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Os direitos dos herdeiros do sócio falecido

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11/11/2009 às 00:00
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4. O CONTRATO SOCIAL COMO TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL

Pois bem. Se o contrato social estiver assinado pelos sócios e subscrito por duas testemunhas, e contenha cláusula prevendo o pagamento de reembolso aos sucessores do sócio falecido, restará configurado o título executivo extrajudicial, consoante a figura tipificada no artigo 585, inciso II, do Código de Ritos. Neste sentido, como luva à espécie:

"Constitui título executivo extrajudicial, ao teor do disposto no art. 585, II, do Código de Processo Civil, o contrato constitutivo da sociedade mercantil, assinado pelos sócios e subscrito por duas testemunhas, estipulando cláusula de dissolução parcial com a determinação do que será pago aos herdeiros pelos haveres que caberiam ao sócio pré-morto." [21]

A legitimação ativa dos herdeiros para promover a ação de execução somente se dá após o inventariante prestar as primeiras declarações (CPC, art. 993, III), porque este é o momento em que ocorre a perfeita delimitação dos herdeiros, ora titulares do direito creditório [22]. É certo que, neste caso, para o contrato social ganhar o status de título executivo extrajudicial ele deve estabelecer um critério de apuração de haveres cujo valor do reembolso possa ser extraído diretamente da leitura do próprio contrato (por exemplo, determinar que a apuração de haveres se faça com base no valor nominal da cota).

Vale dizer, é necessário que o juiz da execução possa, com os elementos a seu dispor e que são seguros, encontrar o valor do crédito e a medida da constrição a impor ao executado. Do contrário, a execução será nula ante a iliquidez da obrigação contida no título executivo (CPC, art. 618, inciso I).

Assim, caso o contrato social seja omisso quanto ao critério de apuração de haveres, não será possível aos herdeiros se valerem do meio executivo, haja vista a necessidade de realização de um balanço específico para se aferir o valor do reembolso, o que retira a liquidez do título executivo (CPC, arts. 586 e 993, parágrafo único, II). O mesmo vale na hipótese do contrato social utilizar qualquer outro método de apuração cujo valor não possa ser extraído diretamente do próprio contrato social.

Todavia, entendemos que após a conclusão do balanco específico para determinar o valor do reembolso (CC, art. 1.031, caput), é perfeitamente possível aos herdeiros, caso haja necessidade, se valerem da ação de execução a fim de receberem os valores a que fazem jus, pois, com a realização do balanco o título (contrato social) dota-se de liquidez.

Confirmada a liquidez do título executivo, resta verificar se a obrigação é exigível e certa (CPC, art. 586).

Ora, a exigibilidade ocorre após o transcurso do prazo (noventa dias contados da morte do sócio, salvo estipulação contratual diversa) para pagamento do reembolso e não tendo o devedor cumprindo a prestação devida. Já a certeza decorre da perfeição formal do título (contrato social que preencha os requisitos exigidos pela lei bem como seja subscrito por duas testemunhas).

De saída, se num caso concreto a simples leitura do contrato social não levar o intérprete à conclusão de que se trata de um título executivo extrajudicial, resta aos herdeiros proporem uma ação monitória para então buscarem a constituição do título executivo judicial (CPC, art. 1.102-C, §3º) [23].

A ação deve ser movida contra a sociedade e seus sócios (lembre-se que estes respondem subsidiariamente pelo valor a pagar).

No mais, "um dos herdeiros, ainda que sem a interveniência dos demais, pode ajuizar demanda visando à defesa da herança, seja o seu todo, que vai assim permanecer até a efetiva partilha, seja o quinhão que lhe couber posteriormente" [24]. Por isso, os co-herdeiros que demandam em prol da herança agem como mandatários tácitos dos demais co-herdeiros aos quais aproveita o eventual reingresso do bem na "universitas rerum", em defesa também dos direitos destes (CC, art. 1.791 c/c 1.314) [25].

Dado o expendido é de se concluir que na hipótese do contrato social configurar um título executivo extrajudicial, os herdeiros poderão, nos termos acima expostos, se valer de uma ação de execução para receberem seu crédito relativo a participação societária deixada pelo de cujus.


Notas

  1. TJSP – Ap. Cível c/Rev. n.º 83.979.4/9, data de registro 05-10-1999, 9ª Câmara de Direito Privado – Rel. Ruiter Oliva.
  2. TJMG - Agravo de Instrumento n.º 1.0024.05.693092-8/001, data do julgamento 14-08-2008, 15ª Câmara Cível – Rel. José Affonso da Costa Côrtes.
  3. TJMG - Agravo de Instrumento n.º 239.723-7, data do julgamento 04-09-1997, 7ª Câmara Cível – Rel. Juiz Lauro Bracarense.
  4. RONCONI. Diego Richard. A condição dos herdeiros no caso de falecimento de sócio de sociedade limitada. Disponível em: <http://sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/caso.pdf>. Acesso em: 24 set. 2009.
  5. RONCONI, Ob. cit..
  6. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Teoria Geral, 7ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 517-8.
  7. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, Vol. 2, 13.ª ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p.480.
  8. José Edwaldo Tavares BORBA entende que sem previsão contratual sobre a aquisição das próprias cotas pela sociedade e sem supletividade da lei das sociedades anônimas, a aquisição dependerá, em face do inusitado da medida, de decisão unânime dos sócios (Direito Societário, 11.ª ed., rev., aum. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 138).
  9. BORBA. Ob. cit., p. 45.
  10. COELHO. Ob. cit., p.395.
  11. BORBA. Ob. cit., p. 227.
  12. COELHO. Ob. cit., p.480.
  13. RONCONI, Ob. cit..
  14. COELHO. Ob. cit., p.483.
  15. BORBA. Ob. cit., p. 80.
  16. TAMG, RT, 737/406 in COELHO, Fábio Ulhoa. A sociedade limitada no novo código civil, São Paulo: Saraiva, 2003, p.178.
  17. COELHO. Ob. cit., p.483.
  18. RTJ, 119/11 in COELHO, Fábio Ulhoa. A sociedade limitada no novo código civil, ob. cit., p.177.
  19. COELHO. Ob. cit., p.302.
  20. COELHO, Fábio Ulhoa. A sociedade limitada no novo código civil, ob. cit., p.177-178.
  21. TJRJ – Ap. Cível 2000.001.16957, data de julgamento 15-03-2001, 13ª Câmara Cível – Rel. Nagib Slaibi Filho.
  22. Em outras palavras, as primeiras declarações é o momento que atesta a qualidade de herdeiro, qualidade esta necessária para a titularidade do crédito consubstanciado no título executivo extrajudicial (contrato social). Trata-se de legitimidade ordinária primária, já que o herdeiro estará demandando em nome próprio, na defesa de seu próprio interesse.
  23. Neste sentido: TJSP – Ap. Cível com Revisão 4403834000, data de julgamento 03-12-2008, 5ª Câmara de Direito Privado, rel. Silvério Ribeiro.
  24. RSTJ 90/242 in NEGRÃO, Theotonio, 1917-2003; GOUVÊA, José Roberto Ferreira; BONDIOLI, Luiz Guilherme Aidar. Código de Processo Civil e Legislação processual em vigor, 41ª ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 133.
  25. NEGRÃO, Ob. cit., p. 133.
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Sobre o autor
Paulo de Almeida Ferreira

Pós-graduando em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Advogado em Santos/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Paulo Almeida. Os direitos dos herdeiros do sócio falecido. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2324, 11 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13834. Acesso em: 26 abr. 2024.

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