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A Lei nº 12.016/09 e o mandado de segurança em matéria criminal

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15/08/2009 às 00:00
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Normalmente, em qualquer ataque ao direito do réu, a via correta será o habeas corpus. Portanto, o Mandado de Segurança é mais utilizado pela acusação do que pela defesa.

I - INTRODUÇÃO

Antes de abordar o tema, farei uma breve exposição a respeito da origem do Mandado de Segurança e, nessa tarefa, é preciso que se tenha especial atenção para uma outra garantia constitucional igualmente importante (uma outra ação), que é o habeas corpus, pois tudo começou com ele. [01]

Com a primeira Constituição Republicana, em 1891, previu-se, pela primeira vez em nosso País, o habeas corpus que, originariamente (eu diria até etimologicamente), sempre serviu para a tutela do direito à locomoção (do direito de ir, vir e ficar). Isso é da origem do habeas corpus desde a Magna Carta de João Sem Terra, na Inglaterra. Então, em 1891, a Constituição Republicana, prevendo o habeas corpus, deu-lhe contornos mais amplos, ou seja, não garantia apenas o direito à liberdade (isto estava expresso no art. 72, § 22 da Constituição de 1891). Por conta dos termos em que estava grafado este dispositivo, houve uma séria e importante discussão doutrinária entre dois personagens do Direito Brasileiro – Pedro Lessa e Ruy Barbosa – acerca da amplitude que essa garantia constitucional efetivamente tinha, é dizer, se o habeas corpus estava posto como garantia apenas do direito à liberdade (como pensava Pedro Lessa e como acabou por definir o Supremo Tribunal Federal) ou, por outro lado, na visão de Ruy Barbosa, se o habeas corpus prestava-se, nos termos da Constituição, para a garantia de todo e qualquer direito (não somente do direito de ir, vir e ficar) porventura violado ou ameaçado por abuso de poder ou ilegalidade.

Durante a vigência da Constituição de 1891, o certo é que outros direitos acabaram por ser, vez por outra, tutelados (garantidos) com a impetração do habeas corpus. É fato, por exemplo, que o habeas corpus serviu para reintegrar o Governador do antigo Estado da Guanabara ao seu cargo (quando não havia, evidentemente, nenhum perigo à locomoção desse agente público, pois era apenas uma questão administrativa).

Com o passar dos anos, mais exatamente com uma Reforma Constitucional que houve em 1926, o habeas corpus voltou à sua origem inglesa, e esta Reforma estabeleceu, em sede constitucional, que o habeas corpus seria uma garantia específica para tutelar o direito à liberdade (na forma como estava estatuída no mesmo art. 72, § 22, só que com a reforma: "dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer violência por meio de prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade de locomoção").

Portanto, a partir de 1926, restaram sem tutela outros direitos que não o direito à liberdade; não tínhamos uma garantia constitucional para isto e não se podia mais usar o habeas corpus como se usava desde a República (por força da Constituição de 1891) exatamente porque agora estava expressamente posto que o habeas corpus serviria apenas para a tutela da liberdade física.

Ficou, então, esse hiato de 1926 até 1934. Somente com a Constituição de 1934 que, pela primeira vez no ordenamento jurídico brasileiro, foi previsto o Mandado de Segurança (com esse nome) [02]. Portanto, a sua origem, do ponto de vista do Direito Positivo, está na Constituição de 1934, exatamente no seu art. 113, § 33, nos seguintes termos (que não muda muito com relação ao que temos hoje): "Dar-se-á mandado de segurança para defesa do direito, certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade. O processo será o mesmo do habeas corpus, devendo ser sempre ouvida a pessoa de direito público interessada. O mandado não prejudica as ações petitórias competentes". Depois da Constituição de 1934 editou-se a Lei nº. 191/36 regulando o procedimento do Mandado de Segurança [03].

Em 1937, com o Estado Novo e a Constituição de 1937 (Constituição fascista outorgada por Getulio Vargas), o Mandado de Segurança desaparece da Constituição. Ou seja, depois de 1934, a única Constituição brasileira que não previu o Mandado de Segurança foi a de 1937, mas nem por isso este instituto deixou de ser utilizado. Este fato deve-se à Lei 191/36, que sofreu uma pequena, importante e odiosa alteração em 1937 através de um Decreto-lei que a modificou apenas para tornar imune ao Mandado de Segurança algumas autoridades (o Presidente da República, os Ministros, os Governadores e os Interventores). Portanto, nesse período do Estado Novo tivemos o Mandado de Segurança com imunidade para os referidos agentes públicos. Esta imunidade perdurou, inclusive, com a edição do Código de Processo Civil de 1939, que o previu, mas não excluiu tais imunidades; imunidades estas que só foram extirpadas com a Lei nº. 1.533, que não mais previa a imunidade para aqueles agentes públicos. Posteriormente, também previram o Mandado de Segurança a Constituição de 1967, a Emenda Constitucional de 69 e, hoje, a atual Constituição, que no seu artigo 5º, LXIX, estabelece: "conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas-corpus ou habeas-data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público".

A pergunta que se faz agora é a seguinte: "quando é que começou a se teorizar, na doutrina brasileira, a possibilidade do Mandado de Segurança contra ato jurisdicional, contra decisão judicial"? Este questionamento é feito porque, inicialmente, a sua utilização era, normalmente, para combater atos do Poder Executivo, mas não atos emanados de órgãos do Poder Judiciário. Portanto, não havia essa possibilidade. Mas, desde a Constituição de 1934 já era possível a utilização do Mandado de Segurança para este fim, porque os termos da Constituição de 1934 assim permitiam. Tanto que houve um caso célebre, no Estado de Minas Gerais, em que uma penhora que havia sido determinada por um Juiz Federal foi suspensa por força da impetração de um Mandado de Segurança concedido pelo Supremo Tribunal Federal. Portanto, antes mesmo da antiga Lei nº. 1.533/51 já tínhamos um caso em que uma decisão judicial tinha sido desconstituída por força de um Mandado de Segurança.

Atualmente esta possibilidade é clara, nos termos do art. 5º., II e III da Lei nº. 12.016/09 (que revogou a Lei nº. 1.533/51), que, lido a contrario sensu, diz que não se dará Mandado de Segurança quando se tratar de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo ou de decisão judicial transitada em julgado [04]. Então, interpretando-se literalmente este art. 5º., II e III, temos que é possível a impetração do Mandado de Segurança contra decisão judicial, inclusive em matéria criminal.

Por sua vez, o Enunciado 267 da súmula do Supremo Tribunal Federal estabelece que "não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição". Este Enunciado, no entanto, deve ser interpretado no sentido que é possível, sim, o Mandado de Segurança contra decisão judicial, mesmo em decisão que caiba recurso, desde que não tenha efeito suspensivo e, portanto, não seja apto a evitar um dano irreparável [05]. Portanto, o Mandado de Segurança serviria, justamente, para dar o efeito suspensivo ao recurso e evitar um dano se este ato for violado a posteriori. Neste sentido:

"Em casos excepcionais, a jurisprudência pátria tem admitido o uso do mandado de segurança para atribuir efeito suspensivo a recurso desprovido de tal característica, quando se verificar a plausibilidade jurídica do pedido e possibilidade de dano efetivo até o julgamento da irresignação pelo Tribunal, situação caracterizada no caso em tela pela iminente remessa dos autos ao Juízo Estadual em face de declinação da competência, com possibilidade de anulação ab initio do processo. Nessa situação, a via mandamental não é utilizada como substitutivo do recurso cabível, mas como medida meramente cautelar, cuja finalidade é resguardar a decisão de mérito a ser proferida pela Turma no julgamento do RSE" (TRF 4ª R. – 8ª T. – MS 2008.04.00.039673-3 – rel. Élcio Pinheiro de Castro – j. 03.12.2008 – DJU 10.12.2008).

Em sentido contrário, ao menos quando se trata de dar efeito suspensivo a agravo em execução:

"HABEAS CORPUS N.º 62.848-SP - Rel.: Min. Arnaldo Esteves Lima/5.ª Turma - EMENTA - Penal. Habeas corpus. Ministério Público. Mandado de segurança buscando atribuir efeito suspensivo no agravo em execução. Ilegitimidade. Precedentes. Ordem concedida. 1. Segundo pacífico entendimento desta Corte, não possui o Ministério Público legitimidade para impetrar mandado de segurança buscando atribuir efeito suspensivo a agravo em execução. 2. Ordem concedida para anular o acórdão proferido no Mandado de Segurança n.º 965.187.3/0, excluindo, por conseguinte, o efeito suspensivo atribuído ao agravo em execução." (STJ/DJU de 18/12/06, pág. 440). Idem: "TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS - MANDADO DE SEGURANÇA (CRIMINAL) N° 1.0000.06.442541-6/000 - RELATOR: DES. PEDRO VERGARA - EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA - PEDIDO DO CONDENADO DE AUTORIZAÇÃO PARA FREQÜENTAR CURSO SUPERIOR E REALIZAR TRABALHO EXTERNO DEFERIDO - AGRAVO EM EXECUÇÃO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO PENDENTE DE JULGAMENTO - IMPETRAÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA OBJETIVANDO A CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AO AGRAVO - IMPOSSIBILIDADE VIA AÇÃO MANDAMENTAL - ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO - MANDADO DE SEGURANÇA EXTINTO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. O Ministério Público não tem legitimidade para impetrar mandado de segurança objetivando a atribuição de efeito suspensivo ao recurso de agravo em execução interposto, vez que não pode restringir o direito do condenado, além dos limites conferidos pela legislação. O agravo em execução não é dotado de efeito suspensivo, nos termos do artigo 197 da Lei de Execuções Penais. V.v: PROCESSO PENAL - RECURSO DE AGRAVO CONTRA DECISÃO CONCESSIVA DE DIREITO À EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA - MANDADO DE SEGURANÇA PARA CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO - POSSIBILIDADE - PRELIMINAR REJEITADA." Vejamos este trecho do voto: "(...) Entendo que não é vedado ao Ministério Público o manejo do remédio heróico do Mandado de Segurança em âmbito penal; contudo, seu cabimento prescinde da demonstração do direito líquido e certo violado, sem o qual, não pode o Parquet socorrer-se a tal recurso. O Ministério Público não pode restringir o direito de liberdade do condenado, fora das hipóteses previstas no ordenamento processual penal, sob pena de afronta ao texto constitucional e ao princípio do devido processo legal. Dispõe a Carta Magna de 1988, no seu artigo 5º, inciso LIV, que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". Como é cediço, o artigo 197 da Lei de Execução Penal, proíbe, expressamente, a concessão de efeito suspensivo ao agravo em execução, in verbis: "Artigo 197 - Das decisões proferidas pelo juiz caberá recurso de agravo, sem efeito suspensivo." Assim, pretende o Parquet restringir o direito do condenado, fora dos limites impostos pela lei, utilizando-se de manobras processuais, o que não lhe é permitido. Não admitindo a legislação penal, efeito suspensivo a recurso de agravo em execução, não pode o Ministério Público valer-se do recurso de Mandado de Segurança para tal. Dessa forma, entendo prudente o aguardo pelo Parquet do trâmite regular do agravo em execução interposto, que se encontra pendente de julgamento. Amparando a tese, já decidiu esta Corte: "AGRAVO REGIMENTAL - MANDADO DE SEGURANÇA - PENAL - CONCESSÃO DE PROGRESSÃO DE REGIME EM CRIME HEDIONDO - EXISTÊNCIA DE RECURSO PRÓPRIO - ART. 197 DA LEP - AGRAVO EM EXECUÇÃO PENDENTE DE JULGAMENTO - EFEITO SUSPENSIVO PLEITEADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO - IMPOSSIBILIDADE DA VIA AÇÃO MANDAMENTAL - ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO - MANDADO DE SEGURANÇA NÃO CONHECIDO. O Mandado de Segurança não se presta para atribuir efeito suspensivo ao agravo em execução, quando ausentes os requisitos excepcionais autorizadores da medida buscada. Também é uníssona a jurisprudência no sentido do descabimento do manejo do mandamus pelo Ministério Público para conferir efeito suspensivo ao agravo em execução. V.V." (Agravo Regimental nº. 1.0000.06.442590-3/001, Rel. Des. Alexandre Victor de Carvalho, 5ª Câmara Criminal do TJMG, DJ 27.10.2006) "MANDADO DE SEGURANÇA - PENAL - CONCESSÃO DE LIVRAMENTO CONDICIONAL - EXISTÊNCIA DE RECURSO PRÓPRIO - ART. 197 DA LEP - AGRAVO EM EXECUÇÃO PENDENTE DE JULGAMENTO - EFEITO SUSPENSIVO PLEITEADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO - IMPOSSIBILIDADE PELA VIA AÇÃO MANDAMENTAL - ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO - MANDADO DE SEGURANÇA NÃO CONHECIDO. O Mandado de Segurança não se presta para atribuir efeito suspensivo ao agravo em execução, quando ausentes os requisitos excepcionais autorizadores da medida buscada. Também é uníssona a jurisprudência no sentido do descabimento do manejo do mandamus pelo Ministério Público para conferir efeito suspensivo ao agravo em execução .V.v PROCESSO PENAL - RECURSO DE AGRAVO CONTRA DECISÃO CONCESSIVA DE LIVRAMENTO CONDICIONAL - MANDADO DE SEGURANÇA PARA CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO - POSSIBILIDADE - AÇÃO MANDAMENTAL ADMITIDA, PARA ANÁLISE DO MÉRITO." (Mandado de Segurança nº. 1.0000.06.436184-3/000, Rel. Des. Maria Celeste Porto, 5ª Câmara Criminal do TJMG, DJ 28.07.2006) (grifamos) "MANDADO DE SEGURANÇA - IMPETRAÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO - CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO EM RECURSO DE AGRAVO - AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL - DIREITO LÍQUIDO E CERTO - FALTA DE AMPARO LEGAL - ORDEM NÃO-CONHECIDA. Embora seja sabido e consabido que o Ministério Público detém legitimidade para impetrar Mandado de Segurança, inexistindo previsão legal de efeito suspensivo em Recurso de Agravo, tem-se por prejudicada a aferição do alegado direito líquido e certo a amparar sua impetração, até porque ao Parquet não cabe valer-se do remédio constitucional para buscar restringir direitos do condenado, ferindo não só o regramento processual penal, como também o princípio constitucional do devido processo legal. Mandamus não-conhecido. V.v.: PROCESSO PENAL - RECURSO DE AGRAVO CONTRA DECISÃO CONCESSIVA DE LIVRAMENTO CONDICIONAL - MANDADO DE SEGURANÇA PARA CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO - POSSIBILIDADE - RECURSO CONHECIDO." (Mandado de Segurança nº. 2.0000.00.461956-7/000, Rel. Des. Antônio Armando dos Anjos, 2ª Câmara Mista do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, DJ 23.10.2004) (grifamos) Instado a se pronunciar sobre o tema, o e. Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no mesmo sentido, in verbis: "HABEAS CORPUS. MINISTÉRIO PÚBLICO. MANDADO DE SEGURANÇA. EFEITO SUSPENSIVO. AGRAVO EM EXECUÇÃO. ILEGITIMIDADE. 1. O Ministério Público não possui legitimidade para impetrar mandado de segurança com intuito de atribuir efeito suspensivo a agravo em execução, na medida em que o princípio do devido processo legal obsta a restrição das garantias dadas aos acusados além dos limites estabelecidos pela legislação; 2. A dicção do artigo 197 da Lei de Execuções Penais é clara ao proclamar que o agravo em execução não é dotado de efeito suspensivo; 3. Ordem concedida para cassar o efeito suspensivo atribuído ao agravo, determinando a imediata retirada do paciente do regime disciplinar diferenciado." (HC 45299/SP; Habeas Corpus 2005/0106688-0, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, 6ª Turma do STJ, DJ 27.03.2006, p. 339) "HABEAS CORPUS. CONDENADO CUMPRINDO PENA. PEDIDO DE TRANSFERÊNCIA PARA O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO - RDD. INDEFERIMENTO PELO JUÍZO DA VARA DE EXECUÇÕES PENAIS. AGRAVO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. IMPETRAÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA COM O FITO DE EMPRESTAR EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO. DEFERIMENTO PELO TRIBUNAL A QUO. ILEGALIDADE. 1. O Ministério Público não tem legitimidade para impetrar mandado de segurança almejando atribuir efeito suspensivo ao recurso de agravo em execução, porquanto o órgão ministerial, em observância ao princípio constitucional do devido processo legal, não pode restringir o direito do acusado ou condenado além dos limites conferidos pela legislação, mormente se, nos termos do art. 197, da Lei de Execuções Penais, o agravo em execução não possui efeito suspensivo. Precedente do STJ."


II - NATUREZA JURÍDICA

O Mandado de Segurança não é um recurso, assim como o habeas corpus e a revisão criminal também não o são. Refiro-me ao habeas corpus e à revisão criminal porque, equivocadamente, o Código de Processo Penal estabelece (ou indica), como recursos, estas duas verdadeiras ações autônomas de impugnação. O Código de Processo Penal, entre tantas outras impropriedades técnicas (é um código de1941), elenca o habeas corpus e a revisão criminal como meios recursais e não o são. São ações autônomas de impugnação, como é o Mandado de Segurança. Não é recurso por um motivo muito simples, qual seja, com a ação de Mandado de Segurança instaura-se uma nova relação jurídica processual, ao passo que o recurso apenas dá continuidade àquela primeira relação jurídica.

O Mandado de Segurança tem caráter mandamental e índole constitucional; é uma ação de conhecimento que pode ter efeito meramente declaratório ou constitutivo. Por exemplo, pode-se trancar uma ação penal por Mandado de Segurança quando se esteja diante de uma ação penal cujo objeto é uma contravenção penal punida, tão-somente, com a pena de multa. Como a multa, hoje, por conta da modificação estabelecida no art. 51 do Código Penal (e a revogação do art. 182 da Lei de Execução Penal – Lei nº. 7.210/84), não mais pode ser convertida em pena privativa de liberdade, a liberdade de locomoção, nestes casos, não estaria ameaçada. Portanto, o remédio cabível não é mais o habeas corpus [06], que tutela somente o direito à liberdade de locomoção; possível será a impetração do Mandado de Segurança.

O Mandado de Segurança pode ser repressivo ou preventivo (assim como o habeas corpus) e, como toda ação, é necessário estabelecer as condições para o seu exercício e os pressupostos processuais.


III - CONDIÇÕES DA AÇÃO

Para ser o possível, juridicamente, o Mandado de Segurança, é necessário que haja um ato jurisdicional [08] eivado de ilegalidade, que tenha a possibilidade real, efetiva ou iminente, de ferir um direito líquido e certo [09]. Portanto, o ato tem que ser ilegal, contrário à lei ou praticado com abuso de poder.

Segundo Hely Lopes Meirelles, "direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercido no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais." [10]

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No mesmo sentido, Carlos Mário da Silva Velloso:

"O conceito, portanto, de direito líquido e certo, ensina Celso Barbi, lição que é, também, de Lopes da Costa e Sálvio de Figueiredo Teixeira, é processual. Quando acontecer um fato que der origem a um direito subjetivo, esse direito, apesar de realmente existente, só será líquido e certo se o fato for indiscutível, isto é, provado documentalmente e de forma satisfatória. Se a demonstração da existência do fato depender de outros meios de prova, o direito subjetivo surgido dele existirá, mas não será líquido e certo, para efeito de mandado de segurança. Nesse caso, sua proteção só poderá ser obtida por outra via processual." [11]

A segunda condição da ação é o interesse de agir. Nesse sentido, lembramos do trinômio: "necessidade, adequação e utilidade". O Mandado de Segurança tem que ser um remédio adequado para combater um ato ilegal ou praticado com abuso de poder; e tem que ser necessário e útil para evitar um dano irreparável. Portanto, o interesse de agir está na probabilidade de um dano irreparável, porque não garantido por outro remédio [12], não garantido pelo habeas corpus, pelo habeas data ou mesmo por recurso com efeito suspensivo [13].

Por fim, como última condição da ação, tem-se a legitimidade das partes. Parte no Mandado de Segurança, no pólo ativo, é qualquer pessoa física ou jurídica que se sinta ameaçada ou violada em seu direito, e que possa comprovar, de plano, essa violação, ou esta ameaça. Sujeito passivo, como entende modernamente a doutrina, é o Estado (não exatamente a autoridade coatora). É importante observar que no pólo passivo, via de regra, haverá a necessidade de se estabelecer um litisconsórcio necessário, sob pena de nulidade do processo. Assim, por exemplo, em um Mandado de Segurança impetrado pelo Ministério Público, evidentemente que, ao ser notificada a autoridade dita coatora (o Juiz de Direito), é imprescindível que sejam citados os réus para contestar a ação mandamental (não para prestar informações).

Neste ponto, faço referência a um Enunciado ainda mais recente do Supremo Tribunal Federal, o de nº. 701, que, espancando algumas dúvidas doutrinárias ainda existentes, estabeleceu definitivamente (e priorizando, portanto, o princípio do contraditório) que "No mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público contra decisão proferida em processo penal, é obrigatória a citação do réu como litisconsorte passivo". Este já é um entendimento reiterado pela Suprema Corte e exatamente por isso transformou-se em enunciado.

Com relação aos pressupostos processuais, além dos já conhecidos "investidura do juiz e capacidade das partes", faremos referência especial à regularidade formal do pedido. A lei do Mandado de Segurança (art. 6º.) estabelece que a petição deve conter, além de algumas especificidades, os mesmos requisitos da petição inicial (previstos nos arts. 282 e 283 do Código de Processo Civil). Algumas peculiaridades há. Não esqueçamos que há um prazo decadencial para a impetração do mandamus, exatamente 120 dias (art. 23).

Da mesma forma, como já mencionado, o Mandado de Segurança não é um procedimento que admita dilação probatória, pois "a ação mandamental exige, para sua apreciação, que se comprove, de plano, a existência de liquidez e certeza dos fatos narrados da inicial. É inerente à via eleita a exigência de comprovação documental e pré-constituída da situação que configura a lesão ou ameaça a direito liquido e certo que se pretende coibir devendo afastar quaisquer resquícios de dúvida." [14] No mesmo sentido:

"O remédio heróico do mandado de segurança somente pode ser agitado havendo prova pré-constituída da ofensa a direito líquido e certo da parte impetrante, não sendo o mesmo admitido, portanto, se dependente a invocação do direito de instrução probatória." (TJMG, Apc. 1.0024.03.983408-0, Rel. Desembargador José Domingues Ferreira Esteves, 6ª Câmara Cível, DJ 27.08.2004).

No julgamento do Mandado de Segurança nº. 27971, o Ministro Celso de Mello decidiu que "não se justifica, em sede de mandado de segurança, a produção tardia de documentos, eis que estes hão de ser produzidos pelo impetrante quando do ajuizamento da referida ação constitucional, como reiteradamente tem advertido o magistério jurisprudencial desta suprema Corte (RTJ 83/663, relatado pelo ministro aposentado Sepúlveda Pertence; RTJ 137/663, relator para o acórdão ministro Celso de Mello, e RTJ 171/3265-327, relator ministro aposentado Ilmar Galvão)". "Como se sabe, a ação de mandado de segurança faz instaurar processo de caráter eminentemente documental, a significar que a pretensão jurídica deduzida pela parte impetrante há de ser demonstrada mediante produção de provas documentais pré-constituídas, aptas a evidenciar a alegada ofensa a direito líquido e certo supostamente titularizado pelo autor do writ (processo) mandamental", observou o Ministro. Isto porque, segundo ele, "a lei exige que o impetrante, ao ajuizar o processo, instrua a petição inicial, com prova literal pré-constituída, essencial à demonstração das alegações feitas, ressalvada a hipótese - inocorrente neste caso – de o documento necessário à comprovação das razões invocadas encontrar-se em repartição ou em estabelecimento público ou, ainda, em poder de autoridade que se recuse a fornecê-lo por certidão (Lei nº 1.533/51, artigo 6º e seu parágrafo único, e Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal - RISTF -, artigo 114)". O ministro citou, neste contexto, doutrina do ministro Alfredo Buzaid, na obra "Do Mandado de Segurança". Nela, Buzaid sustentava que, "diversamente do que ocorre com o procedimento comum e com o procedimento especial de jurisdição contenciosa, nos quais à fase dos articuladores se segue, de ordinário, a instrução probatória, a característica do processo de mandado de segurança está em só admitir prova documental pré-constituída".

Excepcionalmente, contudo, é possível a juntada posterior de documentos se, com as informações da autoridade coatora ou mesmo com a contestação do litisconsorte, novos fatos forem abordados. Assim, a doutrina e a jurisprudência permitem, nestes casos excepcionais, privilegiando o princípio do contraditório, que documentos novos sejam juntados para contrapor àqueles novos argumentos trazidos nas informações ou na respectiva contestação.

A intervenção do Ministério Público no Mandado de Segurança em matéria criminal quando não for o impetrante (mas, como custos legis) é imprescindível, sob pena de nulidade processual, no prazo de 10 dias (art. 12).

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Sobre o autor
Rômulo de Andrade Moreira

Procurador-Geral de Justiça Adjunto para Assuntos Jurídicos do Ministério Público do Estado da Bahia. Foi Assessor Especial da Procuradoria Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador - UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador - UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação dos Cursos JusPodivm (BA), Praetorium (MG) e IELF (SP). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Rômulo Andrade. A Lei nº 12.016/09 e o mandado de segurança em matéria criminal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2236, 15 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13336. Acesso em: 19 abr. 2024.

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