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Breves considerações sobre a noviça Lei nº 12.015/2009

12/08/2009 às 00:00
Leia nesta página:

No afã de endurecer a reprimenda penal em face dos crimes sexuais, foi editada a Lei 12.015, de 7 de agosto de 2009, que alterou praticamente todo o Título VI do Código Penal, especialmente no que se refere aos capítulos de I a V daquele codex.

Ou seja, mais uma vez acrescentou-se um retalho a essa colcha em que se transformou a obra prima de Nelson Hungria que, por sinal, deve estar se retorcendo em seu túmulo, ao constatar que esse diploma legal foi eleito como a meta da obsessão das trapalhadas jurídicas de nossos legisladores. Se não, vejamos.

Na nova redação dada ao artigo 213, que define o crime de estupro, o sujeito passivo passou a ser alguém, ao invés da mulher de forma exclusiva, desde que a vítima seja submetida a violência ou grave ameaça com a finalidade de com ela manter-se conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ela se pratique outro ato libidinoso, mantendo-se a mesma pena da antiga redação desse tipo penal. A violência mencionada, por óbvio, trata-se da violência própria, física.

A novidade é que o artigo 224, que definia a violência presumida, foi revogado pela nova lei. Nesse artigo, mais precisamente em sua alínea "c", presumia-se a violência se a vítima não podia, por qualquer outra causa, oferece resistência. Tratava-se, como se sabe, daquelas situações em que a vítima se encontrava impossibilitada de oferecer resistência, como, por exemplo, enfermidade física grave, embriaguez completa, narcotização etc. Em alguns casos, quando causadas pelo agente do crime sexual, caracterizavam violência imprópria, como, por exemplo, a narcotização.

Esse tipo de violência passou agora a ser prevista no caput da nova redação dada ao artigo 215 do CP, que prevê o crime de violação sexual mediante fraude, com pena de reclusão, de dois a seis anos, para o agente que mantém conjunção carnal ou pratica outro ato libidinoso com alguém (que tenha pelo menos 14 anos ou mais, sob pena de incidir no novel artigo 217-A, que prevê o estupro de vulnerável, ou seja, menor de catorze anos, sem discernimento ou sem resistência, com pena de reclusão, de oito a quinze anos), mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima. A parte final deste artigo contempla, sem dúvida, hipótese de violência imprópria de que tratava a alínea "c" do revogado artigo 224.

Assim, quem agora pratica violação sexual mediante violência imprópria em face de alguém que tenha pelo menos 14 anos de idade ou mais, mentalmente são e que possa oferecer resistência, está sujeito a uma pena de reclusão de dois a seis anos e não mais a pena de seis a dez anos prevista para o crime de estupro do renovado artigo 213, uma vez que, anteriormente à nova lei, a pena de estupro, que permaneceu intacta, era a mesma tanto no caso de violência própria como para as hipóteses de violência imprópria.

Com a revogação do artigo 224 do CP perdeu eficácia o artigo 9º da Lei 8072/90, que trata dos crimes hediondos, e que previa o aumento de pena de metade para alguns delitos, dentre eles aqueles previstos nos artigos 213 e 214 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único, todos do CP, quando a vítima estivesse justamente em qualquer das hipóteses referidas no agora revogado artigo 224 do mesmo diploma.

Para os menores de catorze anos de idade, o caput do novo artigo 217-A, já mencionado, substituiu a alínea "a" do revogado artigo 224 no que se refere à idade da vítima, enquanto que o § 1º do noviço artigo substituiu as alíneas "b" e "c" do finado art. 224. Isso no que tange aos crimes contra a liberdade sexual, uma vez que, no que se refere aos artigos 157, 158 e 159, CP, que também eram atingidos pelo artigo 9º da Lei dos Crimes Hediondos, estes não mais poderão ter suas penas aumentadas de metade naquelas hipóteses então previstas no extinto artigo 224, salvo se vingar o entendimento de que tais hipóteses elencadas no extinto artigo 224 estariam preservadas nas disposições do atual artigo 217-A.

Mesmo para aqueles que eventualmente entendam que as situações previstas no finado artigo 224 foram substituídas, no artigo 9º da Lei 8072/90, pelo artigo 217-A, caput e § 1º, não haveria a possibilidade de incidência da causa de aumento de pena da Lei dos Crimes Hediondos sobre essa nova figura típica do estupro de vulnerável, tanto se cometido de forma simples (caput) ou qualificado (§§ 3º e 4º), sob pena de indevido bis in idem, uma vez que os dispositivos que integravam o revogado artigo 224 são agora elementares desse novo delito, não podendo, por conseguinte, serem consideradas para tipificar o crime e, ao mesmo tempo, ser levados em conta para aumentar a pena.

A lacuna que existia no artigo 218 do CP, que não previa a possibilidade de reprimenda penal em face da conduta de corromper menor de quatorze anos induzindo-o a presenciar ato de libidinagem foi preenchida com o novo artigo 218-A, que tipifica justamente a conduta daquele que pratica, na presença de alguém menor de catorze anos, ou induz a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem.

Todavia, analisando-se os dois únicos artigos que agora caracterizam a corrupção de menores, bem como os demais tipos penais compreendidos pela nova lei, não se encontra tipo penal para a situação em que a vítima desse tipo de conduta prevista no artigo 218-A tenha idade igual ou maior de catorze anos e até dezoito anos incompletos. Ou seja, uma lacuna foi substituída por outra, sem qualquer explicação aparente para tanto.

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Que Nelson Hungria descanse em paz.

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Sobre o autor
José Luiz Joveli

delegado de polícia em Americana (SP),Mestre em Direito e também Professor de Direito Penal pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JOVELI, José Luiz. Breves considerações sobre a noviça Lei nº 12.015/2009. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2233, 12 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13313. Acesso em: 17 abr. 2024.

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