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A base de cálculo para a progressão do regime

22/09/2009 às 00:00
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1.1 - Três são os ordinários regimes da pena privativa de liberdade: fechado, semiaberto e aberto. A execução é progressiva e no processo mais longo atravessam-se cada um dos regimes durante o cumprimento da pena privativa de liberdade.

1.2 - Mas, durante a travessia, depara-se com a questão, a saber: deve ser cumprido um sexto do total da pena ou um sexto da pena remanescente para a segunda progressão no caso do artigo 112 da Lei de Execução Penal; devem ser cumpridos dois quintos, se primário, ou três quintos, se reincidente, da pena ou dois quintos, se primário, ou três quintos, se reincidente, da pena remanescente para a segunda progressão na hipótese da Lei nº 11.464, de 28/3/2007, que deu nova redação ao artigo 2º da Lei nº 8.072/90.

2.1 – Júlio Fabbrini Mirabete, in Execução Penal [01], págs. 415-6, entre outros, é partidário da corrente de que deve ser cumprido um sexto do que restou da pena para a segunda progressão quando trata do artigo 112 da Lei de Execução Penal. Invoca o artigo 111, caput, e seu parágrafo único da Lei de Execução Penal, assim como o artigo 113 do Código Penal. Epitome-se assim: pena cumprida é pena extinta.

2.2 - Do outro lado, também cuidando apenas do artigo 112 da Lei de Execução Penal, o Ministro Moreira Alves, no HC 69975-8/RJ, conclui que o apenado deve cumprir um sexto do total da pena ao argumento de que o artigo 112 da Lei de Execução Penal regula a progressão do fechado para o semiaberto e deste para o aberto, não sendo possível entender que, em um mesmo dispositivo legal, a expressão "um sexto da pena", ora se refira à sexta parte da pena imposta, ora à sexta parte da pena ainda a ser cumprida. Ao demais, não há no artigo 112 da Lei de Execução Penal lacuna legal.

3 – Será que pena cumprida é pena extinta? Vejamos.

4.1 - Naquele sentido dado por Mirabete o raciocínio não é perfeito e esconde a violação do princípio da identidade (principium identitatis) e da contradição (principium contradictionis).

4.2 - A pena privativa de liberdade é uma unidade certa e determinada alcançada segundo as regras do artigo 59 e seguintes do Código Penal.

4.3 - É bem verdade que em alguns casos a unidade da pena não é consagrada como, por exemplo, no de concurso de detenção e reclusão. Mas, ainda nessa hipótese, não afasta a qualidade única da pena, já que decorrentes de mais de um crime. Ao demais, não se pode negar ou pelo menos é dificilmente contestável que o Código Penal procura firmar a unidade da pena no caso de concurso – material: soma das penas; formal: pena mais grave e aumento; crime continuado: pena mais grave e aumento - e somente por exceção a divisão. Igualmente a eleição do regime de cumprimento da pena.

4.4 - O quantum da pena privativa de liberdade é fixado em dia, mês e ano. As frações de dia são desprezadas segundo regra do artigo 11 do Código Penal. A expressão usada pelo Código Penal: "frações não computáveis da pena" é importante, já que nos remete a uma unidade (a pena) e suas frações (os dias, meses e anos).

4.5 - A extensão da pena, como dito, é fixada em dia, mês e ano. O ponto de partida (terminus a quo) é o primeiro dia do cumprimento da pena e por ponto de chegada (terminus ad quem) o último dia. O cumprimento nada mais é que o movimento entre o termo inicial e o final.

4.6 - Infere-se, então, que o cumprimento de fração da pena não é o cumprimento da pena. A pena encontra seu fim quando atinge o terminus ad quem ou a perfeição.

4.7 - Por isso, volto a afirmar que a pena é uma unidade ou um ser único. A transformação de uma unidade em ente múltiplo, quando não expressamente autorizado por lei (v.g., arts. 113 do Código Penal), é fabricação arbitrária e fruto da paixão do intérprete em reduzir a pena naquilo que não é.

4.8 - Observe-se que o artigo 111 e o artigo 118, II, ambos da Lei de Execução Penal também têm por finalidade a unidade das penas privativas de liberdade e do regime, mas aqui, por expressa disposição legal, a unidade será alcançada com abatimento do tempo já cumprido, remido ou de detração. Somadas ou unificadas as penas, determinado o regime, enfim, alcançada a unidade segundo o comando dos artigos citados, a progressão do fechado para o semiaberto e deste para o aberto ocorrerá com o cumprimento de ao menos um sexto da pena determinada na decisão unificadora conforme artigo 112 da Lei de Execução Penal. Em outras palavras, o abatimento do tempo já cumprido, remido ou de detração é promovido para alcançar a unidade da pena, mas, uma vez alcançada tal unidade, a progressão do regime terá por base de cálculo a pena definida na decisão unificadora. Exemplifico: o apenado é primeiro sentenciado a pena de 3 anos de reclusão e depois sentenciado a pena de 4 anos de reclusão. Na Vara de Execução Penal, o apenado já cumprira 1 ano da pena de 3 anos de reclusão, deu entrada a guia de recolhimento da segunda condenação de 4 anos de reclusão. O Juízo da execução promoveu a soma das penas, segundo as regras do artigo 111 da Lei de Execução Penal, e determinou a pena de 6 anos de reclusão e o regime fechado. Então, para a progressão de fechado para semiaberto deverá cumprir ao menos um sexto de 6 anos e do semiaberto para aberto, ao menos um sexto de 6 anos.

5.1 - Ad argumentandum tantum, se fração de pena cumprida é pena extinta, - a pena privativa de liberdade não seria unidade, mas múltipla: tantas unidades quantas possíveis pela fração mínima (dia) -, estar-se-á diante de um dilema.

5.2 - A pena e seu cumprimento estão em conexão. O cumprimento ocorre a partir da pena e esta tem a sua existência enquanto não atingindo o limite final do movimento. A pena e o cumprimento estão associados, atraindo-se um ao outro, dentro do próprio dinamismo da execução, numa relação de vida e morte. Ultrapassar os seus limites, transpor o tempo de cumprimento de uma pena para outra seria um caso de metempsicose. Logo, inaceitável, já que aperfeiçoado, como dito, na primeira pena.

5.3 - Findo o movimento, a pena e o seu cumprimento vão para o mesmo túmulo. Assim, para cada início de dia, uma pena; para cada fim de dia, uma extinção. Eterna ou pelo menos perene renovação até o fim de todas as unidades. Ora, se há várias penas ou frações e o cumprimento aproveita tão apenas aquela unidade ou fração, nunca seria cumprido o tempo necessário de um sexto da pena para progressão.

5.4 – Então, a regra do artigo 113 do Código Penal, tem aplicação restrita a sua previsão, sob pena de dar posse a um dilema.

6.1 – Agora, seguindo a estrada aberta pelo Ministro Moreira Alves e também pelo relator do acórdão atacado no HC 69.975-8/RJ, verifica-se flagrante violação do princípio de contradição (principium contradictionis), que pode ser reduzido assim: "nada pode ser e não ser simultaneamente".

6.2 - Com efeito, a corrente que defende o cumprimento de um sexto da pena que resta para progressão do regime de semiaberto para aberto incorre em contradição, pois que para a primeira progressão, de fechado para semiaberto, defende o cumprimento de um sexto do total da pena.

6.3 - O relator do acórdão atacado no HC 69.975-8/RJ, depois de devastadora pergunta – "Porque, então, na primeira progressão se há de tomar para base do cálculo de 1/6 a pena total imposta e na segunda somente o restante da pena a ser cumprido?" -, assevera: "E, como não é possível entender-se que, em um mesmo dispositivo legal, a expressão ‘1/6 DA PENA’ ora ser refira à sexta parte da pena imposta, ora à sexta parte da pena ainda a ser cumprida" e conclui: "parece claro que a PENA a ser considerada em todos os casos de progressão de regime será sempre a imposta na sentença condenatória’’.

6.4 - A situação fica clara com a hipótese apresentada no acórdão referido. O réu condenado a 6 anos de reclusão em regime fechado, segundo a posição daqueles que admitem a progressão pela pena remanescente, depois de cumprido 10 meses e 10 dias da pena no regime fechado, já poderia progredir para o semiaberto, pois a pena remanescente seria de 5 anos, 1 mês e 20 dias e a quantidade cumprida corresponde a um sexto dessa pena.

6.5 - Relembro, em forma de pergunta, o acórdão acima referido: como é possível entender que única expressão do mesmo dispositivo legal pode ser e não ser? Ser um sexto da pena total e ser um sexto da pena remanescente?

6.7 - Evidentemente é impossível ser e não ser simultaneamente. O que temos é uma fabricação de lei, embora fantasiada de analogia.

6.8 - O argumento é perfeitamente válido para os crimes hediondos e assemelhados e à regra introduzida pela Lei nº 11.464/2007.

7.1 – Para fundamentar a fantasia, a título de analogia, são trazidos os artigos 111 e 118, II, ambos da Lei de Execução Penal e o artigo 113 do Código Penal.

7.2 - Mas, como também anotou o Ministro Moreira Alves, o caso não é de lacuna legal, mas tão somente de interpretação sistemática, pois a regra geral é que a expressão pena signifique a aplicada na sentença e, quando não tem esse sentido, é expressamente disposto como no caso do artigo 111 e artigo 118, II, ambos da Lei de Execução Penal, ou do artigo 113 do Código Penal.

7.3 - Na regra geral encontram-se, por exemplo, para a prestação de trabalho externo o texto "cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena" (art. 37 da Lei de Execução Penal); para a saída temporária, "mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e ¼ (um quarto), se reincidente" (art. 123, II, da Lei de Execução Penal); para conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, "cumprido pelo menos ¼ (um quarto) da pena" (art. 180, II, da Lei de Execução Penal); para o livramento condicional, "cumprida mais de um terço da pena", "cumprida mais da metade" ou "cumprido mais de dois terços da pena" (art. 83, I, II e V, do Código Penal); para o indulto, "cumprido um terço da pena, se não reincidente, ou metade, se reincidente" (art. 1º, I, entre outros, do Decreto 6.706/2008); para progressão de regime para crimes hediondos e afins, "após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente" (art. 2º, §2º, da Lei 8.072/90).

7.4 - Em dois dispositivos da Lei de Execução Penal foi utilizada a expressão pena aplicada. O primeiro, introduzido pela Lei 10.792/2003, trata da sanção por falta disciplinar (art. 52, I) ao passo que o segundo trata da interdição temporária de direitos (art. 154).

7.5 - A analogia encontra seu fundamento na igualdade de tratamento jurídico para um fato semelhante (ubi eadem legis ratio, ibe eadem legis dispositio). O ordenamento jurídico, quando disciplina benefícios ou o abrandamento da privação da liberdade dentro do dinamismo da execução, exige como vimos acima (§ 7.3) sempre o cumprimento de parte da pena aplicada na sentença conforme princípio ou regra geral. De outra banda, o artigo 111 e o artigo 118, II, ambos da Lei de Execução Penal, e o artigo 113 do Código Penal não cuidam de benefícios ou abrandamento da privação da liberdade decorrente do dinamismo da execução penal. Os artigos da Lei de Execução Penal tratam da soma ou unificação das penas e determinação do regime; o do Código Penal cuida da extinção da pretensão executória quando ocorre a interrupção do cumprimento da pena.

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7.6 – Ao demais, mesmo no caso do artigo 111 e artigo 118, II, ambos da Lei de Execução Penal, como vimos no parágrafo 4.8 supra, definida a unidade das penas privativas de liberdade, a progressão terá por base de cálculo a pena determinada na decisão unificadora para a primeira progressão de fechado para semiaberto e também na do semiaberto para o aberto.

7.7 – No direito positivo brasileiro é ordinário que a prescrição é regulada pela pena aplicada na sentença e, quando ocorre a interrupção do cumprimento da pena ou a revogação do livramento, é calculada pelo seu restante. O interessante aqui é que, enquanto a pena está sendo cumprida regularmente, a prescrição é regulada pela pena integral. Além disso, o curso da prescrição está interrompido (art. 117, V, e § 2º, do Código Penal). Em se tratando de progressão do regime, é necessário que a pena igualmente esteja sendo cumprida. Por conseguinte o curso da prescrição também estará interrompido. E isso não leva ao artigo 113 do Código Penal. Não existe interrupção da execução a justificar a aplicação analógica do artigo 113 do Código Penal. Assim, não existe fato semelhante a justificar igual tratamento jurídico.

8.1 – Os crimes hediondos e assemelhados também estão sujeitos ao sistema progressivo conforme infelizmente decidiu o STF. A especial gravidade dos crimes hediondos e assemelhados exige particular tratamento e especial regime de penas, sob pena malferir o princípio da proporcionalidade e o disposto no artigo 5º, XLIII, da CF. Diante disso, o legislador estabeleceu o sistema progressivo, mas com maior rigor, já que exigiu o cumprimento de dois quintos da pena, se o apenado for primário, ou de três quintos, se reincidente.

8.2 - Nesse novo sistema, o apenado deve cumprir a maior parte da pena em regime fechado e em semiaberto, se for primário. Mas, se for reincidente, cumprirá a totalidade da pena em regime fechado e semiaberto, não podendo ingressar no aberto [02]. Nesse caso – de reincidência – poderá antecipar a liberdade mediante condições (art. 83 do Código Penal).

8.3 - Assim, o delinquente que pratica crime hediondo ou assemelhando merece tratamento rigoroso. No entanto, o delinquente reincidente por não ser mais, na expressão de Raymond Saleilles, in A Individualização da Pena, pág. 255 [03], um transeunte da criminalidade, merece um rigor ainda maior. Com propriedade, os delinquentes primários devem ser distinguidos dos reincidentes.

8.4 - Por outro lado, se a pena, além de punir, tem finalidade de correção, é de supor que o reincidente necessite de pena mais longa e mais dura para moralizá-lo. É o que se denomina de individualização

8.5 - Evidencia-se um equilíbrio entre o interesse social e o individual, tudo de forma a preservar o bem comum e a Constituição Federal.

9 - Diante do que foi exposto, conclui-se que deve ser cumprido um sexto do total da pena para progressão do regime de fechado para o semiaberto e deste para o aberto para a regra do artigo 112 da Lei de Execução Penal. Para os crimes hediondos ou assemelhados, devem ser cumpridos dois quintos, se o apenado for primário, ou três quintos, se reincidente, da pena total para progressão do regime de fechado para o semiaberto e deste para o aberto.


BIBLIOGRAFIA:

MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal. Revista e Atualizada por Renato N. Fabbrini. São Paulo: Atlas, 2004.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma. Habeas Corpus nº 69.975-8. Origem: Rio de Janeiro. Relator: Min. Moreira Alves. Decisão unânime.

SALEILLES, Raymond. A Individualização da Pena, Tradução de Thais Miremis Sanfelippo da Silva Amadio. São Paulo: Rideel.


Notas

  1. 11ª edição. SãoPaulo: Atlas, 2004. Revista e atualizada por Renato N. Fabbrini.
  2. Não estranhe a redução do sistema progressivo. A legislação brasileira apresenta outros exemplos: a) a pena de multa não comporta conversão, ainda que o apenado não a satisfaça ou pratique outras infrações penais; b) o delito de uso de drogas somente permite as medidas previstas no artigo 28, caput, e seu § 6º, da Lei nº 11.343/2006; c) a pena de prisão simples, aplicável ao autor de contravenção, é sempre cumprida no regime semiaberto ou aberto, não se permitindo, em qualquer hipótese, o cumprimento da prisão simples em regime fechado.
  3. 1ª edição. São Paulo: Rideel. Tradução de Thais Miremis Sanfelippo da Silva Amadio.
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Sobre o autor
Flávio de Oliveira Santos

Promotor de Justiça na Comarca de Cascavel (PR).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Flávio Oliveira. A base de cálculo para a progressão do regime. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2274, 22 set. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13526. Acesso em: 15 nov. 2024.

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