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Súmula vinculante no ordenamento jurídico brasileiro

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15/09/2009 às 00:00
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5. ALGUMAS PONDERAÇÕES ESPARSAS ACERCA DA SÚMULA VINCULANTE

Anteriormente, já foi escrito que as súmulas vinculantes, para fazer parte do ordenamento jurídico brasileiro, necessitam da aprovação de 2/3 dos ministros (8) do STF. Há também a previsão constitucional de que as súmulas meramente persuasivas dessa corte podem ser transformadas em súmulas vinculantes. Todavia, nem a EC nº45/2004, nem a lei nº11. 417/2006 esclarecem qual é o quorum exigido das decisões que servirão de base para transformar uma súmula persuasiva em vinculante (TAVARES, 2007). O problema ocorre porque para que uma súmula persuasiva ganhe vida, a maioria absoluta dos ministros do Pretório Excelso (6) se manifesta nesse sentido. Então fica a indagação: poderia uma súmula persuasiva aprovada por menos de oito ministros servir de fundamento para uma súmula vinculante? O ministro Moreira Alves, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1635, argumentava que "pode haver muitos processos repetidos, mas com apresentação de fundamentos diferentes. Trata-se de problema que sempre esteve presente na jurisdição constitucional brasileira, que doravante, agravar-se-á."

Com o fito de evitar que o STF criasse uma armadilha da qual a própria corte ficasse impossibilita de sair, o Supremo não está vinculado às suas próprias decisões e súmulas. Deveras, após editar dada súmula, ele pode promover posteriormente uma vasta reformulação sobre o posicionamento adotado e decidir por alterá-lo completamente. Contudo, essa revisão não pode ocorrer de forma arbitrária, sendo necessário que a devida motivação faz-se presente caso a Corte Constitucional entenda razoável tal modificação. (TAVARES, 2007).

Não pode passar despercebido o poder concedido à súmula vinculante pelo legislador constitucional reformador. Sublinha-se que ela extrapola a simples validade e interpretação da Constituição e das leis, alcançando também a eficácia de atos normativos. "Para ficar mais claro: acresceu-se a possibilidade de (i) dispor sobre a eficácia, e; (ii) ter como objeto qualquer ato normativo, e não apenas a lei ou a Constituição" (TAVARES, 2007, p. 7). Além disso, a súmula constitucional alcança normas federais, estaduais, distritais e municipais.

A previsão constitucional do mecanismo da reclamação perante o STF, por parte de qualquer interessado, teve por finalidade dotar o Pretório Excelso de uma forma de concretizar suas decisões no momento em que forem desrespeitadas. Todavia, tal previsão pode vir a dar ensejo a um enorme problema, a saber: o STF pode se tornar refém de uma lógica que o leve a analisar elevada quantidade de reclamações, pondo a Excelsa Corte do país na constrangedora posição de executora de suas próprias decisões, o que certamente produz reflexos negativos sobre as funções mais nobres que lhes são imputadas.

A súmula vinculante interfere no processo de controle de constitucionalidade no Brasil, especialmente no processo de controle difuso. Ela também causa contradição em certas atuações do STF. Nessa direção segue o alerta abaixo:

[...] Contudo, é evidente que a previsão de uma súmula vinculante interfere diretamente na posição do Senado como única instância capaz de atribuir eficácia geral às leis declaradas inconstitucionais. Doravante, não mais necessitará o STF da atuação complementar do Senado, podendo, respeitados os requisitos constitucionais, editar súmula de efeito vinculante.

[...] Por fim, a introdução da denominada ‘repercussão geral’, como requisito para a análise de recurso extraordinário pelo STF, exige o quorum de 2/3 dos ministros para recusar o recurso pela falta desse elemento. E uma das hipóteses de falta de repercussão será exatamente a existência (remota) de súmula vinculante. Ocorre que o art. 557 [do regimento interno do STF] permite que o relator, monocraticamente, rejeite o recurso ou reforme a decisão, quando contrários à súmula do STF. Ora, doravante não mais se poderá admitir essa decisão monocrática nessas hipóteses, já que essa recusa deverá ocorrer pelo quorum de 2/3. Mas, permanecerá para outras situações a possibilidade de decisão monocrática do relator, impedindo o seguimento do recurso (quando seja contrário à jurisprudência assentada do Tribunal, por exemplo), tratamento diferenciado que gerará uma situação de perplexidade. (TAVARES, 2007, p. 10).

Para finalizar este tópico, registra-se que a súmula vinculante apresenta alguns riscos e possui alguns pontos sobre os quais pairam dúvidas. Porém, um dos argumentos utilizados pelos críticos desse instrumento, o risco de perpetuação da injustiça e do erro judiciário, não é algo que decorra da criação da súmula vinculante, mas da necessidade que haja uniformização interpretativa da Constituição e das leis. Logo, tal risco ocorrerá em existindo súmula vinculante ou não.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste artigo, foi visto que a súmula vinculante pode ser considerada como um instrumento de criação genuinamente brasileira. Ela abraça em si o conceito de súmula e o de efeito vinculante, que já eram conhecidos do nosso país antes mesmo de a EC nº45/2004 torná-la concreta no ordenamento jurídico que nos rege.

A súmula vinculante não pode ser vista como um instrumento a violar importantes princípios do direito, pois o mundo contemporâneo não mais comporta a visão de um princípio preponderando sobre os demais, única ótica sob a qual argumentos nesse sentido prosperariam.

Dessa forma, fica clara a importância da súmula vinculante como instrumento a concretizar a harmonização de princípios em prol da segurança jurídica e da prestação da tutela judicial mais célere, o que ajuda a resgatar a desgastada imagem do Judiciário no Brasil.

Não se fecha os olhos a possíveis riscos ou questionamentos trazidos pela súmula vinculante, mas espera-se que discussões sobre todas as possíveis implicações advindas de sua entrada no ordenamento jurídico nacional possam dotar de maior razoabilidade e menor falibilidade esse instrumento, que pode se mostrar de grande pragmatismo no dia-a-dia forense de nossa pátria.

É certo também que a súmula constitucional não é a solução definitiva de todos os problemas enfrentados pelo Judiciário. Contudo, em concomitância com as demais reformas perpetradas nos últimos anos, começa a delinear firme resposta em favor do cidadão farto de ter seus direitos desrespeitados.


Referências

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The biding summary and the brazilian legal system

Abstract: In order to give the Brazilian judiciary greater effectiveness, some reforms have been implemented in recent years. Doubtless, the most important mark, concerning such reformulation process, is the Constitutional Amendment nº 45/2004. Among the changes it promoted, the creation of the biding summary in the Brazilian legal system is highlighted. Although the constitutional summary is hugely criticized by some professors of law, when it is examined from the modern perspective of alignment of principles, it is noticed that such innovation is of great importance because it meets the aspirations of a citizen that longs for a Judiciary that truly embodies the rights and guarantees presented in the Constitution.

Keywords: Biding summary. Common Law. Judiciary. Constitutional Amendment nº 45/2004. Supreme Federal Court.

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Sobre o autor
Gabriel Dias Lima

Analista Administrativo. Licenciado em língua inglesa e respectiva literatura pela Universidade de Brasília (UnB).Especialista em Direito Público pelo grupo educacional Fortium

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Gabriel Dias. Súmula vinculante no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2267, 15 set. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13503. Acesso em: 18 abr. 2024.

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