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Da retratação da representação em crimes contra o patrimônio

09/09/2009 às 00:00
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Problema dos mais intrigantes e que causa grande inquietação no labor forense é a questão da retratação da representação em crimes de ação penal pública condicionada quando estes (crimes) são cometidos em co-autoria. A lei penal condiciona a possibilidade da persecução penal à representação do ofendido ou à requisição do Ministro da Justiça (trataremos neste texto apenas de um problema específico nos crimes onde se exige representação do ofendido). Ademais, mesmo para instauração de Inquérito Policial, nos crimes de ação penal pública condicionada, é necessária a representação do ofendido ex vi do § 4º do art. 5º do Código de Processo Penal: "O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não poderá sem ela ser iniciado". O delegado de polícia, deste modo, não poderá promover a instauração do Inquérito sem a representação da vítima, autorizando a apuração do fato, ao contrário do que ocorre em crimes de ação penal pública incondicionada.

Uma vez autorizada a apuração do crime mediante representação, esta será obstada por ato da vítima que se manifesta na retratação da representação, podendo ocorrer até o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público (Art. 102 CP). O problema surge quando o crime é cometido com pluralidade de sujeitos ativos, pois muitas vezes a vítima se retrata da representação desejando livrar apenas um dos co-indiciados, surgindo a dúvida em saber se esta retratação estende-se aos demais. Em relação ao perdão do ofendido, instituto próprio dos crimes de ação penal privada, a lei expressamente regulou o tema, pois segundo determina o art. 106 do CP, o perdão, expresso ou tácito, se concedido a qualquer dos querelados, a todos aproveita. Porém, em relação à retratação da representação, o código nada disse. Eis o nosso primeiro problema: silenciando o Código em relação à extensão do benefício aos co-indiciados, poderia existir aproveitamento aos demais? A questão não parece tão complexa, pois se a representação autoriza a apuração do fato criminoso, podemos concluir que se a vítima se retrata da representação, o fato não poderá ser apurado; logo, nenhum dos sujeitos do crime poderia ser indiciado, gerando a retratação óbice ao curso do Inquérito policial e, com a mesma razão, inviabilizando o oferecimento da ação penal a todos os co-indiciados.

Contudo, chamamos atenção especialmente para os crimes contra o patrimônio, uma vez que aqueles crimes são, em regra, de ação pública incondicionada, prescindindo de qualquer manifestação da vítima (representação) para que seja apurado; logo, estes crimes serão apurados em Inquérito policial que será iniciado através de notícia crime ou de ofício pela autoridade policial (art. 5º CPP). Ocorre que os referidos crimes patrimoniais, e.g. furto, estelionato e suas modalidades específicas de defraudação de penhor, fraude no pagamento por meio de cheque etc., só poderão ser apurados se houver representação da vítima (art. 182 CP) em caso de crimes cometidos contra cônjuges desquitados ou judicialmente separados; irmãos, legítimos ou ilegítimos, e entre tios e sobrinhos que coabitem. Nesses casos, excepcionando-se a regra de apuração dos crimes através de ação pública incondicionada, a lei expressamente exige a representação da vítima como condição de procedibilidade. No primeiro grupo de casos, concluímos que a retratação da representação estende-se aos demais indiciados, pois a representação possibilita a apuração do fato criminoso, diretamente ligada à natureza do crime, e não de condição pessoal do agente; diferentemente desta regra geral, em relação aos crimes contra o patrimônio a lei especialmente exige a representação em razão do parentesco do agente – e, nesses casos, poderia haver retratação da representação?

Primeiramente, vale ressaltar que o uso da interpretação extensiva deve ceder à vontade expressa da lei, e nesse caso, o art. 183 é claro ao vedar a extensão do benefício aos demais participantes do crime, verbis: "não se aplica o disposto nos dois artigos anteriores [...] ao estranho que participa do crime". Dessa forma, quanto aos terceiros que participam do crime - aqueles que não sejam: cônjuges desquitados ou judicialmente separados, irmãos (legítimos ou ilegítimos) ou tios e sobrinhos que coabitem - não há necessidade de representação para abertura de Inquérito policial e nem para oferecimento de Denúncia. O fato de haver retratação desta representação – que, frise-se, não obsta a apuração do fato em relação aos estranhos – não influencia em nada. É inviável a retratação do ofendido pretendendo algum obstáculo à apuração do crime em relação a estes. Assim, a retratação, no caso de crimes contra o patrimônio, somente tem efeitos quanto aos parentes da vítima, expressamente arrolada no art. 183 do Código Penal. Portanto, nos crimes contra o patrimônio, a retratação somente tem efeitos em relação ao sujeito ativo especial.

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Sobre o autor
Felinto Alves Martins Filho

Advogado criminalista. Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal pela PUC-SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS FILHO, Felinto Alves. Da retratação da representação em crimes contra o patrimônio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2261, 9 set. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13474. Acesso em: 18 abr. 2024.

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