O presente artigo versa sobre um assunto controvertido no meio jurídico, qual seja: o fenômeno da incidência da contribuição previdenciária sobre o aviso prévio indenizado.
1.Conceito e natureza jurídica do aviso prévio.
Segundo Maurício Godinho Delgado (1), "aviso prévio, no Direito do Trabalho, é instituto de natureza multidimensional, que cumpre as funções de declarar à parte contratual adversa a vontade unilateral de um dos sujeitos contratuais no sentido de romper, sem justa causa, o pacto, fixando, ainda, prazo tipificado para a respectiva extinção, com o correspondente pagamento do período do aviso".
Para Amauri Mascaro do Nascimento (2), trata-se de "comunicação da rescisão do contrato de trabalho pela parte que decide extingui-lo, com a antecedência a que estiver obrigada e com o dever de manter o contrato após essa comunicação até o decurso do prazo nela previsto, sob pena de pagamento de uma quantia substitutiva, no caso de ruptura do contrato".
Quanto à natureza jurídica, Maurício Godinho Delgado (3) diferencia a natureza do aviso prévio, de acordo com o labor ou não no período: "o pagamento do aviso prévio prestado em trabalho tem natureza nitidamente salarial: o período de seu cumprimento é retribuído por meio de salário, o que lhe confere esse inequívoco caráter [...] contudo, não se tratando de pré-aviso laborado, mas somente indenizado, não há como insistir-se em sua natureza salarial. A parcela deixou de ser adimplida por meio de labor, não recebendo a contraprestação inerente a este, o salário. Nesse caso, sua natureza indenizatória inequivocamente desponta (...)"
Em primeiro plano, está excluído do presente artigo o aviso prévio do trabalhador, que indenizado, como não cumprido, é descontado do seu salário. Em conclusão, o aviso prévio do empregador, não cumprido, assume natureza jurídica trabalhista indenizatória, pois não houve trabalho no período. Sobre tal verba trabalhista incidirá contribuição previdenciária?
2.A questão da retribuição pelo trabalho ou dos rendimentos do trabalho.
A questão acima está umbilicalmente relacionada com o conceito de retribuição do trabalho. Para José Augusto Rodrigues Pinto:
a expressão retribuição do trabalho abrange em sua generalidade os vários e distintos modos de retorno ao empregado do valor da energia despendida em favor da empresa, retorno esse que, muitas vezes, procede de terceiro estranho ao contrato individual [...] Tudo o que o empregado receber, em razão da existência do contrato individual de emprego ou da efetiva prestação do trabalho, cabe no conceito de retribuição. Esses fragmentos, entretanto, apresentam diversificação imediata da fonte e da motivação do pagamento, urgindo, portanto, classificá-los por um critério de diferenciação, conforme digam respeito, estritamente, à contraprestação obrigacional, à prestação do trabalho amplamente considerada e, até, ao ressarcimento de danos ou despesas que a própria prestação impõe ao empregado. (4)
Desta forma são espécies de retribuição, para o direito do trabalho:
a) Remuneração – São todas as verbas recebidas pelo empregado, em decorrência da relação de emprego, pagas ou não pelo empregador.
b) Salário – é a verba paga diretamente do empregador em contraprestação ao trabalho (art. 76 da CLT).
c) Indenizações – no dizer de José Augusto Rodrigues Pinto: "consistentes no conjunto de pagamentos acrescidos ao salário pela obrigação de ressarcimento ao empregado de danos sofridos ou riscos de danos a que se expõe na prestação de serviço em condições pessoalmente desfavoráveis, ou ainda de despesas realizadas para a prestação do trabalho." (5)
Tal classificação em espécies da retribuição do trabalho existente no direito do trabalho induz ao seguinte raciocínio: se o aviso prévio é pago de forma indenizada, então se trata de uma verba indenizatória e, por isso, não há incidência da contribuição previdenciária.
No entanto, conforme restará demonstrado, não se aplica no âmbito do direito previdenciário o referido raciocínio.
A Constituição Federal, em seu art. 195, inciso I, estabelece que:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício [...]
A expressão utilizada pela Constituição Federal foi "rendimentos do trabalho". Tal conceito é muito similar ao acima explicado, qual seja, "retribuição do trabalho".
O art. 28, I da Lei n. 8212/91, equipara a remuneração à totalidade dos rendimentos pagos. No entanto, tal conceito de remuneração diverge muito do utilizado na esfera trabalhista, que, aliás, possui diversas correntes.
Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição:
I - para o empregado e trabalhador avulso: a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título[...]
Assim, remuneração, para fins previdenciários, vale a pena ressaltar, "é a totalidade dos rendimentos [...] a qualquer título"
Há, na doutrina trabalhista, pelo menos três correntes diferenciadas que tentam conceituar a palavra remuneração. A primeira iguala ao conceito de remuneração o de salário como se fossem sinônimas. A segunda diz que remuneração é o gênero de todas as verbas devidas enquanto o salário seria a principal. A última entende que o salário seria a parcela paga diretamente pelo empregador ao empregado, com base nos arts 76 e 457, caput, da CLT, enquanto a remuneração abrangeria as demais verbas, inclusive as gorjetas, que são pagas por terceiros. Trata-se de uma lição, ora resumida, do entendimento de Maurício Godinho Delgado (6).
Também não podemos confundir a natureza indenizatória de certas verbas trabalhistas com a indenização por danos. Esta verba, apesar de paga, algumas vezes, em decorrência da relação de emprego, definitivamente não é hipótese de incidência de contribuição previdenciária, bem como, em caso de acidente do trabalho, também não há a incidência de imposto de renda (art. 6º, IV, da Lei nº 7.713/88).
Assim, em apertada síntese, podemos concluir que todas as verbas pagas em razão do trabalho, ou seja, todos os rendimentos ou retribuições do trabalho, quaisquer que sejam suas naturezas, excetuando-se os pagamentos discriminados no §9º do art. 28 da Lei de Custeio, compõem o salário-de-contribuição.
3.Evolução legislativa.
O § 9º do art. 28 da Lei 8.212/91 lista sobre quais verbas não incide a contribuição previdenciária.
Tal parágrafo sofreu inúmeras alterações legislativas.
No texto original (fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8212orig.htm, acesso em 14/02/2009):
§ 9º Não integram o salário-de-contribuição: [...]
e) a importância recebida a título de aviso prévio indenizado, férias indenizadas, indenização por tempo de serviço e indenização a que se refere o art. 9° da Lei n° 7.238, de 29 de outubro de 1984;
Com o advento da Lei n.º 9.528, de 10 de dezembro de 1997, resultante da conversão da Medida Provisória n.º 1.596-14, de 10 de novembro de 1997, foi alterada a alínea "e" para:
e) as importâncias:
1. previstas no inciso I do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias;
2. relativas à indenização por tempo de serviço, anterior a 5 de outubro de 1988, do empregado não optante pelo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS;
3. recebidas a título da indenização de que trata o art. 479 da CLT;
4. recebidas a título da indenização de que trata o art. 14 da Lei nº 5.889, de 8 de junho de 1973;
5. recebidas a título de incentivo à demissão;
Pela simples leitura da lei, observa-se que, desde a Medida Provisória 1.596-14, o aviso prévio indenizado não está entre as parcelas que NÃO integram o salário de contribuição.
4.Fenômeno da incidência tributária.
Diz Geraldo Ataliba (7) que: "pode haver – e tal é o caso mais raro – uma lei que os enumere e especifique a todos, mas, normalmente, os aspectos integrativos da hipótese de incidência estão esparsos na lei, ou em diversas leis, sendo que muitos são implicados no sistema jurídico". Aquele mestre, então, define os aspectos da hipótese de incidência em:
a)Aspecto pessoal "ou subjetivo, é a qualidade – inerente à hipótese de incidência – que determina os sujeitos da obrigação tributária que o fato imponível fará nascer".
b)Aspecto temporal: "a propriedade que esta tem de designar (explícita ou implicitamente) o momento em que se deve reputar consumado (acontecido, realizado) um fato imponível".
c)Aspecto material: "ele contém a designação de todos os dados de ordem objetiva, configuradores do arquétipo em que ela (h.i.) consiste; é a própria consistência material do fato ou estado de fato descrito pela h.i." [...] "é a imagem abstrata de um fato jurídico"
d)Aspecto espacial: "a indicação de circunstâncias de lugar, contidas explícita ou implicitamente na hipótese de incidência, relevantes para a configuração do fato imponível."
Paulo de Barros Carvalho (8), baseado na doutrina de Geraldo Ataliba, assim esquematiza a Regra Matriz de Incidência Tributária:
Os modernos cientistas do Direito Tributário têm insistido na circunstância de que, tanto no descritor (hipótese) quanto no prescritor (conseqüência) existem referenciais a critérios, aspectos, elementos ou dados identificativos. Na hipótese (descritor), haveremos de encontrar um critério material (comportamento da pessoa), condicionado no tempo (critério temporal) e no espaço (critério espacial). Já na conseqüência (prescritor), depararemos com um critério pessoal (sujeito ativo e sujeito passivo) e um critério quantitativo (base de cálculo e alíquota). A conjunção desses dados indicativos nos oferece a possibilidade de exibir, na sua plenitude, o núcleo lógico-estrutural da norma-padrão de incidência tributária.
Regra-matriz de incidência tributária é a norma de conduta, geral e abstrata, que possui em sua hipótese um fato de conteúdo econômico, e no consequente um vínculo obrigacional entre o Estado, ou quem lhe faça as vezes, como sujeito ativo, e o sujeito passivo (pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado). Assim, verificada a ocorrência do fato previsto na hipótese da norma, o sujeito ativo tem o direito subjetivo de exigir do sujeito passivo o pagamento de uma determinada quantia em dinheiro. Em contrapartida, o sujeito passivo tem o dever de entregar aquela quantia.
No descritor (hipótese) da norma de incidência tributária devem constar as diretrizes para a identificação de eventos portadores de expressão econômica eleitos pelo legislador para serem capazes de invocar a incidência tributária – os critérios material, espacial e temporal. No consequente (prescritor) da norma, haverá um critério quantitativo (base de cálculo e alíquota) e outro pessoal (sujeito ativo e sujeito passivo). Tais critérios, do antecedente e do consequente, dão o núcleo lógico-estrutural da norma-padrão.
Construímos, a título exemplificativo a regra matriz de incidência da contribuição da empresa, prevista no art. 22, inc. I, da Lei 8.212/91.
Antecedente:
Critério Material: pagar, dever ou creditar a qualquer título, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, verbas destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa
Critério Temporal: durante o mês ou, para alguns, na data do pagamento ou quando o mesmo seria devido
Critério Espacial: extraterritorial
Consequente:
Critério quantitativo:
base de cálculo: art. 28 que define a base de cálculo
alíquota: 20%
Critério pessoal:
sujeito passivo: empresa
sujeito ativo: Receita Federal do Brasil
O inciso I do art. 28 da Lei n.º 8.212/91 dispõe que, para o empregado e o trabalhador o salário de contribuição é a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa; (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10/12/97).
O salário de contribuição é a base de cálculo da contribuição.
Paulo de Barros Carvalho (9) assevera que "A base de cálculo é a grandeza presente no elemento quantitativo da relação jurídica tributária, cumprindo papel mensurador e determinativo do valor que deve ser prestado a título de tributo."
A base de cálculo está prevista na Lei de Custeio. Respeita, portanto, o princípio da legalidade, bem como o art. 195, inc. I, alínea "a" da CF/88, que autoriza à União editar norma geral e abstrata que preveja no consequente da regra matriz de incidência tributária, no seu critério quantitativa quaisquer valores decorrentes da "folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício".
No artigo 28, § 9º da Lei de Custeio, encontramos as situações de isenção de contribuição previdenciária. A Constituição Federal, no artigo 150, § 6º, determina que a norma outorgante de isenções deverá ser veiculada por lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no artigo 155, § 2º, XII, g (necessidade de lei complementar para a concessão de isenções e outros benefícios com relação ao ICMS). Verificamos que o requisito constitucional ora citado está atendido, pois a Lei nº 8.212/91, que prevê a redução no âmbito da base de cálculo no § 9º do art. 28, cuida especificamente da contribuição social previdenciária.
No Código Tributário Nacional, a isenção é tratada como modalidade de "exclusão" do crédito tributário, juntamente com a anistia (art. 175, I e II).
Para Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli, anistia e isenção são "fenômenos normativos diametralmente distintos", sendo que a primeira pressupõe a ocorrência de um fato ilícito, cuja penalidade torna-se objeto do favor legal, ao passo que a segunda volta-se para um fato lícito, qual seja, a ocorrência do fato jurídico tributário – aquele fato que figura no antecedente da norma individual e concreta produzida com a aplicação da regra-matriz de incidência tributária (10). É necessário levarmos em conta, pois, que o Poder Legislativo possui representantes de diversas profissões e formações culturais, e que dessa diversidade não há como se esperar um trabalho cientificamente sistematizado; nesse contexto é que se pode compreender o porquê de duas figuras tão díspares serem tratadas como similares no Código (11).
Há diversas teorias que tentam definir o fenômeno da isenção; as mais aceitas são (12):
•a clássica, que defende que a isenção é um favor legal consistente na dispensa do pagamento do tributo devido; ocorreria a incidência da norma tributária, configurando-se o fato jurídico, porém o legislador desoneraria o sujeito passivo da obrigação de recolher o imposto;
•Alfredo Augusto Becker e José Souto Maior Borges defendem que a regra de isenção é quem incide primeiro, impedindo a norma tributante de atuar;
•outra teoria, sustentada por Sainz de Bujanda e Salvatore la Rosa, bem como Alberto Xavier e João Augusto Filho, sustenta que o suposto da norma de isenção é mais complexo que o da norma tributante, pois encerra um fato impeditivo que elide a eficácia da norma do tributo;
•para Paulo de Barros Carvalho, isenção é norma jurídica de estrutura que atua sobre a regra-matriz de incidência tributária, mutilando um ou mais de seus critérios de forma parcial. O autor ressalta a necessidade de que não ocorra supressão total de um critério, pois isso "equivaleria a destruir a regra-matriz, inutilizando-a como norma válida no sistema. O que o preceito de isenção faz é subtrair parcela do campo de abrangência do critério do antecedente ou do consequente..."
•para Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli, a norma isentante não é norma de estrutura, e sim de conduta, no sentido de que impõe ao Fisco uma obrigação de não fazer (não exigir o pagamento do tributo devido) (13).
A tese de que a isenção consiste na "dispensa legal do pagamento do tributo devido" é insustentável, pois supõe que a norma isentante fique latente, aguardando a incidência da norma tributante para, só então, irradiar seus efeitos, "excluindo" o crédito tributário. Ora, não há cronologia na incidência das normas em vigor, quando contemplam idêntico fato jurídico. Seria o mesmo que dizer que a regra-matriz de incidência tributária tivesse maior velocidade de incidência que a norma de isenção. A lógica dessa tese existe apenas no plano da política fiscal, pré-jurídico, quando o legislador cria a regra isentante (14)
De acordo com disposição expressa do artigo 111, I do CTN, deverá ser interpretada literalmente a legislação tributária atinente a exclusão do crédito tributário.
A atividade hermenêutica requer que o intérprete verifique a linguagem em seus três planos: sintático, semântico e pragmático (15). Isso vale tanto para a linguagem jurídica quanto para qualquer outra linguagem utilizada na produção de textos. O plano sintático é aquele formado pelas relações que os símbolos mantêm entre si (relações lógico-gramaticais); o plano semântico é aquele das significações dos símbolos, das relações que estes travam com os objetos do mundo; e o plano pragmático diz respeito ao uso prático da linguagem, ao emprego desta pelos seus utentes. Em outras palavras, na interpretação de quaisquer textos jurídicos, é necessário verificar tanto as regras de lógica quanto aquelas de gramática da linguagem utilizada no direito (análise sintática), quanto as significações dos vocábulos e expressões empregados (estudo semântico), quanto, ainda, o uso que advogados, juízes e cidadãos farão daqueles textos (observação pragmática, voltada para a efetividade dos comandos normativos).
A interpretação literal atém-se apenas ao aspecto sintático-gramatical da linguagem, deixando de lado a semântica e a pragmática. Trata-se de missão impossível; não é possível construir-se significados a partir de quaisquer textos, aí inclusos os jurídicos, sem verificarmos a significação de seus vocábulos componentes, bem como sem levarmos em consideração as ponderações de ordem prática. Ademais, além da impossibilidade de verificação do significado dos textos, há que se ter em conta que uma frase pode seguir as regras gramaticais e, no entanto, ser absolutamente desprovida de sentido; por exemplo, na frase "Dandelo bebe seu carro", temos sujeito, verbo e objeto direto devidamente colocados, atendidas todas as normas gramaticais, não obstante tratar-se de oração completamente sem significado.
Há, ainda, na busca semântica, a necessidade de se levar em consideração não apenas o texto, mas seu contexto. A verificação contextual, muito embora inafastável e necessária, é o que se busca deixar de lado na chamada interpretação literal.
Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho, "a consistência sintática é apenas um prius com relação à validade semântica. Uma construção sintática pode ser uma verdade sintática, visto que seus termos estão devidamente situados nos tópicos respectivos, cumprindo cada qual sua função no contexto mas, ao mesmo tempo, não corresponder a uma formulação semanticamente válida. (...) Quer na linguagem em geral, quer na jurídica em particular, as palavras ostentam uma significação de base e uma significação contextual; o conteúdo semântico dos vocábulos, tomando-se somente a significação de base, é insuficiente para a compreensão da mensagem, que requer empenho mais elaborado, muitas vezes trabalhoso, de vagar pela integridade textual à procura de uma acepção mais adequada ao pensamento que nele se exprime". (16)
Logo, não é desejável, nem sequer possível a interpretação literal para as normas isentivas.
Não obstante, a inviabilidade da interpretação literal não impede a existência de listas taxativas no ordenamento jurídico, e é nesse sentido que podemos tomar o comando do artigo 111 do Código Tributário Nacional, conjugado com normas isentivas. As referidas ordens são mutiladoras das regras-matrizes de incidência tributária. Essa mutilação, portanto, somente ocorrerá para as especiais situações eleitas pelo legislador, não podendo acontecer a não-incidência nos casos não previstos na norma isentiva.
Para a incidência da contribuição previdenciária, não importa se uma verba é salário, remuneração ou indenização, pois, em regra, a exação em comento incide sobre todas as verbas pagas, devidas ou creditadas (cf. o inc. I do art. 28 da Lei n.º 8.212/91), exceto aquelas listadas no rol taxativo do § 9º do art. 28 da lei de custeio, desde que pagas em retribuição do trabalho. Dessa forma, sobre o aviso prévio indenizado incide a contribuição previdenciária, desde a Medida Provisória n° 1.596-14, de 10 de novembro de 1997, pois que essa verba não se encontra no rol do referido parágrafo.
5.Do decreto n.º 6.727, de 12 de janeiro de 2009.
O decreto n.º 6.727, em seu artigo 1º, revogou a alínea "f" do inciso V do § 9o do art. 214 do decreto n.º 3.048, de 6 de maio de 1999.
Tal alínea dispunha que:
§ 9º Não integram o salário-de-contribuição, exclusivamente: [...]
V - as importâncias recebidas a título de: [...]
f) aviso prévio indenizado;
Assim, apesar de existir no plano jurídico o fenômeno da incidência tributária da contribuição previdenciária sobre o aviso prévio indenizado desde a publicação da Medida Provisória n. 1.596-14, de 10 de novembro de 1997, o Poder Executivo determinava, por norma que obrigava seus agentes tributários, que não havia a integração da referida verba ao salário-de-contribuição. Tal alínea era explicitamente contrária ao texto legal. Era evidente o extravasamento do poder regulamentar. No entanto, tal dispositivo não foi objeto de qualquer discussão nos tribunais porque tal debate não interessava ao contribuinte.
Conclui-se que o decreto n.º 6.727 somente corrigiu uma ilegalidade. Não criou, como muitos estão dizendo, tributo, já que sequer poderia, pois vige no ordenamento pátrio o princípio da reserva legal no campo do direito tributário (art. 150, I da Constituição Federal).
6.Do Tempo de Contribuição.
Como bem ressaltou Marcelo Barroso Mendes (17):
Antes da Reforma Previdenciária trazida pela Emenda Constitucional 20 de 1998, o aviso prévio indenizado era contado como tempo de serviço para fins previdenciários, nesse sentido eram os textos do art. 202 da Constituição Federal, do art. 18, I, "c", da Lei 8.213/91, ora, ambos revogados. No regime anterior bastava a comprovação do tempo de serviço para fazer jus aos benefícios previdenciários. Entretanto, com a EC 20/98, a situação mudou, não apenas deve-se demonstrar o serviço mas também haver recolhimento.
Sendo interessante notar que para fins trabalhistas, o aviso prévio continua sendo contado como tempo de serviço, estando em pleno vigor art. 487, §1º, in fine, e art. 489, ambos da CLT e Orientação Jurisprudencial 82 da SDI-I do C, TST.4.
7.Conclusão.
O aviso prévio indenizado é uma retribuição do trabalho ou um rendimento do trabalho. Tal verba não está excluída pelo §9º do art. 28 da Lei n. 8212/91, norma isentiva específica que deve ser interpretada restritivamente, segundo disposição constitucional e CTN. O período do aviso prévio conta como tempo de contribuição, servindo como termo a quo para contagem de prazos para carência e perda da qualidade de beneficiário previstas na legislação previdenciária. Há, assim, a incidência de contribuição previdenciária.
Referências bibliográficas
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 2ª ed., São Paulo: LTr, 2004. p. 1170/1171.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 21ª Ed., São Paulo: LTr, 1994, p. 448.
DELGADO, op. cit. p. 1171.
PINTO, José Augusto Rodrigues Pinto. Curso de direito individual do trabalho, sujeitos e Institutos do Direito Individual do Trabalho. 2.ed. São Paulo: LTr, 1995. p. 266.
PINTO, op. cit. p. 267.
DELGADO, op. cit. p. 682/686.
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6ª ed. São Paulo: ed. Malheiros, 2003, pp. 76, 80, 94, 104, 106, 107 .
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 19ª ed., São Paulo: Ed. Saraiva, 2007, p.261.
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Fundamentos Jurídicos da Incidência. São Paulo: Editora Saraiva, 1998, p.172.
LUNARDELLI, Pedro Guilherme Accorsi. Isenções Tributárias. São Paulo: Dialética, 1999, p. 73.
CARVALHO, Curso, p. 5.
CARVALHO, op. cit., pp. 516-521
LUNARDELLI, op. cit., pp. 74-76 e 80-93
CARVALHO, op. cit., pp. 519-520
CARVALHO, op. cit., pp. 100-102
CARVALHO, op. cit., p. 107
MENDES, Marcelo Barroso. Aviso Prévio Indenizado – Fato Gerador de Contribuição Previdenciária–Proteção ao Direito Fundamental à Previdência Social (in. http://www.escola.agu.gov.br/revista/Ano_VII_outubro_2007/AvisoPrevioIndenizado_MarceloBarroso_NOTAS.pdf. Acesso em 22/02/2009).