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Art. 3º da Lei nº 9.876/99. Regra de transição. Aplicação limitada

02/09/2009 às 00:00
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RESUMO: Trata-se de artigo sobre a norma trazida pelo artigo 3º da Lei 9.876/99, sua natureza e aplicação. Visa a analisar, ainda que superficialmente, o papel desempenhado pelo Procurador Federal.

Palavras-chave: Norma de transição. Período básico de cálculo. Interesse público.


INTRODUÇÃO

Este artigo visa a trazer à discussão a natureza e aplicação do artigo 3º da Lei 9.876/99, assim como, sucintamente, analisar o papel do Procurador Federal atuante perante a maior Autarquia Federal do país.

A idéia surgiu de uma simples consulta feita por um segurado, fora do ambiente da Procuradoria, situação corriqueira para todos os Procuradores da Previdência, sobre o cálculo de seu benefício. O segurado não conseguia entender como, após quase vinte anos como alto executivo de uma multinacional, seu benefício atingira renda mensal inicial pequena. Tratava-se de caso em que o período básico de cálculo havia sido limitado à fase em que o segurado não era mais executivo, tinha reduzido bastante suas contribuições por conta do desemprego.

Ao levar o caso à Contadoria da Autarquia, esta Procuradora pediu que fosse feito o cálculo pela regra nova e geral do artigo 29, da Lei 8.213/91. Tal cálculo sequer foi feito pelos servidores: qual foi a surpresa ao saber que o sistema sequer permitia que o cálculo fosse feito pela regra nova, certamente mais favorável ao segurado. O sistema leva em consideração apenas a data de filiação à Previdência e a data da entrada do requerimento administrativo. Trata-se de um sistema engessado.

O caso me deixou de mãos atadas e com vontade de desempenhar melhor meu papel como Procuradora Federal e servidora pública. Essa é a razão deste artigo: trazer à tona uma situação fática, muitas vezes injusta, que pode ser adequada para melhor atendimento do interesse público em geral, não apenas do segurado, como veremos a seguir.


ARTIGO 29 DA LEI 8.213/91

Há quase dez anos, a Lei de Benefícios sofreu profundas alterações trazidas pela Lei 9.876/99. Dentre elas, a que se pretende discutir neste estudo é a referente ao período básico de cálculo dos benefícios.

Antes da Lei 9.876/99, os segurados contribuíam de forma crescente durante sua vida laboral, uma vez que, apesar da necessidade do cumprimento dos interstícios, o período básico de cálculo era compreendido pelo período imediatamente anterior à aposentação. Vejamos a antiga redação do artigo 29 da Lei 8.213/91:

"Art. 29. O salário-de-benefício consiste na média aritmética simples de todos os últimos salários-de-contribuição dos meses imediatamente anteriores ao do afastamento da atividade ou da data da entrada do requerimento, até o máximo de 36 (trinta e seis), apurados em período não superior a 48 (quarenta e oito) meses."

Não há dúvidas de que essa forma de contribuição, dentre outros fatores, foi grande responsável pelo rombo existente no sistema previdenciário brasileiro. Isso porque, com a aposentação, a Previdência passava a pagar mensalmente um valor pelo qual só recebeu a correspondente retribuição durante curto período de tempo. O sistema atuarial era comprometido.

A alteração trazida pela Lei 9.876/99 nos parece ter tornado a questão da retributividade equivalente mais justa. Ora, pela nova redação, oitenta por cento de toda a vida laboral do segurado são considerados para o cálculo do salário de benefício. Nada mais justo uma vez que quem contribuiu por mais tempo em valores mais elevados deva receber benefício mais alto. Vejamos a nova redação do artigo 29, caput:

"Art. 29. O salário-de-benefício consiste: (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)

I - para os benefícios de que tratam as alíneas b e c do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, multiplicada pelo fator previdenciário; (Incluído pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)

II - para os benefícios de que tratam as alíneas a, d, e e h do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo. (Incluído pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)"

Não se pretende neste artigo adentrar a questão da constitucionalidade do fator previdenciário; o objetivo é a análise do período básico de cálculo. Como já mencionado, o período básico de cálculo foi alterado para trazer regra que nos parece muito mais justa, não apenas para com o erário, mas também para com os contribuintes, responsáveis, em última instância, pelo financiamento do sistema previdenciário.

Como em todas as alterações de regime jurídico, foi necessário que o legislador previsse regra de transição para a adequação dos segurados contribuintes, então convictos de que somente as últimas contribuições seriam consideradas para o cálculo de suas aposentadorias, às novas regras.

As regras de transição visam a amenizar os impactos sobre aqueles que já estavam no sistema antes das mudanças. O leitor deve tentar imaginar-se vivendo e contribuindo com a idéia de que apenas as contribuições finais eram importantes para o cálculo da aposentadoria e, de repente, tendo a regra alterada para que fosse considerado todo o período. As pessoas leigas entram em desespero ao saber que o futuro será pior do que o imaginado.

Pois bem, a regra de transição feita pelo legislador foi a limitação do período básico de cálculo para aqueles que já eram contribuintes da previdência antes da vigência da nova norma jurídica. Tal regra limitou o período básico de cálculo para as contribuições posteriores a julho de 1994. Vejamos o texto do artigo 3º, caput, da Lei 9.876/99:

"Art. 3º Para o segurado filiado à Previdência Social até o dia anterior à data de publicação desta Lei, que vier a cumprir as condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, no cálculo do salário-de-benefício será considerada a média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994, observado o disposto nos incisos I e II do caput do art. 29 da Lei nº 8.213, de 1991, com a redação dada por esta Lei."


DA RELATIVIDADE DAS REGRAS DE TRANSIÇÃO

O artigo 9º, caput e §1º, da Emenda Constitucional 20/98 trouxe as seguintes regras de transição:

"Art. 9º - Observado o disposto no art. 4º desta Emenda e ressalvado o direito de opção a aposentadoria pelas normas por ela estabelecidas para o regime geral de previdência social, é assegurado o direito à aposentadoria ao segurado que se tenha filiado ao regime geral de previdência social, até a data de publicação desta Emenda, quando, cumulativamente, atender aos seguintes requisitos:

I - contar com cinqüenta e três anos de idade, se homem, e quarenta e oito anos de idade, se mulher; e

II - contar tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de:

a) trinta e cinco anos, se homem, e trinta anos, se mulher; e

b) um período adicional de contribuição equivalente a vinte por cento do tempo que, na data da publicação desta Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea anterior.

§ 1º - O segurado de que trata este artigo, desde que atendido o disposto no inciso I do "caput", e observado o disposto no art. 4º desta Emenda, pode aposentar-se com valores proporcionais ao tempo de contribuição, quando atendidas as seguintes condições:

I - contar tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de:

a) trinta anos, se homem, e vinte e cinco anos, se mulher; e

b) um período adicional de contribuição equivalente a quarenta por cento do tempo que, na data da publicação desta Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea anterior;

II - o valor da aposentadoria proporcional será equivalente a setenta por cento do valor da aposentadoria a que se refere o "caput", acrescido de cinco por cento por ano de contribuição que supere a soma a que se refere o inciso anterior, até o limite de cem por cento acrescido de cinco por cento por ano de contribuição que supere a soma a que se refere o inciso anterior, até o limite de cem por cento."

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O caput do artigo acima, evidentemente, não tem qualquer utilidade, pois o novo período necessário para aposentadoria por tempo de contribuição já é de trinta e trinta e cinco anos. Não haveria motivo para qualquer pessoa pagar o chamado pedágio previsto na alínea "b", do inciso II.

No que tange ao §1º, no entanto, há aplicabilidade, ainda que limitada. A limitação existe uma vez que, a certo ponto, o cumprimento dos quarenta por cento do período faltante representa cumprir os trinta ou trinta e cinco anos integralmente, portanto, aposentar-se pela nova e geral regra trazida pela Emenda Constitucional 20 de 1998.

Pois bem, assim como tornou-se claro a todos os operadores do direito previdenciário que a regra do §1º, norma de transição, é relativa e deve ser aplicada apenas quando mais favorável ao segurado que a nova regra, entendo que assim deve ser também quanto à aplicação do artigo 3º, da Lei 9.876/99.

Trata-se de teoria oriunda da análise da regra implícita de que a norma de transição não pode ser pior que a nova norma. Tal se deve porque o legislador, ao editar a nova norma, entendeu-a como melhor para os sistemas jurídico, previdenciário e atuarial brasileiros.

Ora, se a nova norma foi feita por adequar-se melhor às necessidades do país, evidentemente ela é mais interessante para a sociedade, atende melhor ao interesse público.

Nessa seara, se atendido o interesse público através do cumprimento da nova norma, não há por que impedir sua aplicação ao segurado que, após sua vigência, também a tem como mais favorável.

Verificamos que o comum, antes da nova redação do artigo 29, da Lei 8.213/91, era que o contribuinte fosse aumentando sua faixa de contribuição durante sua vida laborativa, de modo que, ao final do período aquisitivo do direito à aposentadoria por tempo, sua contribuição estivesse no maior patamar, aquele efetivamente considerado para o cálculo do salário de benefício.

Ocorre que o comum não representa uma regra absoluta. Há casos em que o contribuinte tem altas contribuições durante o começo do período contributivo com queda ao final. É o caso das pessoas que ocupam altos cargos durante grande parte da vida laborativa e, alguns anos antes da aposentadoria, encontram-se sem vínculo empregatício, por exemplo.


DO PAPEL DO PROCURADOR FEDERAL

O Procurador Federal é um servidor público que, como toda a Administração, deve aplicar os princípios da Constituição da República.

Há pessoas que entendem que o papel do Procurador Federal lotado no INSS é a defesa da Autarquia, independentemente dos meios para isso. Tal atitude é a que embasa a intransigência para acordos judiciais, recursos infundados e protelatórios, assim como a literalidade na aplicação da Lei.

Em muitos casos diários nós podemos perceber que o Judiciário relativiza a letra da Lei, usa a razoabilidade e derruba mitos até hoje perseguidos nas defesas judiciais do INSS. É o caso, por exemplo, da limitação da renda familiar per capita a um quarto do salário mínimo para a concessão do benefício assistencial.

O Judiciário já pacificou que o estudo do caso concreto deve embasar a análise do preenchimento do requisito da miserabilidade, exigido por Lei para concessão do benefício assistencial. As defesas técnicas em contrário, recomendando a estrita aplicação da letra da Lei, muitas vezes representam perda de tempo e prejuízo ao erário, através de juros e custas.

Não se pretende com este artigo defender que o Procurador Federal atue como legislador ou como Magistrado, mas que aplique os princípios constitucionais e jurídicos no seu dia-a-dia. A independência e autonomia funcionais são essenciais para permitir que o Procurador Federal, servidor altamente qualificado e selecionado pelo Poder Público para sua presentação, mais que simples representação judicial, possa avaliar e aplicar aquilo que mais atende ao interesse público.

O interesse público vai muito além da defesa cega da Autarquia Previdenciária. O interesse público que deve ser defendido pelo Procurador Federal é aquele que, na ponderação de interesses em conflito, atende de melhor maneira aos princípios da Administração.

No caso específico do tema deste artigo, a aplicação da nova redação do artigo 29 da Lei 8.213/91, quando mais favorável ao segurado, como já exposto, além de consistir em usar conhecimento previamente utilizado de que a norma de transição não pode ser usada quando pior que a nova norma, beneficia o próprio sistema previdenciário e atuarial, pois aplica a norma entendida como melhor pelo legislador.


CONCLUSÃO

Concluímos, portanto, que, superadas as dificuldades técnicas, como em outros casos, quando do requerimento da aposentadoria, ao segurado da Previdência deveria ser garantido o direito de usar a regra nova do artigo 29, usando todo o período contributivo como período básico de cálculo. Tal procedimento, apesar de não ser a regra, pode ser mais benéfico à parte sem, contudo, atingir ou prejudicar o interesse público ou equilíbrio atuarial da Previdência. Trata-se da aplicação dos princípios constitucionais da razoabilidade, moralidade e eficiência.

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Sobre a autora
Lais Fraga Kauss

Procuradora Federal, ocupa da Coordenação de Assuntos Estratégicos da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS. Graduada em Direito pela UFRJ, pós-graduada em Direito Público e Privado e em Direito Constitucional. Pós-graduanda em Direito Previdenciário e em Gestão Pública. Cursa ainda Máster em Dirección y Gestión de los Sistemas de Seguridad Social.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KAUSS, Lais Fraga. Art. 3º da Lei nº 9.876/99. Regra de transição. Aplicação limitada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2254, 2 set. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13434. Acesso em: 2 nov. 2024.

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