Preliminarmente delimitamos que o objeto do presente é demonstrar a ilegalidade da atual metodologia de cálculo utilizada para a exação das Contribuições PIS/COFINS junto a tarifas de energia e telefonia e suas implicações junto aos Contribuintes. Assim não se inclui no texto o exame a incidência dessas Contribuições sobre o ICMS visto que a matéria é alvo de discussão a anos e encontra-se pendente de julgamento no STF nos autos da ADC n. 18. Também não há análise quanto à liquidez da legalidade do repasse econômico das Contribuições PIS/COFINS em tarifas de telefonia aos Contribuintes, matéria de sua parte pendente de julgamento no STJ nos autos ERESP 1053778.
Feitos esses comentários, historio que o Brasil conta com aproximadamente 47 milhões de usuários de energia elétrica e 38 milhões de usuários efetivos de telefonia fixa, segundo dados para o exercício de 2008 constantes dos sites da ANATEL [01] e ANEEL [02]. Em continuidade, sobre essas bases, não importando a atividade econômica desenvolvida, recai uma miríade de tributos incidentes sobre o consumo de energia e telefonia. Dentre os mais conhecidos se encontram o ICMS, as Contribuições PIS/COFINS e a TIP (Taxa de Iluminação Pública), entre os menos o FUST, FUNTTEL, TUSD, TUST, etc. Todos com bases de cálculo, alíquotas de incidência, hipóteses de creditamento e regimes de tributação próprios tornando quase impossível ao Contribuinte discernir o impacto econômico dessas tributações em suas atividades.
Primeiramente discorremos que a metodologia de cálculo dessas Contribuições é aplicada pelas Concessionárias de Telefonia e Energia em mercado sob regulação estatal. No caso da telefonia, a tarifa é homologada, pela ANATEL, líquida de impostos, ficando a metodologia da aplicação dessas Contribuições sob a tutela da respectiva Concessionária de Telefonia, sem ingerência da Agência. No caso da energia elétrica, a ANEEL regulou a metodologia de apuração das Contribuições após a Audiência Pública n. 014/2005, ocasião em que recebeu as propostas das distribuidoras de energia.
Em ambas as atividades econômicas, as referidas Contribuições são calculadas basicamente através da equação abaixo:
Preço Final = Tarifa Homologada : {1 – (ICMS + PIS + COFINS)}
Pois bem, de plano verifica-se que a base de cálculo das Contribuições é atualmente fixada através das Leis Federais n. 10.637/02 e 10.833/03. Nelas, o fato gerador delineado é a existência de faturamento mensal, entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil. Em seguimento, o que se vislumbra na equação acima é que há cálculo conjunto das Contribuições com a alíquota de ICMS e incidência circular dessas Contribuições sobre seus respectivos montantes, operação conhecida no meio jurídico como "cálculo por dentro" ou "gross up".
Todavia, para que a cobrança de qualquer tributo seja legítima, este deve obedecer à reserva legal própria e prévia, em que, na lição de Aliomar Baleeiro [03], deverão constar também todos os seus consectários:
"Fato gerador e base de cálculo são conceitos constitucionais (Emenda n. 1/69, Art. 18, §§ 2° e 5º, 21, § 1º), indissociavelmente vinculados a legalidade porque fornecem o elemento fundamental para a identificação, classificação e diferenciação dos Impostos que a Constituição, nos artigos 21 a 26 discriminou a União, aos Estados e aos Municípios."
Ocorre que diversamente do ICMS e do PIS/COFINS – Importação, que têm fundamentos legais próprios e específicos para esse tipo de cálculo, as Contribuições PIS/COFINS em suas incidências gerais e em especial sobre a Telefonia e Energia não têm permissão legal para incidência circular. O ICMS conta com tal previsão expressa quanto a tal fórmula de tributação no inciso I do § 1º do art. 13 da Lei Complementar n. 87/96, respaldado constitucionalmente pelo STF através do RESP n. 212.209/RS. No caso da PIS/COFINS – Importação, há previsão similar constante do inciso I do art. 7º da Lei Ordinária n. 10.865/04, pendente de julgamento junto aos autos RE 559607 RG/SC sob rito de Repercussão Geral no STF. Feitas as ressalvas acima, a consequência da omissão legislativa e da aplicação da forma de tributação exposta configuram lesão chapada aos atuais Sistemas Tributário e Constitucional, conforme os Princípios da Legalidade Tributária e da Segurança Jurídica.
Para se entender a equação e suas repercussões, explica-se primeiramente o caso mais conhecido que é o do ICMS, em que a alíquota incide sobre seu próprio montante:
Preço Final = {consumo / (1 – alíquota do ICMS)}
Preço Final = {R$ 100,00 / (1 – 25%)} ou {R$ 100,00 / (1 – 0,25)} = R$ 133,33
Alíquota Legal = 25% (escolhida como média)
Alíquota Financeira = 33,33%
Como consequência, há uma alíquota virtual de 25%, mas o Contribuinte está em verdade pagando sobre uma alíquota efetiva de 33% pertinente apenas à rubrica ICMS no consumo de bens e serviços.
Passando a focar a aplicação das Contribuições PIS/COFINS nas tarifas de telefonia, vimos que nesse ramo tais tributos são de incidência cumulativa, suas alíquotas de incidência são de 0,65%, relativamente a COFINS, 3%, e seu fato gerador é o faturamento como acima descrito. Diversamente dessas prescrições legais veja-se como é feita, por exemplo, a tributação pela sistemática adotada pela Embratel exposta em seu sítio na internet [04] conforme cálculo estrito abaixo:
Preço Final = Tarifa Homologada / {1 – (ICMS + PIS + COFINS)}
Preço Final = R$ 100,00 / {1 – (0,25 + 0,0065 + 0,03)}
Preço Final = R$ 100,00 / 0,7135 = R$ 140,15
Total de tributos a recolher = R$ 40,15
Onde:
ICMS = (R$ 140,15 x 0,25) = R$ 35,03
COFINS = (R$ 140,15 x 0,03) = R$ 4,20
PIS = (R$ 140,15 x 0,0065) = R$ 0,91
Total de tributos a recolher = R$ 40,14
Nessa linha afere-se que a aplicação da equação acima redunda em arrecadação de ICMS e de Contribuições PIS/COFINS acima do legalmente devido, posta a ausência de previsão legal expressa de aplicação de "gross-up" para as Contribuições e dessas conjuntamente com o ICMS (quanto à incidência das Contribuições sobre o ICMS, como já dito anteriormente, é matéria que já se encontra em liça perante o STF). Diversamente disso e seguindo estritamente as previsões legais atualmente em vigor, o valor exato e devido pelo Contribuinte é o abaixo discriminado:
ICMS = (R$ 100,00 / 0,75) = R$ 133,33 (ICMS = 33,33)
COFINS = (R$ 133,33 x 0,03) = R$ 3,99
PIS = (R$ 133,33 x 0,0065) = R$ 0,86
Total de tributos a recolher = R$ 38,18
Diferença Percentual = 4,91%
Com foco na aplicabilidade dessas Contribuições incidentes sobre área de energia elétrica, afere-se que seu Regime é não-cumulativo, há uma política de créditos abrangente que desonera o Contribuinte Final e suas alíquotas são respectivamente de 1,65% e de 7,65% incidentes sobre o faturamento - base de cálculo.
No caso concreto, a regulação da aplicação dessa fórmula incluindo o PIS/COFINS por dentro e conjuntamente ao ICMS foi exarada pela ANEEL. Vejam-se as cartilhas "Por Dentro da Conta de Luz" constantes em seu sítio na internet [05]. Entre as peculiaridades dessa metodologia, a mais relevante é a de que a determinação das alíquotas cabíveis fica dependente dos créditos apurados pelas Concessionárias. Esse mecanismo de política tarifária se revela legalmente adequado e inteligente, pois a tributação do Contribuinte leva em consideração o montante efetivamente devido pelas Concessionárias ao Fisco. Em espécie, a metodologia determinada pela ANEEL possibilita que as Concessionárias, através de conciliação contábil entre o montante bruto devido, os créditos aproveitáveis e exclusões, cheguem à alíquota real a ser incluída no cálculo da tarifa a título de PIS/COFINS. Repara-se que mesmo assim a regulação da Agência padece da mesma falha relativa à metodologia das Concessionárias de Telefonia, pois as Contribuições são calculadas sobre si mesmas e em conjunto com o ICMS.
Nesses termos, a definição da alíquota cabível a título de PIS/COFINS fica dependente da competência subjetiva das equipes financeiras das Concessionárias na inserção dos créditos previstos em lei para abatimento no montante devido. A operação consiste em encontrar os créditos passíveis de desconto e os montantes devidos a título de PIS/CONFIS. Esses são conciliados e transformados em percentagem para posteriormente serem inseridos na metodologia de cálculo. Por conta disso, a alíquota devida pelo Contribuinte relativa às Contribuições irá variar mês a mês. Nesse ponto, utilizamos o exemplo veiculado pela LIGHT em sítio na internet abaixo colado [06]:
Sistema anterior (cumulativo):
Alíquotas
Alíquotas
PIS – 0,65%
COFINS - 3,00%
PIS - 1,65%
COFINS - 7,60%
Exemplo – cumulativo
Exemplo – não cumulativo
Faturamento Bruto
R$
10.000,00
Faturamento Bruto
R$
10.000,00
PIS
R$
65,00
PIS
R$
165,00
COFINS
R$
300,00
COFINS
R$
760,00
1- PIS/COFINS a débito
R$
925,00
PIS/COFINS a pagar
R$
365,00
Custos e/ou Despesas
R$
4.000,00
2 - PIS/COFINS a crédito
(incidente sobre os custos e despesas)
R$
370,00
PIS/COFINS a pagar (1-2)
R$
555,00
Alíquota "efetiva ou média"
3,65%
Alíquota "efetiva ou média"
5,55%
O PIS e a COFINS são calculados "por
dentro", o que significa dizer que os próprios impostos integram
suas bases de cálculo.
Sistema anterior (cumulativo): |
|||||
Alíquotas |
Alíquotas |
||||
PIS – 0,65% |
PIS - 1,65% |
||||
Exemplo – cumulativo |
Exemplo – não cumulativo |
||||
Faturamento Bruto |
R$ |
10.000,00 |
Faturamento Bruto |
R$ |
10.000,00 |
PIS |
R$ |
65,00 |
PIS |
R$ |
165,00 |
COFINS |
R$ |
300,00 |
COFINS |
R$ |
760,00 |
1- PIS/COFINS a débito |
R$ |
925,00 |
|||
PIS/COFINS a pagar |
R$ |
365,00 |
|||
Custos e/ou Despesas |
R$ |
4.000,00 |
|||
2 - PIS/COFINS a crédito |
R$ |
370,00 |
|||
PIS/COFINS a pagar (1-2) |
R$ |
555,00 |
|||
Alíquota "efetiva ou média" |
3,65% |
Alíquota "efetiva ou média" |
5,55% |
||
O PIS e a COFINS são calculados "por dentro", o que significa dizer que os próprios impostos integram suas bases de cálculo. |
Como resultado da conciliação, a alíquota a ser aplicada é de 5,5%. Em seguimento, utilizando-se a alíquota efetiva do exemplo acima na mesma fórmula, chega-se aos seguintes resultados:
Preço Final = Tarifa Homologada / {1 – (ICMS + PIS + COFINS)}
Preço Final = R$ 100,00 / {1 – (0,25 + 0,055)}
Preço Final = R$ 100,00 / 0,695 = R$ 143,88
A tributação resulta em:
ICMS = (R$ 143,88 x 0,25) = R$ 35,97
PIS/COFINS = (R$ 143,88 x 0,055) = R$ 7,91
Total de tributos a recolher = R$ 43,88
Como decorrência, novamente a aplicação da fórmula resulta em arrecadação de ICMS e Contribuições PIS/COFINS além das legalmente devidas, quando o correto seria a tributação dos seguintes montantes por rubrica:
ICMS = (R$ 100,00 / 0,75) = R$ 133,33 (ICMS = 33,33)
PIS/COFINS = (R$ 133,33 x 0,055) = 7,33
Total de tributos a recolher = R$ 40,66
Diferença Percentual = 7,34%
Como fruto da análise afere-se que tecnicamente ambas as metodologias de cálculo das Contribuições, junto às atividades econômica de prestação de serviços de telefonia e distribuição de energia, são lesivas ao Contribuinte.
A lesão é extensiva ao desenvolvimento econômico nacional, haja vista a relevância que a energia elétrica e a telefonia têm como insumos em todo o setor produtivo.
Se fosse entendimento da União e/ou do Legislador de que as referidas Contribuições incidissem sobre si e em conjunto com a(s) alíquota(s) do ICMS, ao menos num dos diplomas legais relativos às Contribuições PIS/COFINS deveria ter inserido tal peso a base de cálculo das Contribuições. Contudo tal previsão é ausente desde a Lei Complementar n. 070/91 até edição das Leis Federais n. 10.637/02 e 10.833/03.
Conclui-se, por conseguinte, que, ausente suporte legal próprio, esse procedimento de cálculo é írrito, atraindo a repulsa do Princípio da Estrita Legalidade Tributária (inciso I do art. 150 da CF e art. 97 do CTN) e do Princípio da Segurança Jurídica (CF; 5º caput e de seu inciso II da CF). Sendo sentida ainda a lesão ao valor de transparência tributária contida no § 5º do art. 150 da CF. Finalizando a observação da tributação inidônea aqui exposta, deve-se levar a questão aos tribunais para que tal prejuízo não se perpetue, para que haja a restituição dos valores devidos e o expurgo dessa fórmula na tributação do consumo de energia e telefonia.
Notas
- http://www.anatel.gov.br/hotsites/conheca_brasil/default.asp?nomeCanal=Telefonia%20Fixa&codigoVisao=4&site=1 (acesso em 21/07/09).
- http://www.aneel.gov.br/area.cfm?idArea=48&idPerfil=2 (acesso em 21/07/09).
- Baleeiro, Aliomar. Limitações Constitucionais ao poder de tributar, 7ª ed. rev. e compl. à luz da CF/88 até a Emenda Constitucional nº 10/1996, Rj, Forense, 2001, p. 116.
- http://www.embratel.com.br/Embratel02/cda/portal/0,2997,RE_P_10696,00.html (acesso em 21/07/09).
- http://www.aneel.gov.br/area.cfm?id_area=532 (acesso em 21/07/09).
- http://www.light.com.br/web/institucional/atendimento/informacoes/tarifas/tetarifas_tributos.asp?mid=868794297227722772287228 (acesso em 21/07/09).