4. O PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE COMO FUNDAMENTO DO CONTROLE JURISDICIONAL
4.1.CONCEITO DE RAZOABILIDADE
A razoabilidade é um princípio implicitamente previsto na Constituição Federal, que impõe ao Poder Público a adoção de meios adequados, necessários e proporcionais para a consecução de seus fins. Por conseqüência, é um limite à discricionariedade eventualmente conferida à Administração Pública, uma vez que veda a prática de atos não condizentes com o interesse público perseguido.
Compreendido também como proporcionalidade em sentido amplo, conforme ensinamento de Dirley da Cunha [36], a razoabilidade engloba uma tríplice exigência, que se expressa por intermédio de três subprincípios: (a) adequação – ou utilidade –; (b) necessidade – ou exigibilidade –; e (c) proporcionalidade em sentido estrito. Pelo primeiro, exige-se do Poder Público que sua atuação seja efetivamente apta a alcançar os fins almejados, haja vista não interessar medidas que se revelem inúteis à finalidade que se destina. A seu turno, a necessidade representa a preocupação em optar pela alternativa que cause o menor grau possível de limitação ou sacrifícios aos direitos fundamentais. Finalmente, a proporcionalidade em sentido estrito preza pelo equilíbrio entre o motivo que deu ensejo à atuação do Poder Público e ato por ele adotado (objeto) em busca do interesse público. Ainda, é condição inafastável decorrente deste último subprincípio que o ato administrativo praticado deverá sempre trazer mais vantagens que desvantagens.
Acrescenta José Roberto Pimenta Oliveira [37] que, para além da adequação, pela qual se exige uma prestação útil do Poder Público, de modo que o meio adotado seja apto a alcançar o resultado pretendido pela norma, verificando se o conteúdo do ato mantém relação com o atendimento do fim, requer-se que a conduta administrativa seja necessária, ou seja, que a medida adotada figure como indispensável para tutelar o bem jurídico posto à guarda da Administração, examinando-se se opção da Administração foi a que se revela menos restritiva a direitos e a melhor no que tange ao atendimento da finalidade pública.
Ademais, como última etapa para constatação da razoabilidade na atuação administrativa, surge a proporcionalidade em sentido estrito, que exige o exercício da competência de forma proporcional ao cumprimento do dever da Administração de satisfazer o interesse público, uma ação que não se mostre além ou aquém, mas sim ideal.
Sendo assim, a atuação discricionária será ilegítima, ainda que não contrarie nenhuma norma positivada, se irrazoável. Dando-se, segundo lição de Di Pietro, quando o ato "não guarde uma proporção adequada entre os meios que emprega e o fim que a lei deseja alcançar, ou seja, que se trate de uma medida desproporcionada, excessiva em relação ao que se quer alcançar" [38].
Dessarte, o princípio da razoabilidade age como um limite à discricionariedade administrativa, haja vista exigir adequação, compatibilidade e proporcionalidade na escolha do conteúdo do ato e na avaliação dos motivos que darão ensejo à sua prática, de forma a cumprir a finalidade pública específica.
Insta salientar que a razoabilidade, como princípio constitucional que é, espraia-se por todo o ordenamento jurídico, servindo de fundamento para a invalidação dos atos administrativos em caso de ilegalidade, desvio ou abuso de poder, ausência de motivação, desproporcionalidade, inadequação e/ou inutilidade do ato praticado por não alcançar plenamente o interesse público, desconformidade com o senso comum, entre outras situações que demonstrem a irrazoabilidade da medida.
Sua abstração, característica inerente aos princípios, faz com que sua aplicação não se limite às situações de infração à lei, alongando-se a todos os casos em que não se perfaça de forma ideal o interesse público.
4.2.A RAZOABILIDADE NO CONTROLE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS
Discute-se intensamente, em doutrina e jurisprudência, a possibilidade de controle dos atos administrativos discricionários com fundamento no princípio da razoabilidade. Questiona-se: seria possível a invalidação de um ato discricionário, em tese dentro da margem de liberdade autorizada pela legislação, sendo aparentemente válido, mas flagrantemente descumpridor dos anseios abstratamente nela previstos, adentrando inclusive à análise do mérito?
Nesse prisma, cumpre perlustrar o controle da discricionariedade administrativa pela via judicial, tendo em vista que grande parcela da doutrina o admite tão-somente em relação aos casos de ofensa ao texto positivado. Entretanto, essa concepção vetusta vai de encontro ao moderno constitucionalismo, que cada vez mais enaltece a importância dos princípios gerais do direito, donde surge a necessidade de aprofundar os fundamentos do referido controle.
E é essa idéia que embasa o entendimento pelo qual a anulação de um ato administrativo não se dá simplesmente por infringência à lei, mas também (e sobretudo) quando em desacordo com os princípios gerais do Direito – notadamente os do Direito Administrativo –, ou ainda quando praticado com abuso ou desvio de poder Nesse sentido, Meirelles:
"O conceito de ilegalidade ou ilegitimidade, para fins de anulação do ato administrativo, não se restringe somente à violação frontal da lei. Abrange não só a clara infringência do texto legal como, também o abuso, por excesso ou desvio de poder, ou por relegação dos princípios gerais do Direito, especialmente os princípios do regime jurídico administrativo. Em qualquer dessas hipóteses, quer ocorra atentado flagrante à norma jurídica, quer ocorra inobservância velada dos princípios do Direito, o ato administrativo padece de vício de ilegitimidade e se torna passível de invalidação pela própria Administração ou pelo Judiciário, por meio de anulação" [39].
Rememore-se, conforme aduz Schirato [40], que a Administração Pública está vinculada não só às normas, mas também aos princípios, incumbindo-lhe o atendimento da vontade precípua do direito ao se deparar com um caso concreto. Ratifica-se, portanto, a verdade inolvidável de que os princípios, como normas jurídicas que são, integram a ordem jurídica, sendo indispensável a observância destes pelo gestor público.
O ato administrativo deve obedecer não só aos preceitos positivados, mas também ao ordenamento jurídico como um todo, o que inclui princípios como o da razoabilidade, o qual é objeto de análise de Bulos:
"O princípio da razoabilidade, proporcionalidade ou privação de excesso é o vetor por meio do qual o intérprete busca a adequação, a racionalidade, a idoneidade, a logicidade, o bom senso, a prudência e a moderação no ato de compreender os textos normativos, eliminando o arbítrio e o abuso de poder" [41].
A razoabilidade tem por fim verificar a correlação entre os meios e os fins, como forma de assegurar que a decisão da Administração seguiu os preceitos legais, constitucionais e morais, permitindo a invalidação pelo Judiciário de atos contrários ao interesse público. Relaciona-se, portanto, com o elemento finalidade e o atributo tipicidade, na medida em que para cada fim almejado pela norma há um só ato capaz de atender inteiramente o interesse público.
Sob essa perspectiva é possível afirmar categoricamente que o controle judicial efetuado com fundamento no princípio da legalidade, na sistemática constitucional atual, compreende também aquele realizado com lastro em princípios. Certo que constituem comandos normativos de observância obrigatória, não obstante seu caráter abstrato.
Em decorrência lógica, o controle jurisdicional dos atos administrativos, feito com base no princípio da razoabilidade, não é nada além da verificação de respeito ao princípio da legalidade, cumprindo ao Judiciário determinar a anulação quando detectar vícios, dissonância em relação aos princípios e/ou à lei.
A discricionariedade insindicável pelo Poder Judiciário, desta feita, só existiria diante de casos em que não é possível definir, com inteira precisão, qual das alternativas alcançaria da melhor forma a finalidade da lei, ou seja, quando não existir uma solução única para determinado caso. Nesse sentido, Bandeira de Mello faz a devida restrição ao conceito de discricionariedade:
"Discricionariedade, portanto, é a margem de liberdade que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos cabíveis, perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente, uma solução unívoca para a situação vertente" [42].
Admite-se, então, a controlabilidade da discrição conferida à Administração Pública, uma vez que sua finalidade reside tão-só na busca pelo interesse público, e, constatando-se que a opção do administrador não o alcança, a liberdade torna-se ilegalidade (em sentido amplo). Da mesma forma, não há óbice à invalidação de atos administrativos por vício encontrado no mérito, tendo em vista que o Judiciário estará retirando da ordem jurídica um ato ilegal. Nas palavras de Binembojm (2006:208):
"não se controla o mérito do ato administrativo em descompasso com a proporcionalidade, mas apenas se reconhece que o conteúdo desproporcional do ato simplesmente não é mérito. Em outras palavras, não há conveniência e oportunidade possível fora dos limites estabelecidos pela proporcionalidade" [43].
Dá-se então um estreitamento do mérito administrativo, reduzindo a margem de conveniência e oportunidade de atuação do administrador, a bem do interesse público. Nesse ínterim, com fundamento no princípio da juridicidade e da razoabilidade, realiza-se uma redução das possibilidades ofertadas para sua escolha, vislumbrando-se a redução da discricionariedade a zero quando se verificar uma única alternativa que se adéqüe de forma ideal ao interesse público.
Tal controle judicial deverá ter por fundamento a juridicidade administrativa, utilizando-se tanto das regras quanto dos princípios gerais do direito e os específicos do direito administrativo, no intento de verificar a solução ideal, de excelência, que contempla plenamente o interesse público. Conforme o exposto anteriormente, a discricionariedade em potencial não necessariamente se revelará no caso concreto, isso porque a Administração tem o dever de adotar a melhor solução possível.
No entanto, em certos casos remanescerá uma liberdade de escolha para a Administração, tendo em vista que não é possível, mesmo analisando sob a perspectiva da razoabilidade, apontar qual a melhor alternativa. Nesses casos a discricionariedade mostra-se não só na hipótese, mas também no caso concreto, não sendo possível então o controle judicial. Novais aborda bem essa questão da discricionariedade:
"a indeterminação contida na norma é condição necessária mas não suficiente para emanação de um ato nominado de discricionário. Não basta a indeterminação. É necessário que, da aplicação da norma, informada pelo princípio da razoabilidade, resultem alternativas igualmente razoáveis sobre as quais o Administrador passa tecer um juízo de preferência informado pelos critérios da boa administração, presumidos pela ordem jurídica como por ele conhecidos" [44].
Contudo, toda vez que for possível identificar a solução ótima, faz-se mister sua aplicação, sob pena de invalidação pelo Judiciário, haja vista a ofensa aos princípios, como razoabilidade e proporcionalidade, bem como por fugir de seu fim – o interesse público –, seguindo os ditames do atributo tipicidade, pelo qual cada finalidade perseguida pela Administração possui um ato previamente definido.
Há que se reforçar que o controle em comento inclui o mérito administrativo, conveniência e oportunidade, tornando possível ao juiz adentrar profundamente à verificação da legalidade do ato administrativo. Germana de Moraes assim se posiciona:
"A partir da construção teórica, segundo a qual os princípios da realidade e da razoabilidade constituem os limites da oportunidade e de conveniência à discricionariedade, respectivamente, quanto à valoração dos motivos e quanto à escolha do objeto, conclui que o Poder Judiciário pode anular atos administrativos discricionários, fundados em inexistência, insuficiência, inadequabilidade, incompatibilidade e desproporcionalidade de motivo ou em impossibilidade, desconformidade e ineficiência do objeto" [45].
O mérito administrativo, ao contrário do sentimento que ainda domina o Judiciário brasileiro, não é uma área imune à sindicabilidade judicial. Se assim fosse, haveria um Poder absoluto, o qual é incompatível com o princípio republicano e com o Estado Democrático de Direito. O mérito pode sim sofrer controle jurisdicional, que verificará sua conformidade com o ordenamento jurídico, mormente com a Constituição Federal.
Por fim, Barroso bem sistematiza o exposto sobre o controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários:
"a possibilidade de controle judicial do mérito do ato administrativo: O conhecimento convencional em matéria de controle jurisdicional do ato administrativo limitava a cognição dos juízes e tribunais aos aspectos da legalidade do ato (competência, forma e finalidade) e não do seu mérito (motivo e objeto), aí incluídas a conveniência e oportunidade de sua prática. Já não se passa mais assim. Não apenas os princípios constitucionais gerais já mencionados, mas também os específicos, como moralidade, eficiência e, sobretudo, a razoabilidade-proporcionalidade permitem o controle da discricionariedade administrativa (observando-se, naturalmente, a contenção e a prudência, para que não se substitua a discricionariedade do administrador pela do juiz)" [46].
Efetuar o controle dos atos administrativos com fundamento em princípios, notadamente o da razoabilidade, tem por fim assegurar uma maior observância aos preceitos constitucionais, de forma a ajustar a atuação da Administração ao interesse público. Para tanto, faz-se mister não só a análise jurisdicional do conteúdo formal do ato (requisitos vinculados), mas também do mérito, ainda porque realiza-se uma análise quanto à legalidade, uma vez que são as normas abstratas a base de tal exame.
4.3.O MODERNO POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL
Abordadas as discussões doutrinárias acerca do tema, mister verificar as decisões prolatadas pelo Poder judiciário que propõem uma mudança de paradigma acerca do controle dos atos administrativos discricionários, admitindo que seja feita uma análise profunda, inclusive identificando a adequação do mérito administrativo ao princípio da juridicidade.
Inicialmente, cumpre analisar trecho do voto do Desembargador Francisco Cavalcanti, prolatado na decisão do Colendo Tribunal Regional Federal da 5ª Região que julgou a Apelação Cível número 342.739/PE), o qual aborda muito bem o tema controle da discricionariedade:
"Ademais, em face do inciso XXXV do art. 5º da CF, o qual proíbe seja excluída da apreciação judicial a lesão ou ameaça de lesão a direito, o Judiciário pode examinar todos os atos da Administração Pública, sejam gerais ou individuais, unilaterais ou bilaterais, vinculados ou discricionários sob o aspecto da legalidade e da moralidade, nos termos dos arts. 5º, inciso LXXIII e 37 da Carta Magna. (...)
Assim, ao Judiciário caberá ‘verificar se a intelecção administrativa se manteve ou não dentro dos limites do razoável perante o caso concreto e fulminá-la sempre que se vislumbre ter havido uma imprópria qualificação dos motivos face à lei, uma abusiva dilação no sentido da norma, uma desproporcional extensão do sentido extraível do conceito legal ante os fatos a que se quer aplicá-lo’. (...)
Por conseguinte, como já referido, ainda no que concerne à discricionariedade é passível, o ato administrativo do controle jurisdicional. É possível, portanto, se invalidar ato que não seja praticado de acordo com a sua finalidade, ou ainda que tenha sido produzido sem se levar em conta os objetivos da agência e os princípios norteadores de sua atuação, sem que importe em violação ao princípio da separação dos poderes" [47].
Como é possível constatar, o julgado trabalha a possibilidade de controle dos atos do Poder Executivo pelo Judiciário, sem que isso importe em violação ao princípio da separação de poderes, haja vista a competência constitucionalmente atribuída a este órgão para invalidar todo ato que se mostre contrário ao Direito. Aprofunda-se na questão do controle da discricionariedade, afirmando que esta é relativa, uma vez que deverá se pautar sempre ao disposto na lei e nos princípios, inclusive se se manteve nos limites da razoabilidade diante do caso concreto. Extrai-se, portanto, a possibilidade de controle da discricionariedade administrativa quando o ato estiver eivado de ilegalidade em sentido amplo.
Colaciona-se, por oportuno, trecho do voto proferido pela Ministra-Relatora Eliana Calmon, em sede de Recurso Especial no STJ, que sistematiza o modo como vem se reposicionando a jurisprudência no intuito de resguardar os interesses predominantes na sociedade:
"A pergunta que se faz é a seguinte: pode o Judiciário, diante de omissão do Poder Executivo, interferir nos critérios da conveniência e oportunidade da Administração para dispor sobre a prioridade da realização de obra pública voltada para a reparação do meio ambiente, no assim chamado mérito administrativo, impondo-lhe a imediata obrigação de fazer? (...)
Em verdade, é inconcebível que se submeta a Administração, de forma absoluta e total, à lei. Muitas vezes, o vínculo de legalidade significa só a atribuição de competência, deixando zonas de ampla liberdade ao administrador, com o cuidado de não fomentar o arbítrio. Para tanto, deu-se ao Poder Judiciário maior atribuição para imiscuir-se no âmago do ato administrativo, a fim de, mesmo nesse íntimo campo, exercer o juízo de legalidade, coibindo abusos ou vulneração aos princípios constitucionais, na dimensão globalizada do orçamento. (...)
Na espécie em julgamento, tem-se, comprovado, um dano objetivo causado ao meio ambiente, cabendo ao Poder Público, dentro da sua esfera de competência e atribuição, providenciar a correção. Ao assumir o encargo de gerir o patrimônio público, também assumiu o dever de providenciar a recomposição do meio ambiente, cuja degradação, provocada pela erosão e o descaso, haja vista a utilização das crateras como depósito de lixo, está provocando riscos de desabamento e assoreamento de córregos, prejudicando as áreas de mananciais.
Com essas considerações, dou provimento ao recurso especial para ordenar que a Administração providencie imediatamente as obras necessárias à recomposição do meio ambiente" [48].
No voto acima exposto entende-se ser dado ao Poder Judiciário não apenas determinar a anulação de um ato ilegal, mas também emitir uma sentença condenatória, impondo à Administração Pública uma obrigação de fazer. É cediço que ao ser conferida a discricionariedade não houve a intenção de abrir uma liberdade indefinida de atuação, mas apenas buscou-se outorgar liberdade a fim de que, observando-se a situação posta, se chegasse ao ato que melhor se coadunasse com o interesse público.
Nessa linha, verificando-se lesão ao meio ambiente, bem como constatada a omissão do Poder Executivo em efetuar a devida reparação do dano, cumpre ao Judiciário determinar a recomposição, com a execução das obras que se façam necessárias. Aplica-se, neste caso, a redução da discricionariedade, uma vez que somente uma medida se mostrava ideal para satisfazer o interesse público.
Note-se, todavia, que a parte dispositiva da sentença em momento algum determinou como seria a atuação da Administração, resguardando uma margem discricionária que lhe foi atribuída. Limitou-se, desta forma, diante do evidente interesse público que se apresentava, a ordenar que fosse realizada a obra, uma vez que as características do caso concreto não comportavam medida que não esta.
Em caso diverso, porém em entendimento semelhante, já julgou o STJ de modo a admitir o controle do mérito administrativo (conveniência e oportunidade):
"ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO: NOVA VISÃO. 1. Na atualidade, o império da lei e o seu controle, a cargo do Judiciário, autoriza que se examinem, inclusive, as razões de conveniência e oportunidade do administrador. 2. Legitimidade do Ministério Público para exigir do Município a execução de política específica, a qual se tornou obrigatória por meio de resolução do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. 3. Tutela específica para que seja incluída verba no próximo orçamento, a fim de atender a propostas políticas certas e determinadas. 4. Recurso especial provido" [49].
De grande relevância a redefinição de entendimento do STJ sobre os candidatos aprovados em concurso público dentro do número das vagas ofertadas em edital:
"RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO. NOMEAÇÃO. NÚMERO CERTO DE VAGAS. PREVISÃO. EDITAL. NECESSIDADE DE PREENCHIMENTO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. CARACTERIZAÇÃO. RECURSO PROVIDO. 1. Em conformidade com a jurisprudência que vem se firmando na 3ª Seção do STJ, o candidato aprovado em concurso público, dentro do número de vagas previstas em edital, possui direito líquido e certo à nomeação, e, não mera expectativa de direito. 2. Consoante precedentes da 5ª e 6ª Turmas do STJ, a partir da veiculação, pelo instrumento convocatório, da necessidade de a Administração prover determinado número de vagas, a nomeação e posse, que seriam, a princípio, atos discricionários, de acordo com a necessidade do serviço público, tornam-se vinculados, gerando, em contrapartida, direito subjetivo para o candidato aprovado dentro do número de vagas previstas em edital. 4. (sic) Recurso ordinário conhecido e provido, para conceder a ordem apenas para determinar ao Estado de Minas Gerais que preencha o número de vagas previstas no Edital" [50].
Pela ementa depreende-se que o candidato aprovado dentro do número de vagas ofertadas no edital tem direito líquido e certo à nomeação, e não apenas expectativa de direito como se entendia anteriormente. Quando a Administração Pública publica o edital, informando a existência de cargos disponíveis no seu quadro de servidores, implicitamente informa também que há um interesse público no preenchimento daquelas vagas, transformando o ato de nomeação de discricionário para vinculado.
Em outras palavras, o ato administrativo que determina a nomeação de um servidor para seu quadro efetivo é, regra geral, discricionário. No entanto, quando constar previamente no edital a quantidade de vagas à disposição, tornar-se-á vinculado em virtude do interesse público posto. É basicamente a aplicação da redução da discricionariedade a zero, uma vez que não é razoável o não preenchimento diante da declaração de necessidade de pessoal.
Por fim, transcreve-se parte da decisão proferida em primeira instância pela MM Juíza Luciana Almeida Prado Bresciani (2008:01-03) julgando Mandado de Segurança impetrado junto à 1ª Vara de Fazenda Pública do Foro Central de São Paulo/SP:
"Trata-se de mandado de segurança impetrado com o objetivo de garantir o direito dos impetrantes à prorrogação do concurso público em que classificados, considerando a previsão de concurso de acesso que lhes garantiria as vagas necessárias à sua nomeação. A alegada discricionariedade administrativa está sempre condicionada a princípios da eficiência, razoabilidade, proporcionalidade e moralidade administrativa. A inobservância pode servir de causa para alegação de violação de direito líquido e certo do atingido. Os impetrantes se inscreveram em concurso público de auditor fiscal tributário municipal, destinado ao provimento de 168 cargos vagos, mais os que vagassem ou fossem criados no prazo de validade do concurso. Nos termos do edital, consideravam-se aprovados no concurso 252 candidatos habilitados e classificados na ordem decrescente do somatório de pontos ponderados do conjunto das provas, sendo 240 habilitados e mais bem classificados nas provas objetivas para a lista geral, e 12 nas provas objetivas para a lista específica. Os impetrantes foram aprovados entre os 240 da lista geral, o concurso foi homologado em 22 de fevereiro de 2007, com prazo de validade de um ano, prorrogável por mais um. Empossados cerca de 190 aprovados, e restando duas vagas da classe 1, além de 31 a serem abertas em razão de acesso de auditores da classe I para a classe II, os impetrantes tem direito a pleitear a prorrogação do concurso e a impetrada, nas informações, não logrou apresentar qualquer fundamento para que não se dê a prorrogação, nos termos do previsto pelo edital, de modo a atingir dois anos, que sequer ultrapassa o prazo máximo legalmente previsto sem a prorrogação (de até dois anos), o que reforça a razoabilidade da medida. O concurso de acesso ao qual se reportam os impetrantes para indicar, pelo menos, a iminência de vagas, é regulamentado por decreto que prevê que "será realizado" sempre que a Administração julgar conveniente e "obrigatoriamente" quando o percentual de cargos vagos atingir 5 % do total de cargos da classe. Tal condição foi atendida, segundo demonstrado na inicial e não contrariado. A impetrada limita-se a alegar que o concurso de acesso também se encontra no campo da discricionariedade do Poder Público e que é necessário o preenchimento dos requisitos do artigo 27 do Decreto 47.455/06, que regulamenta o Programa de Modernização da Administração Tributária criado pela Lei 14.133/06, quais sejam, percentual de cargos vagos e ausência de concursados excedentes de concurso de acesso com prazo de validade em vigor. Não demonstra em contrário ao que consta da inicial no que tange ao primeiro item, e quanto ao segundo, sequer alega que existam excedentes de concurso anterior. Todas essas considerações, se por um lado, não admitem, como ressalvado na r. decisão que concedeu apenas parcialmente a liminar e na jurisprudência colacionada pela impetrada, o direito à nomeação aos impetrantes, por outro lado, retira legitimidade ao ato administrativo que, diante da existência de vagas, deixou de prorrogar o concurso recentemente realizado, e cuja necessidade de preenchimento foi fartamente justificada pelo Chefe do Poder Executivo Municipal por ocasião do recente encaminhamento de proposta à Câmara (fls. 111 e ss). Não se trata de substituir a vontade administrativa, mas sim de vê-la aplicada, em conformidade com a lei e os princípios que regem os atos da administração, sem que ofenda direito líquido e certo dos impetrantes. Isto posto, e considerando o que mais dos autos consta, CONCEDO PARCIALMENTE a segurança para o fim de afastar o ato da administração que, diante da existência de vagas, deixou de prorrogar o concurso nos exatos termos do edital, evitando, pois, que os impetrantes sejam preteridos por abertura de outro concurso no período para provimento das vagas para as quais fora regularmente classificados" [51].
Trata-se também de caso relativo a concurso público, em que os aprovados desejavam demonstrar a existência de vagas disponíveis para o cargo de Auditor Fiscal Tributário Municipal Classe I, a fim de que fosse decretada a prorrogação do prazo de validade do concurso, em face do interesse público em preencher o quadro de servidores. Com efeito, diversamente da situação anterior, as vagas ofertadas em edital já haviam sido preenchidas. Os impetrantes buscavam o direito a serem nomeados para as vagas que surgiram no quadro da Administração no prazo de validade do concurso.
Analisando as circunstâncias do caso concreto, a MM Juíza determinou a prorrogação do prazo do concurso, com fundamento no princípio da razoabilidade e nos demais princípios específicos de direito administrativo, descartando qualquer ofensa ao princípio da separação de poderes. Conforme aduz, "não se trata de substituir a vontade administrativa, mas sim de vê-la aplicada".
Há que se ter em mente que a vontade da Administração Pública não pode ser confundida com o capricho do administrador. Patente o interesse público, deverá a medida correta e ideal ser adotada, caso contrário, poderá o Poder Judiciário invalidar o ato ou mesmo determinar que seja cumprida uma obrigação de fazer. Tal entendimento é corroborado por Andreas Krell, ao afirmar que:
"Como conseqüência da divisão dos Poderes, o juiz somente pode, em princípio, anular um ato administrativo; cabe, no entanto, à Administração reeditá-lo, se as condições fáticas do caso exigirem tal comportamento. Nos casos de redução da discricionariedade ‘a zero’, o juiz emite um pronunciamento condenatório, e não somente anulatório" [52].
Enfim, extrai-se de tais julgados que, a depender das circunstâncias fáticas, o Juiz poderá determinar desde a simples anulação de um ato administrativo discricionário, sob os fundamentos de infringência à lei, aos princípios (por exemplo, o da razoabilidade), abuso de poder, ausência de motivação, etc., até um juízo condenatório, fazendo surgir uma obrigação para a Administração. Não mais há aquela limitação despropositada de que haveria violação ao princípio da separação de poderes, porque se assim fosse o Poder Executivo teria mais força que os demais, afigurando-se possível a adoção de atitudes deliberadas por parte daquele sem que o Judiciário pudesse proceder ao controle, o qual também é constitucionalmente exigido, seja pela harmonia imposta no art. 2º, seja quando imposto no art. 5º que não se excluirá da apreciação do Judiciário lesão ou ameaça a direito.