A Prefeitura Municipal de Curitiba está sancionando um projeto para a inclusão do nome dos contribuintes devedores de impostos municipais inscritos na dívida ativa no cadastro de restrição de crédito da SERASA – Centralização de Serviços de Bancos.
Trata-se de um projeto com um conteúdo inconstitucional, pois viola o artigo 5 inciso X da Constituição Federal (são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação) e amplamente ilegal, pois viola o artigo 198 do Código Tributário Nacional (...é vedada a divulgação, para qualquer fim, por parte da fazenda pública ou de seus funcionários, de qualquer informação, obtida em razão do ofício, sobre a situação econômica ou financeira dos sujeitos passivos ou de terceiros e sobre a natureza e o estado dos seus negócios ou atividades).
A inclusão em cadastro de restrição de crédito em se tratando de dívida ativa, encontra-se em contrariedade ao regramento do código de defesa do consumidor, pois se trata de uma relação de consumo de serviço público. E o Código de Defesa do Consumidor vem em proteger o contribuinte-consumidor, principalmente com o contido no art. 13, onde elenca as práticas infrativas, nas quais incorre a SERASA e que poderá incorrer a Prefeitura:
IX – submeter o consumidor inadimplente a ridículo ou a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça;
XI – elaborar cadastros de consumo com dados irreais ou imprecisos;
XII- manter cadastros e dados de consumidores com informações negativas, divergentes da proteção legal;
Ao comentar o art. 42 da Lei 8078/90, o professor Fábio Ulhôa Coelho explica que "a sua inadimplência não pode ser tratada de maneira vexatória ou coercitiva". e a jurisprudência não está alheia a casos em que enxovalha-se o nome e destrói-se o crédito de alguém com as medidas restritivas de crédito. o venerado acórdão do Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul dispõe que "os efeitos de anotações perpetradas contra os devedores (BACEN, SERASA e SPC) são devastadores, trazendo prejuízos irrecuperáveis". Neste mesmo sentido, temos o egrégio Primeiro Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, em decisão recente entendeu: "Registro de nome de cliente em central de restrições de órgãos de proteção ao crédito – inadmissibilidade – violação aos direitos individuais – inteligência do art. 5º da CF" (AASP 2011/99).
Portanto, a decisão da Prefeitura somente terá o efeito de gerar a restrição creditícia, o que poderá em constituir em real violação aos direitos e garantias individuais previsto em nossa Constituição Federal. Devemos expor que a SERASA foi instituída com a finalidade de dotar o sistema bancário de um instrumento eficaz de consulta quanto aos devedores em geral. Contudo, vem sendo indevidamente utilizado, porquanto representado intransponível obstáculo para as mais elementares transações financeiras que pretendem realizar aqueles que tem o seu nome nele registrado, que ficam impotentes diante do cadastro restritivo.
Como precisamente alerta a exposição de motivos da Fair Credit Reporting Act promulgado pelo Congresso Americano, como Título VI do Consumer Credit Protection Act, onde "nos serviços de proteção ao crédito há uma necessidade de assegurar que exercitem suas graves responsabilidades com eqüidade, imparcialidade e respeito pelo direito à privacidade do consumidor".
Atualmente, no Brasil, o cadastro de restrição de crédito é comparado ao tribunal de exceção, o que vem em contrariar ao art. 5º, XXXVII, da Constituição Federal. A SERASA, ao negativar o nome em seus cadastros, repassando informações para as entidades financeiras filiadas, demonstra ter poderes maiores que o próprio Estado. E vai considerar o consumidor-contribuinte como culpado, aplicando uma penalidade restritiva de crédito, sem que tenha havido a manifestação do Poder Judiciário, única instituição capaz de dizer quem é realmente inocente ou culpado, após o devido processo legal (due process law, cf art 5º, LIV).
Neste sentido, tivemos duas manifestações do egrégio Tribunal de Alçada do Estado do Paraná, em ac. 5313 do juiz relator Miguel Pessoa onde: "Medida cautelar incidental. Pedido de abstenção de inscrição da devedora no SERASA e no SPC. Não cabe ao credor a comunicação aos órgãos de fiscalização cadastral, da empresa com quem contende como inadimplente, antes da solução da lide", e em ac. 8649 do juiz relator Lidio J. R. de Macedo, onde "a prematura divulgação de informações constantes do banco de dados da SERASA, poderá causar danos de difícil reparação ao direito dos possíveis devedores, com restrição de crédito na praça e dúvida sobre sua idoneidade".
Devemos expor que, em caso semelhante envolvendo a inscrição no cadastro restritivo do CADIN, o Supremo Tribunal Federal, em Ação Direta de Inconstitucionalidade 1454-4, deferiu a medida liminar para suspender cautelarmente o art. 7º da Medida Provisória 1490, que estabelecia restrições à celebração de transações com a Administração, por aqueles que tem o seu nome inscrito no CADIN.
Finalmente, concluímos o nosso artigo utilizando as palavras do egrégio Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Ruy Rosado de Aguiar, que em seminário sobre cadastros pessoais aduziu que "a inserção de dados pessoais do cidadão em bancos de informações tem se constituído em uma das preocupações do estado moderno, onde o uso da informática e a possibilidade de controle unificado das diversas atividades da pessoas, nas múltipla situações de vida, permite o conhecimento de sua conduta pública e privada, até nos mínimos detalhes, podendo chegar à devassa de atos pessoais, invadindo área que deveria ficar restrita à sua intimidade; ao mesmo tempo, o cidadão objeto dessa indiscriminada colheita de informações, muitas vezes sequer sabe da exist6encia de tal atividade, ou não dispõe de eficazes meios para conhecer o seu resultado, retifícá-lo ou cancelá-lo. e assim como o conjunto dessas informações pode ser usado para fins lícitos, públicos ou privados, na prevenção ou repressão de delitos, ou habilitando o particular a celebrar contratos com pleno conhecimento de causa, também pode servir, ao estado ou ao particular, para alcançar fins contrários à moral ou ao direito, como instrumento de perseguição política ou opressão econômica".
Nota do editor
Veja também a defesa da SERASA:
<https://jus.com.br/artigos/2926/serasa-contesta-artigo-publicado-no-jus-navigandi>