DECORRÊNCIA AUTOMÁTICA DO NÃO-CUMPRIMENTO DE SENTENÇA.

1. Inexistente a alegada violação do art. 535 do CPC, pois a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, conforme se depreende da análise do acórdão recorrido.

2. Não se há falar em ofensa ao 475-J, pois não seria sequer necessária a citação da parte, já que o referido dispositivo prevê o adimplemento voluntário da obrigação no prazo de 15 dias. A citação só se dará do procedimento seguinte: a expedição do auto de penhora e avaliação, requerida pelo credor, em caso de não satisfação da dívida no citado prazo.

3. No caso, a citação ocorreu em razão do processo ter ficado paralisado, pelo o que se aplicou, por analogia, o disposto no art. 475-J, § 1º, do CPC. Agravo regimental improvido." (AgReg no RESP1058744/RJ – Agravo Regimental no Recurso Especial 2008/0110066-0, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, j. 11.11.08, DJe 27.11.08)

"AGRAVO REGIMENTAL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - ARTIGO 475-J DO CPC - PRAZO PARA CUMPRIMENTO DA SENTENÇA - DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADO. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. IMPROVIMENTO.

I - O termo inicial do prazo de que trata o artigo 475-J, caput, do Código de Processo Civil é o próprio trânsito em julgado da sentença condenatória, não sendo necessário que a parte vencida seja intimada pessoalmente ou por seu patrono para saldar a dívida.

II - Dissídio jurisprudencial não configurado diante da falta do

devido cotejo analítico exigido.

III - A agravante não trouxe qualquer argumento capaz de modificar a conclusão do julgado, a qual se mantém por seus próprios fundamentos. Agravo improvido." (AgReg no AI 1067660/RJ, Rel. Min. Sidnei Beneti, Terceira Turma, j. 18.11.08, DJe 22.12.08)

"AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL - CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - ARTIGO 475-J DO CPC - MULTA DE 10% - FIXAÇÃO - INTIMAÇÃO PESSOAL DA PARTE VENCIDA - DESNECESSIDADE - PRECEDENTES - FORMA DE INDENIZAÇÃO DOS DIVIDENDOS - TEMA QUE REFOGE AO ALCANCE DO RECURSO ESPECIAL - REEXAME DE PROVAS - IMPOSSIBILIDADE - APLICAÇÃO DO ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA/STJ - RECURSO IMPROVIDO.

I - A intimação pessoal do devedor para efetuar o pagamento da quantia determinada por decisão transitada em julgado é desnecessária;

II - É vedado o reexame de matéria fático-probatória no âmbito do recurso especial;

III - Agravo regimental improvido." (AgReg no RESP 1014421/RS, Agravo Regimental no Recurso Especial 2007/0294184-8, Rel. Massami Uyeda, Terceira Turma, j. 18.22.08, DJe 03.12.08)

"PROCESSUAL CIVIL. ALEGADA AFRONTA AO ART. 535 DO CPC-NÃO-OCORRÊNCIA. LEI 11.232/2005. ARTIGO 475-J, CPC. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. MULTA. TERMO INICIAL. INTIMAÇÃO DA PARTE VENCIDA. DESNECESSIDADE. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO-DEMONSTRADA.

1. O Tribunal de origem solveu a controvérsia de maneira sólida e fundamentada, apenas não adotando a tese dos recorrentes, razão pela qual fica afastada a afronta ao art. 535 do CPC.

2. Transitada em julgado a sentença condenatória, não é necessário que a parte vencida, pessoalmente ou por seu advogado, seja intimada para cumpri-la (REsp 954.859/RS, (REsp 954.859/RS, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 16.8.2007).

3. Cabe ao vencido cumprir espontaneamente a obrigação, em quinze dias, sob pena de ver sua dívida automaticamente acrescida de 10% (REsp 954.859/RS, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Terceira Turma, DJU 27.8.2007).

4. A simples transcrição de ementas de acórdãos considerados paradigmas não é suficiente para dar cumprimento ao que exigem os arts. 541 do CPC e 255 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.

5. Agravo regimental não-provido." (AgReg no RESP 995804, Agravo Regimental no Recurso Especial 2007/0242459-2, Rel. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 25.11.08, DJe 17.12.08)

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Para os adeptos dessa corrente, no que se refere à intimação, a questão está superada. No entanto, o mesmo não se pode dizer dos adeptos da corrente conservadora, uma vez que nasce outra discussão: "A intimação deve ser pessoal ou pode se dar na pessoa de seu advogado ?"

Nesse ponto, há que se salientar que o cumprimento de sentença não instaura uma nova ação, mas inicia uma nova fase processual, logo, partindo dessa premissa, se mostra totalmente desnecessária a intimação pessoal do devedor, bastando à intimação de seu advogado para que o ato seja válido. Sendo o devedor revel, aplicar-se-á o disposto no artigo 322 do Código de Processo Civil.

Importante colacionar o entendimento pretoriano nesse sentido:

"DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO ARTIGO 535, II, DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. ACÓRDÃO SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. LEI N. 11.232/2005. ARTIGO 475-J. INTIMAÇÃO PESSOAL DA PARTE VENCIDA. DISPENSA. PROCURAÇÃO COM PODERES ESPECÍFICOS. ARTIGO 38 DO CPC. DESNECESSIDADE. INTIMAÇÃO NORMAL PELOS MEIOS ORDINÁRIOS.

1. É pacífico o entendimento desta Corte segundo o qual o órgão julgador não está obrigado a se manifestar exaustivamente sobre todos os artigos de lei apontados pela parte, desde que, como ocorreu na espécie, tenha decidido a questão de forma clara e fundamentada, de sorte que, inexistentes os vícios elencados no artigo 535 do CPC, não se reconhece a violação a tal dispositivo.

2. Acórdão recorrido decidiu ser desnecessária a intimação pessoal da parte para fins de cumprimento de sentença, em perfeita consonância com o que vem sendo decidido por esta Corte acerca da quaestio iuris, no sentido de ser suficiente a intimação do procurador da parte para fins de cumprimento de sentença condenatória ao pagamento de quantia certa, sob pena de multa, sem a necessidade de intimação pessoal. Precedentes.

3. Não há incompatibilidade da fixação de multa de 10% do débito em razão do não-cumprimento com o que preconiza o artigo 620 do CPC, porquanto a multa fixada pelo artigo 475-J consiste em uma sanção ao devedor que, mesmo ciente de sua obrigação, permanece inerte, enquanto que o artigo 620 do CPC trata da forma como deve ser realizada a execução dos bens do devedor.

4. Não é necessária a outorga de procuração com poderes específicos para que o patrono possa receber a intimação para o cumprimento da sentença. Ora, se quando há constrição patrimonial do devedor, com intervenção direta do judiciário em seu patrimônio, o Código Processual Civil permite que a intimação se faça por meio do advogado constituído nos autos (§ 1º do art. 475-J), sem exigir que haja a constituição de poderes específicos para tanto, não é razoável se entender que o recebimento, pelo advogado, da simples intimação para o cumprimento da sentença necessite de procuração com poderes específicos.

5. O artigo 38 do CPC, que trata dos poderes conferidos ao patrono por meio da outorga de instrumento de mandado geral, elenca expressamente os poderes que não estão nela abrangidos, quais sejam: receber a citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre que se funda a ação, receber, dar quitação e firmar compromisso. Sua leitura deixa ainda mais evidente que a simples intimação para o pagamento da quantia certa fixada em sentença pode ser feita pelos meios ordinários e recebida pelo patrono constituído nos autos sem que se necessite da constituição de poderes específicos para tanto, ainda mais considerando-se que não se trata de novo processo, mas de continuação do processo de conhecimento no qual o advogado constituído, em tese, já recebeu todas as demais intimações ocorridas no curso da demanda.

6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, não-provido. (REsp 108039/RJ, Recurso Especial 2008/0178305-3, Rel. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, j. 10.02.09, DJe 02.03.09)

Por tais motivos, nos parece completamente desnecessária a intimação pessoal do devedor, bastando a sua realização pela Imprensa Oficial.

Pelas razões acima expostas, tenho por certo que no cumprimento de sentença de quantia líquida e certa, a intimação para "cumprimento voluntário", é totalmente descabida, posto que, incompatível com a sistemática imposta pela Lei 11.23 de 2005.

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Sobre o autor
André da Silva Sacramento

Advogado, Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SACRAMENTO, André Silva. A desnecessidade da intimação no cumprimento de sentença. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2195, 5 jul. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13091. Acesso em: 23 dez. 2024.

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