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A instauração de processo administrativo disciplinar suspende o curso do estágio probatório?

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6. Caráter improrrogável do prazo de estágio probatório no caso da instauração de processo administrativo disciplinar: os princípios da dignidade da pessoa humana e da segurança jurídica

A tese foi articulada apenas para efeito argumentativo, haja vista que prepondera na doutrina e na jurisprudência, pacificamente, que o prazo trienal de estágio probatório é improrrogável e a Administração se sujeita ao reconhecimento da aquisição de estabilidade pelo servidor não avaliado no prazo de 3 anos após a sua entrada em exercício.

Mas, na verdade, é forçoso assinalar que não existe previsão legal, nem muito menos constitucional, de suspensão, menos ainda de interrupção, do prazo do estágio probatório em razão da abertura de processo administrativo disciplinar, menos ainda quando o processo administrativo disciplinar, de per si, dura anos, situação que não pode ser imputada em prejuízo da aquisição de estabilidade pelo servidor público, por força da incidência do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, por cujo efeito se deve considerar a importância do cargo público e da permanência no serviço público do servidor que não foi exonerado até os 3 anos de efetivo exercício do posto, sob pena de se sujeitar o funcionário público ao bel-prazer da Administração em torturar física e mentalmente um servidor com a indagação se ele adquirirá, ou não, a estabilidade, caso fosse vinculada ao desfecho de processo administrativo disciplinar que se pode arrastar por anos e mais anos, numa situação de absoluta insegurança jurídica quanto à persistência, ou não, do vínculo funcional do acusado submetido a uma avaliação "sine die" experimental de sua capacidade e conduta, num quadro absolutamente inaceitável na quadra atual do direito brasileiro e dos seus postulados constitucionais de cidadania e dignidade do homem, inclusive referentemente aos agentes públicos.

É manifestamente abusiva a conduta estatal de suspender, indefinidamente, o fluxo do estágio probatório, à míngua de previsão constitucional e nem sequer legal, até o fim de um processo administrativo disciplinar sem prazo certo para encerramento, haja vista que até o Estatuto dos Servidores Públicos Federais capitulou o prazo máximo legal de conclusão e julgamento desse feito em 140 dias.

Por conseguinte, a pretensão de outorga de efeito suspensivo no prazo do estágio probatório por causa da instauração de processo administrativo disciplinar representa ofensa ao disposto no art. 41, da Constituição Federal:

Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

§ 1º O servidor público estável só perderá o cargo: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

I - em virtude de sentença judicial transitada em julgado; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

II - mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

III - mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

O texto constitucional é expresso no sentido de que são estáveis, após três anos de efetivo exercício, os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público e que somente poderiam perder o posto em caso de decisão judicial, processo administrativo disciplinar ou processo de avaliação periódica de desempenho, não mais a título de reprovação em estágio probatório.


7. Hipóteses em que a doutrina admite a suspensão do estágio probatório: o efetivo exercício do cargo e a situação do servidor que responde a processo administrativo disciplinar

A única hipótese que esparsa doutrina admite de suspensão do curso do estágio probatório é quando o exercício do cargo efetivo é interrompido, como no caso de prestação de serviço militar, desempenho de cargos comissionados ou cessão para outras entidades federadas, por exemplo, como entende o professor Paulo Modesto [22], o que não sucede no caso do servidor que responde a processo administrativo disciplinar.

Ora, o período de tempo em que o servidor responde a processo administrativo disciplinar é computado como de efetivo exercício do cargo, tanto que, mesmo afastado preventivamente, continua a perceber os seus respectivos vencimentos, como prevê expressamente a Lei federal n. 8.112/1990:

Art. 147. Como medida cautelar e a fim de que o servidor não venha a influir na apuração da irregularidade, a autoridade instauradora do processo disciplinar poderá determinar o seu afastamento do exercício do cargo, pelo prazo de até 60 (sessenta) dias, sem prejuízo da remuneração.

Se o tempo durante o qual o servidor responde a processo administrativo disciplinar, portanto, é considerado como de efetivo exercício, até porque, mesmo em caso de afastamento preventivo, continua a auferir sua remuneração (máxime nos casos em que a medida cautelar suspensória nem sequer é adotada), segue a irrefutável conclusão de que, persistindo o exercício efetivo do posto, não há que se falar, logo, em suspensão do prazo de aquisição da estabilidade como pretensa consequência da instauração do feito disciplinar.


Conclusão

Por todo o exposto, a conclusão é de que:

a) não existe previsão legal nem constitucional de suspensão do prazo de estágio probatório do servidor que responde a processo administrativo disciplinar, além de que, caso o pretenso efeito sucedesse, este poderia, quanto muito, o que se admite apenas para argumentar, perdurar no prazo legal para instrução e julgamento do feito punitivo, que é de 140 dias, após o que retornaria seu fluxo, considerando o tempo anteriormente decorrido, o período trienal avaliatório;

b) doutrina e jurisprudência entendem que o decurso do prazo de 3 anos, sem que o servidor seja avaliado pela Administração Pública, gera a aquisição automática da estabilidade, não podendo imputar-se ao funcionário a demora do Poder Público em proceder à avaliação durante o triênio experimental.

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REFERÊNCIAS

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 21 ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

DUARTE NETO, Claudionor. O Estatuto do Servidor Público (Lei n. 8.112/90) à luz da Constituição e da jurisprudência. São Paulo: Jurídico Atlas, 2007.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 29 ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2004.

MODESTO, Paulo; MENDONÇA, Oscar (coordenadores). Direito do Estado: novos rumos: direito administrativo: tomo 2. Estágio probatório: questões controversas. São Paulo: Max Limonad, 2001.

RIGOLIN, Ivan Barbosa. Comentário ao regime único dos servidores públicos civis. 5 ed. atual. e aument. São Paulo: Saraiva, 2007.


Notas

  1. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 21 ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 634.
  2. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 29 ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 424.
  3. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 775.
  4. RIGOLIN, Ivan Barbosa. Comentário ao regime único dos servidores públicos civis. 5 ed. atual. e aument. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 75-76.
  5. DUARTE NETO, Claudionor. O Estatuto do Servidor Público (Lei n. 8.112/90) à luz da Constituição e da jurisprudência. São Paulo: Jurídico Atlas, 2007, p. 38.
  6. RECURSO ESPECIAL 2003/0095328-8, Relator(a) Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Órgão Julgador QUINTA TURMA, Data do Julgamento: 07/11/2006, Data da Publicação/Fonte DJ 27/11/2006 p. 305.
  7. RMS 24602 / MG, RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA, 2007/0160151-6, Relator(a) Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Órgão Julgador: QUINTA TURMA, Data do Julgamento 11/09/2008, Data da Publicação/Fonte DJe 01/12/2008.
  8. REsp 615980 / RJ, RECURSO ESPECIAL 2003/0224462-8, Relator(a) Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Órgão Julgador: QUINTA TURMA, Data do Julgamento: 22/05/2007, Data da Publicação/Fonte: DJ 11/06/2007, p. 348.
  9. REsp 550717 / CE, RECURSO ESPECIAL 2003/0095328-8, Relator(a) Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA (1128), 5ª TURMA, Data do Julgamento: 07/11/2006, Data da Publicação/Fonte: DJ 27/11/2006, p. 305.
  10. RMS 9074 / PR, RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA, 1997/0074414-0, Relator(a) Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Órgão Julgador QUINTA TURMA, Data do Julgamento 23/05/2000, Data da Publicação/Fonte DJ 28/08/2000, p. 94.
  11. EDcl nos EDcl no RMS 10080 / RR EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA, 1998/0057333-0, Relator(a) Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Órgão Julgador QUINTA TURMA, Data do Julgamento: 30/06/1999, Data da Publicação/Fonte, DJ 13/09/1999, p. 84, JSTJ vol. 21 p. 335.
  12. Superior Tribunal de Justiça, RMS 11990 / DF, RECURSO ORDINARIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 2000/0047052-0, Relator(a) Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Órgão Julgador QUINTA TURMA, Data do Julgamento: 27/11/2001, Data da Publicação/Fonte DJ 25/02/2002 p. 403, RSTJ vol. 164 p. 479.
  13. RMS 23.436/DF, DJ de 15.10.1999, relator o Ministro marco aurélio: "A interrupção prevista no § 3º do artigo 142 da Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990, cessa uma vez ultrapassado o período de 140 dias alusivo à conclusão do processo disciplinar e à imposição de pena – artigos 152 e 167 da referida lei – voltando a ter curso, na integralidade, o prazo prescricional."
  14. Pleno, Mandado de Segurança n. 23299/SP, relator o Ministro Sepúlveda Pertence, julgamento de 06.03.2002, DJ de 12.04.2002, p. 55.
  15. 5ª Turma, ROMS 13439/MG – Recurso Ordinário em Mandado de Segurança, STJ 2001/0090911-0, relator o Ministro Felix Fischer, julgamento de 02.03.2004, DJ de 29.03.2004, p. 253.
  16. 3ª Seção, MS 8418/DF; Mandado de Segurança, STJ 2002/0063268-6, relator o Ministro Gilson Dipp, julgamento de 28.05.2003, DJ de 09.06.2003, p.169.
  17. Tribunal Pleno, Mandado de Segurança – MS 22.728/PR, julgado em 22.01.1998, DJ de 13.11.1998, p.5, relator o Ministro Moreira Alves.
  18. "Resulta ilegal o ato que indeferiu pedido de aposentadoria, por aplicação equivocada da disposição contida no art. 172 do estatuto dos servidores civis, na hipótese em que o processo disciplinar perdura por cerca de 11 anos, ainda pendente de conclusão." (RESP 371138/PR; DJ de 1º.07.2002, p. 419, relator o Ministro Vicente Leal, 6ª Turma.
  19. AG – Agravo de Instrumento – 117836, Processo: 200302010107961/RJ, 1ª Turma, decisão de 04.11.2003, DJU de 15.07.2004, p. 119, relator o Desembargador federal Abel Gomes.
  20. AC – Apelação Cível – 374906, Processo: 200004011258706/RS, Turma Especial, decisão de 07.07.2004, DJU de 12.08.2004, p. 772, relator o Desembargador federal Amaury Chaves de Athayde.
  21. AG – Agravo de Instrumento, Processo: 200304010545816/PR, 3ª Turma, decisão de 16.03.2004, DJU de 28.04.2004, p. 691, relator o Desembargador federal Luiz Carlos de Castro Lugon.
  22. MODESTO, Paulo; MENDONÇA, Oscar (coordenadores). Direito do Estado: novos rumos: direito administrativo: tomo 2. Estágio probatório: questões controversas. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 49-88.
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Sobre o autor
Antonio Carlos Alencar Carvalho

Procurador do Distrito Federal. Especialista em Direito Público e Advocacia Pública pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Advogado em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. A instauração de processo administrativo disciplinar suspende o curso do estágio probatório?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2287, 5 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13605. Acesso em: 18 nov. 2024.

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