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O discurso argumentativo perelmaniano segundo o Supremo Tribunal Federal: análise de caso

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12/09/2009 às 00:00

Resumo:


  • Análise de argumentação jurídica baseada em Chaim Perelman, focando em regras de discurso, técnicas argumentativas e sua aplicação em votos do Supremo Tribunal Federal.

  • Estudo empírico confronta teoria da argumentação com votos de ministros do STF em caso sobre direito fundamental à segurança pública, utilizando argumentação quase-lógica e estrutura do real.

  • Conclusão questiona a utilidade e a necessidade do discurso argumentativo na validação e legitimação de julgamentos, destacando a importância do raciocínio dialético e da persuasão racional.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3 ESQUEMAS ARGUMENTATIVOS DE PERELMAN

Em tempos em que os julgamentos colegiados são a última instância na vida de um processo, considerando-se o objeto da pesquisa proposta, mister avaliar os conceitos de Perelman sobre a estrutura do argumento. Fixada mais essa premissa, pode-se analisar o discurso argumentativo utilizado pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

A despeito de sua íntima e necessária relação com outros argumentos, a análise da estrutura de um único argumento, isoladamente, é capaz de revelar as técnicas argumentativas imbricadas no objeto do presente estudo.

De acordo com o jusfilósofo polonês, os esquemas argumentativos, que nada mais são que lugares da argumentação "...se caracterizam por processos de ligação e de dissociação." [14]

Mais adiante ele afirma:

Estendemos por processo de ligação esquemas que aproximam elementos distintos e permitem estabelecer entre estes uma solidariedade que visa, seja estruturá-los, seja valorizá-los positiva ou negativamente um pelo outro. Entendemos por processos de dissociação técnicas de ruptura com o objetivo de dissociar, de separar, de desunir elementos considerados um todo, ou pelo menos um conjunto solidário dentro de um mesmo sistema de pensamento. [15](2005, p.215)

Dentro do grupo de esquemas argumentativos de ligação, têm-se os argumentos quase-lógicos (uma espécie de pensamento formal), os argumentos baseados na estrutura do real (estão conforme a própria estrutura das coisas), estes subdivididos em argumento do caso particular e argumentos de analogia.

Existem, por outro lado, as técnicas de dissociação. Estas "...se caracterizam mormente pelos manejamentos que introduzem nas noções, porque visam menos utilizar a linguagem aceita do que proceder a uma nova modelagem". [16]

Em outras palavras: um argumento de dissociação é utilizado para desconstituir a aproximação feita pelo argumento associativo, ressaltando as diferenças entre os elementos, e minimizando as semelhanças.

Oportuno se torna consignar que pode haver a aplicação de mais de um grupo de esquema argumentativo, concomitantemente, ao mesmo caso, uma vez que estes não constituem termos isolados. Ou seja, é possível interpretar um argumento segundo um ou outro esquema, consoante as circunstâncias do caso concreto.

Diga-se ainda, que diante do objeto e da brevidade do estudo, deve-se ter mente que somente as técnicas com alguma pertinência temática serão efetivamente analisadas, começando-se pelos argumentos quase-lógicos.

3.1 TÉCNICAS ARGUMENTATIVAS

3.1.1 Argumentação quase-lógica

A argumentação quase-lógica é assim definida por Chaim Perelman:

O que caracteriza a argumentação quase-lógica é, portanto, seu caráter não-formal e o esforço mental de que necessita sua redução ao formal. É sobre esse último aspecto que versará eventualmente a controvérsia. Quando se tratar de justificar determinada redução, que não tiver parecido convincente pela simples apresentação dos elementos do discurso, recorrer-se-á o mais das vezes a outras formas de argumentação que não os argumentos quase-lógicos. [17]

Trata-se de técnica na qual o raciocínio formal ou matemático deve ser reduzido a esquemas formais específicos que se relacionam à estrutura lógica ou à relação matemática. Tais argumentos lembram os raciocínios formais pelo fato de empregarem uma linguagem natural, ordinária.

Assim, os argumentos quase-lógicos possuem determinada força de convicção, mas são desprovidos de qualquer valor conclusivo. É da relação de associação e contiguidade que estes mantêm com o argumento convincente que surge o poder de convencimento destes argumentos.

Esta é a lição de Perelman: "[...] os argumentos quase-lógicos têm pretensão a certa validade em virtude de seu aspecto racional, derivado da relação mais ou menos estreita existente entre eles e certas fórmulas lógicas ou matemáticas [...]" [18].

Portanto, são quase-lógicos porquanto se considerados lógicos, não teriam, na verdade, validade ou certeza, mas enquanto tipo de raciocínio dialético, a validade decorre do conteúdo do argumento e não da sua forma.

Para Perelman, contradição e incompatibilidade são esquemas argumentativos que tornam um conjunto de proposições incoerente. Ainda segundo o jusfilósofo, as proposições só podem ser ditar contraditórias quando uma, ao negar a outra, possa ser aplicada isoladamente à situação, de modo que a outra também o possa, igualmente. [19]

É dizer: numa dada situação jurídica em que uma ou mais regras possam ser igualmente aplicadas, haverá incompatibilidade entre elas, na medida em que as mesmas se excluam. Ou seja, existirá incompatibilidade jurídica quando ambas possam ser aplicadas ao caso concreto.

Para sanar tal incoerência, indica o autor, torna-se necessário a escolha de uma delas para remover a incompatibilidade, ou então, o sacrifício de ambas.

De acordo com Perelman, a solução das incompatibilidades pelo homem prático só surge quando as mesmas se apresentam no caso concreto:

É normalmente a atitude do juiz que, sabendo que cada uma das suas decisões constitui um precedente, procura limitar-lhes o alcance o quanto puder, enunciá-las sem ultrapassar em seus considerandos o que é necessário dizer para fundamentar sua decisão, sem estender suas fórmulas interpretativas a situações cuja complexidade poderia escapar-lhe. [20]

Nesse sentido, para evitar futuras incompatibilidades, o homem prático (o juiz) se limita a solucionar o problema sem envolver-se demais, sem vincular-se ao decidido, pena de não poder adaptar-se ao imprevisto e ao futuro, alheio aos riscos de praticar uma incompatibilidade.

Contudo, ainda que o homem prático desenvolva tal raciocínio e evite a incompatibilidade, é preciso dizer que a supressão atual da incompatibilidade pode vir a gerar outras incompatibilidades até mais graves.

À guisa de exemplo, vejamos o que diz a Constituição Federal. Uma decisão "econômica" demais na fundamentação, fatalmente cria uma incompatibilidade com o disposto no art. 93, IX, da CF/88, verbis:

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

[...]

IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Por outro lado, torna-se interessante consignar a modalidade de incompatibilidade citada por Perelman chamada "retorsão".

Trata-se da situação na qual "o ato empregado para atacar uma regra é incompatível com o princípio que sustenta esse ataque" [21]

Como forma de ilustrar tal incompatibilidade, o autor polonês relembra o caso cômico em que, dentro de um teatro, os espectadores se preparavam para cantar o hino francês, a Marselhesa, sendo interrompidos por um guarda local, ao argumento (incompatível) de que havia um cartaz detalhando tudo que era permitido, ao que foi interpelado por um espectador: "E o senhor está nesse cartaz?" [22]

Assim sendo, ao optar por uma regra, o orador não pode entrar em contradição com o argumento. Em outras palavras: a proposição empregada para impugnar uma regra não deve ser incompatível com o motivo dessa impugnação, sob pena de parecer ridículo aos olhos do auditório.

Logo, o juiz, homem prático segundo Perelman, não poderia, jamais, ao julgar antecipadamente um processo (aplicando o art. 330, do Código de Processo Civil), reconhecer a procedência da ação por ausência de provas das alegações da parte ré.

Ora, se a regra escolhida (art. 330, do CPC) determina que só deve haver julgamento antecipado da lide quando não houver provas a produzir (ou nos casos de revelia), dar procedência a demanda ao argumento de que o sujeito passivo não provou o que alegou (fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor), implica na incompatibilidade que conduz o julgador ao ridículo perelmaniano.

Neste sentido, a jurisprudência pátria já se manifestou:

PROCESSO CIVIL - RESCISÃO CONTRATUAL - JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE - APELAÇÃO QUE INVERTE A SENTENÇA POR FALTA DE PROVA PELA RÉ - CONTRADIÇÃO - CERCEAMENTO DE DEFESA - OCORRÊNCIA - NULIDADE DA SENTENÇA - REABERTURA DA FASE COGNITIVA - PROVIMENTO. 1 - Consoante entendimento desta Corte, ocorre cerceamento de defesa quando, proferido julgamento antecipado da lide, admite-se que não há prova do alegado pela ré. 2 - Recurso especial conhecido e provido para cassar a decisão que julgou antecipadamente a lide, oportunizando a produção de provas, reabrindo-se, assim, a instrução processual?. [23]

Nesse ínterim, o ridículo para Perelman é a principal arma da argumentação, pois ao combater uma regra de modo inconsciente e infundado, ou ignorando o que a mesma preceitua e suas consequências, o orador se expõe e compromete toda a sua pessoa. [24]

A jurisprudência está pejada de casos em que os (maus) magistrados, a despeito do ofício que lhes cabe, acabam se opondo de forma injustificada à norma vigente.

Claro que, para tanto, lhes assiste o princípio do convencimento motivado, mas dentro de um órgão colegiado e aos olhos do auditório, tal medida é demasiadamente temerária e desaconselhável. A repreensão dos seus pares inevitavelmente lhe descredenciará ao título de orador convincente (ou persuasivo).

A argumentação quase-lógica impede tais situações de modo que o argumento judicial não deve contrariar a regra eleita, pena de ser considerado ridículo.

Outra regra que contêm inegável aspecto de racionalidade é a regra de justiça. Segundo Perelman, ela "... requer a aplicação de um tratamento idêntico a seres ou a situações que são integrados numa mesma categoria". [25]

Entretanto, os objetos sempre serão distintos em algum aspecto, e nesse caso, deve-se indagar se as distinções são relevantes o suficiente para mudar sua de categoria.

De todo modo, havendo a identidade de categoria dos objetos, é a regra de justiça quem viabiliza utilizar, sob forma de argumento quase-lógico, o precedente.

Em razão disso, casos passados serão essenciais para o julgamento de casos futuros. Sem dúvidas, a regra de justiça é concretizada quando o precedente é utilizado adequadamente.

Nos casos em que não seja possível confrontar os objetos de julgamento, o homem prático deve se valer dos argumentos de transitividade assim conceituados por Chaim Perelman:

A transitividade é uma propriedade formal de certas relações que permite passar da afirmação de que existe a mesma relação entre os termos a e b e entre os termos b e c, à conclusão de que ela existe entre os termos a e c: as relações de igualdade, de superioridade, de inclusão, de ascendência são relações transitivas. [26]

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Nessa esteira, o argumento da transitividade na esfera jurídica, é largamente aplicado no controle de constitucionalidade. Basta imaginar uma norma legal que tenha seu fundamento de validade na Constituição Federal.

Caso uma decisão judicial venha a violar a aludida norma infra-constitucional, pode-se concluir que ela também viola a Constituição, ainda que reflexamente ou de forma indireta. É, pois, hipótese de impossibilidade de confrontar normas com hierarquia definida para adotar-se o argumento de transitividade.

Uma última técnica formatada sob o signo de argumento quase-lógico é a regra do sacrifício.

Em verdade, trata-se de um argumento comparativo, na medida em que pondera aquilo que se está disposto a abrir mão com o sacrifício necessário para alegar algo.

Nas palavras do jusfilósofo:

O argumento do sacrifício, utilizado de uma forma hipotética, pode servir para evidenciar o valor que se concede a alguma coisa; mas com muita frequência é acompanhado da afirmação de que semelhante sacrifício, que se estaria prestes a assumir, é ou supérfluo, porque a situação não o exige, ou ineficaz, porque não permitiria chegar ao objetivo almejado. [27]

3.1.2 Argumentação baseada na estrutura do real

Os argumentos quase-lógicos, como visto acima, surgem da relação íntima que mantêm com certas fórmulas lógicas e matemáticas (apesar de não simbolizar qualquer uma delas).

De outra parte, os argumentos baseados na estrutura do real têm seu fundamento na ligação que pode ser feita entre o real e os juízos admitidos (ou que se busca admitir), como ocorre na relação de causa e efeito.

Assim, os argumentos baseados na estrutura do real podem ser classificados de acordo com a realidade que lhes é afeta. Como bem salienta Perelman:

O que nos interessa aqui não é uma descrição objetiva do real, mas a maneira pela qual se apresentam as opiniões a ele concernentes; podendo estas, aliás, ser tratadas, quer como fatos, quer como verdades, quer como presunções. [sic] [28](2005, p. 298)

Dentre esses argumentos fundados no real, cumpre trazer à baila o argumento pragmático. A sua definição gira em torno da relação entre o acontecimento (causa) e as consequências (efeitos) do mesmo.

Dessa forma, de acordo com Bentham apud Perelman, em matéria de lei, a boa razão é alegar os bens ou os males que essa lei tende a produzir. [29] Eis um exemplo de um argumento pragmático, ao vincular a consequência legal, à sua razão boa ou má.

Nesse sentido, pode-se dizer que o Ministro do Supremo Tribunal Federal que fundamenta sua decisão nos efeitos benéficos que a lei ou a Constituição preceituam, utiliza de um argumento baseado na estrutura do real, da espécie argumento pragmático.

Em remate, o argumento pragmático permite apreciar a legislação reportando-se às suas consequências, ou seja, a norma será boa se prever consequências favoráveis e será ruim se prever consequências desfavoráveis.

Os argumentos de superação, por sua vez, são aqueles que "[...] insistem na possibilidade de ir sempre mais longe num certo sentido, sem que se entreveja um limite nessa direção, e isso com um crescimento contínuo de valor". [30]

Ainda de acordo com o jusfilósofo polonês, esta técnica é frequentemente utilizada para transformar argumentos contra em argumentos pró, a fim de demonstrar que o obstáculo, se superado, é um meio para se alcançar um nível superior. [31]

Um argumento muito difundido no âmbito jurídico, derivado do argumento de prestígio, é o argumento de autoridade. Trata-se do uso dos atributos de uma pessoa ou um grupo como prova em favor de uma tese. É dizer, quanto mais importante for uma autoridade, mais indiscutíveis serão suas palavras.

Malgrado a importância do argumento de autoridade na doutrina e na jurisprudência, não se pode perder de vista que seu valor coercitivo é limitado e falível. Tudo porque a própria autoridade, em si, pode ser questionada, exempli gratia, quando se revelar contraditória ou ridícula.

Essa autoridade pode também ser questionada caso venha a se opor aos fatos, o que não é admitido, inclusive por Perelman:

Um fato é aquilo que se impõe a todos; nenhuma autoridade pode nada contra ele. Portanto, tornar algo, que deveria ser independente da pessoa, dependente da qualidade de quem o afirma, é abalar esse estatuto de fato. [32]

Outro argumento baseado na estrutura do real muito comum no Direito é a analogia, que leva o seguinte conceito perelmaniano:

Em direito, o raciocínio por analogia propriamente dita se limita, ao que parece, ao confronto, acerca de pontos particulares, entre direitos positivos distintos pelo tempo, pelo espaço geográfico ou pela matéria discutida. [33]

O grande mérito da analogia na argumentação é viabilizar prolongamentos entre a situação paradigma e a situação paragonada.

Dessa maneira, o orador direciona o pensamento do auditório ao relacionar a regra aplicável aos novos casos. Trata-se, sem dúvidas, de uma forma eficaz de persuasão uma vez que embasada no conhecimento prévio da situação paradigma.

Logo, o auditório, tendo conhecimento da situação prévia, se sentirá (ainda que timidamente) propenso a aderir às razões da situação sob análise, diante das semelhanças apontadas entre ambas.

Finalmente, uma vez estabelecidas as premissas do discurso argumentativo ao longo dos itens acima, adentra-se na análise dos julgados do Supremo Tribunal Federal em que se identificou a aplicação de algumas das citadas técnicas argumentativas.

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Sobre o autor
Roberto Mizuki Santos

Advogado-sócio MDL Advogados Associados. Procurador do Estado da Paraíba. Professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e da Faculdade Internacional da Paraíba (FPB) onde leciona Direito Administrativo e Processo Civil. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia. Pós-Graduado em Direito do Estado pela Unyahna/BA. Graduado em Direito pela Universidade Católica do Salvador. Ex-Procurador Federal (2008) e Ex-Procurador do Estado do Piauí (2009-2012). Ampla experiência em concursos públicos: aprovado nos certames para procurador da PGF(AGU), PGE/PI, PGE/CE, PGE/PB e PGM/SP. Autor de artigos e capítulos publicados em revistas e livros jurídicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Roberto Mizuki. O discurso argumentativo perelmaniano segundo o Supremo Tribunal Federal: análise de caso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2264, 12 set. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13507. Acesso em: 24 dez. 2024.

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