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O valor da palavra da vítima nos crimes de abuso sexual contra crianças nos julgados do Tribunal de Justiça de Santa Catarina

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16/07/2009 às 00:00
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4.O VALOR DA PALAVRA DA VÍTIMA NOS CRIMES DE ABUSO SEXUAL CONTRA CRIANÇAS NOS JULGADOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

A pesquisa jurisprudencial, realizada no presente estudo, visa identificar o pensamento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina nos processos de abuso sexual infantil contra crianças, nos quais há ausência de prova material e quando o depoimento da vítima é um dos poucos indícios constantes do conjunto probatório. Assim, pretende-se verificar o valor dado ao depoimento da vítima na decisão dos magistrados.

Para uma visão mais ampla, foram analisados, também, julgados do STJ e de alguns Tribunais estaduais de relevância: DF, MG, PR e RS.

As principais palavras chaves da pesquisa foram: atentado violento ao pudor (por ser o que mais se aproxima do abuso sexual sem vestígios materiais) e criança (aquela definida pelo ECA como tendo até 12 anos de idade incompletos).

No tocante ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca do delito em tela, demonstra-se uníssono quanto ao valor da palavra da criança, no sentido de estar corroborado por algum outro indício, conforme resta demonstrado pelo caso de atentado violento ao pudor, contra menina de 8 (oito) anos de idade à época dos fatos, cujo ofensor foi seu padrasto (STJ. RESP 700.800- RS. 2005).

As provas constantes dos autos foram: depoimento da criança, testemunho da mãe que não presenciou o fato e laudo psicológico. Com base nesse conjunto probatório, em 1º grau o juízo condenou o réu, decisão que foi revertida em 2º grau.

Nesse sentido, a ementa do Recurso Especial, interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, assim versa:

CRIMINAL. RESP. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. ABSOLVIÇÃO EM SEGUNDO GRAU. REVALORAÇÃO DAS PROVAS. PALAVRA DA VÍTIMA. ESPECIAL RELEVO. AUSÊNCIA DE VESTÍGIOS. RECURSO PROVIDO.

I. Hipótese em que o Juízo sentenciante se valeu, primordialmente, da palavra da vítima-menina de apenas 8 anos de idade, à época do fato -, e do laudo psicológico, considerados coerentes em seu conjunto, para embasar o decreto condenatório.

II. Nos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, a palavra da vítima tem grande validade como prova, especialmente porque, na maior parte dos casos, esses delitos, por sua própria natureza, não contam com testemunhas e sequer deixam vestígios. Precedentes.

III. Recurso provido, nos termos do voto do Relator (STJ. RESP 700.800- RS. 2005).

O alto valor probatório que é concedido à palavra da vítima quando coerente e harmoniosa com os demais elementos probatórios, também foi constatado após análise de alguns julgados dos Tribunais de Justiça de Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, o que pode ser observado na Apelação Criminal do TJMG, relativo ao delito de atentado violento ao pudor praticado contra infante de 3 (três) anos de idade:

ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR - PROVA - PALAVRA DA VÍTIMA - VALIDADE - INOCORRÊNCIA DE CONTRADIÇÃO NOS DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS - DESNECESSIDADE DE LAUDO PERICIAL ATESTANDO A OCORRÊNCIA DE ATO LIBIDINOSO - FIXAÇÃO DO REGIME SEMI-ABERTO - INVIABILIDADE POR TRATAR-SE CRIME HEDIONDO - DOSIMETRIA DA PENA CORRETA. Assente na jurisprudência que nos delitos contra os costumes, pela sua própria natureza, a palavra da vítima assume excepcional relevância, particularmente quando coerente e harmoniosa com os demais elementos dos autos. A versão da vítima para os fatos deve prevalecer sobre as negativas do acusado, salvo se provado de modo cabal e incontroverso que se equivocou ou mentiu. É infundada a tese de suspeição dos demais depoimentos testemunhais levantada pela defesa tardiamente, sem obediência a dispositivos legais aplicáveis ao caso, art. 214 do CPP, notadamente quando não se constata qualquer contradição entre as declarações prestadas pelas testemunhas. Sabe-se que, em delitos de natureza sexual, especialmente o ato libidinoso diverso da conjunção carnal, nem sempre deixa vestígios, o que torna desnecessária a realização de laudo pericial. O estupro e o atentado violento ao pudor, em qualquer situação, são hoje considerados crimes hediondos sendo o regime de cumprimento de pena o integralmente fechado, ‘‘ex vi´´‘ do art. 2º, § 1º, da Lei de Crimes Hediondos. A quantidade de pena privativa de liberdade fixada de maneira fundamentada e correta não merece revisão para acertos. (TJMG. Apelação Criminal n. 1.0400.99.0000806-4/001. 2005) – (sem grifo no original)

Todavia, se houver contradição, imediatamente surgirá a dúvida se a vítima fantasiou e, por isso, entendem os togados que não se pode correr o risco de condenar um inocente. Logo, pelo in dubio pro reo.

Nesse sentido, um julgado do Paraná, no qual a mãe coloca em questão o relato da filha, porque teria imaginação fértil; somado a isso, o relator entende que a criança foi induzida pela juíza de 1º grau em seu depoimento. Para tanto, manifesta-se:

[...] A imaturidade psicológica da criança, especialmente quando contam com tenra idade, é ponto que necessita ser abordado. Como bem ressaltou o e. Juiz que proferiu o voto que ensejou o recurso ora examinado, a imaginação destes indivíduos é utilizada como meio de autodefesa e para satisfação de seus próprios desejos, além de serem altamente sugestionáveis. [...] (TJPR. Embargos Infringentes n. 204.093-1/01. 2003) – (sem grifo no original)

No Tribunal de Justiça de Santa Catarina percebe-se que não é muito diferente, conforme se colhe da Apelação Criminal n. 2008.063280-1, referente a atentado violento ao pudor praticado pelo padrasto contra menina de 7 (sete) anos à época dos fatos:

CRIME CONTRA LIBERDADE SEXUAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR, COM VIOLÊNCIA PRESUMIDA E EM CONTINUIDADE DELITIVA. ACUSADO QUE, NA CONDIÇÃO DE PADRASTO, ABUSAVA SEXUALMENTE DA VÍTIMA, QUE POSSUÍA, À ÉPOCA DOS FATOS, 7 ANOS. RECURSO DA DEFESA. PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS. INVIABILIDADE. INDÍCIOS E CIRCUNSTÂNCIAS QUE CONVENCEM ACERCA DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA DELITIVAS. DECLARAÇÕES SEGURAS E COERENTES DA OFENDIDA. DEPOIMENTOS EM HARMONIA COM AS DEMAIS PROVAS ANGARIADAS NO PROCESSADO. ELEMENTOS PROBANTES SUFICIENTES PARA DAR SUPORTE AO DECRETO CONDENATÓRIO.

Nos crimes contra os costumes, geralmente cometidos na clandestinidade, os depoimentos testemunhais da vítima, quando claros, coerentes e harmônicos, com apoio nos autos, são bastantes para embasar o decreto condenatório, independentemente da presença de vestígios no exame pericial. [...]

(TJSC. Apelação Criminal n. 2008.063280-1. 2008) – (sem grifo no original)

As provas constantes dos autos foram o depoimento da menina, o testemunho do irmão e da mãe (que não presenciaram o ato, só alguns fatos que coadunaram com o relato da vítima), relatório do conselho tutelar e parecer psicológico realizado na delegacia de polícia.

Nesse sentido, ainda, a Apelação Criminal n. 2008.023236-4, de atentado violento ao pudor praticado pelo companheiro da avó, cuja vítima contava com 6 (seis) anos de idade:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA OS COSTUMES. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR CONTRA MENOR, COMETIDO PELO CÔNJUGE DA GUARDIÃ DA INFANTE, POR DIVERSAS VEZES.

MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE COMPROVADAS PELO DEPOIMENTO DA VÍTIMA CORROBORADO PELOS DEPOIMENTOS DAS DEMAIS TESTEMUNHAS.

PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. DEPOIMENTO DA VÍTIMA, ALIADO A OUTRAS PROVAS QUE, EM CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL, TEM ALTO VALOR PROBATÓRIO.

ALMEJADO AFASTAMENTO DA CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO (ART. 226, INC. II, DO CP). INVIABILIDADE. APELANTE QUE EXERCIA PÁTRIO PODER SOBRE A VÍTIMA.

PLEITO DE PROGRESSÃO DE REGIME APÓS CUMPRIMENTO DE 1/6 (UM SEXTO) DA PENA. MATÉRIA QUE COMPETE AO JUIZO DE EXECUÇÕES PENAIS.

DELITOS COMETIDOS ANTERIORMENTE À LEI N. 11.106/2005, QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO ART. 226, INC. II, DO CP, AGRAVANDO A SITUAÇÃO DO RÉU. IRRETROATIVIDADE DA LEI MAIS GRAVOSA. ADEQUAÇÃO DE OFÍCIO. (TJSC. Apelação Criminal n. 2008.023236-4. 2008) - (sem grifo no original)

Neste, as provas que formaram o convencimento do magistrado foram: depoimento da menina, testemunho da mãe e da avó (que não presenciaram qualquer ato, só ouviram o relato da menor e indicaram alguns indícios).

Por fim, apresenta-se julgado que continha como provas: depoimento da criança, testemunho de uma vizinha (que não presenciou o fato, mas ouviu reclamação da menina, bem como demonstração de temor do pai) e laudo psicológico. Trata-se de delito praticado contra menina de 4 (quatro) anos, vitimada, supostamente, pelo próprio pai.

Neste houve voto de divergência, sendo 2 (dois) votos pela absolvição do réu, cujos motivos seguem:

A mãe manifestou-se no sentido de não acreditar nos fatos narrados pela filha;

A psicóloga que atendeu a menina, ouvida em juízo, "confirmou que a versão da infante pode ser fruto da imaginação desta";

Pelo fato das provas não sustentarem o fato imputado ao réu, então, pelo in dubio pro reo. (TJSC. Apelação Criminal n. 2004.004078-4)

Por outro lado, os argumentos que defenderam a condenação do mesmo réu foram os seguintes:

[...] os fatos chegaram à tona quando a vítima L. F. (abreviação minha), de apenas 04 anos, contou para a vizinha que o pai havia colocado o membro sexual em sua boca e ejaculado.

[...] a testemunha [...] narrou que a mãe da ofendida precisou viajar à cidade de Curitiba para tratamento de saúde de outra filha e prontificou-se a cuidar da vítima. Certo dia, porém, notou que a criança estava estranha e perguntou o que havia acontecido, sendo que a menor respondeu que, se o pai fosse buscá-la, ela não iria para casa, pois ele havia colocado "o tico de mijar em sua boca". [...] Por fim, esclareceu que a ofendida não tinha contato com homens e não era uma menina mentirosa. [...] Sublinhe-se que, na véspera da data da audiência, o réu levou uma boneca para a filha brincar e, segundo ela, ‘tem medo que faça isso novamente e, antes dos fatos, ele não lhe dava presentes, mas, depois, sim’ (fls 125).

Ora, a menor particularizou o ato libidinoso por diversas vezes (perante familiares, psicóloga, conselheira tutelar, autoridades policial e judicial), sendo improvável que tivesse criado ou fantasiado fato de extrema gravidade, sem que tivesse verdadeiramente vivenciado a violência.

[...] embora a psicóloga Fabiane Gialdi tenha afirmado, em juízo, "que não poderia dar certeza de que os fatos ocorreram, podendo ser resultado da imaginação da criança", disse, porém, que "mesmo que um ato libidinoso ocorra uma única vez, tal ato é encarado com naturalidade pela criança, porque ela já vem sendo seduzida há tempo e o discurso dela é muito coerente, o que pode significar que o que ela fala é verdadeiro" (fl. 56).

[...] Inconsistente, também, a alegação de que, se, realmente, tivesse o réu praticado o abuso contra Luciana, a mãe não permitiria a convivência dele com a menor, que não demonstra qualquer receio à sua pessoa. Esse comportamento da genitora pode ter ocorrido pelo assossegamento da consciência e o sopesamento das conseqüências que o curso do processo penal fatalmente acarretarariam para os interesses mediatos envolvidos, como a perda de sua contribuição financeira para o orçamento doméstico e a saída do companheiro do seio familiar, dentre outros. (TJSC. Apelação Criminal n. 2004.004078-4. 2004) – (sem grifo no original)

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Por todo o exposto, resta evidente o assunto delicado que é o trazido à baila na presente pesquisa.

À palavra da criança, neste tipo de crime, em determinadas horas é dada especial relevância, em outras é questionável, duvidosa. O certo é que, pelo que se pode apurar nos julgados do Tribunais anteriormente citados, a palavra da criança deve ser coerente e concisa em todas as vezes que precisar depor, além da necessidade de apresentar-se junto a algum outro indício ou evidência; do contrário, torna-se frágil. Verificando-se, assim, a vital importância da preparação dos profissionais que extraem a verdade da criança.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não se pretende, e importante deixar claro, defender a tese de que a criança sempre estará narrando o fato tal como aconteceu, mas alertar de que cuidados específicos devem ser tomados quando de sua oitiva, seja na fase policial ou judicial, já que se trata de um ser munido de condição peculiar, ou seja, merecendo tratamento diferenciado do adulto, que lhe garanta proteção integral e prioridade no atendimento; previsão constitucional, reforçada e especificada pelo estatuto da criança e do adolescente.

No tocante aos procedimentos para a oitiva da criança, o que existe hoje no brasil é, tão somente, uma adequação da forma utilizada para os adultos, conforme previsão do código de processo penal, além de algumas iniciativas isoladas, chamadas de ‘psicologia do testemunho’ e ‘depoimento sem dano’, que deu origem ao projeto de lei n. 35/2007, do Senado Federal.

Com base nos julgados, conclui-se que a palavra da vítima influencia a decisão do magistrado quando coerente e corroborada por outras provas constantes dos autos, sendo raras as situações em que decidem com base unicamente no seu depoimento, embora aconteça, mas, ainda assim, é exigida forma lógica e sem contradições.

Ainda, quando há incoerência na fala da criança, se não apoiado por outra prova, remete-se à fabulação ou sugestionabilidade, não sendo considerada a possibilidade de confusão, natural diante da agressão de que foi vítima, muitas vezes praticada por pessoa por quem nutria amor e admiração, além de inerente ao estágio de desenvolvimento psíquico-emocional do infante frente a fato tão complexo para si.

Sendo assim, o estudo em tela revela a necessidade emergente da conscientização dos profissionais que atendem situações como as apresentadas, relativas ao abuso sexual infantil, de que é imprescindível a intervenção multidisciplinar, já que há possibilidade de atuação punitiva, protetora e terapêutica, objetivando, assim, a produção de uma prova de qualidade, favorecendo o processo e o poder punitivo do estado, além da proteção integral ao menor.

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Sobre a autora
Mônica Jacinto

Psicóloga e servidora do Tribunal de Justiça de Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JACINTO, Mônica. O valor da palavra da vítima nos crimes de abuso sexual contra crianças nos julgados do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2206, 16 jul. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13130. Acesso em: 26 nov. 2024.

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