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A reserva legal e o dever de averbação como infração administrativa.

Exame da constitucionalidade com enfoque na Região Sul do país

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24/11/2009 às 00:00
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1. INTRODUÇÃO.

O constante conflito entre ambientalistas e proprietários de terras rurais tem um novo capítulo. O instituto jurídico da reserva legal e as infrações administrativas criadas pela ausência da sua averbação pelo Decreto 6.514/2008 se tratam de temas de grande repercussão atualmente na região Sul do país e que estimularam novamente fervorosos debates entre ambientalistas e proprietários de imóveis rurais. Trata-se de uma grandiosa polêmica, não só pelos direitos que estão em jogo, mas também pelas classes envolvidas e pelas repercussões que o assunto está trazendo e trará. É uma discussão, portanto, que merece a atenção e a colaboração de todos que se sintam afetados, interessados ou estejam dispostos a auxiliar, para o fim de qualificá-la e buscar a melhor solução possível para o caso.

A reserva legal foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei 7.803/1989, com a qual também foi instituído o dever de averbação da sua respectiva área, mas, frise-se, apenas com relação a áreas de floresta. Não havia a previsão no ordenamento jurídico de infração administrativa ou penal pelo descumprimento da obrigação e, por óbvio, tampouco pena. Apenas em 1999 é que expressamente foi introduzida, pelo Decreto n.° 3.179/99, infração administrativa somente em relação à exploração ou desmatamento da reserva legal (artigos 38 e 39 do Decreto 3.179/99). [01] Com as modificações trazidas pela Medida Provisória 166-67, de 2001, é que, além das áreas de florestas, foram inseridas como áreas abrangidas pelo instituto da reserva legal outras formas de vegetação nativa. Em 2008, surge o tão temido e contestado Decreto n.° 6.514, que, dentre outras disposições, revogou o Decreto n.° 3.179/99, manteve a infração relativa ao desmatamento ou danificação de floresta ou qualquer tipo de vegetação nativa dentro de área de reserva legal (art. 51) e criou a infração pela ausência de averbação da reserva legal (art. 55), à qual foi atribuído um período de vacatio legis até 10.12.2009 pelo Decreto n.° 6.686/2008 (art. 152).

A obrigação de respeitar a reserva legal e o dever de averbação da respectiva área passou, então, a ser tipificado, no caso de descumprimento, como infração administrativa, sendo cominada pena. Tal cenário, mormente com relação à infração e à pena pela não-averbação da área de reserva legal, deu origem a um clima tenso entre os proprietários de imóveis rurais, temerosos com as consequências que a nova situação trará. Abriram-se os debates e a busca por soluções.

Com o objetivo de colaborar com a discussão, doravante passar-se-á a analisar a constitucionalidade do instituto da reserva legal – voltado para a região Sul do país -, bem como a constitucionalidade da infração administrativa criada para o caso de ausência de averbação da reserva legal.


2. RESERVA LEGAL X DIREITO DE PROPRIEDADE: ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA RESTRIÇÃO AO DIREITO DE PROPRIEDADE.

O instituto jurídico da reserva legal ora tratado tem como principal desiderato conduzir o Brasil a ter um estoque vegetal para conservar a biodiversidade, encontrando o seu fundamento imediato na Constituição Federal (art. 225, §1º, inc. III, da CF/88). [02]

Está conceituado no artigo 1º, §2°, inciso III, da Lei 4.771/1965 [03], também conhecida como Código Florestal. Já no artigo 16 da Lei 4.771/1965 [04] são definidos os percentuais de florestas e outras formas de vegetação nativa que devem ser mantidos a título de reserva legal, insuscetíveis de supressão. Quatro são as situações de reserva florestal legal definidas nesse artigo: (i) na Amazônia Legal, (ii) na área de cerrados, (iii) na área de campos gerais e (iv) nas outras áreas do país [05], sendo que apenas a última será objeto de estudo.

A área definida como de reserva legal, ou seja, 20% da propriedade rural com a localização atendendo os termos do artigo 16, § 4º, do Código Florestal, não pode ter a vegetação suprimida e pode ser utilizada somente sob regime de manejo florestal sustentável [06] (art. 16, § 2°, do Código Florestal). Caso o imóvel rural não possua área de floresta nativa, natural, primitiva ou regenerada ou outra forma de vegetação nativa com extensão de 20% da propriedade rural, salvo as hipóteses dos parágrafos 5° e 6° do artigo 16 do Código Florestal, deverá o proprietário recompor, conduzir a regeneração ou compensar a reserva legal por outra área, nos termos do artigo 44 do Código Florestal.

Como se vê, a reserva legal impõe limites ao direito de propriedade privada, determinando ao proprietário algumas obrigações, como: (i) a obrigação de que se defina a área de reserva legal e se proceda a averbação desta, (ii) uma obrigação de não fazer, regulando o modo de utilização da área definida como de reserva legal, que praticamente inviabiliza o uso dessa parcela da propriedade e (iii) a obrigação de determinar a condução da regeneração, a recomposição ou a compensação da reserva legal, na hipóteses de que não exista área de floresta nativa, natural, primitiva ou regenerada ou outra forma de vegetação nativa com extensão de 20% da propriedade rural.

Os direitos fundamentais são passíveis de restrição. Isso porque, temos uma Constituição pluralista, em que foram positivados e elevados à status de direitos fundamentais uma série de interesses de classes diversas, que muitas vezes se contrapõe. Por isso, os direitos fundamentais devem ser tratados como relativos, e não como absolutos [07], a fim de que convivam harmonicamente com os outros, o que pelos mais variados fatores muitas vezes não é possível pela frequente tensão que os caracteriza. [08] E quando isso acontece, deve-se definir no caso concreto os limites de satisfação e restrição dos direitos conflitantes. [09]

Na questão ora tratada é exatamente o que ocorre. Nitidamente o instituto da reserva legal visa a dar efetividade ao direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado, o que atende aos interesses da classe ambientalista. Por outro lado, tal instituto acaba restringindo o direito de propriedade dos proprietários de imóveis rurais, que entendem estar sendo lesados, isto é, que seu direito de propriedade está sofrendo uma limitação materialmente inconstitucional. Examinar se as limitações impostas pelo instituto jurídico da reserva legal ao direito à propriedade são materialmente constitucionais será a tarefa a ser desenvolvida, que terá como base para tal investigação o método da ponderação. [10]

O direito de propriedade foi consagrado pela Constituição Federal como um direito fundamental (art. 5°, inc. XXII, da CF/88). De outra banda, a própria norma que o consagra é seguida por outra que o condiciona a atender a sua função social (art. 5°, inc. XXIII, da CF/88). Trata-se de um limite imanente ao direito de propriedade, que obriga o proprietário a fazer com que o direito de propriedade seja exercido de modo a atender a função social da propriedade, ou seja, atender aos aspectos sociais, ambientais e econômicos que envolvem o exercício de tal direito.

Na realidade, a instituição da propriedade é garantida pela Constituição, cabendo às leis regular o exercício, definir o conteúdo e traçar os limites do direito de propriedade [11], em que pese a própria Constituição já estabeleça alguns limites. [12] Tais limitações infraconstitucionais, entretanto, devem sempre respeitar o dever de proporcionalidade na restrição do direito fundamental à propriedade [13], sob pena de lesão à cláusula do devido processo legal substancial (art. 5º, LIV, da CF/88).

Na questão da reserva legal, com a finalidade de conservar a biodiversidade e, dessa forma, promover a proteção e a promoção do direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, caput, da CF/88), foram impostas severas restrições ao direito de propriedade. Não só o uso da propriedade foi restrito, também são impostas obrigações positivas, como a regulamentada pelo artigo 44 do Código Florestal.

Data venia, entendo que se tratam de restrições que lesam o dever de proporcionalidade, por serem desnecessárias [14], porquanto existem outras medidas igualmente eficazes para a tutela da biodiversidade e menos restritivas ao direito de propriedade. Creio que é possível compatibilizar o uso da propriedade, não interferindo na produtividade desta, e a preservação ambiental, conservando-se a biodiversidade, como visa o instituto da reserva legal, sem que seja preciso a aplicação do instituto ora estudado e praticamente suprimido o direito de uso da propriedade em certa parcela.

A união de técnicas bastante desenvolvidas para a utilização da propriedade com uma fiscalização eficiente e rigorosa pode permitir um desenvolvimento sustentável, com a efetivação dos aspectos econômicos, ambientais e sociais da propriedade privada.

Ressalte-se que a maior floresta tropical do mundo é a brasileira (33% das florestas do mundo estão no Brasil), que 19% das nossas florestas são virgens e que 63% do território brasileiro é revestido de florestas. [15] Somos, indiscutivelmente, um país bem desenvolvido em matéria de preservação ambiental se tomada por base a situação a nível mundial. Por outro lado, economicamente estamos em franca ascensão, o que desperta preocupação em países alienígenas. E isso faz com que constantemente sejamos pressionados com discursos ideológicos que ressaltam a necessidade de preservação do nosso ambiente. Não quero aqui e de modo algum pretendo reduzir a importância da proteção e da promoção do meio, mas não pode o Brasil suportar sozinho a responsabilidade ambiental mundial. Os excessos cometidos pelas grandes potências não podem recair sobre o Brasil de modo que comprometa o seu desenvolvimento econômico. A tarefa de proteger o ambiente e promover a sua recuperação deve ser dividida entre todos os países. Todos devem fazer concessões em prol desse objetivo maior, não somente o Brasil, que deve também fazer parte desse movimento, sem, todavia, que se esqueça do seu desenvolvimento econômico e se submeta a condições desiguais.

Na região Sul, temos uma vasta biodiversidade. Como tem sustentado vários especialistas, não há a proteção de apenas 20% da propriedade rural, promovendo e tutelando a biodiversidade, existe um uso consciente da propriedade, sendo esta protegida integralmente, ou seja, 100% da propriedade é preservada por meio de técnicas avançadas do uso da propriedade, de modo que a biodiversidade é mantida.

Com efeito, não é preciso ingressar no exame jurídico estrito do dever de proporcionalidade (proporcionalidade em sentido estrito), pois no exame fático do dever de proporcionalidade (subprincípio da necessidade) já é possível localizar uma mácula à cláusula do devido processo legal substancial e, por conseguinte, ao dever de proporcionalidade na restrição do direito de propriedade, o que acarreta na inconstitucionalidade no instituto ora examinado. Isso porque já existem e vem sendo adotadas medidas que promovem a proteção da biodiversidade sem comprometer o uso da propriedade, razão pela qual é desnecessário o instituto da reserva legal.

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Mas mesmo assim, não se pode olvidar das repercussões econômicas que o instituto da reserva legal trará. Certamente haverá uma desvalorização das propriedades rurais, pois 20% delas estarão com o seu uso bastante comprometido, além dos gastos que os proprietários terão para atender ao disposto no artigo 44 do Código Florestal. Já o impacto imediato na economia brasileira seria da perda de aproximadamente de R$ 40.000.000.000,00 (quarenta bilhões de reais). Não bastando, induvidosamente tal situação trará reflexos socias, mais detidamente acarretará na diminuição de vários empregos rurais e, consequentemente, no aumento do desemprego.

Nesse panorama, vê-se que além da reserva legal trazer severa restrição ao direito de propriedade, acaba também restringido a sua função social, uma vez que traz repercussões negativas tanto no âmbito econômico quanto no espaço social, que juntamente com o aspecto ambiental integram a função social da propriedade. Por outro lado, observa-se que a situação da biodiversidade no país, principalmente na região Sul, não é tão dramática que exija medidas drásticas para a sua proteção e promoção. Por isso, reitera-se o entendimento de que é possível compatibilizar o uso da propriedade com a proteção ambiental, sem que seja restrita quase que integralmente a utilização de parcela da propriedade.

E assim sendo, pode-se afirmar que ao grau de importância da implementação do instituto jurídico da reserva legal não justifica as restrições trazidas ao direito de propriedade e à sua função social, levando em conta o sistema constitucional. [16] Resulta que, também no que tange às possibilidades jurídicas, é lesado o dever de proporcionalidade na restrição do direito de propriedade pelo instituto da reserva, eivando-o de inconstitucionalidade material.

Em última análise, as restrições da reserva legal ao direito de propriedade são materialmente inconstitucionais e, dessa maneira, nulas. Basta saber, todavia, se esse será o posicionamento dos Tribunais [17], que cada vez mais exteriorizam a sua vocação ambientalista.


3. ART. 55 DO DECRETO 6.514/08: EXAME DA CONSTITUCIONALIDADE DA INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA PELA AUSÊNCIA DE AVERBAÇÃO DA RESERVA LEGAL.

Outra questão importante a ser examinada se trata da criação da infração administrativa por ausência de averbação da reserva legal pelo Decreto n.º 6.514/08, que tem o início da vigência a partir de 11/12/2009.

O Decreto n.° 6.514/08 inovou no ordenamento jurídico brasileiro. A despeito da obrigação de averbar a área de reserva legal tenha sido introduzida pela Lei n.° 7.803/1989 e posteriormente ampliada pela Emenda Constitucional n.° 166-67 (art. 16, §8°, do Código Florestal), até a edição do Decreto n.° 6.514/08 o descumprimento de tal obrigação não caracterizava qualquer infração administrativa e não determinava a aplicação de penalidade. Somente com o Decreto n.° 6.514/08 é que a ausência de averbação da área definida como de reserva legal passou a caracterizar infração administrativa (Art. 55 do Decreto n.° 6.514/08). A infração e a pena pela ausência de averbação, portanto, são inovações trazidas pelo Decreto ora em discussão.

O poder regulamentar configura um dos modos de exercício do poder normativo no âmbito executivo (função atípica do Executivo). Do exercício do poder regulamentar resulta a expedição de regulamentos, veiculados por meio de decretos, de competência do chefe do Executivo. [18]

A Constituição Federal previu duas modalidades de decretos: os decretos regulamentares (art. 84, IV, da CF/88) e os decretos autônomos (art. 84, VI, CF/88). Estes consistem em exceções limitadas pela própria Constituição, que define as matérias passíveis de regulamentação autônoma. Tratam-se de uma restrita possibilidade de a Administração Pública emitir normas administrativas praeter legem, ou seja, sem a necessidade de lei em sentido formal, para dispor sobre a organização e o funcionamento administrativo federal, desde que não crie ou extinga órgãos ou aumente despesas. [19]Já aqueles têm por finalidade regulamentar, complementar e interpretar as leis para a sua fiel execução. São atos subalternos, dependentes da lei, que não podem inovar em caráter inicial na ordem jurídica [20], pois esta é uma função típica do Legislativo. [21]Isso porque, a Administração Pública deve respeito ao princípio da legalidade (art. 5°, II, e art. 37, caput, ambos da CF/88).

O legislador é quem legitima a atuação do administrador, cumprindo a lei um papel positivo no Direito Administrativo, sendo ao mesmo tempo sua fonte e seu limite de atuação, ao contrário do que ocorre no Direito Privado, onde lei exerce uma função negativa, isto é, não havendo lei proibitiva de algum comportamento, este é permitido. [22]

No que respeita ao Decreto 6.514/08, como a matéria tratada não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas pelas duas alíneas do inciso VI do artigo 84 da Constituição Federal, trata-se de um decreto regulamentar (art. 84, IV, CF/88). Todavia, em que pese tal verdade, o poder regulamentar exercido, quanto à infração ora tratada, atuou substituindo a função legislativa formal, pois inovou na ordem jurídica interna, criando uma infração administrativa até então inexistente [23], que incumbiria à lei em sentido formal.

No caso, o chefe do Executivo Federal acabou extrapolando seu poder regulamentar. Excedeu os limites da função executiva, invadindo a competência do Legislativo. Também ultrapassou as fronteiras da sua fonte de validade (lei formal), ampliando significativamente a sua abrangência e criando situação jurídica nova. [24]Aliás, a existência de abuso do poder regulamentar no Decreto n.° 6.514/08 já foi publicamente reconhecida por integrantes do Congresso Nacional. Sintomática é a inclusão do artigo 152 pelo Decreto n.° 6.686/08, editado posteriormente ao Decreto ora tratado, que criou um período de vacatio legis [25] para a infração administrativa em análise, assim como o compromisso assumido pelo Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, de que o IBAMA não aplicaria as sanções previstas no Decreto n 6.514/08 durante as discussões para modificar o texto.

Por tais razões, a infração administrativa prevista no artigo 55 do Decreto n.° 6.514/08 afronta a garantia fundamental da legalidade (art. 5° II, e art. 37, caput, ambos da CF/88), pois a criação de tal tipo infracional caracteriza uma intervenção do Executivo na competência do Legislativo [26] (aqui, especificamente, há uma lesão à garantia da reserva legal, decorrente da legalidade) e uma intolerante transposição do limite da lei (neste caso há uma lesão à legalidade administrativa).

Ainda é sustentável a mácula aos princípios da divisão de poderes (art. 2° da CF/88) e democrático (art. 1°, caput, da CF/88), pois ocorreu uma situação jurídica nova na ordem jurídica interna por um decreto regulamentar, que é elaborado pelo chefe do Executivo, ou seja, em gabinete fechado, sem publicidade e representando uma única vontade. A infração deveria ser criada pelo Parlamento, órgão colegial que representa a pluralidade de interesses da sociedade e, por isso, ganha um grau de proximidade em relação à média do pensamento social predominante. [27]


4. CONCLUSÃO.

Embora não seja um instituto jurídico novo, a reserva legal até então passava despercebida aos olhos dos interessados. A ausência de infrações pelo descumprimento das obrigações impostas pelo instituto trazia certo conforto aos proprietários de imóveis rurais. Com a criação das infrações administrativas o cenário se alterou. A partir de então foi deflagrado um ataque frontal ao instituto pelos proprietários de terras rurais por meio dos seus representantes. A pressão resultou na postergação da vigência da infração pela ausência de averbação da área destinada à reserva legal, assim como no compromisso do Ministro do Meio Ambiente de que as infrações não seriam aplicadas até que fossem encerrados os debates para a readequação das normas que tratam da matéria.

Encontramo-nos diante de uma situação de intensa tensão. Existe um debate a respeito da matéria, mas até o momento o instituto jurídico da reserva legal se mantém incólume. A princípio, a partir do dia 11.12.2009 todas as normas que regem o instituto ora em análise estão vigendo e os proprietários deverão se adequar, sob pena de sofrerem as sanções previstas.

No presente trabalho, sustenta-se a inconstitucionalidade do instituto ora em comento por lesão ao direito de propriedade. Também é advogada a inconstitucionalidade do decreto que criou as infrações administrativas referentes à reserva legal sob o argumento de que feriria os princípios da legalidade, da separação dos poderes e o democrático.

Caso esse seja o entendimento adotado, que se entende ser o que representa da melhor forma a vontade constitucional, qualquer dos Poderes poderá promover medidas que impeçam a aplicação do instituto da reserva legal e das infrações administrativas que se relacionam com ele. O Executivo, em qualquer das esferas federativas, poderá negar cumprimento às normas por entender que são inconstitucionais, justificando os motivos por escrito e dando publicidade ao documento, a fim de evitar responsabilidade. O Legislativo poderá editar nova lei que revogue tácita ou expressamente as normas que tratam da reserva (tanto das obrigações quanto das sanções), ou, no caso das infrações instituídas pelo decreto regulamentar, o Congresso Nacional poderá sustar este (art. 49, V, da CF88). Já o Judiciário poderá se manifestar tanto em controle concentrado [28] quanto em controle difuso de constitucionalidade, declarando a nulidade das normas.

O ambiente mais propício para a resolução do embate, creio que se encontre no Legislativo. Lá é onde se encontrará a solução com a maior proximidade da média do pensamento social predominante, além de que evitará um sufoco ainda maior do Judiciário com a série de demandas que tal matéria acarretará e também impedirá uma série de processos administrativos tratando da reserva legal. Ganhar-se-á tempo, economizar-se-á dinheiro, haverá uma solução mais próxima da média da opinião social prevalente e ainda haverá segurança jurídica sobre a matéria. Entretanto, a realidade nos mostra que a tendência é de que a questão seja solucionada pelo Judiciário, como vem acontecendo com a grande maioria dos conflitos sociais. A judicialização dos conflitos sociais é a própria realidade, decorrente do neoconstitucionalismo, que elevou o Judiciário ao status de Poder "mais importante" em detrimento do Legislativo, que antigamente, quando predominava a teoria positivista do Direito, ocupava essa posição [29]

E assim sendo, que Deus ilumine o Judiciário e que prevaleça a vontade constitucional, com a declaração da inconstitucionalidade das normas relativas ao instituto da reserva legal.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VANONI, Leonardo Bofill. A reserva legal e o dever de averbação como infração administrativa.: Exame da constitucionalidade com enfoque na Região Sul do país. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2337, 24 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13898. Acesso em: 19 abr. 2024.

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