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Créditos de carbono: incentivo do Direito Internacional Ambiental

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25/07/2009 às 00:00
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CAPÍTULO 3 – DIREITO INTERNACIONAL AMBIENTAL

No mesmo passo em que se busca afirmar que os créditos de carbono são mecanismo de incentivo ao cumprimento dos acordos internacionais, teceremos alguns comentários sobre aspectos relevantes do Direito Internacional Ambiental. Neste viés, há de se considerar que o estudo do Direito Internacional Ambiental passa, necessariamente, pelo estudo das fontes do Direito Internacional.

Tradicionalmente, são consideradas fontes formais do Direito Internacional aquelas constantes do art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça (CIJ), in verbis:

1.A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará:

a)as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes;

b)o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito;

c)os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas;

d)sob reserva do art. 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito.

2.A presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte de decidir uma questão ex aequo et bono, se as partes com isso concordarem.

O Professor Guido Soares, em uma de suas magestrais obras [34], observa que há uma lacuna neste artigo, na indicação das fontes. Em suas palavras, são também fontes do Direito Internacional "(a) as declarações unilaterais dos Estados com efeitos jurígenos no Direito Internacional, reconhecidas como fontes formais pela doutrina dominante na época; e com alguma justificativa, (b) as decisões tomadas pelas organizações internacionais intergovernamentais (hoje denominadas OIs em oposição às ONGs), entidades que, naquele momento histórico, eram bastante tímidas em sua atuação e limitadas em sua competência internacional...".

O mesmo autor, de forma mais didática, elenca como fontes do Direito Internacional (i) o Jus Scriptum (atos internacionais unilaterias expedidos por Estados ou organizações intergovernamentais e os bilaterais ou multilaterais subscritos pelos Estados com outros Estados ou com organizações intergovernamentais); (ii) o costume internacional; (iii) os princípios gerais de direito; (iv) a doutrina internacional e (v) a jurisprudência internacional.

Em clássica obra, por sua vez, Gerson de Britto Mello Boson ensina que o estudo das fontes do Direito Internacional é problemático e gera vastas discussões. Por isso, os autores usualmente se limitam ao estudo das fontes formais, "apegando-se ao que dispõe o art. 38 do Estatuto da CIJ" [35]. São cabíveis, na oportunidade, as palavras do jusrista quanto à diferenciação entre fontes formais e fontes materiais, a seguir transcritas:

"Segundo a orientação geral, podemos firmar o princípio de que as fontes do Direito Internacional têm sido, tradicionalmente, classificadas em fontes materiais, também chamadas reais, indiretas ou mediatas, e fontes formais, também ditas imediatas ou diretas. As fontes materiais são [...] elementos metajurídicos [...], segundo as diversas variantes doutrinárias, enquanto que as formais são as regras expressas em tratados, costumes e princípios gerais do Direito, ou – afim de não excluir qualquer tese – são as normas a que se atribui validade jurídica internacional.

Em síntese: as fontes materiais produzem as formais, que se confundem com as próprias regras jurídicas, em que as pessoas encontram regulados os seus direitos e obrigações. Daí dizer-se que só se podem considerar como fontes do Direito os elementos materiais capazes da produção da regra jurídica, de vez que esta já não é fonte, mas o próprio Direito objetivo, positivado nos tratados, costumes e princípios gerais de Direito. As chamadas fontes formais são tidas como modos de manifestação da regra jurídica" [36].

Já sob outra óptica, o eminente doutrinador Hildebrando Accioly, quanto às fontes do Direito Internacional, assinala que "elas são de duas naturezas, por isto que toda relação jurídica pode ser concebida sob dois aspectos: um, fundamental, racional ou objetivo; e o outro, formal, positivo. No primeiro caso, existe uma fonte real, que é a verdadeira, a fundamental; no segundo caso, existem fontes formais ou positivas, isto é, que dão forma positiva ao direito objetivo, preexistente, e o apresentam sob o aspecto de regas aceitas e sancionadas pelo poder público. A primeira é constituída pelos princípios gerais do direito. As outras são: o costume e os tratados ou convenções internacionais" [37].

No entanto, mesmo que haja qualquer problemática quanto a determinadas fontes do Direito Internacional, deve-se ponderar que a doutrina internacionalista não vislumbra qualquer relação de hierarquia entre cada uma delas. No mais, é notório que há unanimidade entre os autores quanto ao enquadramento dos tratados e convenções internacionais nas fontes do Direito Internacional [38].

Nesse sentido, Maristela Basso aponta que "enquanto alguns teóricos procuravam encontrar diferenças entre os tratados-leis e os tratados-contratos, outros como Kelsen, Scelle, Quadri, Sereni, Morelli, não poupavam críticas a esta distinção classificatória, pois defendiam que todo e qualquer tratado internacional é fonte de direito internacional, porque estabelece regras de conduta" [39] (destacado).

Neste diapasão, pode-se afirmar que a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, tratado internacional que foi seguido pelo Protocolo de Quioto – que, por sua vez, previu o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo em seu art. 12 – é fonte do Direito Internacional Ambiental. Por consequência, os créditos de carbono, oriundos dos projetos de MDL, têm relação direta com o Direito Internacional, mais propriamente, o Direito Internacional Ambiental.

Tal fato reforça o entendimento já demonstrado no Capítulo 2 de que os créditos de carbono figuram como incentivo no âmbito do Direito. Dessa forma, por favorecerem o cumprimento de um tratado internacional e terem relação com uma fonte do Direito Internacional, os créditos de carbono devem ser tidos como instrumento legítimo de incentivo do Direito Internacional Ambiental, tema deste trabalho jurídico.

3.2.TRATADOS INTERNACIONAIS

Feitas nossas considerações sobre as fontes do Direito Internacional, passamos a tratar mais especificamente de uma das fontes, qual seja, os tratados internacionais. Como dito, são diversas as denominações que pode ter um acordo entre dois ou mais Estados.

Accioly entende que "os acordos ou ajustes entre Estados são atos jurídicos por meio dos quais se manifesta o acordo de vontade entre dois ou mais Estados. Ordinariamente, dá-se-lhes a denominação genérica de tratados, mas, conforme a sua forma, o seu conteúdo, o seu objeto, ou o seu fim, podem ter essa mesma denominação ou várias outras. Entre estas, figuram as de convenção, declaração, protocolo, convênio, acordo, ajuste, compromisso, modus vivendi, etc.. A denominação, porém, não tem importância jurídica" [40].

Por seu turno, em obra sobre tratados internacionais, o respeitado jurista José Francisco Rezek define tratado como "acordo formal, concluído entre sujeitos de direito internacional público, e destinado a produzir efeitos jurídicos" [41].

Nesta tela, o tratado internacional é, antes de tudo, um ato jurídico, envolvendo vontades de dois ou mais Estados. É essa característica, justamente, que o diferencia do ato jurídico unilateral, já que se considera a livre manifestação do consentimento das partes. Além disso, de forma a se diferenciar do costume, o tratado deve respeitar a formalidade, transposta em sua natureza positivada, ou seja, o acordo deve ser escrito.

As partes que poderão assinar o acordo devem ser sujeitos de direito internacional, ou, em outras palavras, devem ter personalidade jurídica internacional. Este é o requisito básico para a capacidade de celebrar tratados que, apesar de merecer maior atenção, por não estar intrinsicamente relacionado ao tema do presente trabalho, não será profundamente discutido.

Por fim, na teia da definição trazida por Francisco Rezek, destaca-se que a produção de efeitos de direito é essencial ao tratado. E, sendo acordo formal entre Estados, é ato que desencadeia efeitos jurídicos, gerando obrigações de natureza internacional.

De grande valia, também, é destacar a definição trazida no art. 2.1, alínea a, da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados [42], pelo qual tratado significa um "acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica".

Passemos, então, a breves comentários quanto à classificação dos tratados. Para tanto, transcrevemos parte dos ensinamentos de Accioly:

"Várias classificações têm sido propostas para os tratados. A mais simples é a que os divide, conforme o número das partes contratantes, em bilaterais (quando há apenas duas partes) e multilaterais, ou plurilaterais, ou ainda, simplesmente, coletivos (quando as partes são mais numerosas).

No tocante à matéria de que se ocupam, é comum a sua divisão nestas duas categorias: tratados-contratos e tratados-leis ou tratados normativos. Estes últimos, celebrados geralmente entre muitos Estados, fixam normas de direito internacional e podem ser comparados a verdadeiras leis. Os outros procuram regular interesses recíprocos dos Estados que os firmam; resultam de concessões mútuas e têm a aparência de contratos. Nada impede que um só tratado reúna as duas qualidades: é o que sucede, com frequência,em tratados de paz" [43].

Sobre a matéria, Maristela Basso [44] assinala que os mencionados tratados-leis nada mais são do que "regras de direito objetivamente válidas nas quais os Estados figuram como legisladores", ao passo em que os tratados-contratos têm por objeto "regulamentar uma determinada questão e implicam interesse que cada uma das partes tem no que a outra pode oferecer".

No mesmo diapasão assinala Rezek, quando coloca como tópicos de classificação para os tratados os aspectos formais e materiais, além de prever situações em que os tratados assumem natureza sui generis. Dessa forma, ensejam classificação, na esfera dos critérios formais, (i) o número das partes e (ii) a extensão do procedimento; e, na esfera dos critérios materiais, (i) a natureza das normas, (ii) a execução do tratado no tempo, (iii) a execução do tratado no espaço e (iv) a estrutura da execução do tratado.

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Feitas tais considerações, é mister salientar que a Convenção do Clima é um tratado multilateral, celebrado por mais de uma centena de países, que cria obrigações e direitos a cada um dos signatários, objetivando a estabilização das concentrações de GEE em um nível que não comprometa o sistema climático.

Mas, mesmo que se tenha tornado claras as ideias quanto à definição e classificação dos tratados internacionais, são válidas algumas ponderações quanto ao seu cumprimento. É o que se passa a expor.

3.3.CUMPRIMENTO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS

Não são poucas as situações fáticas em que, por alterações ou ameaças de alteração na ordem sócio-econômica na comunidade internacional, o Direito Internacional tem descumpridas suas normas jurídicas. O uso da força e as alianças político-ideológicas acabam por tumultuar o fiel cumprimento do ordenamento jurídico internacional, fato que lesiona direitos e superficializa obrigações.

Exemplo nítido e clássico é a guerra, que por muitas vezes bombardeou o Direito com a aplicação cega da força bélica e da aliança política, instaurando períodos de tormenta jurídica. Em período pós-II Guerra Mundial, Hildebrando Accioly fez registrar que "o direito internacional pouco a pouco vai ressurgindo e se há de impor, afinal, como a mais sólida garantia, para a paz entre as nações. Porque, apesar dos golpes sofridos, a civilização cristã não morreu, nem morrerá, e enquanto existir civilização – conforme disse um grande internacionalista americano – o direito internacional não poderá ser destruído..." [45].

Põe-se, portanto, uma necessidade de que sejam criados mecanismos jurídicos de garantia de cumprimento do tratado internacional. Neste aspecto, é importante salientar que, a depender da natureza do tratado, o cumprimento pode ser exigido por uma ou mais partes signatárias. Ou seja, sendo bilateral o acordo internacional, somente a outra parte será legítima para exigir o seu fiel cumprimento; e, sendo multilateral, todos os signatários poderão exigir o cumprimento do tratado, nos termos em que foi assinado.

Ocorre também, principalmente nos acordos que envolvem direitos difusos, a situação em que não somente as partes signatárias exigem o cumprimento do tratado, mas toda a comunidade internacional – incluindo-se, na maioria das vezes, organizações não-governamentais, organizações internacionais, programas internacionais, empresas multinacionais etc – tem interesse e, muitas vezes, necessidade que o acordo seja respeitado.

É o caso, a título de exemplo, dos acordos internacionais de matéria ambiental, que têm por objeto direitos difusos como o meio ambiente equilibrado, a diversidade biológica e a sadia qualidade de vida.

Não se olvide que uma das primeiras manifestações explícitas do direito internacional ambiental, com normas dirigidas aos Estados, deu-se pela realização de uma arbitragem entre os Estados Unidos e o Canadá, a respeito de uma questão de poluição atmosférica de natureza transfronteiriça, na década de 40 do século passado. Trata-se do caso da Fundição Trail, uma empresa de fundição de cobre, situada na cidade de Trail (Canadá), que emitia fumaça e pequenas partículas que atravessaravm a fronteira entre os dois países e prejudicavam as cidades e propriedades dos cidadãos norte-americanos.

Tendo repercutido no cenário internacional, o caso Fundição Trail acabou por incorporar no Direito Internacional Ambiental a ideia de poluição transfronteiriça, que foi tratada, dentre outros intrumentos jurídicos internacionais, pela Declaração do Rio de Janeiro (1992) [46], no Princípio 2, in verbis:

Princípio 2

Os Estados, de conformidade com a Carta das Nações Unidas e com os princípios de Direito Internacional, têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos segundo suas próprias políticas de meio ambiente e desenvolvimento, e a responsabilidade de assegurar que atividades sob sua jurisdição ou controle não causem danos ao meio ambiente de outros Estados ou de áreas além dos limites da jurisdição nacional.

A partir de então, mesmo os países – por meio das organizações não-governamentais e entidades sociais – que não figuraram como parte nos acordos assinados na ECO-92 (Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento), passaram a questionar os eventuais casos de poluição transfronteiriça.

Além disso, de um simples caso de arbitragem internacional entre dois países, o Direito Internacional Ambiental evoluiu para acordos regionais e, tempos depois, para tratados multilaterais. São exemplos: Convenção de Genebra sobre Poluições Atmosféricas Transfronteiriças de Longa Distância (1979); Convenção de Viena para Proteção da Camada de Ozônio (1985); Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio (1987); e, mais recentemente, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (1992).

Retornando ao tema do cumprimento dos tratados internacionais, destacamos a observação de Rezek, que salienta: "é óbvio que a violação do compromisso, ainda que em proporção mínima, justifica o protesto e a chamada à ordem do Estado faltoso. Não se pode calcular o número de casos em que, a todo tempo, a advertência dos demais convenentes faz cessar a violação tópica, sem outras consequências. A Convenção de Viena passou ao largo desta hipótese simples, e versou apenas a violação de porte bastante para conduzir a parte prejudicada a dar o compromisso por suspenso ou extinto" [47].

Como dito, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados [48] tratou da extinção ou suspensão da execução de um tratado em consequência de sua violação. Mas, em artigo subsequente, não deixou de mencionar outra hipótese de descumprimento do tratado, qual seja, a impossibilidade superveniente. Tais previsões se fizeram, respectivamente, nos arts. 60 e 61, a seguir transcritos:

Artigo 60

1. Uma violação substancial de um tratado bilateral por uma das partes autoriza a outra parte a invocar a violação como causa de extinção ou suspensão da execução de tratado, no todo ou em parte.

2. Uma violação substancial de um tratado multilateral por uma das partes autoriza:

a) as outras partes, por consentimento unânime, a suspenderem a execução do tratado, no todo ou em parte, ou a extinguirem o tratado, quer:

i) nas relações entre elas e o Estado faltoso;

ii) entre todas as partes;

b) uma parte especialmente prejudicada pela violação a invocá-la como causa para suspender a execução do tratado, no todo ou em parte, nas relações entre ela e o Estado faltoso;

c) qualquer parte que não seja o Estado faltoso a invocar a violação como causa para suspender a execução do tratado, no todo ou em parte, no que lhe diga respeito, se o tratado for de tal natureza que uma violação substancial de suas disposições por parte modifique radicalmente a situação de cada uma das partes quanto ao cumprimento posterior de suas obrigações decorrentes do tratado.

3. Uma violação substancial de um tratado, para os fins deste artigo, consiste:

a) numa rejeição do tratado não sancionada pela presente Convenção; ou

b) na violação de uma disposição essencial para a consecução do objeto ou da finalidade do tratado.

4. Os parágrafos anteriores não prejudicam qualquer disposição do tratado aplicável em caso de violação.

5. Os parágrafos 1 a 3 não se aplicam às disposições sobre a proteção da pessoa humana contidas em tratados de caráter humanitário, especialmente às disposições que proíbem qualquer forma de represália contra pessoas protegidas por tais tratados.

Artigo 61

1. Uma parte pode invocar a impossibilidade de cumprir um tratado como causa para extinguir o tratado ou dele retirar-se, se esta possibilidade resultar da destruição ou do desaparecimento definitivo de um objeto indispensável ao cumprimento do tratado. Se a impossibilidade for temporária, pode ser invocada somente como causa para suspender a execução do tratado.

2. A impossibilidade de cumprimento não pode ser invocada por uma das partes como causa para extinguir um tratado, dele retirar-se, ou suspender a execução do mesmo, se a impossibilidade resultar de uma violação, por essa parte, quer de uma obrigação decorrente do tratado, quer de qualquer outra obrigação internacional em relação a qualquer outra parte no tratado.

Feitas tais ponderações, é necessária uma reflexão quanto aos interesses que estão no âmbito do objeto do tratado internacional. É inegável que, em alguns casos, se há descumprimento do teor do acordo, deverão as partes requerer a sua extinção. Todavia, há casos em que os interesses são de imensurável valor, situação em que é preferível manter vigente o acordo, mesmo diante do descumprimento. Neste caso, ao invés de proceder à aplicação do art. 60 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, é preferível a aplicação de uma sanção.

3.4.SANÇÕES

Em obra que é um ícone na ciência do Direito, Hans Kelsen define sanções como "atos de coerção que são estatuídos contra uma ação ou omissão determinada pela ordem jurídica" [49]. E continua: "as sanções no sentido específico desta palavra aparecem – no domínio das ordens jurídicas estaduais – sob duas formas diferentes: como pena (no sentido estrito da palavra) e como execução (execução forçada). Ambas as espécies de sanções consistem na realização compulsória de um mal ou – para exprimir o mesmo sob a forma negativa – na privação compulsória de um bem. ..".

Para o doutrinador, "na medida em que o mal que funciona como sanção – a pena no sentido mais amplo da palavra – deve ser aplicada contra a vontade do atingido e, em caso de resistência, através do recurso à força física, a sanção tem o caráter de um ato de coação" [50].

Todavia, em se tratando de direito internacional, vale consignar, algumas diferenças são observáveis, já que não é presente o órgão estatal supranacional, da forma como o Estado se apresenta aos cidadãos na jurisdição nacional. Em outras palavras, não se observa na comunidade internacional um órgão supranacional, capaz de aplicar sanções aos Estados que descumprirem determinado acordo internacional.

Pelo contrário, a aplicação de sanções no Direito Internacional está quase que restrita à conduta de um Estado – ou conjunto de Estados – em relação a outro que, por ato de descumprimento a um acordo e por não pagamento de indenização, tenha causado prejuízo a este.

Nesse sentido, constatou Kelsen:

"As sanções do Direito internacional geral (represálias e guerra) [...] não são, na verdade, qualificadas como penas, quer como execução civil, mas representam, tal como estas, uma privação compulsória de bens ou, o que significa o mesmo, uma lesão, estatuída pela ordem jurídica, de interesse de um Estado (que, aliás, em outras circunstâncias, são protegidos) por parte de um outro Estado. Se se admite que, segundo o Direito internacional vigente, um Estado apenas pode recorrer às represálias ou à guerra contra um outro quando este se recuse a indenizar os prejuízos que lhe foram ilicitamente causados, e que estes atos de coerção apenas podem ser efetivados com o fim de obter a indenização, então existe um certo parentesco entre as sanções do Direito internacional geral e a execução forçada do Direito Civil.

Saber, contudo, se as represálias e a guerra podem sequer ser interpretadas como sanções do Direito internacional [...] constitui questão muito debatida" [51].

É importante mencionar, nesta esfera temática, que os Estados, da assinatura de acordos internacionais, no mesmo passo em que adquirem direitos – oponíveis, como demonstrado, às outras partes –, contraem obrigações. Com isso, antes mesmo da aplicação das sanções, deve ser observado o jus cogens, o "direito imperativo".

José Francisco Rezek define jus cogens como "o conjunto de normas que, no plano do Direito das Gentes, impõem-se objetivamente aos Estados, a exemplo das normas de ordem pública que em todo sistema de direito interno limitam a liberdade contratual das pessoas" [52]. E continua: "integrariam o jus cogens as normas que protegem os próprios fundamentos da ordem internacional, como a proibição do genocídio ou do uso da força fora do quadro da legítima defesa; as normas sobre cooperação pacífica na proteção dos interesses comuns, como a da liberdade dos mares; as normas que garantem os direitos humanos fundamentais e as que protegem os civis em tempo de guerra".

Não se olvide de consignar, entretanto, que o uso do denominado jus cogens é consideravelmente questionado por grande parte da doutrina e, mais ainda, pelos chefes de Estado. Isso se deve ao fato de que este instrumento é nitidamente frágil, já que pretende fazer com que regras imperativas frustem a liberdade convencional de Estados soberanos.

Tal fato, concomitantemente a outros fatores de ordem jurídica internacional, fez com que os acordos internacionais transpusessem seu foco da sanção pelo descumprimento para o incentivo ao cumprimento. Com isso, mantendo a imunidade do jus cogens, a engenharia normativa internacional evoluiu e passou a vislumbrar maior eficácia na criação de incentivos, em detrimento da previsão de sanções no ideal kelseniano.

3.5.INCENTIVOS AO CUMPRIMENTO DOS TRATADOS E A NOVA ENGENHARIA NORMATIVA

Em razão do foco deste trabalho, canalizaremos nossos entendimentos sobre os incentivos ao cumprimento dos tratados em matéria ambiental. É também argumento para tal, vale dizer, o destaque que os tratados internacionais ambientais têm dado aos mecanismos de incentivo e à excelência de suas normas.

Nesse sentido, afirma Guido Soares que "há pelo menos três traços característicos do direito internacional do meio ambiente que o distinguem muito nitidamente da política internacional, da ciência e da tecnologia, e se refletem na qualidade de suas normas: a clareza dos enunciados quanto aos valores protegidos, a segurança da existência da norma e das sanções que a acompanham e, sobretudo, uma vocação de sua relativa permanência no tempo, que se manifesta por relativas dificuldades de modificação de uma norma vigente" [53].

Isto posto, vale mencionar que a matéria ambiental é acompanhada de significativos aspectos técnicos. Não é simplesmente jurídica, por exemplo, a natureza conceitual de poluição, de emissão de gases, de diversidade biológica, de desertificação etc. Tais conceitos são substancialmente amparados por outras ciências, tais como a biologia e a geografia. Além disso, o avanço da tecnologia traz constantes revisões a determinados entendimentos e previsões em matéria ambiental.

Não por outro motivo, há reais possibilidades de um certo distanciamento entre o jus scriptum e a realidade fática. Isso porque as reformas e modificações dos tratados internacionais implicam em alterações em um texto que foi subscrito após longas e penosas negociações, em geral multilaterais. Os formalismos e a lentidão das negociações internacionais sempre se farão presentes quando os Estados pretenderem modificar, pelos meios tradicionais, o texto do acordo multilateral.

Guido Soares aponta que "para modificações de um tratado, será necessário, nos procedimentos tradicionais, uma convocação de uma conferência internacional (por vezes precedida de grupos técnicos de negociações longas e difíceis), com todo repertório de dificuldades inerentes a tais reuniões, a adoção de um texto por todos os Estados, a indicação de um depositário que irá receber as ratificações, o recebimento de ratificações e a constatação de sua entrada em vigor internacionalmente (inclusive com os percalços decorrentes das necessidades de aprovação dos textos pelos Poderes Legislativos internos dos Estados-partes)" [54].

Em vista disso, passou-se a desenvolver, notoriamente em matéria de direito ambiental, uma nova engenharia normativa, capaz de atender a dinamicidade científica e driblar os percalços jurídico-econômicos presentes na celebração de acordos internacionais.

Mais uma vez, citamos Guido Soares para destacar seu posicionamento quanto às técnicas jurídas adotadas no novo modelo de acordo internacional. O mestre do Direito Internacional Ambiental registra: "delas [das técnicas] destacamos três: a) a técnica de utilização cada vez mais generalizada de anexos e apêndices aos textos de tratados e convenções multilaterais, os quais passam a consagrar regras especiais quanto a mecanismos para a alteração dos anexos e apêndices, menos formais e mais brandos do que os mecanismos para a alteração dos textos principais; b) o reconhecimento oficial da importância das ONGs e sua consagração como agentes oficiais na execução dos tratados e convenções internacionais; e c) a introdução e adoção cada vez mais frequente da técnica dos tratados ou convenções do tipo "quadro" [55].

Tais técnicas, como dito, contribuem para que os tratados internacionais atendam a dinamicidade científica e não fiquem prejudicados por barreiras jurídico-econômicas. Merece destaque, dentre as técnicas, o uso dos tratados do tipo "quadro". A própria Convenção do Clima, cujo nome oficial é Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, indica em sua denominação haver consagrado o novo mecanismo normativo em seu texto.

Tal mecanismo é caracterizado pela adoção de um texto relativamente vago, cujas obrigações específicas serão posteriormente definidas por órgãos técnicos especialmente criados. Estes órgãos – na Convenção do Clima, tem-se a Conferência das Partes –, completarão toda lacuna eventualmente existente e promoverão o fiel cumprimento do acordo internacional, sem a necessidade de novas reuniões burocráticas e custosas entre os chefes de Estado.

Ocorre que, no bojo das contribuições técnico-jurídicas, alguns mecanismos têm sido criados para o cumprimento das obrigações previstas na convenção-quadro. É o caso, por exemplo, da Convenção sobre Diversidade Biológica, que traz a possibilidade de serem constituídos direitos sobre os recursos genéticos (propriedade intelectual), como forma de equilibrar a relação entre os países detentores de biotecnologia e os países detentores de biodiversidade. Com isso, torna-se possível a repartição equitativa dos benefícios oriundos da utilização dos recursos genéticos.

Por sua vez, a Convenção do Clima, na terceira reunião da Conferência das Partes, contou com a assinatura do Protocolo de Quioto, no qual alguns mecanismos de reduções de emissões de GEE foram criados. Como já tratado neste trabalho, salientamos o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, que possibilita o comércio de créditos de carbono.

Fala-se, portanto, em instrumentos do Direito Internacional voltados à proteção da biodiversidade e à mitigação da mudança perigosa do clima, respectivamente. Nesse aspecto, cabe uma observação de grande valia: as Convenções de 1992, mencionadas neste trabalho, contam com mecanismos de incentivo ao cumprimento de seus próprios termos.

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Sobre o autor
Yuri Rugai Marinho

Advogado atuante na área ambiental. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco - Universidade de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARINHO, Yuri Rugai. Créditos de carbono: incentivo do Direito Internacional Ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2215, 25 jul. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13160. Acesso em: 11 mai. 2024.

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