CONCLUSÃO
Considerando a legislação vigente, o simples fato de alguém pedir dinheiro para vigiar um veículo não constitui qualquer infração penal. Todavia, como quase sempre o guardador efetua a exação sem possuir o devido registro na Delegacia Regional do Trabalho, sua conduta pode ser caracterizada como contravenção de exercício ilegal de profissão ou atividade. Mesmo que se trate de um guardador regularizado, não poderá exigir o pagamento de um valor por ele determinado ou usar meios descomedidos na cobrança, sob pena de incorrer no crime de exercício arbitrário das próprias razões.
Por outro lado, se um flanelinha efetua a cobrança de forma violenta ou mediante ameaça, mesmo que velada, presente estará o crime de extorsão. Se ele apenas impedir que um motorista venha a usufruir de uma vaga de estacionamento, tal ato configura constrangimento ilegal. Se um guardador clandestino se vale de meios ardilosos para que o condutor lhe pague voluntariamente, estará caracterizado o estelionato. Neste último caso, caso o flanelinha venha a se passar por agente municipal competente para efetuar tal cobrança, sua conduta poderá ser enquadrada como usurpação de função pública.
Vale ressaltar que existem ainda outros delitos comumente associados de forma secundária a ação dos flanelinhas, tais como os crimes de dano, furto, lesão corporal, corrupção ativa e até mesmo tráfico de drogas.
Dessa forma, verifica-se que a atividade em questão está intrinsecamente ligada ao direito penal, constituindo uma prática que atenta contra a paz social e promove a degradação do ambiente urbano. Trata-se de uma conduta que representa a impotência do Estado em reprimir a criminalidade e sua ineficiência em manter a ordem e coibir práticas severamente lesivas aos cidadãos.
Todas as formas até então empregadas para solucionar ou ao menos amenizar o problema fracassaram. No que se refere à atuação da polícia e do poder judiciário, a escassa jurisprudência em relação ao tema denota a apatia do poder público em combater a esta tão intolerável conduta. Apesar de no caso concreto ser possível que a atividade venha a configurar variados delitos, a falta de uma tipificação específica faz com que muitos a considerem como um ato meramente imoral.
Assim sendo, a ausência desta lex certa enfraquece tanto a atuação judiciário quanto dos mecanismos executivos de repressão, fato este que demanda uma urgente atuação legislativa. Neste contexto, possui especial relevância o Projeto de Lei n° 4501/08, de autoria do Deputado Federal Antônio Carlos Biscaia (PT/RJ), atualmente em tramitação no Congresso Nacional, cuja pretensão é tornar crime a "cobrança de taxa pelo serviço de vigilância de carros em locais públicos".
Todavia, é de se imaginar que não faltarão manifestações contrárias a essa necessária criminalização, reações típicas daqueles que buscam justificar na questão social todo tipo de delinqüência urbana. Para estes fica aqui uma incômoda pergunta, cuja resposta negativa costuma implicar em nefastas conseqüências: "Pode vigiar o carro aí, patrão? Hein?"
BIBLIOGRAFIA
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RUSSOMANO, Celso. Você merece o melhor, 2ª ed., São Paulo: Editora Gente, 2002
Notas
- GUEDES, Oneir Vitor Oliveira. Guardadores clandestinos de veículos (flanelinhas). O impacto deletério na sociedade e o fracasso de sua regulamentação legal. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2197, 7 jul. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/13110> Acesso em: 08 jul. 2009.
- Lei n° 6.242/75, posteriormente regulamentada pelo Decreto n° 79.797/77
- Jornal da OAB Santa Catarina, edição 105 - 05 de agosto de 2008, disponível em <http://fit.oab-sc.org.br/ news/ edicoes/105.htm>, acesso em 15/12/2008 - A juíza condenou a quatro anos de prisão em regime aberto e ao pagamento de 10 dias-multa um flanelinha que cobrou R$10 para que uma motorista estacionasse em um local público e apedrejou o carro da mesma por ter negado o pagamento.
- O globo online, reportagem "flanelinha ocupam Ibirapuera e show da árvore de natal não sai de graça", publicada em 11/12/2007, disponível em <http://oglobo.globo.com/sp/mat/2007/12/11/327542686.asp>, acesso em 25/03/2009
- Veja São Paulo, reportagem: "Estamos nas mãos dessa turma", publicada em novembro de 2001, disponível <http://veja.abril.com.br/vejasp/071101/cidade.html> , acesso em 10/04/2009
- RUSSOMANO, Celso. Você merece o melhor, 2ª ed., São Paulo: Editora Gente, 2002
- A afirmação foi proferida pelo deputado no relatório da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania ao analisar o Projeto de Lei n° 2953/04
- PAGLIUCA, José Carlos Gobbis, Direito Penal: parte especial - Tomo I, 2007, pág. 133
- JESUS, Damásio E. de, Direito Penal, 1999.
- TAMCRIM-SP – AC - Rel. Luiz Ambra – RJD 25/143
- PRADO, Luiz Regis, Curso de Direito Penal Brasileiro. 2006, pág.434
- PRADO, Luiz Regis, op. cit., pág.293
- Não cabe cogitar o enquadramento da conduta no crime de ameça previsto no 147 do CP por tratar-se de um delito notadamente subsidiário
- FRAGOSO, Heleno Cláudio, Lições de Direito Penal, Parte Especial, vol.1, 1989, pág. 31
- CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal : Parte Especial. 2003
- PRADO, Luiz Regis, op. cit., pág.305
- JESUS, Damásio E. de, op.cit.
- TACRIM-SP – AC – Rel. Ribeiro dos Santos – JUTACRIM 97/88
- HUNGRIA, Nélson, Comentários ao Código Penal, 1959 – o referido autor cita como exemplos de ameaça simbólica: colocar um ataúde à porta de alguém, remeter-lhe uma caveira, ou enviar-lhe o desenho de um punhal atravessando um corpo humano.
- TACRIM-SP – Ver. – Rel. Silva Franco – RT 572/356 e JESUS, Damásio E. de, Direito Penal, v.2, 9ª ed., São Paulo, Saraiva, 1999.
- NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado, 2005, p. 429
- PRADO, Luiz Regis. op. cit.., 2006, pág.292
- Na hipótese mencionada, caso ocorra a prática de violência pelo flanelinha, haverá concurso material entre os delitos, somando-se as penas da coação e da violência, nos termos do art. 146, par. 2° do CP
- TACRIM-SP – AC – Rel. Ricardo Lewandowski – RJD 25/15/45o
- FRAGOSO, Heleno Cláudio, op. cit, pág. 157
- TACRIM-SP – AC _ Rel. Lineu Ferreira – JUTACRIM 91/404 e também TARS – AC – Rel. Luiz Felipe Vasques de Magalhães – RT 637/305
- MIRABETE, Júlio Fabbrini, Manual de direito Penal, pág. 271
- FRAGOSO, op. cit. pág 361
- TJSP – AC – Rel. Marino Falcão – RT 615/268
- FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Aurélio Século XXI – O dicionário da língua portuguesa, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999
- Art. 45 da Lei de Contravenções Penais : "Fingir-se funcionário público:Pena - prisão simples, de um a três meses, ou multa"
- TACRIM-SP AC 1.037.095-0 – Rel. Renato Nalini
- TJPR – AC - Rel. Lima Lopes – RT 690/357.
- GUEDES, Oneir Vitor Oliveira. Guardadores clandestinos de veículos (flanelinhas). O impacto deletério na sociedade e o fracasso de sua regulamentação legal. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2197, 7 jul. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/13110> Acesso em: 08 jul. 2009.
- Fica aqui a sugestão do autor para que os legitimados constitucionais possam declarar a não recepção da Lei n° 6.242/75 pela Constituição Federal de 1988.
- Art. 316,§ 1º do CP: "Se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza: Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa."
- FRANCO, Alberto Silva e outros, Código Penal e sua interpretação Jurisprudencial, Parte especial, 1997, pág. 3855
- FRAGOSO, Heleno Cláudio, op. cit., vol.2
- TACRIM-SP – HC – Rel Lauro Malheiros – RT 398/277
- BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 1999, pág.93
- FRAGOSO, Heleno Cláudio e outros. Aspectos jurídicos da marginalidade social. In: Direito penal e direitos humanos. Rio de Janeiro: Forense, 1977, pág 6
- NUCCI, op. cit. pág. 177
- QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito penal: parte geral, 2006
- DAMÁSIO, E. de Jesus. Lei das contravenções Penais anotada, 1997, pág. 213
- RODRIGUES, Renato A. Nadier Rodrigues, "Criminalização dos ‘Flanelinhas’ – Ato Consumado ou Necessidade", disponível em <http://www.direitoufba.net/artigos/artigo016.doc.>, acesso em 23/03/2009
- Apelação nº 713.887/8, Julgado em 01/09/1.992, 4ª Câmara, Relator: - Walter Theodósio, RJDTACRIM 15/185
- TACrimSP, ACrim 114.278, RT, 563: entendimento contido no corpo de acórdão
- Recurso de Habeas Corpus nº 865.517/1, Julgado em 17/03/1.994, 7ª Câmara, Relator: - Nogueira Filho, RJDTACRIM 21/368
- NUCCI, Guilherme. op. cit. pág. 179
- TACRIM-SP – AC _ Rel. Lineu Ferreira – JUTACRIM 91/404
- NUCCI, Guilherme. op. cit. pág. 181
- NUCCI, Guilherme. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, 2008, pág. 169
- A referida lei foi regulamentada pelo Decreto n° 79.797, de 8 de junho de 1977
- Folha Online, notícia: "Polícia diz que autua flanelinhas e CET afirma que não pode punir", publicada em 14 de dezembro de 2008, disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u479190.shtml>, acesso em 25/04/2009
- Neste sentido RT 561:366 e 600:357
- Recurso Crime Nº 71001766302, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, TJRS, Relator: Cristina Pereira Gonzales, Julgado em 29/09/2008
- PL 4.501/2008, apresentado em 16/12/2008 – afirmativa contida na justificação da proposta
- Art. 163, CP: "Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa"
- Art. 155, CP: "Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, de uma quatro anos, e multa."
- Veja São Paulo, reportagem: "Estamos nas mãos dessa turma", publicada em novembro de 2001, disponível <http://veja.abril.com.br/vejasp/071101/cidade.html>, acesso em 10/04/2009
- Art. 129, CP: "Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano"
- Art. 333, CP: "Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício: Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa"
- Art. 33 da Lei n° 11.343/06: "Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de cinco a quinze anos e pagamento de quinhentos a mil e quinhentos dias-multa."