Artigo Destaque dos editores

Crimes sexuais. Breves considerações sobre os artigos 213 a 226 do CP, de acordo com a Lei nº 12.015/2009

Exibindo página 4 de 7
Leia nesta página:

6 Mediação de menor vulnerável para satisfazer a lascívia de outrem

Antes se previa no art. 218 do CP o delito de corrupção de menores. O texto da Lei nº 12.015/2009 alterou citado dispositivo, não trazendo nenhuma rubrica (nomen iuris) para a nova figura típica [26]. Desse modo, entendemos que foi suprimido o nomen iuris anterior, ficando a cargo da doutrina essa denominação. Por tal razão, ora denominamos [27] o delito previsto no artigo 218 do CP de "mediação de menor vulnerável para satisfazer a lascívia de outrem", assim descrito:

Art. 218.  Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

Parágrafo único.  (VETADO).

O dispositivo em referência, sob a rubrica "corrupção de menores", tinha a seguinte redação antes da alteração legislativa: "Art. 218. Corromper ou facilitar a corrupção de pessoa maior de 14 (catorze) e menor de 18 (dezoito) anos, com ela praticando ato de libidinagem, ou induzindo-a a praticá-lo ou presenciá-lo: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos".

A prática de libidinagem com pessoa maior de catorze e menor de dezoito anos poderia, portanto, levar à incidência de referida figura típica.

Com as alterações impostas pela Lei 12.015/2009, o sujeito passivo do delito previsto no art. 218 deve ser menor de 14 (catorze) anos de idade; limitando-se o alcance da infração penal ao núcleo "induzir" a satisfazer a lascívia de outrem. Desse modo, praticar ato de libidinagem em circunstâncias normais com pessoa maior de 14 (catorze) e menor de 18 (dezoito) anos de idade não configura mais ilícito penal [28]. Referimos "circunstâncias normais" porque se o ato de libidinagem é praticado com menor (maior de 14 e menor de 18 anos) que esteja sendo explorado sexualmente poder-se-á incorrer no crime previsto no art. 218-B, § 2º, I, do CP. E, por óbvio, se o ato sexual for com menor de catorze anos restar-se-á configurado o crime de estupro de vulnerável (art. 217-A).

6.1 Objetos jurídico e material

O bem jurídico protegido pelo tipo em evidência é a dignidade sexual da pessoa menor de catorze anos. O objeto material é a pessoa sobre qual recai a conduta proscrita.

6.2 Sujeitos ativo e passivo

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher. Trata-se de crime comum. Quem incorre em tal figura típica é conhecido como proxeneta, lenão ou mediador.

Quanto ao sujeito passivo, poderá ser somente pessoa, do sexo masculino ou feminino, menor de 14 anos de idade. Se o crime ocorrer no dia em que a vítima completa 14 anos não há incidência do tipo em estudo, pois este fala em "menor de 14 anos" [29].

6.3 Tipo objetivo

A conduta incriminada é da pessoa que atua como intermediário para satisfazer a lascívia de outrem, induzindo alguém menor de 14 anos para esse fim.

A figura criminosa, portanto, pressupõe a existência: a) do proxeneta (que induz o menor); b) de quem quer satisfazer sua lascívia; e c) da vítima (menor de 14 anos). O delito abarca somente a conduta daquele que induz. Daí Rogério Sanches Cunha (2010, v. 3, p. 258) afirmar: "Este (consumidor) não pode ser considerado coautor do crime, ainda que haja instigado o mediador, pois a norma exige o fim de satisfazer a lascívia de outrem (e não própria)".

A instigação deve ser para satisfazer a lascívia de pessoa ou pessoas determinadas, sem contraprestação econômica, pois se for para atender os desejos sexuais de uma coletividade indeterminada, mediante remuneração, restará caracterizado o crime previsto no art. 218-B do CP [30].

Observe-se que o tipo fala em satisfação da lascívia de outrem. É evidente que a satisfação da lascívia pode se dar através da conjunção carnal ou de outros atos libidinosos como o sexo oral, anal etc. Daí surge um problema: considerando que aquele que induz menor de 14 anos a satisfazer a lascívia de outrem atua como concorrente em eventual violação sexual praticada pelo terceiro beneficiado; como poderá ele responder pelo crime do art. 218, se certamente aquele que realizou os atos libidinosos com o menor induzido terá sua conduta enquadrada nos termos do art. 217-A do CP (estupro de vulnerável)?

Na esteira desta polêmica surgiram duas correntes: 1ª) os atos para satisfação da lascívia do beneficiário devem ser somente de natureza contemplativa, sem contato corporal (exemplo: assistir a vítima se exibir nua, inclusive através de meios tecnológicos como a internet) [31]; 2ª) os atos podem ser libidinosos em geral.

Para a primeira corrente, se o beneficiário praticar atos libidinosos com a vítima (conjunção carnal, sexo anal, sexo oral etc.), devem responder por estupro de vulnerável (art. 217-A) tanto ele quanto quem induziu o menor de 14 anos para o ato.

Para a segunda corrente, criou-se com o art. 218 uma exceção pluralística, sendo que o induzidor deverá responder por tal crime mesmo que o beneficiário pratique com a vítima atos libidinosos (conjunção carnal, sexo anal, sexo oral etc.), sendo que apenas este último deverá responder por estupro de vulnerável (art. 217-A).

A primeira corrente até agora tem despontado como majoritária. Dela compartilham: Rogério Greco (2010, v. III, pp. 528-529), Cleber Masson (2011, v. 3, pp. 68-69), Rogério Sanches Cunha (2010, v. 3, pp. 258-259) e Fernando Capez (2011, v. 3, p. 96).

São partidários da segunda corrente: Guilherme de Souza Nucci (2009, pp. 45-47), e José Henrique Pierangeli e Carmo Antônio de Souza (2010, p. 68).

Na primeira leitura que fizemos das alterações introduzidas pela Lei 12.015/2009, manifestamos pensamento que se coaduna com a segunda corrente, conforme segue [32]:

Note-se que o dispositivo faz referência à conduta de induzir pessoa menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem [33]. Ora, praticar ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos caracteriza-se crime de estupro de vulnerável (art. 217-A); logo, se alguém induz a vítima a se submeter ao ato, age apenas como concorrente na ação criminosa principal (mormente se esta se concretizar), segundo expresso no art. 29 do CP (concurso de pessoas). Deveria, portanto, responder pelo art. 217-A e não por um artigo específico (in casu o 218). Como o legislador, todavia, por erro ou não, resolveu apenar de forma distinta essa conduta, impõe-se que aquele que induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem deve responder pelas penas do artigo 218 e não como concorrente no crime de estupro de vulnerável, considerando que o legislador deixou caminho aberto para a adoção de uma teoria pluralista in casu. Acabou referido sujeito passivo tendo, portanto, a possibilidade de conseguir um benefício com a inovação legislativa.

De fato, tecnicamente nos parece ser a solução mais adequada a aplicação da teoria pluralística in casu, apesar de injusta, pois a punição para o mediador seria insuficiente. Por tal razão, admitimos que, por razões de política criminal, seja viável a adoção da primeira corrente, considerando ser ela também lastreada por argumentos bem consistentes, e que melhor traduzem a vontade da lei (mens legis).

6.4 Tipo subjetivo

A infração penal em exame é punida somente na forma dolosa, não havendo previsão da forma culposa. Defende Cleber Masson (2011, v. 3, p. 70) que há, ainda, a exigência "[…] de um especial fim de agir (elemento subjetivo específico), consistente na intenção de satisfazer a lascívia de outrem".

6.5 Consumação e tentativa

"Consuma-se o delito com a prática do ato que importa na satisfação da lascívia de outrem, independentemente deste considerar-se satisfeito" (CUNHA, 2010, v. 3, p. 259).

Apesar do núcleo "induzir" dar a impressão de que basta o induzimento da vítima para o crime se consumar; não é esta, como visto ao norte, a conclusão correta. Assim também explica Rogério Greco (2010, v. III, p. 530):

Embora o núcleo induzir nos dê a impressão de que a consumação ocorreria no momento em que a vítima, menor de 14 (catorze) anos, fosse convencida pelo agente a satisfazer a lascívia de outrem, somos partidários da corrente que entende seja necessária a realização, por parte da vítima, de pelo menos algum ato tendente à satisfação da lascívia de outrem, cuidando-se, pois, de delito de natureza material.

Não se exige, de outro modo, habitualidade. Basta uma ação concreta da vítima induzida visando à satisfação da lascívia de outrem para o crime se consumar.

A tentativa é possível, ocorrendo quando após ser induzida, a vítima tenta (concreta e especificamente) iniciar a realização do ato apto à satisfação da lascívia do beneficiário, porém é interrompida por terceiros (polícia, por exemplo).

6.6 Corrupção de menores prevista no ECA

A Lei 12.015/2009 revogou a Lei nº 2.252/1954, que tratava da corrupção de menores fora da esfera sexual, ou seja, quando alguém corrompia o menor para o crime. A conduta típica antes descrita na Lei nº 2.252/1954 passou a ser prevista no art. 244-B da Lei nº 8.069/1990 (ECA), com a seguinte redação:

Art. 244-B. Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

§ 1º. Incorre nas penas previstas no caput deste artigo quem pratica as condutas ali tipificadas utilizando-se de quaisquer meios eletrônicos, inclusive salas de bate-papo da internet.

§ 2º. As penas previstas no caput deste artigo são aumentadas de um terço no caso de a infração cometida ou induzida estar incluída no rol do art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990.

Entende-se que para a incidência do dispositivo em destaque, independe se o menor já está ou não corrompido; bastando também uma única ação para caracterizar o delito (ou seja, não há necessidade de habitualidade).


7. Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente

O crime em tela foi incluído no CP pela Lei nº 12.015/2009, possuindo a seguinte descrição típica:

Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente

 

Art. 218-A.  Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.

Aqui o menor de catorze anos não participa do ato libidinoso, apenas presencia. Na redação anterior do art. 218 do CP se punia conduta semelhante no tocante a "induzir a presenciar", porém referente a pessoa maior de catorze e menor de dezoito anos. Atualmente, a repressão penal existe somente no tocante à vítima com menos de catorze anos.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

7.1 Objetos jurídico e material

O bem jurídico protegido é a dignidade sexual da pessoa menor de catorze anos sob o aspecto do seu desenvolvimento moral e sexual íntegros.

O objeto material é o menor de catorze anos que presencia o ato libidinoso.

7.2 Sujeitos ativo e passivo

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher. Já o sujeito passivo deve ser menor de catorze anos, do sexo masculino ou feminino.

7.3 Tipo objetivo

O crime em destaque se desdobra em duas condutas: a) praticar, na presença de alguém menor de catorze anos, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem; b) induzir alguém menor de catorze anos a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem.

O art. 218-A é um tipo misto alternativo. Restará, destarte, configurado crime único se o agente praticar as duas condutas proscritas em detrimento de uma mesma vítima e em um mesmo contexto fático.

Já é sabido que conjunção carnal é a introdução total ou parcial do pênis na vagina; e ato libidinoso, do qual a conjunção carnal é uma espécie, consiste em ato voltado à satisfação do desejo sexual (da lascívia).

Na primeira situação prevista, o agente pratica (realiza) a libidinagem (conjunção carnal ou outro ato libidinoso) na presença do menor. Nesse caso, a libidinagem pode ser praticada com ou sem parceiro [34]. Pode, por exemplo, o agente apenas se masturbar na presença do menor ou praticar um ato sexual com outra pessoa. Conforme explica Cleber Masson (2011, v. 3, p. 73): "Nesse caso, o sujeito não induziu o menor de 14 anos a presenciar a conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso. Mas ele sabia que sua relação sexual era assistida pela criança ou adolescente, e ainda assim prosseguiu. E mais: permitiu a presença do menor, como forma de atender sua própria lascívia ou de terceiro".

Na segunda situação, o agente induz (convence) o menor a presenciar o ato de libidinagem, que pode ser praticado por ele próprio (sozinho ou em parceria) ou por terceiro(s), consoante se pode abstrair do tipo em estudo. Segundo pensamos, portanto, também estará configurado o crime em deslinde quando o agente induzir menor a presenciar ato libidinoso praticado por outra(s) pessoa(s), no intuito de satisfazer a sua própria lascívia ou de outrem [35].

Note-se que, em qualquer caso, não há envolvimento físico do menor de catorze anos, participando do ato sexual. O art. 218-A apenas prevê, portanto, situações em que o menor unicamente assiste à prática de libidinagem, pois se houver o seu envolvimento físico teremos caso de incidência do art. 217-A (estupro de vulnerável).

De outro modo, não exige também o tipo a presença física do menor assistindo a libidinagem, podendo fazê-lo por meios tecnológicos; consoante bem explica Rogério Greco (2010, v. III, p. 540):

Com o avanço da tecnologia, principalmente a da internet, nada impede que alguém induza um menor a assistir, via webcam, um casal que se relaciona sexualmente. O casal, a seu turno, também pratica o ato sexual visualizando o menor através do seu computador. Assim, embora à distância, o delito poderia ser perfeitamente praticado.

Também é possível, segundo Cleber Masson (2011, v. 3, p. 74), a caracterização do delito quando o menor é induzido a assistir relações sexuais ocorridas em local e tempo diversos, como se dá quando alguém induz o menor de catorze anos a assistir um filme pornográfico para fins de satisfazer seu prazer sexual.

7.4 Tipo subjetivo

O delito em estudo admite somente a modalidade dolosa, não havendo previsão da forma culposa. Exige também finalidade especial (elemento subjetivo do tipo específico) consistente na intenção de satisfazer a lascívia própria ou de outrem. Lascívia, como se sabe, corresponde ao desejo sexual.

Para a conduta típica se aperfeiçoar, portanto, é necessário que o agente pratique libidinagem na presença de menor de catorze anos ou induza este a presenciar esse tipo de ato visando a satisfazer seu desejo sexual ou de terceiro. Daí se afirmar não ser crime a conduta dos pais que ficam nus naturalmente na frente de filhos menores de catorze anos, porém sem qualquer intenção sexual. Também não há intenção de satisfazer a lascívia no caso de casais paupérrimos que moram com os filhos em um único cômodo e lá praticam suas relações sexuais com certa cautela, porém sem conseguir evitar que sua prole presencie tal ato.

7.5 Consumação e tentativa

No tocante à conduta de praticar, na presença de alguém menor de catorze anos, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem, o crime se consuma no momento em que o menor presencia a prática da libidinagem.

De igual modo, na conduta de induzir alguém menor de catorze anos a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem, não basta o induzimento, também é necessário, para a consumação, que o menor presencie o ato de libidinagem [36].

Em ambos os casos, não há necessidade de habitualidade, bastando apenas uma ação para o crime se consumar.

Trata-se de crime formal [37], pois a consumação se dá com a prática do ato com o objetivo de satisfazer a lascívia própria ou de outrem, mesmo que esta não seja satisfeita.

A tentativa é perfeitamente possível, segundo bem explica Rogério Greco (2010, v. III, p. 539):

Tratando-se de um crime plurissubsistente, no qual se permite o fracionamento do iter criminis, torna-se perfeitamente admissível a tentativa. Assim, imagine-se a hipótese em que um menor de 14 (catorze) anos seja induzido a presenciar a prática da conjunção carnal e, antes que os envolvidos no ato sexual tirassem as roupas, são surpreendidos pelo pai do referido menor, que impede a consumação do delito. Neste caso, poderíamos raciocinar com a hipótese de tentativa.

Assim, nota-se que a execução do delito inicia-se com a prática de atos concretos visando à satisfação da lascívia mediante a presença do menor de catorze anos assistindo uma prática libidinosa, ocorrendo a tentativa antes do início efetivo do ato libidinoso; pois uma vez iniciado (com o menor assistindo), o crime tem-se como consumado.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Gecivaldo Vasconcelos Ferreira

Delegado de Polícia Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Gecivaldo Vasconcelos. Crimes sexuais. Breves considerações sobre os artigos 213 a 226 do CP, de acordo com a Lei nº 12.015/2009. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2247, 26 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13392. Acesso em: 28 mar. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos