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Análise sistêmica da derrogação da Súmula nº 608 do Supremo Tribunal Federal em decorrência da edição da Lei nº 12.015/2009

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Este artigo acadêmico trata da derrogação do enunciado 608 da súmula do Supremo Tribunal Federal, em decorrência da edição de Lei nº 12.015/09, que promoveu alterações no Código Penal brasileiro, em especial no capítulo que aborda os crimes contra os costumes [1]. Propõe-se uma análise sistêmica.

A súmula 608 do STF dispõe: "No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada."

Antes de aprofundar no objeto desse artigo, convém estudar, brevemente, o conceito de súmula e seu processo de formação.

Existem dispositivos processuais, sob o título "Da Uniformização da Jurisprudência", que podem gerar súmulas, nos termos do Código de Processo Civil, artigos 476 a 479. Conforme Nelson Nery Júnior, a súmula é "o conjunto das teses jurídicas reveladoras da jurisprudência predominante no tribunal e vem traduzida em forma de verbetes sintéticos e numerados". [2]

A súmula, segundo De Plácido e Silva, dicionarista do Direito em língua nacional, seria um texto resumido, uma assertiva, "que de modo abreviadíssimo explica o teor, ou o conteúdo integral de uma coisa" [3].

É salutar ressaltar que as súmulas surgem em decorrência da interpretação de dispositivos normativos vigentes à época de sua formação. Dessa maneira, caso haja alterações substanciais em determinada norma, ocorre naturalmente a inaplicabilidade da súmula.

Como exemplo disso, cito o enunciado 366 do STJ o qual dispõe: "Compete à Justiça estadual processar e julgar ação indenizatória proposta por viúva e filhos de empregado falecido em acidente de trabalho". Tal verbete perdeu eficácia em razão da promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2004, que alterou substancialmente o art. 114, VI, da CF, atribuindo tal competência à Justiça do Trabalho. A súmula 366 do STJ, por conseqüência, foi cancelada pela Corte Especial do STJ.

Portanto, há que se ressaltar que as súmulas têm aplicabilidade enquanto não houver alterações substanciais dos textos normativos que embasaram a produção dela.

A regra para os crimes contra os costumes, antes do advento da Lei nº 12.015/2009, era a ação penal privada para o crime contra os costumes, pois se processava mediante queixa [4].

A súmula 608, por sua vez, interpretou que a redação anterior do art. 225 não se aplicava nos crimes de estupro praticados com violência real. Nesse caso, a ação penal seria pública incondicionada [5].

Esta súmula (608) foi editada na sessão plenária de 17/10/1984, com fundamento numa interpretação harmônica dos seguintes dispositivos do Código Penal vigentes à época: art. 102, "caput"; art. 103; art. 108, IX; art. 213; art. 223, "caput"; e, art. 225.

Ocorre que, desde então, foi revogado o art. 223, caput, CP e foi alterado o art. 225, CP.

Defende-se que tal modificação foi substancial pelo fato de que se alterou a natureza jurídica dos crimes contra os costumes no que tange à condição de procedibilidade da ação, que deixou de ser mediante queixa e passou a ser condicionada à representação. Por esse motivo, não há que se falar em manutenção da súmula 608.

Além do argumento supra, o legislador ignorou a súmula 608 do STF, quando de sua produção legislativa, e determinou que os crimes previstos nos capítulos I e II do título VI se processem mediante representação [6], incluídos os parágrafos 1º e 2º do artigo 213 do Código Penal [7], com a redação dada pela Lei nº 12.015/2009. Destarte, o legislador contrariou a jurisprudência sumulada do STF, visto que a súmula 608 é de amplo conhecimento no ordenamento jurídico brasileiro.

Em razão disso, corroborando o nosso entendimento, o Procurador-Geral da República ajuizou a ADI 4301, de 17 de setembro de 2009, pedindo, inclusive liminarmente, a declaração de inconstitucionalidade, sem redução de texto, do art. 225 do CP, com a redação dada pela Lei nº 12.015/2009, para que seja excepcionado da incidência deste artigo o crime de estupro praticado com violência grave ou com resultado morte. A procedência da ADI irá revigorar o entendimento previsto na súmula 608/STF, embora com fundamentos distintos.

Conclui-se, portanto, que, em decorrência da publicação da Lei nº 12.015/2009, cessou a eficácia da súmula 608 do STF, tendo em vista que o legislador não excepcionou as condutas praticadas com violência real, com a ressalva de que, a nosso ver, a nova redação do art. 225 é inconstitucional pelos fundamentos expostos na ADI 4301, de 17 de setembro de 2009.

Cabe aos juízos estaduais, enquanto não declarada a inconstitucionalidade pela Suprema Corte, o papel de realizar controle difuso do art. 225, afastando a aplicabilidade desse dispositivo no caso de crime de estupro praticado com violência grave ou seguido de morte.


NOTAS

[1] Sobre o assunto ler o texto de Sidio Rosa de Mesquita Júnior. BREVES COMENTÁRIOS À LEI N. 12.015, DE 7.8.2009. Disponível em <www.sidio.pro.br>. Acesso em 24/09/2009.

[2] NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 6. ed. revista e atualizada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 788.

[3]Apud DINIZ, Antonio Carlos de A. Efeito vinculante e suas conseqüências para o ordenamento jurídico. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/252>. Acesso em: 24/09/2009.

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[4] Texto revogado: Art. 225 - Nos crimes definidos nos capítulos anteriores, somente se procede mediante queixa.
§ 1º - Procede-se, entretanto, mediante ação pública:
I - se a vítima ou seus pais não podem prover às despesas do processo, sem privar-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família;
II - se o crime é cometido com abuso do pátrio poder, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador.
§ 2º - No caso do nº I do parágrafo anterior, a ação do Ministério Público depende de representação.

[5] Súmula 608: No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada.

[6] Texto em vigor: Art. 225.  Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública condicionada à representação. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

Parágrafo único. Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

[7] Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 2o Se da conduta resulta morte: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

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Sobre o autor
Kleber Vinicius Bezerra Camelo de Melo

Defensor Público Federal. Especialista em Direito Tributário e Finanças Públicas (IDP/2011). Especialista em Direito Processual nos Tribunais Superiores (UniCEUB/2013).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Kleber Vinicius Bezerra Camelo. Análise sistêmica da derrogação da Súmula nº 608 do Supremo Tribunal Federal em decorrência da edição da Lei nº 12.015/2009. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2280, 28 set. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13572. Acesso em: 2 nov. 2024.

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