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Súmula vinculante no ordenamento jurídico brasileiro

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15/09/2009 às 00:00
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3. INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL E ENGESSAMENTO DAS INSTÂNCIAS INFERIORES SOB A ÓTICA DA SÚMULA VINCULANTE

A existência de autonomia e liberdade a configurar o regular exercício da jurisdição é vital e salutar para a atuação judicial, e sobre esse ponto existe consenso. Por causa disso, alguns juristas esposam a tese segundo a qual a súmula vinculante violaria a autonomia e a liberdade do Judiciário, garantias asseguradas pelo Estado Democrático de Direito em que vivemos.

A legislação brasileira, por meio da lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, conhecida por Código de Processo Civil (CPC), em seu art. 131 agasalha o princípio do livre convencimento motivado do juiz. Ele não é um princípio constitucional expresso, mas decorre do inciso LIV, art. 5º da CF.

Para os juristas mencionados no primeiro parágrafo deste tópico, portanto, o princípio do livre convencimento motivado seria desrespeitado pela súmula vinculante por ela conter em si mesma uma solução a priori para certas situações, ou seja, cada litígio em particular não seria resolvido pelo magistrado, segundo o seu entendimento, mas de acordo com um precedente que deve ser aplicado sem questionamento algum.

[...] Adotar o instituto em estudo é afrontar de forma cristalina o princípio do livre convencimento do magistrado, assim como todos aqueles resultantes e ensejadores dele, pois a obrigatoriedade da decisão do juiz ser prolatada segundo decisões previamente colacionadas pelo STF torna inútil a figura dos jurisdicionados, das provas e da própria pretensão reclamada, tendo em vista já haver resposta pré-concebida ao direito suscitado [...]. (CARVALHO, 2008, p. 4).

Nessa linha de raciocínio, a súmula vinculante significaria a retirada da classe judicante da sua razão substancial de ser, pois estaria suprimida a autonomia que lhe é tão cara para realizar sua função. Estariam, por conseguinte, os magistrados de instâncias inferiores impedidos de delinear a direção a ser seguida para a formação do livre convencimento em cada causa sub judice, por causa da tentativa de se transformar o Direito em ciência exata com o advento do instituto em enfoque neste artigo.Entretanto, cabe indagar, por enquanto, se essa é ou não uma visão por demais restritiva do princípio da liberdade motivada do juiz, haja vista não se levar em conta que o magistrado por não ser mero repetidor de decisões prolatadas, terá de, caso a caso, analisar a existência da aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula vinculante.

Deixando-se guiar por nortes similares, chega-se a ideia de a súmula vinculante representar um verdadeiro perigo a instâncias inferiores por afastar a criatividade jurisdicional, transformando o direito de algo vivo e dinâmico em algo estático por inexistência de admissão de divergência entre as diversas instâncias do Judiciário. Alega-se que os magistrados estariam em melhores condições de decidir em sintonia com as peculiaridades do caso concreto e de entregar, de modo mais equilibrado, adequado e justo, a tutela jurisdicional reclamada se as amarras impostas pelo enunciado de uma súmula vinculante não existissem. Nesse sentido, trazem-se os posicionamentos abaixo:

[...] a súmula é a extinção de instâncias, a subjugação do oxigênio jurisprudencial, exercido através das decisões dos juízes singulares, que habitam com seus jurisdicionados, conhecendo-lhes os nomes e as feições. Não são, os brasileiros dos pequenos centros, multidões acéfalas, informes e meros valores estatísticos (sic). (JÚNIOR apud PINHEIRO, 2007, p. 4).

[...] querem fechar o Judiciário aos avanços, ao novo, ao desafio de criar; querem podar toda e qualquer tentativa de prática de um Direito mais aberto e mais crítico. Mas tais súmulas vinculantes vão também amordaçar as lutas populares na direção da crescente e dialética ampliação dos direitos humanos [...]. (HERKENHOFF apud PINHEIRO, 2007, p. 5).

Apesar de haver profundo respeito pelos posicionamentos acima colacionados, entende-se que eles não são sólidos o bastante, e esclarece-se que não há desrespeito ao princípio do livre convencimento do juiz nem tampouco engessamento do direito ou supressão de instâncias ao se utilizar o Judiciário da súmula vinculante, do jeito que ela foi arquitetada no Brasil.

Respondendo o questionamento levantado anteriormente sobre a rigidez do entendimento que defende haver desrespeito à liberdade motivada do juiz e engessamento do direito, pode-se afirmar que ele realmente é por demais rígido e ultrapasso, pois o juiz continua a gozar de liberdade. Ademais, não há que se falar em engessamento quando debates em larga escala são levados a cabo com o fito de implantar certo instituto. Nos parágrafos que se seguem, esses argumentos são explicados com um pouco mais de profundidade.

Em primeiro lugar, chama-se a atenção para o fato de que mesmo em havendo sido editada súmula vinculante num sentido determinado, ao magistrado é conferido o poder de aplicar e interpretar o caso concreto posto sob sua análise em conformidade com a lei. A súmula vinculante, em nenhum momento, pretendeu suprimir essa prerrogativa dos juízes, eles a possuíam antes da existência da súmula vinculante e continuam a dela dispor nos dias atuais. Assim, percebe-se que isso não foi objeto de modificação pelo instrumento em tela.

O que ocorre agora é o seguinte: ao apreciar uma causa, o juiz deve considerar a existência da súmula vinculante e quando verificar que o enunciado dela está relacionado à questão em análise, deve motivadamente aplicá-la ou não. Fica evidente, então, que o magistrado deve utilizar a súmula constitucional como fonte para sua decisão porque após a prolação desta, existe a hipótese dele vê-la refutada ou está sujeito a alterá-la em decorrência de uma das partes sentir-se prejudicada pela solução encontrada. Deveras, o § 3º do art. 103-A da CF prevê a reclamação como meio idôneo para cassar uma decisão ou determinar que outra seja prolatada em lugar da decisão reclamada, a partir do momento em que o STF entende haver colisão com enunciado de súmula vinculante. Entretanto, repise-se que nada impede que o juiz decida contrariamente ao enunciado da súmula vinculante, desde que o faça de maneira muito bem fundamentada.

Poderia ser questionado se a Corte Suprema ao cassar uma decisão de instância inferior, após a reclamação, está desrespeitando a independência judicial e ao mesmo tempo suprimindo instâncias. A essa indagação, pode-se responder ‘não’, pois não há sentido em se desrespeitar decisões emanadas pelo STF no regular exercício de conferir efetividade à Constituição, posto ser esse o único órgão legitimado a dar a palavra final em sede de matéria constitucional (MENDES apud FARIA, 2008).

Porque o Supremo Tribunal é o legítimo guardião constitucional brasileiro, o certo é que sua interpretação da constituição deve ser seguida pelos tribunais das demais instâncias do Judiciário em sintonia com o efeito definitivo e absoluto concedido à eficácia de suas decisões. Deve-se, assim, afastar a mitigação da eficácia das decisões proferidas pelo STF sob a alegação de se possibilitar a existência de decisões divergentes em decisões amplamente debatidas e já pacificadas na cúpula judicial. Ao se permitir a divergência em questões já pacificadas pelo STF, incorre-se no risco de além de serem desconsideradas as decisões realizadas pela Corte Máxima, a força normativa da Constituição Federal também se tornar frágil, uma vez que não haverá órgão capaz de dotá-la da necessária coerção ao seu cumprimento por parte de todos que a ela têm de se submeterem.

Ao encontro da posição acima defendida, segue a posição do professor Sormani, que ensina:

[...] À primeira vista, parece incompreensível não dotar de efeitos vinculantes os precedentes jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal: se ele é o órgão de cúpula do Poder Judiciário, nada mais lógico que exista o respeito às suas decisões pelos demais órgãos judiciais [...]. (SORMANI, 2005, p. 1).

Chama-se a atenção ainda para o fato de que a súmula vinculante simplesmente não surge do nada, pois ainda que ela seja editada ex officio pelo próprio STF, ela deverá está fundamentada em anteriores decisões resultantes de casos submetidos a sua apreciação, sendo aprovada por 8 dos 11 ministros desse tribunal após amplíssimo debate; adicionalmente, o Procurador-Geral da República também deverá opinar sobre o enunciado a ser editado.

Destarte, verifica-se que ao se proceder a profundos debates acerca de normas determinadas, sobre as quais exista controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos, no que tange à validade, à interpretação e à eficácia de normas determinadas, não há que se falar em desrespeito de liberdade, de autonomia, nem mesmo em engessamento. Ora, ousa-se dizer que por haver controvérsia e debate exaustivo acerca do tema que irá ter como fruto súmula vinculante, não se pode falar em ofensa à independência judicial.

No que diz respeito especificamente ao engessamento, fossilização, ou cauterização do direito, há de se lembrar, por oportuno, que existe não tão somente previsão de edição de súmula vinculante, mas também de "revisão e/ou cancelamento", o que deve ocorrer quando houver a concordância de 8 dos 11 ministros do STF para tanto. Ou seja, mesmo depois de editada uma súmula vinculante, se por algum motivo ela não for considerada mais oportuna, uma ampla gama de legitimados poderá lutar para vê-la extinta ou reformada.

Dessa forma, percebe-se que o legislador constituinte reformador foi bastante cuidadoso ao prover um mecanismo capaz de desfazer algo que poderia se tornar um problema por, eventualmente, vir a perder sintonia com a realidade fática que lhe deu ensejo, pois é sabido que a dinâmica do dia-a-dia é pródiga em, muitas vezes, apresentar facetas impossíveis de serem previstas ou vislumbradas num momento específico, seja em decorrência da evolução tecnológica, seja em decorrência de reformulação cultural, seja em decorrência de qualquer outro motivo.


4. A SÚMULA VINCULANTE COMO INSTRUMENTO EM FAVOR DA SEGURNAÇA JURÍDICA E DA TUTELA JUDICIAL MAIS CÉLERE

Apesar de a divergência jurisprudencial poder ser entendida como salutar para o desenvolvimento do direito, ela não pode ser tão ampla ao ponto de propiciar soluções diferentes em casos análogos. Porquanto, no momento em que isso passa a acontecer, a insegurança jurídica instala-se de maneira a deteriorar a credibilidade não somente do próprio Poder Judiciário, mas também do país como um todo. Assim, certamente é necessário existir harmonização entre o desenvolvimento do direito e a indispensável segurança jurídica, que em hipótese alguma pode deixar de ser buscada.

A segurança jurídica deve ser um dos princípios fundamentais de qualquer Estado, sobretudo de Estados que se dizem Democráticos de Direito, pois é de conhecimento comum que apenas a partir do momento em que ela é assegurada, há investimentos sociais e econômicos regulares a propiciar desenvolvimento contínuo e duradouro de qualquer país. Nesse sentido, a segurança jurídica é uma das mais pujantes molas propulsoras dos fundamentos que sustentam a República Federativa do Brasil, a saber: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.

A incerteza jurídica é um grave problema e dá sustentação para a indesejável desarmonia social. A adoção da súmula vinculante por nosso ordenamento jurídico deve ajudar a reduzir essa carga de desconfiança, pois a unificação interpretativa de matérias constitucionais dotará o Brasil de certo grau de homogeneidade e certeza, ambos são necessários para sustentar o desenvolvimento nacional.

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A súmula vinculante é um instrumento que visa ao precioso equilíbrio entre a evolução do direito e a segurança jurídica. Por meio da vinculação dos juízes pertencentes a instâncias inferiores, quando no exercício da função precípua que devem realizar, aos enunciados das súmulas constitucionais, a tendência é que haja acentuada redução de decisões em conflito sobre um mesmo tema. Consequentemente, como a segurança é inversamente proporcional à incerteza, aquela haverá de ser dotada de maior concretude em desfavor desta. Obviamente, defende-se, uma vez mais, que a todos os magistrados é assegurada liberdade para exercer juízo de adequabilidade e para conferir a correta interpretação a compatibilizar a súmula vinculante com o caso concreto que se lhes apresente.

Aquilo que a súmula vinculante almeja não é a padronização de decisões em série, e sim um sistema que propicie aos cidadãos o direito de efetivamente verem suas lides decididas com previsibilidade. Moreira (apud FARIA, 2008, p.10) já ressaltava algo similar ao enunciar: "trata-se, pura e simplesmente, de evitar, na medida do possível, que a sorte dos litigantes, e afinal a própria unidade do sistema jurídico vigente fiquem na dependência exclusiva da distribuição do feito ou do recurso a este ou àquele órgão."

O Judiciário é o principal responsável pela efetivação do binômio justiça-certeza. Para tanto, a súmula vinculante apresenta-se como relevante instrumento a concretizá-lo. Apresenta-se a seguir defesa nessa direção:

[...] não há possibilidade de se implementar o binômio supracitado sem que haja no ordenamento jurídico um instrumento legal e constitucional, em conjunto com outros tantos dispostos aos órgãos judiciais, que seja dotado de carga vinculativa e obrigatória aos demais órgãos do Poder Judiciário e aos órgãos do Poder Executivo, tendo em vista o fato de que não se pode tolerar a desigualdade e a ocorrência de decisões tomadas de forma diferente para casos iguais, em essência, no que concerne a questões de ordem material, legal, excetuadas, é claro, as nuances de cada caso em concreto, como ocorre, e.g., nas decisões de alguns Mandados de Segurança [...]. (FARIA, 2008, p. 10).

Outro problema sério enfrentado pelo Poder Judiciário é a excessiva morosidade que decorre por um lado do elevado número de processos submetidos a sua apreciação e por outro, da interposição de recursos que buscam ver aplicado determinado entendimento do Supremo, por exemplo, a uma causa, que apesar de similar a que deu origem a dado entendimento, teve solução diferente em instâncias inferiores. Vejam-se abaixo as palavras de Costa Leite, ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça sobre a demora na prestação da tutela judicial:

[...] após estudar o assunto, não encontrei outro instrumento melhor que a súmula com efeito vinculante para conter a excessiva litigiosidade da Administração Pública [...] as nossas estatísticas demonstram que 85% das causas em tramitação têm um órgão da administração pública em um dos pólos processuais. E o que é pior, em 70% dessas causas houve vitória do particular sobre o ente público, que acaba recorrendo desnecessariamente [...]. (LEITE apud PINHEIRO, 2007, p. 6).

Com o advento da súmula vinculante, o caminho para a contenção do absurdo número de processos que abarrotam o Judiciário nacional está aberto, pois a possibilidade de aplicar solução idêntica a casos similares significa a diminuição da sobrecarga de trabalho imposta a magistrados e serventuários da justiça. Como fruto dessa contenção, a prestação da tutela judicial passa a ser menos lenta, o que prestigia o princípio da eficiência insculpido no art. 37 da CF. Com efeito, ao ser corretamente construída, a súmula vinculante diminuirá ou impedirá, em grande parte, a exacerbada quantia de processos levados ao conhecimento não somente do STF, mas também de outras cortes, uma vez que a súmula dotada de efeitos vinculantes está em plena sintonia com os complexos anseios da sociedade contemporânea e com a lei, no sentido mais amplo possível desta palavra.

Ao se levar em consideração o elevado número de recursos existentes nos tribunais que estão no ápice da estrutura judiciária, sabe-se que a maioria deles é proveniente do Estado. Ou seja, é uma prática comum do Estado em sede de causa vencida, mesmo sabendo que não lhe assiste razão o direito, recorrer da decisão com a nítida intenção de ganhar o maior tempo possível, protelando dessa maneira o direito favorável a outra parte da lide, em geral o cidadão comum. Em outras palavras, com a intenção de tão somente adiar para um momento futuro a fruição de um direito que assiste ao cidadão, o Estado, certo de que a causa demorará a ser reapreciada, recorre. Essa prática por parte do Estado é detestável por, muitas vezes, impedir que cidadãos dignos, principalmente os menos dotados de elevado grau de instrução e poderio financeiro, conheçam o pleno significado da dignidade da pessoa humana.

Destarte, considerando-se a problemática caracterizada acima, há real possibilidade de a súmula vinculante poder ser utilizada como instrumento poderoso a concretizar a segurança jurídica, a isonomia e a celeridade processual. Entretanto, deve-se ter clara a noção de que a súmula vinculante não é um remédio milagroso, porquanto ela não curará todos os males do Judiciário. Obviamente, por si só, ela pouco ou quase nada fará, mas somada com as outras alterações que já estão em curso no Brasil poderá melhorar a qualidade da prestação da tutela judicial em nosso país de maneira paulatina.

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Sobre o autor
Gabriel Dias Lima

Analista Administrativo. Licenciado em língua inglesa e respectiva literatura pela Universidade de Brasília (UnB).Especialista em Direito Público pelo grupo educacional Fortium

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Gabriel Dias. Súmula vinculante no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2267, 15 set. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13503. Acesso em: 18 dez. 2024.

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