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As parcerias público-privadas no sistema penitenciário brasileiro

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17/09/2009 às 00:00
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3. AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS BRASILEIRAS

A escassez de recursos públicos para fazer frente a investimentos em setores de responsabilidade do poder público, mormente nas áreas de transportes (rodovias, ferrovias, portos, aeroportos) saneamento, presídios, saúde, habitação, fez com que o Estado procurasse novas formas de relacionamento entre os setores público e privado. Os diversos países têm buscado modelos de gestão em que a participação do setor privado em investimentos de grande interesse público e social tende a se tornar mais ativa.

As PPPs no Brasil, antes de serem disciplinadas em nível federal já haviam sido normatizadas no âmbito de alguns estados, como Minas Gerais (o pioneiro nesse aspecto), Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Distrito Federal, Goiás, Bahia, Ceará, Rio Grande do Sul, Amazonas, entre outros. Em 2004 foi publicada a Lei nr 11.079, que instituiu as normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da Administração Pública.

Dentre os modelos de concessão foi disciplinado o contrato de concessão, cujo objeto é a prestação de serviços (públicos ou não) diretamente à Administração Pública, podendo o particular assumir a execução de obra, fornecimento de bens ou outras prestações. Neste contrato o investimento deve ser superior a R$ 20 milhões, e a contraprestação é paga pelo poder concedente (Administração Pública), onde o prazo do contrato deve ser entre 5 e 35 anos e o objeto da prestação não pode se restringir à execução isolada de obra ou ao fornecimento isolado de mão-de-obra ou bens, devendo estar diretamente associado ao serviço objeto da concessão administrativa.

É o caso de contratos para construção, manutenção e gestão de penitenciárias, que, embora exista um usuário, no caso o detento, é a Administração Pública a usuária indireta do sistema, por ser ela a compradora do serviço prestado pelo parceiro privado. Determina ainda, a citada lei, que as funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado são indelegáveis.

Ainda não temos no Brasil nenhuma experiência de contratos de gestão de presídios nos moldes da lei de parcerias público-privadas (lei nº 11.079/2004), entretanto, Minas Gerais (que colocou em consulta pública a PPP de uma prisão para 3 mil detentos, orçada em R$ 200 milhões) e Pernambuco (que também submeteu à consulta pública uma PPP visando a construção e gestão de um Centro Integrado de Ressocialização) resolveram se utilizar desse importante instrumento na tentativa de melhoria da segurança pública. Em Pernambuco, uma empresa ficará responsável por investir cerca de R$ 240 milhões na construção de um presídio para 3.126 detentos e depois pela gestão dele por três décadas. Em troca, o Estado pagará uma mensalidade por preso [40].

O grande atrativo das parcerias público-privadas são os longos contratos que os governos têm a oferecer. Em Pernambuco serão 33 anos e em Minas Gerais 27 anos, diferentemente do que ocorre nos contratos de co-gestão, onde são celebrados contratos de, no máximo, cinco anos. É o caso da empresa Humanitas Administração Prisional S/C, pioneira da co-gestão no estado do Paraná, onde administrava a penitenciária de Guarapuava. Todavia, o atual governo paranaense reassumiu a gestão daquele e de outros quatro presídios que também tinham sido implantados no sistema de gestão compartilhada (Casa de Custódia de Curitiba, a Casa de Custódia de Londrina, a prisão de Piraquara e a prisão de Foz do Iguaçu).

Em Minas Gerais um estudo realizado pelo governo fixa a mensalidade a ser paga por cada detento, no sistema de parceria público-privada, em R$ 2.100,00 e em Pernambuco o valor sobe para R$ 2.400,00. Em dezembro de 2007 o Brasil possuía cerca de 422 mil presos, sendo que o número de vagas em presídios era de 263 mil. [41] Há um déficit de mais de 150 mil vagas no sistema prisional brasileiro e é provável que outros estados caminhem para as PPPs, nos moldes do que já aconteceu com energia elétrica, telefonia e rodovias, o governo começa a repassar à iniciativa privada um serviço hoje conhecido por superlotações, rebeliões e fugas.

No Brasil existem cinco empresas candidatas a disputar esse mercado: Companhia Nacional de Administração Presidiária (CONAP), Instituto Nacional de Administração Penitenciária (INAP), Montesinos, Reviver e Yumatã. [42]

3.1 A IMPLANTAÇÃO DE PPPs PARA PENITENCIÁRIAS EM PERNAMBUCO.

Em 11 de janeiro de 2008, o estado de Pernambuco colocou em consulta pública um projeto para a construção de um presídio por meio de parceria público-privada (PPP).

A penitenciária será construída em Itaquitinga; a construção, que deverá ficar pronta até o dia 31 de março de 2010, será feita através parceria público-privada (PPP). Estima-se que os gastos com a construção e compra de equipamentos para a nova unidade, criada para ser de segurança máxima, cheguem a R$ 248 milhões. No projeto está prevista a construção de cinco salas exclusivas para visitas íntimas, um parlatório (recinto onde o preso se comunica por telefones), padaria, capacitação profissional, além de contar com moderno sistema de segurança (com uso de raio "X" e várias áreas de revista). A Secretaria de Ressocialização (Seres) vai abrir licitação para que empresas se apresentem para construir (num prazo de 18 meses) e manter (por 30 anos para concessão administrativa) a nova unidade. Cada preso custará R$ 2,4 mil por mês. Atualmente os gastos giram em torno de R$ 1,4 mil. [43]

O novo complexo prisional terá um total de 3.126 vagas e será composto por dois blocos para regime semi-aberto (1200 vagas) e três para regime fechado (1926 vagas) e uma unidade para administração do Centro Integrado de Ressocialização (CIR), além de cozinha, lavanderia, padaria, canil e granja. O CIR ocupará uma área de 100 hectares, num terreno da Usina São José. Todas as unidades do complexo irão funcionar independentes. O apenado será individualizado de acordo com a pena e o perfil criminológico atendendo a Lei de Execução Penal (LEP). O CIR terá apenas dois tipos de cela: individual e coletiva, no máximo, com quatro presos, e receberá os detentos dos três presídios existentes na Ilha de Itamaracá. De acordo com Sílvio Bompastor, gerente-geral de PPP da Secretaria de Planejamento do Estado, "escolhemos o sistema de PPP por saber que o Estado não tem recursos para construir um presídio". [44]

De acordo com a minuta do contrato, caberá à concessionária, entre outros compromissos, dotar a unidade prisional dos seguintes profissionais: advogado, assistente social, médico clínico, médico psiquiatra, psicólogo, terapeuta educacional, odontólogo, enfermeiro, professores de educação física, ensino fundamental e ensino médio e instrutor de informática. O objetivo é a prestação de serviços assistenciais à população carcerária, tendo por fim harmonizar a convivência entre os internos e o seu futuro retorno à sociedade e proporcionar as condições físicas e psicológicas para o cumprimento da pena que lhes foi imposta, através da assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa [45].

Os cargos de diretor geral, diretor adjunto e coordenador de segurança e disciplina serão ocupados por servidores públicos do Estado de Pernambuco. Ao diretor geral caberá, entre outras responsabilidades, a de garantir a vedação contratual à ultrapassagem do limite nominal de capacidade do Centro de Integração de Ressocialização de 3.126 internos, o limite de cada unidade de regime fechado de 642 internos e o limite de cada unidade de regime semi-aberto de 600 internos.

Já à policia militar pernambucana caberá a manutenção dos serviços de policiamento e vigilância externa na unidade prisional, nos vários postos de segurança, bem como o acompanhamento em escoltas para hospitais, fórum e outros locais, dentro e fora dos limites do município, e ainda a intervenção na área interna das unidades, por solicitação da Direção.

O projeto de ressocialização, de responsabilidade da concessionária, englobará os procedimentos para reiserção dos internos à sociedade, descrevendo os projetos que deverão ser implantados com o propósito de possibilitar a educação e a qualificação profissional, bem como a possibilidade de trabalho e sua respectiva remuneração, e o resgate da cidadania. A concessionária, observado o disposto em legislação de execução penal e correlata, e sob a supervisão, coordenação e fiscalização da direção da unidade, será responsável pela seleção, alocação e/ou retirada dos sentenciados aos/dos postos de trabalho e, entre outras responsabilidades, a supervisão dos sentenciados em regime semi-aberto durante a realização de trabalho externo. São possíveis, segundo o contrato de concessão, duas configurações para o trabalho dos sentenciados, sendo que em ambas a tomadora do trabalho não poderá ser a própria concessionária:

- trabalho preferencialmente de natureza industrial, rural ou agrícola e de serviços, cujo tomador seja uma pessoa jurídica terceira, formalizada por meio de instrumento jurídico hábil entre o contratante e o tomador sendo necessária prévia anuência da Concessionária que figurará com interveniente-anuente. O tomador poderá ser órgão ou ente da esfera pública;

- trabalho referente a serviços gerais e de manutenção da Unidade.

Quanto à remuneração da concessionária, verifica-se que o "quadro de indicadores de desempenho" influencia diretamente nos valores a serem pagos. Quanto mais pontos (de 0 a 100) tiver o "desempenho" da concessionária, maior será o valor mensal a ser recebido por ela, quanto menos pontos, menor o valor. Por exemplo: no atendimento do serviço social há previsão de atendimento de 13% dos presidiários/mês, no atendimento médico, 6,5% dos internos/mês, serviço de advocacia 13% dos internos por mês, se cumpridas essa metas a concessionária terá 2 pontos positivos em cada uma. Caso ocorra fuga de internos (nível de tolerância máxima de 1 fuga/semestre), ou rebelião (nível de tolerância máxima 1/ano) serão computados 10 pontos negativos. Isso se dá em todos os setores do programa de reintegração (serviço social, psicologia, advocacia, educacional, lazer, saúde, odontologia, etc...); do programa de alimentação; de higiene do recinto; das normas para internos; da sociedade; dos funcionários; e das instalações físicas e instalações de segurança.

Ainda, caso seja aferido que a concessionária, apresentou NQID (nota do quadro de indicadores de desempenho), abaixo de 7 (sete), e não sanar todos os problemas de qualidade encontrados, terá uma redução de 5% na contraprestação do governo, até que a ela volte a apresentar nota superior a 7 (sete) [46].

Além do fator financeiro, outro fator relevante que integra a punibilidade do parceiro privado (em caso de má gestão do presídio) é se for declarada a caducidade da concessão administrativa. Ela pode acontecer quando houver, entre outras ocorrências: serviço prestado inadequada ou deficientemente (de acordo com o Quando de Indicadores de Desempenho); reiterada oposição ao exercício da fiscalização, não acatamento de determinações ou sistemática desobediência às normas de operação; se a concessionária não cumprir as penalidades impostas por infrações, nos prazos estabelecidos; se obtiver notas de desempenho que caracterizem "desempenho geral nulo" na prestação do serviço, por 2 (dois) trimestres consecutivos, em virtude do descumprimento das metas estabelecidas no Quadro de Indicadores de Desempenho. Se a concessionária, no prazo que lhe for fixado pelo governo, não corrigir as falhas e transgressões apontadas, este instaurará o competente processo administrativo para configurar a inadimplência da concessionária e, consequentemente, a retomada da administração prisional.

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Verifica-se que o setor público está equipado com instrumentos eficazes para o total cumprimento das obrigações por parte do parceiro privado; tanto no campo financeiro (onde quanto melhor for o desempenho da concessionária maior será o seu retorno financeiro) quanto no campo administrativo (em caso de má gestão do contrato, pela concessionária, poderá ser declarada a caducidade do contrato).

3.2 A IMPLANTAÇÃO DE PPPs PARA PENITENCIÁRIAS EM MINAS GERAIS.

O estado de Minas Gerais abriu consulta pública, em janeiro deste ano, com vistas ao processo de licitação para, no regime de concessão pública, efetivar a construção e gestão de um complexo penal nos moldes de parceria público-privada. O prazo para a gestão desse complexo será de 27 anos. A capacidade será para cerca de 3 mil detentos, em Ribeirão das Neves, na região metropolitana de Belo Horizonte. O teto para a manutenção do preso será de R$ 2.100,00 por mês, valor 20% abaixo do custo atual. Por ano, o edital prevê o pagamento máximo de R$ 76 milhões ao vencedor da concorrência [47], com um valor estimado de R$ 1.955.885.715 (um bilhão, novecentos e cinqüenta e cinco milhões, oitocentos e oitenta e cinco mil e setecentos e quinze Reais) ao longo dos 27 anos [48]. O início das obras está previsto para janeiro de 2009 e a conclusão se dará em 18 meses.

Para a concessionária, entre outras responsabilidades, estão a de prestar serviços nas áreas jurídica, psicológica, médica, odontológica, psiquiátrica, assistencial, pedagógica, esportiva, social e religiosa, para o desenvolvimento e acompanhamento dos sentenciados, em conformidade com o disposto na Lei de Execução Penal.

O projeto que está sendo desenvolvido foi embasado em alguns princípios. O primeiro é a necessidade de uma gestão profissional de unidades penitenciárias, de modo a imprimir conceitos de qualidade e eficiência na custódia do indivíduo infrator, promovendo a efetiva ressocialização deste. O segundo é a importância de controle e transparência na execução da política de segurança pública. O terceiro é a relevância de padrões contratuais que incentivem a cooperação entre o setor público e privado, para que os ganhos de eficiência possam ser verificados e que níveis adequados de retorno sejam garantidos ao operador e ao investidor [49].

Dentre os serviços que devem ser prestados pelo parceiro privado estão os de atenção médica de baixa complexidade interna ao estabelecimento penal; educação básica e média aos internos; treinamento profissional e cursos profissionalizantes; recreação esportiva; alimentação; assistência jurídica e psicológica; vigilância interna e serviços de gestão do trabalho do preso.

O Poder Público permanece responsável pelas atividades de segurança armada nas muralhas e pela segurança externa à unidade, bem como pela supervisão, controle e monitoramento de todas as atividades. O diretor de segurança também permanece como um agente governamental e tem exclusivamente as responsabilidades de monitorar e supervisionar os padrões de segurança da unidade, além de aplicar eventuais sanções administrativas aos internos. O governo do Estado também se responsabiliza por administrar as transferências de internos relacionadas à unidade, vedada expressamente qualquer forma de superlotação. A remuneração do parceiro privado será vinculada à disponibilidade da vaga prisional e aos indicadores de desempenho dos serviços prestados. Os indicadores compreendem medições das atividades de assistência e apoio ao interno, bem como dos padrões de segurança praticados. Dentre os indicadores que foram definidos estão: o número de fugas; o número de rebeliões e/ou motins; o nível educacional dos internos; a proporção dos internos que trabalham; a quantidade e qualidade dos serviços de saúde prestados; a quantidade e qualidade da assistência jurídica e psicológica aos internos. [50]

Essa questão de a remuneração do parceiro privado estar, também, vinculada à qualidade dos serviços prestados tem duas finalidades: primeiro quanto menor for o número de fugas/motins/rebeliões, quanto maior for o nível educacional dos internos, quanto maior for a proporção dos internos que trabalham ou quanto maior for a qualidade dos serviços de saúde, assistência jurídica e psicológica, entre outros, maior será a remuneração da concessionária; segundo quanto melhor for a qualidade dos serviços prestados pela concessionária, melhor será o reingresso desse detento na vida em sociedade e menor será o índice de reincidência criminal.

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Sobre o autor
Jorge Amaral dos Santos

Policial Rodoviario Federal. Especialista em Direito Público - UCS/ESMAFE, pós-graduando (especialização) em Direito Penal e Direito Processual Penal Contemporâneo - UCS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Jorge Amaral. As parcerias público-privadas no sistema penitenciário brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2269, 17 set. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13521. Acesso em: 29 mar. 2024.

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