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Do tesouro no antigo direito romano e o seu desenvolvimento no direito civil brasileiro e português

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INTRODUÇÃO

É de conhecimento de todos que se dedicam a estudar as origens do nosso atual ordenamento jurídico que a civilização romana foi a grande contribuidora para que nossas normas, principalmente civis, se delineassem na forma como presentemente se encontram. É no Direito Romano que podemos encontrar a fonte para o surgimento das normas do direito civil brasileiro, bem como português, dentre outros.

No que se trata da aquisição da propriedade, também não poderia ser diferente. Os nossos atuais ordenamentos, no que se refere a aquisição do tesouro, seguiram a determinação do imperador romano Adriano, no que concerne à descoberta de bens valiosos ocultos há tempos imemoráveis.

O presente trabalho faz uma abordagem dos aspectos mais importantes da figura do tesouro encontrada no ordenamento romano, destacando suas principais peculiaridades e características. No decorrer deste texto também abordamos um estudo comparativo entre os direitos português, brasileiro e romano, no que diz respeito as normas essenciais que dão forma e regência a esta figura.

Várias dúvidas surgiram, ainda na época dos romanos, no que diz respeito a forma da aquisição da propriedade do tesouro, bem como sobre os requisitos essenciais para caracterização do mesmo. Os questionamentos voltavam-se às circunstâncias em que o bem era encontrado, bem como no que diz respeito ao regime jurídico que justificasse a divisão do tesouro entre o inventor e o dono do terreno onde o bem permanecia oculto. Não poderíamos deixar de analisar também a solução encontrada para a descoberta de coisa em território que não pertencesse a qualquer pessoa, ou aqueles bens descobertos de forma fortuita.

Frente aos diversos questionamentos e dúvidas a respeito de alguns pontos colocados no trabalho, iremos interpretá-los da forma mais corrente e aceita na actualidade pelos romanistas e juristas civis.


I-ETIMOLOGIA E CONCEITO

O termo tesouro foi originariamente instituído pelo Direito Romano que o definia como thesaurus. Esta figura pode assumir diversos significados no que diz respeito a reserva de bens valiosos para futuras necessidades ou emergências. O thesaurus poderia ser interpretado como: arca; galpão ou armazém; secção da casa imperial; dinheiro ou outros bens móveis de valor escondidos por muito tempo. Contudo, é neste último significado que encontraremos a definição de tesouro munido de um autônomo relevo no que diz respeito ao Direito Privado Romano [01].

O tesouro seria qualquer objeto móvel e valioso que tenha sido escondido por alguém em tempo remoto, não definido ou quase impossível de ser determinado, e que não possui dono. O proprietário não mais será aquele que o escondeu devido ao tempo em que o objeto de valor manteve-se oculto.

Existente desde os tempos de Roma, o processo de esconder os bens valiosos era frequentemente utilizado, principalmente na época de guerras e tumultos. Durante estes acontecimentos, se o proprietário viesse a falecer, os bens valiosos permaneceriam escondidos até que por ventura alguém os encontrasse, já que via de regra não teria revelado a qualquer pessoa este segredo. [02]


II-O TESOURO NO DIREITO ROMANO: RELATO HISTÓRICO

De acordo com Santos Justo, o tesouro é um tema polémico sobre o qual as doutrinas dominantes afirmam haver dúvidas se seria uma forma de ocupação ou acessão de res nullius. Res nullius não significava ser a coisa sem dono apenas pelo fato de o proprietário tê-la abandonado, e sim não ter ela proprietário porque, no decorrer do tempo, tanto o dono como seus sucessores desapareceram sem que o tesouro fosse encontrado, perpetuando-se sem proprietário. Ele se diferenciava do tesouro conhecido vulgarmente, na linguagem comum e nas jurisprudências e fontes jurídicas antigas, e era considerado como bens valiosos, ou pecunia, postos em local seguro, em regra, de conhecimento exclusivo do proprietário, para proteção contra eventual perigo [03].

Segundo Bussaca, os vários autores que se pronunciaram sobre a figura do tesouro no Direito Romano não chegaram a um consenso no que se refere a enumeração dos requisitos essenciais para sua caracterização. Por sua vez, a maioria afirmava serem essenciais os requisitos da antiguidade e da falta de dominus.

Alguns autores assumiram a posição de que era necessário que o objeto que caracterizasse o tesouro fosse o dinheiro, enquanto outros afirmavam que deveria ser bens móveis de valor. A essa época ainda foram levantados debates a respeito dos bens que eram escondidos em coisas móveis, defendendo alguns romanistas que neste caso também estar-se-ia a falar da figura do tesouro [04].

Na época clássica, segundo Paulus, os elementos exigidos para a definição da figura do tesouro eram: ser constituído de pecunia, e neste caso estar-se-ia a atribuir à pecunia um sentido amplo que abrigaria o conceito de objetos valiosos; encontrar-se o objeto escondido por tempo indeterminável/imemorável; e por fim, ser este objeto uma res nullius, sine domino [05]. Na época pós-clássica, Cassiodoro definia o tesouro de forma semelhante a Paulus. Entretanto, Leão II e Zenone estabeleciam uma definição diferenciada [06].

Ambos afirmavam ser exigido os seguintes requisitos: objetos móveis de valor; ocultação em tempo antigo; e indisponibilidade do dominus. Importante salientar que foi estabelecida uma diferença entre a inexistência de um dominus e a sua indisponibilidade enquanto dono de um tesouro. Segundo Leão II e Zenone, o que se estaria em causa não seria o desconhecimento ou a não mais existência do dominus, e sim a indisponibilidade em assumir a propriedade do bem encontrado.

Por fim, temos de salientar que enquanto nos tempos clássicos, para a concretização da figura do tesouro, era exigido que a sua ocultação tivesse sido feita em tempos imemoriais, para Leão II e Zenone a exigência era mais geral, vetustius tempus, em função da necessidade de uma maior elasticidade na determinação das condições em que um bem móvel poderia ser atribuído ao inventor [07].

No que se refere à descoberta do tesouro de forma fortuita, temos que, no período clássico, a descoberta nessas circunstâncias era considerada como mera consequência de ser o tesouro um bem oculto por tempo imemorável. Por sua vez, no período pós-clássico, era expressamente necessário, no momento da descoberta, que o tesouro estivesse escondido em um fundus [08]de terceiro.

Entretanto Teodósio tinha estabelecido que era proibido escavação no fundus de outra pessoa à procura de tesouros. Leão II e Zenone reiteraram essa proibição acrescentando que seria proibido caso essa busca se desse sem o consentimento ou conhecimento do proprietário do fundus.

Quem violasse essa proibição era obrigado a entregar o tesouro por inteiro ao proprietário do solo. Dessa forma, visava-se impedir a busca de tesouros em terrenos alheios, bem como a utilização de ritos supersticiosos e magia. Estes ritos estavam sendo utilizados frequentemente na busca de tesouros devido ao momento de grave crise econômica que se passava. Alimentava-se a esperança de que um "dom" da fortuna pudesse permitir vidas menos miseráveis, especialmente porque muitos tinham uma vaga lembrança de vários locais de ocultação de bens, feito pelos proprietários.

Nas palavras de Paulus, como na sociedade primitiva havia a falta de uma organização de sistemas de créditos que tornasse possível confiar a guarda de bens em um local determinado, e já que existia muitas guerras e tumultos que colocavam em risco a segurança dos objetos valiosos, a melhor opção era esconder e proteger por conta própria o que se tinha de valioso.

Um novo conceito de tesouro surge quando do desenvolvimento dos institutos de crédito e suas correspondentes garantias. O tesouro seria agora o moibilia condita. Supõe-se que com os bens depositados em locais próprios para sua proteção contra eventuais situações de perigo, tornar-se-iam verdadeiramente uma res nullius, pois, nestes casos de moibilia condita, morrendo o proprietário e sendo constatada a não existência de herdeiros, ficava-se comprovado que a coisa passava a existir sem dono [09].

II.1. O REGIME JURÍDICO

Apenas a partir da época do imperador Adriano é que podemos falar com certeza da existência de um regime jurídico de aquisição de tesouro. Antes não era possível delinear um quadro que descrevesse com clareza como se processava a aquisição desta figura, mas apenas identificar algumas de suas características essenciais. Neste período, o tesouro descoberto era de propriedade do inventor, assim como também nos casos de ter sido descoberto de forma fortuita em local sagrado ou religioso.

Se fosse descoberto em coisa pertencente a terceiro, o tesouro deveria ser dividido entre este e o proprietário daquele. Da mesma forma ocorreria essa divisão se o tesouro fosse descoberto em Caesaris loco, in publico loco vel fiscalis, onde a metade iria para o descobridor e a outra parte para o imperador, à comunidade ou ao fisco.

Segundo Santos Justo, o regime primitivo sobre a instituição do tesouro não é muito claro. A literatura da época é confusa quanto a este assunto, entretanto, seria provável que, de acordo com a instituição da propriedade à época dos romanos até os fins da república, o Estado demonstrasse interesse nos tesouros descobertos. No início do principado cogita-se a hipótese de o fisco ter passado a requisitar a propriedade do tesouro. Na época de Nero, as pretensões do fisco teriam desaparecido e ressurgido na época de Vespasiano e Domiciano para novamente ser suprimido com Nerva.

O que foi estabelecido por Adriano, alterou-se em 315 por Constantino que determinou que metade do tesouro achado fosse do fisco e a outra metade, caso espontaneamente comunicada a descoberta, permanecesse com o descobridor. Em 380, com Graciano, Valentiniano e Teodósio, o que Adriano tinha proposto volta a ser considerado, eliminando-se a divisão do tesouro com o fisco, e alterando-se a quantidade que iria pertencer ao descobridor no caso de a descoberta ocorrer em fundus alienus ficando assim determinado: em vez de metade, o dominus fundi teria o direito de receber ¼ do tesouro. Em 390, Teodósio determina que todo tesouro seja do descobridor. Já em 474, Leão trouxe de volta o que Adriano tinha estabelecido, permanecendo assim ate a época de Justiniano [10].

Um outro debate que se firmou no Direito Romano foi o fato de se saber qual o local que teria as características necessárias para atribuir o título de tesouro ao bem ali encontrado. Alguns defendiam que só haveria tesouro caso os bens valiosos fossem encontrados em imóveis, e caso fosse encontrado algo em móveis seriam considerados bens perdidos, abandonados ou esquecidos. Entretanto, ficou estabelecida a ideia de que seria indiferente ser em móveis ou imóveis, e que nenhum jurisconsulto realmente estipulou que só seria tesouro se fosse encontrado em imóveis.

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Também muito se discutiu sobre o direito que o dominus do local teria sobre o tesouro achado: se seria direito sobre metade do tesouro, opinião esta mais aceita, ou se teria o dominus direito de crédito sobre o descobridor [11].

II.2. DA AQUISIÇÃO DO TESOURO.

A forma de aquisição do tesouro, pelo dominus do local, seria por acessão ou por ocupação? Quem admite ser por acessão diz que o tesouro é uma res nullius, e que se daria a aquisição pelo fato de ser o descobridor o proprietário do local onde o bem valioso foi encontrado. Por ocupação só seria admitido se estivéssemos a falar de res inanimada encontrada nas terras litorâneas, pois as áreas do litoral não são propriedade de ninguém e qualquer res ali encontrada poderá ser ocupada, tornando-se o inventor novo proprietário. Nesse caso, por não ser a coisa parte de um local sujeito a ser propriedade de um terceiro, não existiria a ligação material necessária entre o tesouro e o fundus que justificasse a aquisição do tesouro por via da acessão [12].

Na época pré-clássica, a aquisição do tesouro se configurava por não ser autônoma. O tesouro indicava uma quantia de pecunia ou metais escondidos que prescindia da existência ou disponibilidade do dominus para assim ser caracterizado, e no ato da descoberta era adquirido por este dominus fundus. Já na época clássica, é caracterizado como um autônomo modo de aquisição da propriedade [13].

Uma última questão que podia gerar dúvidas, mas que os romanos atribuíram considerada solução, era o fato de o tesouro ser descoberto por via das causas naturais. Dessa forma a pergunta que se fazia era se a descoberta do tesouro tinha como requisito ser feita pessoalmente por um descobridor. Nesse caso, se estabelecermos que a ocultação é requisito apenas para que seja determinado a origem do tesouro e não para que se dê a sua descoberta, então no caso em questão pode-se falar em tesouro mesmo que descoberto por causas naturais. Caso contrário, se for da natureza do tesouro ser descoberto por obra humana, então a aparição de bens valiosos ocultos por causas naturais não seria considerado tesouro.

Para os romanos, sendo ou não descoberto por causas naturais, a res ainda assim continua sendo considerada tesouro. A questão é de importante debate pelo fato de estabelecer-se a propriedade dos bens achados, que no caso de ser considerado tesouro, teria o descobridor direito a uma parte e o dominus locus a outra [14].


III-DO ENQUADRAMENTO NORMATIVO DO TESOURO NO BRASIL E EM PORTUGAL

Ao contrário do que acontecia em Roma, atualmente, seja no Brasil ou em Portugal, pode-se dizer que o tesouro é uma figura jurídica rara de ser encontrada. Hoje existem diversos meios pelos quais se torna mais seguro a conservação de bens valiosos, como por exemplo o sistema bancário. Vejamos como está disciplinada a figura do tesouro nos ordenamentos civis brasileiro e português.

III.1. No Direito Brasileiro.

Segundo Venosa, tesouro é necessariamente um bem móvel de que não se tinha conhecimento [15]. No Código Civil de 1916, a figura do tesouro era disciplinada em subtítulo dentro da Secção da Ocupação (arts. 607 a 610). No Código de 2002, o tesouro vem disciplinado na Secção III "Do achado do Tesouro", do Capítulo sobre a "Aquisição da Propriedade Móvel" (arts. 1.264 a 1.266) [16].

Assim como o era para o Direito Romano, o tesouro, para o Direito brasileiro, seria o depósito antigo de moedas ou coisas preciosas, em bens móveis ou imóveis, oculto, sem relação jurídica com o titular, que não mais se saiba quem é.

Apenas o Código de 1916 refere-se a moeda como um bem que pode ser considerado como objeto do tesouro, pois o Código de 2002 nos fala apenas das coisas preciosas. No que diz respeito ao fato de se saber qual o local que teria as características necessárias para atribuir o título de tesouro ao bem lá encontrado, o Código brasileiro faz referência apenas à invenção de coisas em imóveis, entretanto, segundo Sílvio de Salvo Venosa, nada impediria que o tesouro fosse encontrado por outrem em bem móvel, onde estaria sem o conhecimento do dono [17].

Por sua vez, Clóvis Bevilaqua sustenta que não se poderia falar de tesouro quando a descoberta é feita nos "escaninhos de um móvel", e pela mesma razão o bem achado dentro das páginas de um livro, pois a ocultação ocorrida nestes termos não estaria revestida da "indispensável vetustez necessária para caracterizar o tesouro, não sendo difícil identificar-lhe o dono" [18]. Contra esta opinião, este mesmo autor cita Sá Pereira, dizendo afirmar este que existiria sim a possibilidade de ser considerado tesouro o achado de um bem habilmente escondido em móvel de tal antiguidade que seria problemático a individualização do dono.

Segundo o autor Washington de Barros Monteiro, a natureza jurídica do achado do tesouro seria ainda controvertida. Alguns afirmariam ser essa descoberta um jure inventionis, e outros defendiam a posição de ser uma acessão. Se for o proprietário do prédio a encontrar o tesouro, existirá uma acessão. Entretanto, em sua generalidade, estão os autores propensos a aceitar o achado do tesouro como uma forma de ocupação semelhante ao que aconteceria com a caça e a pesca [19].

Quando o Código determina a divisão desse tesouro, estar-se-ia qualificando essa divisão como uma forma de prêmio/recompensa para o achador. Importante observação é a de que não estaríamos falando de tesouro caso o agente estivesse realizando pesquisas justamente para encontrar coisas preciosas.

Os requisitos para adquirir a propriedade do tesouro seriam:

a)Vetustez seria requisito essencial, porém relativo (segundo Venosa, o nosso Código não fixa tempo);

b)Tratar-se de depósito antigo de moedas ou objetos preciosos, como vasos, joias, etc.;

c)Não restar memória do seu dono. Neste caso, se por ventura alguém, aquando do achado do tesouro, vier a se pronunciar como seu dono, bem como possuindo meios de provar o que afirma, deixará de ser considerado tesouro o depósito achado;

d)Estar oculto ou enterrado;

e)E que a descoberta se dê de forma casual.

De acordo com o que estabelece o art. 1.264 do Código Civil brasileiro, quando o tesouro é descoberto em prédio alheio, será ele dividido restando metade ao dono do imóvel e a outra metade ao inventor. Importante salientar que essa divisão só ocorrerá se a descoberta se der por atividade casual, pois se o terceiro tiver sido contratado especificamente para este fim, estaríamos falando de uma atividade negocial, pela qual o tesouro achado pertenceria exclusivamente ao dono do prédio que ordenou a procura [20]. Como o tesouro corresponde a um acessório do solo que o adere, se quem o achar for o próprio dono do imóvel, ou algum operário encarregado para tal procura, o tesouro pertencerá por inteiro ao dono da propriedade onde o bem foi descoberto.

Contudo, se o operário estiver trabalhando no prédio para outros fins, que não a busca pelo bem, e casualmente descobre o tesouro, terá direito a sua metade. Se forem vários operários, a metade do tesouro caberá aquele que primeiro avistou ou topou com ele. A descoberta de tesouro feita por terceiro não autorizado a ingressar no prédio permitirá que a propriedade deste seja atribuída por completo ao dono do prédio.

Se se tratar de terreno aforado, o tesouro será repartido igualmente entre o descobridor e o enfiteuta, ou será desse por inteiro quando ele mesmo seja o inventor [21]. Se a coisa é achada em prédio sob condomínio, a metade da propriedade é dividida entre os condôminos. Se foi o condômino que achou, tem ele o direito à metade que lhe cabe como inventor. Se encontrado em condomínio, ou edifício e assemelhado, pertence ao condomínio a metade da coisa achada nas áreas comuns e ao condômino se achada em sua unidade autônoma. Se o tesouro é achado por inquilino, comodatário, depositário, etc., os quais detêm a posse imediata em razão de contrato, o mecanismo funciona como se estranhos fossem, não se alterando a regra do art.1.264 [22].

Para o usufrutuário existia regra específica no art.727 do Código de 1916: "o usufrutuário não tem direito à parte do tesouro achado por outrem…", possuindo direito à metade, caso ele casualmente encontre o tesouro, cabendo a outra metade ao nu-proprietário. Esta regra não foi mantida no novo ordenamento, mas de acordo com Venosa, a regra deveria ter sido mantida, pois o art.1.264 refere-se unicamente ao proprietário do prédio. Segundo o jurisconsulto Paulo, e de acordo com o que normatiza o Código Civil a respeito da figura do usufruto, tem-se que o usufrutuário tem direito de uso sobre frutos e não sobre tesouros (que não são frutos) já que não surgem periodicamente.

Deixa-se de ser considerado tesouro se alguém mostrar que a coisa encontrada lhe pertence. Nesta hipótese, o bem deve ser devolvido para o respectivo dono. O presente Código entendeu desnecessária essa disposição, mas o Código de 1916 estabelecia no seu art. 610 que deixava-se de constituir tesouro o depósito achado se alguém mostrasse que lhe pertencia.

O procedimento judicial possibilita o conhecimento do achado por terceiros através da publicação de edital, de acordo com o que dispõe o art. 1.171 do Código de Processo Civil. Constitui delito, reprimido pelo art.169, nº.I, do Código Penal, achar tesouro em prédio alheio e se apropriar, no todo ou em parte, da quota a que tem direito o proprietário do imóvel.

III.2. No Direito Português

Assim como no Direito brasileiro, o Direito português, na instituição do tesouro no seu ordenamento jurídico civilista, sofreu grande influência das regras sobre esta figura no Direito Romano.

O tesouro é instituído nos art. 1.324 do Código Civil Português. De acordo com a análise desta norma, percebe-se que o Legislador resolveu seguir as orientações de Adriano sobre a repartição dos bens encontrados. Ou seja, aquele que achar tesouro escondido ou enterrado, em bem móvel ou imóvel, cujo dono não se tenha conhecimento quem seja, tem direito a permanecer com metade do tesouro, entregando a outra ao dono do bem móvel ou imóvel onde o tesouro foi encontrado [23].

Não obstante, mesmo não tendo conhecimento imediato de quem seja o dono do tesouro encontrado, e antes de apropriar-se de metade deste, o inventor deverá anunciar o achado pelo meio mais oportuno, atendendo ao valor da coisa e às possibilidades locais, ou avisar as autoridades [24]. Localizando o dono, deverá devolver-lhe o que foi encontrado, ou avisá-lo da descoberta. Caso não encontre, dividirá o tesouro com o dono do móvel ou imóvel onde ocorreu a descoberta. Se for notório que o tesouro ali permaneceu escondido ou enterrado há mais de 20 anos, não é exigido que o inventor faça o anúncio ou avise as autoridades.

Por sua vez, caso o inventor não venha a anunciar o seu achado da forma que lhe é exigida, ou fizer seu tesouro (ou parte dele) sabendo quem é o dono, ou ainda esconder do dono do bem móvel ou imóvel a coisa achada, perderá em benefício do Estado todos os direitos que lhe são conferidos [25].

Segundo Santos Justo, uma observação importante a ser feita é de que a doutrina estabeleceu a distinção entre coisa perdida ou abandonada, e a coisa descoberta quando tenha sido escondida ou enterrada, sendo correto falar-se de tesouro apenas no segundo caso quando, conjugado com os demais requisitos, quais sejam:

a)Ser bem móvel;

b)Ter algum valor;

c)Não ter dono.

Portanto, desrespeitada qualquer desses requisitos, desconfigurada estará a figura do tesouro.

Por fim, assim como estabeleceu o jurisconsulto Paulo, Santos Justo observa que não há que confundir-se tesouro com frutos, pois como é notório, aquele não surge periodicamente, e portanto, se for achado por usufrutuário, este é tido apenas como inventor, cabendo ao proprietário do local onde foi encontrado o tesouro, a metade [26].

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Sobre a autora
Iana Karine Cordeiro de Carvalho

Bacharela em direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Licenciada em História pela Universidade Federal da Paraíba. Professora de Teoria Geral do Estado pela FIP ( Faculdades Integradas de Patos). Mestranda em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade de Coimbra - PT

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Iana Karine Cordeiro. Do tesouro no antigo direito romano e o seu desenvolvimento no direito civil brasileiro e português. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2279, 27 set. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13584. Acesso em: 20 abr. 2024.

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