Crédito tributário pode ser descrito como o objeto da relação obrigacional que vincula os dois polos, sujeitos ativo e passivo, de uma obrigação tributária principal. Trata-se, pois, de um vínculo obrigacional de mesma natureza da obrigação tributária principal, mas que não se confunde com esta.
Na verdade, o crédito tributário é o elemento quantificável e exigível da obrigação tributária, já que este é resultante da "aplicação" da apuração à obrigação tributária, sendo possível, a partir deste ato, definir todos os critérios inerentes à hipótese de incidência, descritos na regra matriz de incidência tributária.
Segundo os dizeres de Hugo de Brito Machado [01],
O crédito tributário, portanto, é o vínculo jurídico, de natureza obrigacional por força do qual o Estado (sujeito ativo) pode exigir do particular, o contribuinte, ou responsável (sujeito passivo), o pagamento do tributo ou da penalidade pecuniária (objeto da relação obrigacional).
Para que haja o nascimento do vínculo obrigacional anteriormente descrito, é necessário que se reporte a um procedimento especial, que tem como escopo a constituição do referido crédito. Tal procedimento é alcunhado de lançamento e é descrito pelo artigo 142 do Código Tributário Nacional como sendo o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Na descrição acima podem ser verificadas algumas irregularidades. Primeiramente, cabe ressaltar que há impropriedade na expressão calcular o montante do tributo devido, já que o legislador prevê a aplicação das penalidades pecuniárias cabíveis, e tributo, conforme indica o artigo terceiro do CTN, não pode ser confundido, pela sua natureza, com a imposição de sanções.
Tal irregularidade muito se assemelha à verificada na descrição da obrigação tributária principal decorrente da acessória.
Outra irregularidade visualizada reside no uso da expressão "propor a aplicação da penalidade cabível", já que este dispositivo refere-se à constituição do crédito. Assim, ele não se restringe à propositura da penalidade, como também já a aplica. Este fato consubstancia um certo desrespeito ao princípio da ampla defesa e do devido processo legal.
A atividade do lançamento pode se dar de três modos distintos, podendo ser realizada ex officio, de forma mista ou por homologação. Estas modalidades diferenciam-se entre si em relação ao grau de participação do contribuinte em cada uma delas.
O lançamento de ofício é aquele que decorre diretamente da conceituação prescrita no artigo 142 do CTN, sendo aquele em que a exação imposta é integralmente trabalhada pela Administração, não ocorrendo a participação do sujeito passivo na fase de lançamento. Nesta modalidade, a Administração Pública é responsável pela determinação do fato gerador, da base de cálculo e do sujeito passivo da obrigação principal.
Ressalte-se que esta modalidade encontra-se em perfeita consonância com o disposto pelo legislador quando este concebeu a atividade em análise, pois era previsto que esta seria uma atividade privativa de agente público, mais precisamente, de autoridade administrativa e, levando-se em conta o princípio da indisponibilidade dos bens públicos, só poderia ser desta forma, pois não pode a autoridade administrativa se esquivar de realizar o devido procedimento, sob pena de incorrer em desobediência ao mencionado princípio.
Desta forma, pode-se claramente caracterizar o lançamento como um ato administrativo vinculado, inexistindo brechas para a aplicação de juízo de conveniência e oportunidade.
A modalidade acima descrita também pode decorrer da incorreta participação do administrado na parte que lhe couber no lançamento por homologação, restando ao poder público apurar o montante devido através deste instituto. Neste caso, é dada à fazenda pública a faculdade de exigir o tributo mais os encargos decorridos por intento compensatório ou punitivo.
A decadência do direito de constituir o crédito tributário através do lançamento de ofício se dará em cinco anos, contados a partir do início do exercício seguinte ao qual a administração teria condições de ter realizado o lançamento.
Outra modalidade utilizada pelo poder público para a constituição do crédito é o lançamento do tipo misto, no qual o ato de materialização do crédito possui uma maior complexidade, sendo resultante de uma ação conjunta do contribuinte e do poder público, conforme explica Sabbag [02].
Lançamento misto ou por declaração é aquele realizado com base na declaração do sujeito passivo, que presta à autoridade lançadora as informações necessárias à sua confecção. Observe o dispositivo legal:
Art. 147 O lançamento é efetuado com base na declaração do sujeito passivo ou de terceiro, quando um ou outro na forma da legislação tributária presta à autoridade administrativa informações sobre a matéria de fato, indispensáveis à sua efetivação.
§ 1º A retificação da declaração por iniciativa do próprio declarante, quando vise a reduzir ou a excluir tributo, só é admissível mediante comprovação de erro em que se funde, e antes de notificado o lançamento.(...)
Caracteriza-se pela ação conjugada entre Fisco e contribuinte, cabendo a este a prestação de informações faltantes, e àquele, a feitura do lançamento propriamente dito.
De fato, ocorre que nem todos os tributos possuem seus aspectos facilmente identificáveis, e quando se esbarra em óbices que dificultam o nascimento do crédito tributário, lança-se mão destes artifícios que encurtam o caminho para a verificação do crédito.
Este tipo de lançamento não traz grandes dificuldades à sua aceitação, pois, apesar da grande participação do contribuinte na realização do ato, a responsabilidade pela execução deste continua a cargo do agente público.
Faz-se necessário destacar que o agente administrativo pode ser aquele que, pelo múnus público, reveste-se temporariamente dessa qualidade, avocando as prerrogativas administrativas para a execução deste ato.
Em suma, esta modalidade de lançamento não se distancia muito das prescrições efetuadas para o lançamento de ofício.
O prazo decadencial neste tipo de lançamento obedece às mesmas regras definidas para o lançamento ex officio.
Por fim, tem-se o lançamento por homologação, que necessita da total participação do contribuinte para a sua feitura. Nesta modalidade de lançamento, antes da ocorrência do lançamento propriamente dito, são exigidas antecipações do valor devido, as quais estão sujeitas a posterior verificação pela fazenda pública.
Com a finalidade de melhor discorrer sobre a modalidade sob comento, transcreve-se abaixo o artigo 150 do Código Tributário Nacional, que define essa modalidade.
Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.
§ 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento.
§ 2º Não influem sobre a obrigação tributária quaisquer atos anteriores à homologação, praticados pelo sujeito passivo ou por terceiro, visando à extinção total ou parcial do crédito.
§ 3º Os atos a que se refere o parágrafo anterior serão, porém, considerados na apuração do saldo porventura devido e, sendo o caso, na imposição de penalidade, ou sua graduação.
§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.
O instituto acima descrito traz em seu bojo dificultosas questões que são amplamente discutidas. A primeira dessas questões refere-se à existência, ou não, de lançamento quando da constituição de crédito por esta via.
Foi mencionado no artigo 142 do CTN que lançamento caracteriza-se como um ato vinculado privativo da Administração Pública, razão esta que leva alguns autores a afirmar que, na forma como foi apresentada, esta modalidade não materializa um lançamento, pois o legislador já reservou a obrigação de executar este ato ao agente público, não havendo possibilidade de transferi-la ao contribuinte.
Para solver esta ocorrência, o legislador utilizou-se do texto constante no parágrafo um, que atrela lançamento à verificação, pela autoridade fazendária, dos atos efetuados pelos contribuintes, portanto, o lançamento só ocorreria de fato a partir da homologação da apuração.
Desta acepção temos como consequência que os valores pagos até a homologação são considerados apenas como antecipações dos valores devidos, não se encontrando a obrigação "madura", para que se possa falar em exigência do crédito. Verifica-se tal corolário pela impossibilidade da administração de negar o fornecimento de Certidões Negativas antes da homologação.
A antecipação dos pagamentos devidos, na forma da legislação em vigor, tem por finalidade extinguir o crédito sob condição resolutória. É forçosa a interpretação de tal norma, pois o legislador já atrelou o nascimento do crédito à homologação do lançamento, sob pena de se estar exigindo uma prestação sem a materialização do vínculo obrigacional e, assim, desfazer a lógica normativa constituída até então. Resumindo, não se pode falar em extinção do crédito, mesmo em caráter resolutório, quando este ainda nem existe.
Merecem atenção também os questionamentos efetuados com relação ao prazo decadencial descrito para esta modalidade.
É sabido que, quando da homologação do crédito tributário, se forem verificadas inexatidões na apuração do montante tributável, resta à administração a constituição deste por lançamento de ofício, a partir das informações disponíveis.
A partir de tal ocorrência, são verificadas divergências sobre a determinação do prazo prescricional, já que parte dos estudiosos do assunto acredita que, como foi utilizada a modalidade de lançamento de ofício, a contagem do prazo deveria ser efetuada nos moldes inerentes a esta, e não como descrito no § 4º do artigo 150 do CTN.
Essa corrente é combatida com o argumento de que o dispositivo legal já prevê a utilização do lançamento de ofício posteriormente à homologação, não fugindo das características concernentes ao lançamento por homologação e cabendo, portanto, o dispositivo supracitado.
Acirrando a discussão sobre o assunto, o Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento de lide referente a contribuição previdenciária, se posicionou da seguinte forma [03]:
"TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. SEGURIDADE SOCIALPRAZO PARA A CONSTITUIÇÃO DE SEUS CRÉDITOS. DECADÊNCIA. ARTIGO 150 § 4º, E 173, I, DO CTN.1. Nas hipóteses de tributo sujeito a lançamento por homologação, em não ocorrendo o pagamento antecipado pelo contribuinte, o poder-dever do Fisco de efetuar o lançamento de ofício substitutivo deve obedecer ao prazo decadencial estipulado pelo artigo 173 I, do CTN, segundo o qual o direito de a fazenda pública constituir crédito tributário extingue-se em 5 (cinco) anos contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado. (...)
Outro ponto controverso na contagem do prazo prescricional dos lançamentos por homologação está contido na última parte do § 4º, do artigo 150, do CTN, onde é ressalvada a decadência do direito de se constituir o crédito tributário quando verificado dolo, fraude ou má fé, não sendo estabelecido novo prazo para a perda desse direito.
Este fato contribui para a desestabilização de nosso sistema jurídico, através da propagação da insegurança jurídica verificada na relação fisco/contribuinte, já que se presume que o Fisco pode a qualquer tempo reabrir qualquer exercício e constituir o referido crédito, pois quando da aplicação de multa advinda da efetuação de lançamento de ofício derivado de lançamento por homologação, já existe pretensão punitiva, dificultando a diferenciação entre fraude e erro.
Portanto, verifica-se que a forma utilizada pelo legislador para definir lançamento tributário e suas modalidades é frágil e enfrenta vários questionamentos.
Notas
- MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 27 ed. Fortaleza: Malheiros, 2005. 549 p.
- SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. 1.090 p.
- STJ, REsp 894.453/SC, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª T, DJ 24/09/2007, p. 259.