3. CONCLUSÕES
Pelo quanto demonstrado, pode-se enfim pontuar e acrescentar, mas já à guisa de conclusões, o que segue.
3.1. A efetividade da jurisdição — e, como seu corolário, a efetividade da execução — é cláusula indissociável da garantia constitucional de «procedural due process of law» nos Estados Democráticos de Direito.
3.2. O enunciado n. 17 da PSV n. 03, ao declarar ilícita a prisão civil do depositário infiel "qualquer que seja a modalidade de depósito", sumula tese ainda não pacífica no Excelso Pretório, visto haver decisões e manifestações de resultado semelhante que, nada obstante, baseiam-se em diversas razões de decidir, num amplo espectro teorético (que se espraia da mera legalidade até a supraconstitucionalidade das normas do Pacto de San José da Costa Rica).
3.3. De outra parte, pela doutrina dominante, as normas de tratados e convenções internacionais de direitos humanos não poderiam ser alçadas à condição de normas constitucionais, senão pelo procedimento do artigo 5º, §3º, da CRFB (E.C. n. 45/2004) — que, nessa parte, perfaria interpretação autêntica da norma do artigo 5º, §2º, da mesma Carta. Assim, a suposta constitucionalidade da norma do artigo 7º, n. 7, do Pacto de San José estaria condicionada a uma reescrutinação do tratado no modo do parágrafo 3º, para ulterior aprovação mediante decreto legislativo com força de emenda constitucional (como se deu, recentemente, com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo).
3.4. Ademais, a se admitir que os parágrafos 2º e 3º do artigo 5º da CRFB positivam regimes diversos de incorporação de convenções e tratados sobre direitos humanos, é certo que o primeiro modo (= derivação principiológica imediata) não pode alcançar normas-regra, que condicionam ou dimensionam as chamadas liberdades gerais (essas, sim, dotadas de caráter principiológico). De conseguinte, as regras que excepcionam o princípio da não-detenção por dívidas, se alçadas ao panteão constitucional (caso em tela, ut artigo 5º, XXLVI, "in fine"), só podem ser suprimidas ou modificadas, por força de tratados ou convenções internacionais, em regime de recepção por derivação vinculada a ato de legitimação política (artigo 5º, §3º, CFRB), já que diz respeito à esfera de razoável conformação do Poder Legislativo.
3.5. Não bastasse, a prisão civil do depositário judicial infiel economicamente capaz, sobre estar autorizada pela norma do artigo 5º, XXLVI, "in fine", da CRFB, não se resume à mera "prisão civil por dívidas". Tem irrefragável natureza bifronte, consubstanciando também medida de defesa da autoridade pública e da dignidade do Poder Judiciário, à maneira de "contempt of court" (o que não está vedada, nesses termos, pelo Pacto de San José da Costa Rica).
3.6. Para mais, deve-se compreender que, nas execuções trabalhistas, a natureza alimentar de que geralmente se revestem os títulos exequendos reforça a tese da possibilidade jurídica, gozando de reconhecimento constitucional indireto (artigo 100, §1º-A, CRFB) e aproximando, pela relativa identidade ontológica, as hipóteses de prisão civil de depositário judicial infiel e de prisão civil de alimentante inadimplente (artigo 7º, n. 7, do Pacto de San José da Costa Rica).
3.7. Alfim, a par do incalculável prejuízo para a efetividade das execuções trabalhistas, a aprovação do enunciado n. 17 da PSV n. 03 representaria, para a Justiça do Trabalho, uma inexplicável supressão hermenêutica de competência constitucional expressa, eis que, afastada a competência penal das varas do trabalho (ADI n. 3684/2006, rel. Min. CEZAR PELUSO) e inviabilizada a prisão civil de depositários judiciais infiéis, não restaria qualquer hipótese possível de constrangimento ao "ius libertatis" perpetrado por juízes do trabalho. Isso significará, na prática, a derrogação oblíqua da norma do artigo 114, IV, da CRFB (quanto à competência material da Justiça do Trabalho para o processo e o julgamento de "habeas corpus") — o que evidencia que, sistematicamente, essa não é uma interpretação constitucional aceitável.
Consequentemente, pelo plexo de convicções que tais elementos engendram, não resta ao intérprete outra ilação, que não aquela repulsante e peremptória: sobre desatender formalmente aos pressupostos do artigo 103-A da CRFB, o enunciado n. 17 da PSV n. 03, pela sua exorbitante generalização, fere de morte o único recurso efetivo de satisfação judicial de direitos sonegados por devedores e/ou depositários de má-fé. Nessa precisa medida, não atende à concepção hodierna de jurisdição (= função de tutela de direitos materiais), enfraquece a segurança e a autoridade dos julgados (tisnando o princípio do Estado de Direito), revoga direta e indiretamente texto constitucional e, no processo do trabalho, pode vir a comprometer, no limite, a própria dignidade da pessoa do credor (na medida em que permite a chicana processual em detrimento de quem tem urgência para dar sustento a si mesmo e à família, na ausência de fontes alternativas de renda). Recuse-se, sim, a constitucionalidade daquelas hipóteses de prisão civil que se ligam a obrigações contratuais e títulos de crédito; não, porém, àquela que funciona, antes, como um mecanismo fundamental de «eficacização» [32] das sentenças judiciais maliciosamente resistidas — e, muito particularmente, das sentenças trabalhistas.
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Notas
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Cfr., por todos, Jürgen Habermas, Direito e Democracia: entre facticidade e validade, trad. Flávio Beno Siebeneichler, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1997, v. I, passim (em especial na contraposição entre as concepções «procedimentalista» e «substancialista» do Direito); Jürgen Habermas, Era das transições, trad. Flávio Beno Siebeneichler, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 2003, p.53 (quanto às «práticas interssubjetivas de entendimento» legitimadoras do processo de criação normativa).
Cfr., por todos, J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 1999, pp.1223-1228; Alexandre de Moraes, Direitos Humanos Fundamentais: Teoria Geral, 3ª ed., São Paulo, Atlas, 2000, p.39-43.
E, para tanto constatar, veja-se, de nossa lavra, Tratado de Alienação Fiduciária em Garantia: das bases romanas à Lei n. 9.514/97, São Paulo, LTr, 1999, pp.387-411.
E nesse sentido, sobre as diferenças ontológicas entre as funções judiciária (= jurisdicional) e legislativa, v., por todos, Mauro Cappelletti, Juízes Legisladores?, trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, Porto Alegre, Sérgio Antonio Fabris Editor, 1993, pp.81-82.
Cfr. Gilmar Mendes, André Rufino do Vale, "A influência do pensamento de Peter Häberle no STF", in Revista Consultor Jurídico, São Paulo, Conjur, 10.04.2009, pp.01-19 (http://www.conjur.com.br/2009-abr-10/pensamento-peter-haberle-jurisprudencia-supremo-tribunal-federal — acesso em 22.07.2009).
Isso porque, até o final da década de noventa, tanto o Supremo Tribunal Federal como o Superior Tribunal de Justiça afirmavam a constitucionalidade da prisão civil do depositário infiel e a própria recepção constitucional do Decreto-lei 911/69 (= alienação fiduciária em garantia), reconhecendo a legitimidade das prisões declaradas mesmo em figuras contratuais equiparadas à do depósito contratual ou necessário (cfr., e.g., STF, HC n. 72.131, j. 23.11.1995; STF, HC n. 73.044-2, 20.09.1996; STJ, RMS 3.623/SP, 29.10.1996). Pontuávamos então a nossa divergência, na obra citada, quanto à condição específica do devedor fiduciante e à ilegitimidade de sua prisão, mercê do Pacto de San José e de outros argumentos (cfr. Tratado…, pp.392-398).
Ou, como bem resumiu o Min. AYRES BRITTO nos debates orais (dirigindo-se ao Min. CELSO DE MELLO): "Gostaria muito de saber a opinião de Vossa Excelência, porque o Ministro Marco Aurélio emite um voto conceitual, defende a tese jurídica de que a Constituição, no particular, não é auto-aplicável, não consubstancia uma norma de eficácia plena quanto excepciona a prisão civil. A proibição é a regra, mas há duas exceções que, segundo o Ministro Marco Aurélio, não são operantes, dependem de lei" (g.n.).
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Nesse sentido, veja-se, por todos, Francisco Rezek, Direito Internacional Público: Curso Elementar, 4ª ed., São Paulo, Saraiva, 1994, pp.104-105. In verbis: "A prevalência de que fala essa tópica é a que tem indisfarçado valor hierárquico, garantindo ao compromisso internacional plena vigência, sem embargo de leis posteriores que o contradigam" (g.n.).
In verbis: "Recentemente, eu trouxe um habeas corpus entendendo constitucional e legal a prisão decretada contra o depositário infiel, na esteira da jurisprudência consolidada da Casa. Mas eu estaria aberto a eventual mudança" (p.244 — g.n.).
José Afonso da Silva, Comentário Contextual à Constituição, São Paulo, Malheiros, 2005, p.179.
Na verdade, até hoje — passados cinco anos da chamada «Reforma do Poder Judiciário» (= E.C. n. 45/2004), ou de sua primeira fase —, editou-se um único decreto legislativo com força de emenda constitucional (hipótese do artigo 5º, §3º, da CRFB). Trata-se do Decreto Legislativo n. 186, de 09.07.2008, que "aprova o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007". Mesmo aí, aliás, já há diversos aspectos polêmicos para os quais a doutrina não atinou, como, p.ex., a constitucionalização de princípios gerais de interpretação e aplicação dos direitos humanos — universalidade, indivisibilidade, interdependência e interrelação (item «c» do Preâmbulo) —que, antes do Decreto-lei n. 186/2008, eram princípios meramente doutrinários; agora, integram nominalmente a ordem constitucional, por constarem expressamente do item «c» do Preâmbulo da Convenção de Nova Iorque (e, sobre a eficácia normativa dos preâmbulos constitucionais, muito tem a nos dizer o constitucionalismo francês).
Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, 3. Aufl., Frankfurt am Main, Suhrkamp, 1996, pp.122-125.
Que, na legislação em vigor, admitem nada menos que cinco espécies: a prisão preventiva, a prisão temporária, a prisão em flagrante delito, a prisão decorrente de pronúncia e a prisão decorrente de sentença penal condenatória recorrível (essa última abalada, recentemente, pelo quanto decidido no HC n. 84.078/MG, j. 05.02.2009, em voto da relatoria do Min. EROS GRAU, que legitimou tal restrição apenas se presentes os pressupostos do artigo 312 do CPP — o que significa, na prática, reduzir a última hipótese à primeira).
No Brasil, ainda hoje, vejam-se as hipóteses das prisões cautelares administrativas do extraditando, do expulsando ou do deportando, para fins de extradição, expulsão ou deportação, vazadas respectivamente nos artigos 81, 69 e 61 da Lei n. 6.815/80.
HC n. 91.361, rel. Min. CELSO DE MELLO (supra).
Cfr., por todos, Konrad Hesse, Grundzüge ds Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland, 4. Aufl., Heidelberg, C. F. Müller, 1970, pp.28-29 e 132 e ss.
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Cfr. Anais do XXIX Congresso Brasileiro de Direito Constitucional (IBDC), 2009.
Cfr. Roger Guardiola Bortoluzzi, "Sanção por descumprimento de ordem judicial", in Páginas de Direito, José Maria Tesheiner, Mariângela Milhoranza (org.), Porto Alegre, [s.e.], 2009 (http://www.tex.pro.br/wwwroot/06de2003/sancaopordescumprimentodeordemjudicial_roger.htm, ISSN 1981-1578 — acesso em 23.07.2009). O texto é fruto das pesquisas do autor para sua dissertação de mestrado e nele se baseia parte das informações que se seguem abaixo.
Marcelo Lima Guerra, Execução indireta, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1998, pp.87-89.
Para o dado histórico e a terminologia, cfr., por todos, "Contempt Power, Judicial", in Encyclopedia of the American Constitution, Earl C. Dudley Jr., Woodbridge, Macmillan Reference, 2000, pp.671-672. Para uma visão menos técnica (e acidamente crítica), v. Rik Scarce, Contempt of Court: A Scholar’s Battle for Free Speech from behind Bars, Walnut Creek, Altamira Press, 2005, passim.
José Rogério Cruz e Tucci, Lineamentos da nova Reforma do CPC, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, pp.19-20 (g.n.).
Idem, ibidem.
Cfr., para a distinção, o sistema Wex do Legal Information Institute (LII) da Cornell University Law School (http://topics.law.cornell.edu/wex/contempt_of_court_indirect; http://topics.law.cornell.edu/wex/ contempt_of_court_direct — acessos em 23.07.2009).
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Pode-se enunciar o princípio do Estado de Direito (Rechtsstaat ) como o estado de soberania das leis, não da vontade das partes (João Paulo II, Centesimus Annus, n. 44); mas entre as suas dimensões essenciais geralmente se destacam os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos, o que inclui, em relação aos atos jurisdicionais, a estabilidade ou eficácia «ex post» dos julgados. Ou, como decidiu o Supremo Tribunal Administrativo de Portugal em 13.11.2007 (Ac. n. 0164-A/04), "o princípio do Estado de Direito concretiza-se através de elementos retirados de outros princípios, designadamente, o da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos, […] Os citados princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança assumem-se como princípios classificadores d o Estado de Direito Democrático, e que implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que está imanente uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado" (http://jurisprudencia.vlex.pt/vid/29199184, http://www.dgsi.pt/jsta.nsf, acesso em 24.07.2009 — g.n.). Em suma, não há Estado de Direito onde as decisões jurisdicionais do Estado-juiz não se cumprem ou podem ser facilmente rechaçadas por expedientes extrajudiciais.
Sobre o princípio da cooperação processual e suas implicações, veja-se, de nossa lavra, Direito à Prova e Dignidade Humana: cooperação e proporcionalidade nas provas condicionadas à disposição física da pessoa humana, São Paulo, LTr, 2007, passim (em especial o capítulo I).
Sobre as dimensões formal e material do princípio de acesso à justiça, cfr., por todos, Mauro Cappelletti, Bryant Garth, Acesso à Justiça, trad. Ellen Gracie Northfleet, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1988, passim.
Nesse sentido, identificando hipótese de "contempt of court" na norma doa artigo 600 do Código de Processo Civil, veja-se, por todos, Cândido Rangel Dinamarco, Execução civil, 4ª ed., São Paulo, Malheiros, 1994, p.178; e, do mesmo autor, A Reforma do Código de Processo Civil, 5ª ed., São Paulo, Malheiros, 2001, passim (comentando, à época, a alteração do artigo 601 pela Lei n. 8.953/94).
In verbis: "O juiz poderá ordenar a apreensão de título não restituído ou sonegado pelo emitente, sacado ou aceitante; mas só decretará a prisão de quem o recebeu para firmar aceite ou efetuar pagamento, se o portador provar, com justificação ou por documento, a entrega do título e a recusa da devolução" (g.n.). É, de todos, o exemplo mais eloquente a fundar a tese.
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In verbis: "Sempre que necessário, o juiz requisitará força policial a fim de auxiliar os oficiais de justiça na penhora dos bens e na prisão de quem resistir à ordem" (g.n.). Veja-se que não se trata necessariamente de prisão em flagrante delito (artigo 302 do CPP), até porque não se referem as demais hipóteses legais desse tipo de prisão cautelar (incisos II a IV), nem tampouco se discriminam entre pessoas capazes ou incapazes. A melhor exegese, portanto, é a de que a prisão é civil e tem por objetivo permitir a penhora e/ou a apreensão dos bens, neutralizando a ação contrária do recalcitrante (logo, seria melhor a expressão «detenção» e não «prisão»). Ao depois, lavrado o auto de resistência pelos oficiais de justiça (artigo 663, 1ª parte) e feita a entrega da pessoa à autoridade policial (artigo 663, "in fine"), caberá a esta proceder conforme a lei: (a) se houver crime que admita a prisão processual penal em flagrante delito (como, e.g., no delito de coação no curso do processo, ut artigo 344 do CP), ouvirá o detido, o condutor e as testemunhas (artigo 304 do CPP), lavrará o auto de prisão em flagrante, recolherá a pessoa e encaminhará o auto à autoridade judicial (podendo arbitrar a fiança, nos delitos punidos com detenção; do contrário, aguardará que a autoridade judicial criminal o faça, ut artigo 322, par. único, CPP); (b) se se tratar de infração penal de menor potencial ofensivo (artigo 61 da Lei n. 9.099/95) — modalidade que hoje abarca todas as fattispecies em que o réu se livra solto (artigo 321 do CPP) —, como ocorre na desobediência (artigo 330 do CP), no desacato (artigo 331 do CP) e na própria resistência simples (artigo 329 do CP), o delegado lavrará o termo circunstanciado, colherá o compromisso de comparecimento perante a autoridade judicial criminal e liberará o detido; (c) no caso de menor ou incapaz, convocará os pais ou responsáveis e lhes confiará o detido, documentando o fato.
Dizia-se, antes de 1988, da «prisão administrativa» do falido, com o declarado propósito de "compelir o paciente ao cumprimento de obrigações" legais (cfr. STF, RHC 60142/SP, rel. Min. RAFAEL MAYER, j.03.09.1982). Sob a égide da Constituição de 1967/1969, chegou-se mesmo a afastar uma arguição de inconstitucionalidade desse tipo de prisão (STF, RHC 54694/RJ, rel. Min. THOMPSON FLORES, j. 27.08.1976). E, mesmo após a promulgação da Carta de 1988, o Supremo seguiu admitindo-a em tese, nos termos do Decreto-lei n. 7.661/45, como se constata na seguinte ementa (julgamento de 24.05.1994): "Falência de instituição financeira precedida de liquidação extrajudicial pelo Banco Central: inadmissibilidade da prisão administrativa do ex-liquidante, com base nos arts. 35 e 34, V, da Lei de Falências, porque supostamente equiparado ao falido, por força do art. 191 daquele diploma ou do art. 25 e parágrafo da L.7.492/86. 1. São figuras inconfundíveis a do liquidante, órgão de sociedade comercial em liquidação e, por isso, equiparado ao falido pelo art. 91 da Lei de Falências, e a do liquidante, órgão do Banco Central na liquidação extrajudicial de instituições financeiras, que o art. 34 da L. 6.024/74 adequadamente equipara, não ao falido, mas ao sindico da falência. 2. Também no art. 25, parag. único, da L. 7.492/86, para o efeito de atribuir-lhes responsabilidade penal pelos crimes nela definidos, o que se contem é a assimilação, logicamente congruente, do liquidante das financeiras ao síndico, não a sua equiparação ao falido, substancialmente arbitrária; por outro lado, a regra é de incidência restrita à lei penal extravagante em que inserida e à imputação das infrações criminais nela definidas, campo normativo que não cabe estender ao problema, de todo diverso, da atribuição ao liquidante administrativo de instituição financeira de crimes falimentares próprios do falido ou a imposição de deveres e sanções processuais a ele, falido, também exclusivamente dirigida" (STF, HC 70743/DF, Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, j. 24.05.1994 — g.n.). Afastou-se, pois, a constrição, porque não se tratava propriamente de falido, mas de ex-liquidante de instituição financeira; mas admitiu-se, em tese, a figura da prisão administrativa como «sanção processual», sem qualquer dúvida de recepção ou constitucionalidade.
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O preceito utilize a expressão «prisão preventiva» e se refere a crimes falimentares, mas (a) não exige todos os requisitos do artigo 312 do CPP (= prisão preventiva «típica»), pois basta que haja "provas da prática de crime definido nesta Lei"; e — mais relevante — (b) a prisão é decretada pelo juiz cível (i.e., pelo juiz prolator "da sentença que decretar a falência do devedor", nos termos do artigo 99, caput)…
O neologismo «eficacização» foi empregado, entre nós, por PONTES DE MIRANDA, ainda sob a égide do CPC de 1939. Cfr. Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, Forense, 1975, t. VIII, pp.286-287.