4.UM OLHAR INICIAL SOBRE AS REPERCUSSÕES DA CRISE DE 2007/2009 NO BRASIL
Até janeiro de 2008, os exportadores brasileiros tomavam financiamentos em dólar, através de adiantamento de contrato de câmbio, a um custo de 9% ao ano. [17] Muitas dessas empresas, pegavam empréstimos em dólar para aplicar o dinheiro no mercado financeiro no Brasil e assim lucrar com a diferença. Outra forma de obter lucro era através da valorização do real, uma vez que somente no primeiro semestre de 2008 o dólar caiu mais de 9%.
Empresas brasileiras [18] se valeram também de derivativos de balcão, operações realizadas diretamente entre a empresa e o banco, sem passar pelas bolsas de valores e pelos controles da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Tais operações, em sua maioria, eram contratadas com bancos estrangeiros. Empresas não exportadoras também aderiram a essas arriscadas operações.
Por algum tempo, os resultados foram compensadores, no entanto, a inversão brutal no movimento do câmbio impôs prejuízos às empresas que apostavam na valorização do real [19].
Na economia da especulação não existe estabilização do câmbio em torno de um valor fundamental, como falaciosamente pretendem as teorias que sustentam os regimes de câmbio flutuante. Tais teorias somente se verificariam eficazes se aplicadas a um mercado em que a taxa de câmbio real exprimisse os preços relativos entre os bens produzidos domesticamente e aqueles de produção estrangeira, uma vez que o câmbio se moveria em razão da posição da balança em transações correntes, reagindo aos déficits ou superávits na conta que registra as importações e exportações de mercadorias e serviços.
Quando as economias estão abertas aos movimentos de capitais e sujeitas à formação de posições especulativas em mercados futuros, tais posições especulativas não funcionam, uma vez que as taxas de câmbio refletem a demanda e a oferta de moedas enquanto ativos financeiros. As antecipações sobre as variações de preço provocam ajustamentos entre a moeda nacional e a moeda internacional de referência, sem proporção com o resultado do comércio.
Após dois trimestres seguidos de recuo do PIB [20] brasileiro, que caracteriza a chamada "recessão técnica", a economia vem retomando o crescimento [21] e o mercado de trabalho também vêm reagindo, ainda que discretamente.
Segundo dados do DIEESE [22], verificou-se uma tímida redução do desemprego no primeiro semestre de 2009. A massa de rendimentos expandiu devido o crescimento do nível de ocupação, recuperando-se o emprego formal. [23]
A atividade industrial vem se recuperando [24], embora seja ainda inferior se comparada a junho de 2008. O aumento de produção mais expressivo foi registrado no segmento de bens de capital (2,1%), o qual, com terceira taxa positiva de crescimento consecutiva, acumulou ganho de 5,5% entre março e junho.
Os trabalhadores obtiveram aumentos reais [25], o que confirma que, de maneira geral, a crise mundial teve pouco efeito sobre os resultados para este item de pauta nas negociações coletivas trabalhistas no Brasil [26]. Os efeitos da crise na economia brasileira que, ao longo do tempo, se configuraram como menos drásticos que o observado nos países centrais; a trajetória de recuo dos preços apontada pelo INPC-IBGE nos seis primeiros meses de 2009 e a política de valorização do salário mínimo que impulsionou o reajuste dos menores salários foram os fatores facilitadores da negociação dos reajustes salariais.
Além disso, os ajustes das empresas, nos segmentos econômicos e regiões geográficas em que a crise se manifestou violentamente, ocorreram principalmente pelo expediente da demissão de trabalhadores, e não pela contração dos reajustes salariais das categorias.
Após a eclosão da crise, a China passou a ser o maior parceiro comercial do Brasil em 2009, superando os Estados Unidos, sendo que passamos a importar desta 85% de produtos primários, e praticamente nada de produtos manufaturados com maior valor agregado. As importações de produtos europeus decresceram, uma vez que suas manufaturas, com maior índice de tecnologia, possuem maior valor agregado. O Brasil continua exportando produtos industriais aos países sul-americanos, embora com crescentes dificuldades, em função do aumento do protecionismo, decorrente da crise financeira.
As conseqüências da valorização do real são danosas. Há uma redução dos investimentos na indústria de transformação e são crescentes as dificuldades para a exportação, especialmente em setores que concorrem diretamente com a indústria chinesa. Além disso, é visível a deterioração da pauta exportadora brasileira.
A redução das exportações nos primeiros sete meses de 2009 em relação à igual período de 2008 ocorreu de forma substancial em todos os segmentos, porém, em muito menor proporção nas exportações de produtos básicos [27]. A partir da menor redução das exportações dos produtos básicos, em relação ao conjunto, ocorreu recentemente uma alteração do perfil das exportações nacionais, com o aumento da fatia destes produtos no total das vendas, passando de 36,3% para 42,6% no período em questão. Entre os principais produtos básicos da pauta, o grande destaque nos primeiros sete meses do ano foi a soja em grão e o farelo de soja, com aumentos de 14,8% e 6,0%, respectivamente, em relação ao mesmo período do ano passado.
Quanto à venda dos produtos industrializados houve queda de 31,3% no período compreendido entre janeiro e julho de 2009, em função da retração nos mercados internacionais, decorrente da crise. Isto fez com que a participação dos industrializados no total das exportações brasileiras caísse de 61% para 55% no período em tela.
Diferentemente de outros momentos de crise financeira internacional, desta vez parece estar descartada uma crise cambial, com fugas de capitais do Brasil. Os indicadores de robustez nas contas públicas e a continuidade da demanda global pelas commodities [28] produzidas pelo país afastam o risco de crise mais graves nas contas externas, o que possibilita a tributação dos capitais internacionais.
No entanto, é necessário promover uma redução maior na taxa Selic, já que as taxas de juros nos países desenvolvidos estão próximas de zero e está afastado, neste momento, qualquer risco de aumento da inflação.
A intensificação da política de compra de reservas também é uma medida que deve ser adotada. O governo tem adquirido todo dólar extra que tem entrado no país, mas é preciso intensificar esta política. O custo de acumulação das reservas diminuiu em função do diferencial de juros externos e internos. Esta política, além de reduzir a oferta de dólares no mercado, o que evita uma queda ainda maior da moeda, ainda engorda as reservas internacionais brasileiras.
Não há uma fórmula mágica que as autoridades econômicas possam tomar que encaminhe para a correção do problema do câmbio valorizado de forma imediata. A solução do problema requer políticas de longo prazo. Os superávits comerciais são fundamentais para o Brasil. Foram eles que nos permitiram a melhora no balanço de pagamentos e a redução da vulnerabilidade externa ocorrida nos últimos anos. Mas os resultados na balança têm que vir acompanhados da melhoria de sua qualidade, ou seja, é fundamental agregar valor às nossas exportações, já que a valorização das commodities nos mercados internacionais não vai durar eternamente. O problema é grave, mas por ter uma clara dimensão estrutural, necessita de políticas voltadas para o seu enfrentamento também a longo prazo.
5.CONCLUSÃO
A crise financeira que assolou os EUA, intitulada como a "vergonha do excesso" [29], teve seu ápice no dia 15 de setembro de 2008, por meio da falência da Lehman Brothers, e, a partir de então, a repercussão foi global. Houve o desencandeamento de "uma torrente de destruição da riqueza das pessoas, empresas e países" [30], em face da:
"financeirização da economia, da preferência pelo capital especulativo sem correspondência com a massa de valores reais e da globalização/repartição dos prejuízos econômicos amargados por um país de hegemonia econômica frente a outras nações". (FABIANO,2009:2)
Desde a Grande Depressão de 1929, não se via um cenário tão grave comparado ao presente e a medida encontrada para conter os prejuízos girou em torno da "desalavancagem" da economia e da produção, o que acarreta, diretamente, no mundo do trabalho.
Mais uma vez, a história se repete. Estamos diante de um momento de incerteza e desconfiança generalizados, num período similar de "desgovernaça pública" [31].
A presente crise teve os seus efeitos generalizados de tal forma que atacou o centro do capitalismo e se espalhou pelo sistema e pela sociedade como um todo, não havendo possibilidade de blindagem, repercutindo, assim, numa crise social. Nesta, não há que se falar em período "pós-crise".
Dessa forma, é inegável a orgânica conexão entre o tipo de política pública seguida, hegemonicamente hoje, na maioria dos países capitalistas ocidentais, inclusive no Brasil, a crise mundial de 2007/2009.
O capitalismo não precisa funcionar "sem peias", sem reciprocidade, mas assim se encontra em razão da "reiteração da mesma matriz de suas políticas públicas principais". (DELGADO, 2006:118/119)
Entretanto, essencial salientar, em que pese seus prejuízos, a crise financeira mundial e os seus impactos criam também uma oportunidade histórica: "a construção de algo superior. Ela abre perspectiva do enfraquecimento da dominação política que antes moldava o mundo, ou seja, abre a possibilidade de construção de um novo padrão civilizatório". (POCHMANN, 2009)
A lição fundamental que se pode tirar é que "o ideário da desregulamentação exacerba problemas e distorções e acentua o processo de exclusão social". (DELGADO, 2009)
Pelo exposto, independente do ideário político, no mínimo o bom senso leva a compreender que a saída para a crise mundial passa pelo "restabelecimento de mecanismos de regulação, por meio de um processo maciço de intervenção do Estado na economia". (DELGADO, 2009)
Ainda, pontua Delgado que qualquer reflexão sobre essa crise tem de passar também pela redescoberta das instituições e dos segmentos sociais do Direito [32].
Frisa Delgado, "a crise criou uma oportunidade excepcional de reflexão sobre as instituições, o Estado, a democracia e o direito, particularmente os direitos sociais – entre eles o do Trabalho". (DELGADO, 2009)
Previsões para um futuro próspero? Pode-se dizer que "O futuro depende da sociedade, da democracia e do bom funcionamento das instituições", em destaque, o Direito do Trabalho, por ser fundamental para o bem-estar das pessoas, e está provado que é fundamental para o bom funcionamento do capitalismo porque cria o mercado interno". (DELGADO, 2009)
6.REFERÊNCIAS BIBIOGRÁFICAS
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