O assunto "REFIS" tem gerado grandes polêmicas, levantando as mais diversas opiniões desde a edição da primeira Medida Provisória ocorrida em outubro de 1999 até o presente momento.
Defensores e opositores ao programa tem se manifestado não só em publicações de revistas especializadas como também nos mais diversos canais de comunicação, estabelecendo discussões muitas vezes distorcidas acerca das determinações legais.
Ao nosso ver, os veículos legais devem ser cuidadosamente estudados e analisados, de forma a permitir uma correta interpretação sobre os comandos dirigidos aos administrados.
Aliás, este é um dos pontos cruciais quando se vai emitir uma opinião a respeito de algum instrumento normativo: deve-se fazer uma correta interpretação das normas, a qual não pode ser abstrata, isolada e literal, mas sim, em conjunção com o "espírito do legislador", buscando os motivos que o levaram a tal produção, com o ordenamento jurídico e, principalmente, com a Constituição Federal.
Um dos problemas que temos verificado, portanto, nas manifestações e publicações acerca do programa refere-se a este ponto, ou seja, as análises feitas, com algumas exceções, não demonstram profundidade e não passam de comentários superficiais, os quais, todavia, acabam distorcendo a realidade e gerando grandes dúvidas perante a classe empresarial, que acaba ficando, por assim dizer, "desconfiada" das verdadeiras intenções do governo.
Não estamos querendo, com isso, dizer que o governo respeita incondicionalmente os mandamentos constantes na legislação tributária e principalmente, no sistema constitucional tributário, haja vista as inúmeras contestações judiciais surgidas nos últimos dez anos em torno da cobrança, arrecadação e fiscalização de tributos, o que tem gerado o crescimento, igualmente, do interesse pelo estudo da área tributária. Contudo, é necessária parcimônia por parte dos que se propõe a tanto, de forma a se evitar distorções e a propositura de verdadeiras aventuras judiciais, baseadas em argumentos desprovidos de fundamentação jurídica.
O REFIS tem como objetivo principal proporcionar aos cofres públicos a entrada de valores representativos de débitos tributários dos contribuintes para com a Receita Federal e o INSS, aumentando, conseqüentemente, as suas arrecadações. E tal se constata pelo fato de que não houve preocupação maior em relação ao tempo que algumas empresas demandarão para quitação de seus débitos e que chega, em alguns casos, a centenas de anos. O real interesse consiste, definitivamente, em aumentar o fluxo monetário dos caixas governamentais.
E buscando o "espírito do legislador", anteriormente mencionado, não se pode esquecer desta observação quando do exercício interpretativo das normas que o regulam.
Proporciona, por outro lado, uma possibilidade de acerto da situação tributária dos contribuintes perante tais órgãos, os quais puderam optar entre o pagamento de percentual sobre o seu faturamento ou ainda, por parcelas fixas divididas em 60 (sessenta) meses.
Não obstante isso, surgem os mais variados argumentos daqueles que classificam o programa como uma "armadilha" para os contribuintes optantes. Levantam-se questões verdadeiramente absurdas, como a possibilidade de se pleitear parcelamento em 240 meses (concedido a empresas públicas e sociedades de economia mista) sem a inclusão de multas, juros SELIC e TR.
Aqueles que militam na área tributária e que se encontram devidamente atualizados em relação ao posicionamento dos tribunais superiores não podem deixar de manifestar sua repugna com relação a este tipo de "aventura judicial".
A legislação tributária deve manter estrita observância ao princípio da legalidade tributária, este, constitucionalmente estabelecido. Nele, igualmente, devem os órgãos jurisdicionais pautar suas decisões.
Desta forma, o tributo deve ser devidamente instituído por este instrumento normativo, ficando todos os administrados a ele subordinados.
E como toda norma de conduta, cujo objetivo é estabelecer um comando, o descumprimento de uma norma tributária leva a uma sanção, consistente, para o caso tratado, na aplicação de uma multa. Portanto, não observando o contribuinte o dever legal de pagamento do tributo devido, submete-se à aplicação da sanção, também legalmente prevista.
O Código Tributário Nacional, como norma geral em matéria tributária, confere, em seu artigo 138, o benefício da exclusão da multa para o caso de pagamento integral ou mediante parcelamento dos valores que deixaram de ser recolhidos aos cofres públicos na época devida. O posicionamento quanto à exclusão da multa em caso de parcelamento foi pacificado pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça em julgado recente, não havendo mais a divergência que havia se instaurado entre a 1ª e a 2ª Turma do mencionado Tribunal. Todavia, a chamada denúncia espontânea somente se caracteriza quando tal pagamento é efetuado antes de qualquer procedimento fiscalizatório. Portanto, em nenhum outro caso é possível se pleitear a exclusão da multa, sendo inverídica qualquer promessa a esse respeito.
No que tange à exclusão da taxa SELIC, esta é o índice legal de correção dos débitos para com a União, sendo que qualquer argumentação neste sentido somente surtirá efeitos em sendo a mesma declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. É certo que já houve um pronunciamento da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no qual foi acolhida a argüição de inconstitucionalidade do § 4º do artigo 39 da Lei nº 9.250/95, todavia, o caminho até a sua exclusão do ordenamento jurídico para fins tributários ainda depende do pronunciamento do Supremo Tribunal Federal.
Ainda, é importante se ressaltar que a preocupação com a quebra do sigilo bancário não deve ter o alcance dado pela imprensa e por aqueles que têm se manifestado contrariamente ao REFIS. Ora, o acesso irrestrito, pela Secretaria da Receita Federal, à movimentação financeira da empresa já é feito atualmente, como, por exemplo, quando em procedimento fiscalizatório, é solicitada a apresentação dos extratos das contas bancárias para conferência com os lançamentos efetuados na declaração do imposto de renda. Portanto, não vemos maiores problemas quanto a essa exigência, sendo que a discussão em torno desta questão tomou proporções maiores do que as efetivamente devidas.
Finalmente, concluímos que benefícios que têm sido oferecidos por alguns profissionais - como por exemplo os anteriormente citados - podem até encontrar suporte em decisões isoladas da primeira instância mas que de acordo com o cenário jurídico nacional não terão chances de êxito quando da sua análise por parte dos Tribunais Superiores face à inexistência de base legal, oferecendo, portanto, baixas probabilidades de sustentação futura.
Cabe, ainda, uma última observação em relação ao parcelamento a que fazem jus as empresas públicas e sociedades de economia mista: sendo o parcelamento uma espécie de moratória, deve o mesmo ser concedido nos termos e condições da lei que o instituiu. Desta forma, o parcelamento/moratória é algo não obrigatoriamente condizente com uma possível alegada isonomia de tratamento para quaisquer devedores: sendo ele um favor fiscal, concedido nos termos em que a lei estabelece, é sempre uma faculdade do Fisco ("poderá conceder"), o que permite distintos tratamentos para contribuintes com dívidas fiscais.