6- MEDIDA CAUTELAR
Antes da publicação da Lei 9868/99, existia muita controvérsia sobre a possibilidade de concessão de medida cautelar em Ação Declaratória de Constitucionalidade, uma vez que o texto constitucional, idealizador deste instituto, não previa a sua existência.
Somente após o ano de 1999, com o seu advento e a chancela do Supremo Tribunal Federal em diversos de seus julgados, passou-se a ser admitida a medida cautelar na ADC.
O artigo 21 da Lei 9868 estabelece que o STF, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir o pedido de medida cautelar, consistente na determinação de que os juízes e os Tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou ato normativo até o julgamento final da questão de fundo.
Concedida a medida cautelar, o STF deverá publicar em seção especial do Diário Oficial da União a parte dispositiva da decisão, no prazo de dez dias, devendo o Pretório Excelso proceder ao julgamento da ação no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de perda de sua eficácia (art. 21, § único).
É importante frisar que este prazo de 180 dias é passível de extensão, nos termos da decisão proferida nos autos da ADPF/QO nº 130 que reputa-se aplicável também em sede de ADC. Nestes termos:
"Argüição de descumprimento de preceito fundamental. Lei de Imprensa. Referendo da medida liminar. Expiração do prazo de 180 (cento e oitenta) dias. Tendo em vista o encerramento do prazo de 180 (cento e oitenta) dias, fixado pelo Plenário, para o julgamento de mérito da causa, resolve-se a Questão de Ordem para estender esse prazo por mais 180 (cento e oitenta) dias [10]."
Nota-se que a medida cautelar na ADC, ao contrário da ADIn, não enseja a suspensão da norma objeto da questão, mas apenas numa ordem para que os juízes e Tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou ato normativo até que o STF aprecie o seu mérito.
É de se perceber que tal repercussão está intimamente relacionada ao efeito vinculante, que obriga a todos os demais órgãos dos Poderes Judiciário e Executivo, nas esferas federal, estadual e municipal, a não desrespeitarem a sua determinação.
No entanto, dita eficácia não atinge o próprio Pretório Excelso que poderá rever suas próprias decisões proferidas em sentido contrário. Tampouco se aplica ao Poder Legislativo que poderá editar uma nova lei com conteúdo material idêntico ao daquele declarado inconstitucional. Ressalva este posicionamento, Alexandre de Moraes que entende pela impossibilidade do legislador editar uma nova lei semelhante (Direito Constitucional, 19ª Ed., pág. 626).
Nesse sentido:
"A mera instauração do processo de controle normativo abstrato não se reveste, só por si, de efeitos inibitórios das atividades normativas do Poder Legislativo, que não fica impossibilitado, por isso mesmo, de revogar, enquanto pendente a respectiva ação direta, a própria lei objeto de impugnação perante o Supremo Tribunal, podendo, até mesmo, reeditar o diploma anteriormente pronunciado inconstitucional, eis que não se estende, ao Parlamento, a eficácia vinculante que resulta, naturalmente, da própria declaração de inconstitucionalidade proferida em sede concentrada [11]."
Ademais, a decisão cautelar emanada pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos da Ação Declaratória de Constitucionalidade também possui efeitos erga omnes, aplicável contra todos, o que lhe confere força de lei.
Neste interim, importante fazer a distinção entre eficácia "erga omnes" do efeito vinculante, pois não possuem o mesmo conceito, como algumas vozes da doutrina costumam pensar. Segundo a orientação que tem prevalecido no Supremo Tribunal Federal, aquele efeito se refere à parte dispositiva da decisão, com poderes para atingir terceiros estranhos à lide; enquanto o segundo, cujo objetivo é conferir maior eficácia às decisões do STF, assegura "força vinculante não apenas à parte dispositiva da decisão, mas também aos chamados motivos determinantes, também conhecida como ratio decidendi,.a razão da decisão. O seu efeito principal é a possibilidade de manejo da reclamação perante o STF, quando a decisão for desrespeitada, mesmo que o objeto da questão envolva outras partes.
Nesse sentido:
"O Tribunal, por maioria, julgou procedente pedido formulado em duas reclamações para determinar aos juízos reclamados que recebam os embargos à execução opostos pela União e lhes dê imediato processamento. (...) Entendeu-se haver afronta à autoridade da decisão proferida pelo Supremo na ADC 11 MC/DF (DJU de 29-6-2007), que determinara a suspensão de todos os processos em que discutida a constitucionalidade do art. 1º-B da Medida Provisória 2.180-35 [12].
E ainda, quanto a legitimidade para a propositura da Reclamação, vale atentar para o seguinte voto:
"É velha e aturada a jurisprudência desta Corte no sentido de que tem legitimidade para a propositura de reclamação todo aquele, particular ou não, que venha a ser atingido, em sua esfera jurídica, por decisão que, provinda de magistrado ou Tribunal, se revele contrária ao entendimento fixado, em caráter vinculante, por este Supremo Tribunal, no julgamento de processos objetivos de controle normativo abstrato, instaurados por meio de ação direta de constitucionalidade — ADC, ou por ação direta de inconstitucionalidade — ADI, ainda que esta última importe interpretação conforme à Constituição ou declaração parcial de inconstitucionalidade, sem redução de texto [13].
7 – DECISÃO DE MÉRITO
A decisão de mérito proferida pelo Supremo Tribunal Federal aprecia apenas a constitucionalidade em abstrato da lei ou ato normativo, e não a tutela dos direitos subjetivos discutidos em processos judiciais.
Limitar-se-á, portanto, a declarar a sua pertinência com o contexto constitucional, afirmando, em caso de procedência, a constitucionalidade da lei ou ato normativo, colocado em risco em razão da controvérsia observada entre juízes ou tribunais inferiores. Daí o seu caráter nitidamente declaratório.
O artigo 22 da lei combinado com o artigo 173 do RISTF estabelece como quorum mínimo para o início das votações a presença de pelo menos oito Ministros.
A constitucionalidade da lei ou do ato normativo será proclamado caso, pelo menos seis Ministros, tiverem manifestado ao seu favor (art. 23). Prevê os §§ únicos do artigo 23 da Lei 9868/99 e o artigo 173 do RISTF que, se não for alcançado o referido quorum, estando ausentes ou licenciados Ministros em número que possa influir no julgamento, este será suspenso a fim de aguardar o comparecimento dos ausentes até que se atinja o quorum.
É importante ressaltar que no julgamento das ações sujeitas a fiscalização normativa abstrata, não se aplicam os institutos do impedimento e da suspeição. Nestes termos:
"Fiscalização normativa abstrata. Processo de caráter objetivo. Inaplicabilidade dos institutos do impedimento e da suspeição. Conseqüente possibilidade de participação de Ministro do Supremo Tribunal Federal (que atuou no TSE) no julgamento de ação direta ajuizada em face de ato emanado daquela alta corte eleitoral [14]."
Preceitua o artigo 24 que proclamada a constitucionalidade será julgada procedente a ação declaratória. No entanto, apesar do caráter dúplice das ações de controle normativo abstrato, o não conhecimento de uma ADIn quanto ao ponto impugnado não gera, em nenhuma hipótese, a declaração de sua constitucionalidade. É o que afirmou o STF em diversos procedentes [15].
Já o artigo 25 estabelece que julgada a ação, far-se-á a comunicação à autoridade ou ao órgão responsável pela expedição do ato, para a tomada das providências pertinentes.
O artigo 26 da citada lei segue entendimento adotado anteriormente pelo STF [16] de que a decisão de mérito é irrecorrível, salvo a interposição de embargos de declaração, vedado, igualmente o manejo de ação rescisória.
A ratio desta disposição se encontra na insegurança jurídica a ser gerada, caso uma decisão de mérito proferida em ação declaratória de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade fosse desconstituída, na medida em que restabeleceria a força da lei antes eliminada, o que seria capaz de abalar os efeitos os seus efeitos erga omnes e vinculantes em relação aos demais Poderes do Estado [17].
Apesar de polêmico, tal dispositivo foi objeto de arguição de inconstitucionalidade na ADI supra citada, da qual restou rejeitada, uma vez que a sua exclusão não foi qualificada como desarrazoada que pudesse ser ofensiva as garantias constitucionais.
Contudo, a despeito da possibilidade de manejo dos embargos de declaração, somente os legitimados ativos detém a capacidade de sua interposição, vedado, ipso facto, às entidades que participam na qualidade de amicus curiae [18].
Ademais, é facultado ao Supremo Tribunal Federal, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos da declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
Portanto, desde que presentes os requisitos de ordem formal, poderá o STF, em sede de ADC, assim como nas demais ações de fiscalização por controle abstrato:
a) restringir os efeitos da ação declaratória de constitucionalidade, seja pela declaração de inconstitucionalidade (na hipótese de improcedência da ADC) em relação a determinadas relações jurídicas instauradas com base na lei ou ato normativos ou então afastando o seu campo de incidência a determinadas situações;
b) conferir efeitos prospectivos à decisão, isto é, a partir do seu trânsito em julgado, o que garantirá todos os atos praticados em função da lei impugnada;
c) fixar outro momento como o marco inicial para a eficácia da sua decisão. Nesta hipótese, em virtude da ausência de restrição legal, a restrição dos efeitos pode ser em qualquer momento. No entanto, vale registrar a posição de Alexandre de Moraes que entende pela aplicabilidade deste dispositivo somente entre a publicação da lei e da declaração de sua inconstitucionalidade, pois, no entendimento do constitucionalista, uma lei não pode continuar produzindo efeitos depois de ter sido declarada inconstitucional.
Outro efeito presente na declaração de inconstitucionalidade é a repristinação da norma anterior, que havia sido revogada pela norma declarada inconstitucional.
Como exemplo dos efeitos da decisão, vale citar as seguintes decisões do STF:
"Invade a competência da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação a norma estadual que, ainda que de forma indireta, subtrai do Ministério da Educação a competência para autorizar, reconhecer e credenciar cursos em instituições superiores privadas. (...) Tendo em vista o excepcional interesse social, consistente no fato de que milhares de estudantes freqüentaram e freqüentam cursos oferecidos pelas instituições superiores mantidas pela iniciativa privada no Estado de Minas Gerais, é deferida a modulação dos efeitos da decisão (art. 27 da lei 9.868/1999), a fim de que sejam considerados válidos os atos (diplomas, certificados, certidões etc.) praticados pelas instituições superiores de ensino atingidas por essa decisão, até a presente data, sem prejuízo do ulterior exercício, pelo Ministério da Educação, de suas atribuições legais em relação a essas instituições superiores [19]"
"Ação direta de inconstitucionalidade. Efeito repristinatório da declaração de inconstitucionalidade. Custas judiciais. Destinação a entidades privadas. Inconstitucionalidade. O Supremo Tribunal Federal já manifestou, por diversas vezes, o entendimento de que é vedada a destinação dos valores recolhidos a título de custas e emolumentos a pessoas jurídicas de direito privado. Precedentes. Ação julgada procedente. Tendo em vista razões de segurança jurídica e de excepcional interesse social, aplica-se o art. 27 da Lei n. 9.868/99, para atribuir à declaração de inconstitucionalidade efeitos a partir da Emenda Constitucional n. 45, de 31-12-2004 [20]."
"Considerações sobre o valor do ato inconstitucional – Os diversos graus de invalidade do ato em conflito com a Constituição: ato inexistente? ato nulo? ato anulável (com eficácia ex tunc ou com eficácia ex nunc)? – Formulações teóricas – O status quaestionis na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Modulação temporal dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade: técnica inaplicável quando se tratar de juízo negativo de recepção de atos pré-constitucionais [21]."
A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual ou municipal.
Prescreve o parágrafo único do artigo 27 da Lei 9868/99, conforme transcrito acima, a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto como técnicas distintas de hermenêutica da jurisdição constitucional.
A técnica denominada interpretação conforme a Constituição parte do princípio de que a norma jurídica é o resultado de sua leitura pelo intérprete e mais, que existem diversas interpretações distintas para uma mesma norma.
São em situações como estas que o Supremo Tribunal Federal, ao atuar como verdadeiro legislador negativo, se reserva a declarar constitucional uma lei desde que seja adotada determinada interpretação que respeite o texto constitucional o que impõe, via de regra, a eliminação de determinadas interpretações, possíveis, mas contrárias ao texto constitucional.
Nesse sentido:
"Em matéria de inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo, admite-se, para resguardar, dos sentidos que eles podem ter por via de interpretação, o que for constitucionalmente legitimo — é a denominada interpretação conforme a Constituição [22]."
Sabe-se, portanto, que a declaração de inconstitucionalidade em sede de controle concentrado pode tanto retirar, por inteiro, uma norma do sistema jurídico, como pode se reservar a não determinar qualquer alteração no texto de lei.
É o que a legislação e a doutrina chamam de declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, em que se admite que a norma impugnada tenha uma interpretação que lhe preserve a constitucionalidade ou que a afaste determinada leitura que lhe acarretaria a inconstitucionalidade.
Exemplo de fácil entendimento é o caso da inobservância do princípio da anterioridade à majoração do Imposto de Renda, onde tal exação fora criada de forma legal, no entanto passou a ser exigida no mesmo exercício financeiro, ou seja, sem o atendimento deste princípio constitucional, o que acabou por inquiná-la de vício, mas não ao conteúdo legal. A lei será aplicável para o exercício financeiro seguinte, porém sua utilização no mesmo período é inconstitucional.
Outro exemplo que atesta a possibilidade de interpretação de determinada lei desde que se exclua uma modalidade que lhe acarretaria a inconstitucionalidade, encontra-se na segunda parte do voto proferido pelo Ministro Moreira Alves no julgamento da ADI nº 1150:
"Ação que se julga procedente em parte, para declarar-se inconstitucional a expressão ‘operando-se automaticamente a transposição de seus ocupantes’ contida no artigo 276, § 2º, da Lei 10.098, de 3-2-94, do Estado do Rio Grande do Sul, bem como para declarar que os §§ 3º e 4º desse mesmo artigo 276 (sendo que o último deles na redação que lhe foi dada pela Lei 10.248, de 30-8-94) só são constitucionais com a interpretação que exclua da aplicação deles as funções ou os empregos relativos a servidores celetistas que não se submeteram ao concurso aludido no artigo 37, II, da parte permanente da Constituição, ou referido no § 1º do artigo 19 do seu ADCT [23]." (destacou-se).
Por fim, em obediência ao princípio da publicidade dos atos judiciais e com o objetivo de levar ao conhecimento dos jurisdicionados, nos termos do artigo 27 da Lei 9868/99, dentro do prazo de dez dias após o transito em julgado da decisão, o STF fará publicar em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União a parte dispositiva do acórdão.