A concessão de reajuste aos servidores públicos destinado a fixar o novo teto salarial, a alterar vencimentos ou a conceder revisão geral de subsídio e remuneração está isenta da obrigação de seguir as regras do art. 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal LRF. Entre tais obrigações destaca-se a necessidade de compensar os efeitos financeiros de tais atos pelo aumento da receita ou redução de despesa. Isso ocorre porque o §6º, do mesmo art. 17, exime de tal determinação de forma genérica todo o inciso X do art. 37 da Constituição Federal.
A promulgação da Lei Complementar nº 101, de 2000 instaurou um novo paradigma na Administração Pública brasileira relativamente à geração de despesas, qualquer seja o mecanismo de sua efetivação. Com efeito, a LRF reputa, em seu art. 15, não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não atenda aos requisitos que estabelece, expressos essencialmente nos artigos 16 e 17.
O art. 16 traz as regras gerais que norteiam as despesas com a criação, a expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental. Já o art. 17 disciplina as despesas obrigatórias de caráter continuado derivadas de lei, medida provisória ou ato administrativo normativo que fixem para o ente a obrigação legal de sua execução por período superior a 2 exercícios. Nessa norma incluem-se, por óbvio, todas as despesas com pessoal.
Note-se que o controle na geração ou criação das despesas de que trata o art. 17 da LRF se dá no momento da proposição da lei, medida provisória ou ato normativo, os quais deverão demonstrar claramente a origem dos recursos para seu custeio e ser instruídos com a: 1) estimativa do impacto orcamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subseqüentes (art. 16, I c/c art. 17,§1º); 2) comprovação de que a despesa criada ou aumentada não afetará as metas de resultados fiscais previstas na Lei de Diretrizes Orçamentárias, acompanhada das premissas e metodologia de cálculo utilizadas (art. 17, caput e §2º); e 3) demonstração da compensação dos efeitos financeiros do ato, nos períodos seguintes, seja pelo aumento permanente de receita ou pela redução permanente de despesa (art. 17 §2º, in fine). O mesmo art. 17 é taxativo ao estabelecer que a despesa oriunda de tais diplomas não será executada antes da implementação das citadas, as quais integrarão o instrumento que a criar ou aumentar (§5º).
A única exceção na LRF à regra consta do §6º do art. 17, o qual prevê que o acima disposto não se aplica às despesas destinadas ao serviço da dívida nem ao reajustamento de remuneração de pessoal de que trata o inciso X do art. 37 da Constituição. (grifo nosso)
Por seu turno, o inciso X do art. 37 da Constituição estatui que a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices. (grifo nosso)
Verifica-se que o inciso X do art. 37 da Constituição não utiliza a palavra reajustamento citada no §6º do art. 17 da LRF. Logo, o termo reajustamento só pode ser entendido como gênero, do qual são espécies a fixação, a alteração e a revisão geral anual, pois qualquer deles pode redundar na concessão de reajuste. Não se sustenta o argumento de que o termo reajustamento confunde-se com a revisão geral anual, pois esta pode ou não resultar em reajuste. De fato nos últimos 5 anos a remuneração dos servidores públicos federais foi revista mas não foi concedido qualquer aumento.
O entendimento aqui defendido ampara-se ainda na interpretação sistêmica da própria Lei Complementar. De fato, o inc. I, do parágrafo único do art. 22 determina que se a despesa total com pessoal exceder a 95% do limite fixado na LRF, fica vedado aos Poderes e ao Ministério Público a concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a qualquer título, salvo os derivados de sentença judicial ou de determinação legal ou contratual, ressalvada a revisão prevista no inciso X do art. 37 da Constituição. Observe-se que no art. 22 o legislador ao utilizar o vocábulo revisão quis, efetivamente, particularizar a revisão geral anual do inciso X do art. 37 da Constituição. Em outras palavras, atingido o limite prudencial de 95% dos gastos com pessoal fica vedado reajuste visando alterar ou fixar vencimentos de carreiras específicas. Nessa situação só se admite aumento de remuneração fruto de sentença judicial, de determinação legal ou contratual ou de revisão geral anual.
Examine-se, também, o art. 71 onde o legislador referiu-se novamente de forma ampla às três espécies de reajustamento quando fixa que ressalvada a hipótese do inciso X do art. 37 da Constituição, a despesa total com pessoal dos Poderes e do Ministério Público, nos anos de 2001 a 2003, não ultrapassará, em percentual da receita corrente líquida, a despesa verificada no exercício imediatamente anterior, acrescida de até dez por cento.
Por derradeiro, cumpre salientar que esse entendimento foi adotado na edição das Medidas Provisórias nº 2.048-26 e 2.051-4, que fixam vencimentos e instituem novas gratificações para várias carreiras. A posição do Poder Executivo, expressa pelo Secretário Executivo do Ministério do Planejamento, é de que existem muitas nuances na interpretação do texto. Mas o importante é o conjunto de restrições impostas pela lei. (Correio Braziliense, 04/07/2000) Pensar de outra forma seria considerar a hipótese absurda de que o Poder Executivo fez tábua rasa da LRF, pois nenhuma das Medidas Provisórias atendeu aos requisitos do art. 17.
Assim, conclui-se que a Lei de Responsabilidade Fiscal isenta dos requisitos do art. 17, inclusive a necessidade de oferecimento de créditos compensatórios, a lei específica referida no inciso X do art. 37 da Constituição, que fixar o novo teto remuneratório, que alterar vencimentos ou, ainda, que, como conseqüência da revisão geral anual, conceda reajuste remuneratório aos servidores públicos.