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Responsabilidade do Estado por dívidas trabalhistas decorrentes dos contratos de terceirização

26/11/2009 às 00:00
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1.Os presentes apontamentos têm origem a partir da leitura do artigo do Prof. Roberto Wagner Lima Nogueira, intitulado "Débitos Trabalhistas da Administração Pública e a Nulidade do Enunciado 331 do TST". Chamou a nossa atenção a abordagem do tema. O articulista, para embasar a sua convicção na nulidade do Enunciado 331 do TST, expôs a existência de um conflito entre norma legal e um entendimento jurisprudencial.

2.O aparente conflito decorria do disposto no artigo 71, § 1º da Lei de Licitações e Contratos Públicos e o texto do Enunciado 331, do Egrégio Tribunal Superior do Trabalho. Transcrevemos os respectivos textos e também os artigos 1º e 54 da Lei de Licitações, in verbis:

"Lei 8.666, DE 21 DE JUNHO DE 1993

Art. 1º. Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

(...)

Art. 54. Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado.

(...)

Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.

§ 1º. A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso de obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.

§ 2º. A Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato, nos termos do art. 31, da Lei nº. 8.212, de 24 de julho de 1991.".

"TST Enunciado nº.331 – Revisão da Súmula nº. 256 – Res. 23/1993, DJ 21, 28.12.1983 e 04.01.1994 – Alterada (Invciso IV) – Res. 952000, DJ 18, 19 e 20.09.2000 – Mantida – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003

Contrato de Prestação de serviços – Legalidade

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso do trabalho temporário (Lei nº. 6.019, de 03.01.1974).

II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (Art. 37,II, da CF/1988); Revisão do Enunciado nª. 256 – TST

III – Não forma vinculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº. 7.102, de 20-06-1983), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador implica responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quantos àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial. (Alterado pela Res. 96/2000, DJ 18.09.2000)".

03. Repetimos que nos animamos a também a discorrer sobre o tema em virtude da alegada existência de conflito entre o artigo 71 e o Enunciado 331.

04.O aparente choque surge a partir da origem dos textos, já que a Lei de Licitações é norma legal e o Enunciado nº. 331, texto resultante de interpretação jurisprudencial. Na "pirâmide de Kelsen" o Enunciado nº. 331 situa-se abaixo da lei. Com a interessante referência ao notável jurista Hans Kelsen, a conclusão do autor foi no sentido de que o Enunciado nº. 331 do TST não poderia revogar a Lei 8.666/93. No entender do articulista, o Enunciado nº. 331, do TST afronta o artigo 37 da Constituição Federal, em especial o princípio da legalidade.

05. Não temos a pretensão – nem mesmo o equivalente preparo acadêmico do citado autor - de contestar as proposições científicas contidas no trabalho que proporcionou a nossa reflexão, mas entendemos que a responsabilidade subsidiária dos entes públicos decorre de texto legal, de lei situada no mesmo nível hierárquico da Lei 8.666/93.

06.Sabemos que a Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, aplica-se a todas as relações entre empregado e empregador. Também não é segredo que a valorização do trabalho é fundamento da República Federativa do Brasil, por força do artigo 1º, inciso IV, da CF/88 a qual também visa assegurar uma ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano, e a todos, uma existência digna, conforme os ditames da justiça social. É o que preceitua o artigo 170 da mesma Constituição Federal.

07.Não há conflito de hierarquia entre o contido no § 1º, do artigo 71 da Lei de Licitações e o Enunciado nº. 331 do TST. De fato, basta que consultemos os artigos 8º e 9º da CLT, que dispõem:

"Art. 8º. As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, e acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Parágrafo único. O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.

Art. 9º. Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação."

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08. A responsabilização subsidiária dos órgãos da administração pública pelo inadimplemento de obrigações trabalhistas perante os empregados de outrem, contratados com base na Lei de Licitações não encontra óbice. A responsabilização subsidiária dos entes da Administração Pública decorre da Consolidação das Leis do Trabalho.

09.E isso porque a lei de licitações não regula as relações entre as empresas contratadas e os empregados desta, mas disciplina exclusivamente o contrato estabelecido entre a administração licitante e o prestador de serviços.

10.Ademais, a Administração Pública deve observar os princípios da legalidade, impessoalidade e da moralidade previstos no artigo 37, da Constituição Federal. Queremos com isso dizer que os entes públicos, ao agirem, não podem provocar lesão a outrem, que no nosso caso é o empregado que não tenha recebido os créditos trabalhistas. É cediço que o primeiro requisito para fornecer para o Estado é o "menor preço". Quem oferece o preço mais baixo para a execução de obra ou serviço e cumpre outros eventuais requisitos vence a concorrência, mesmo que o preço ofertado esteja muito aquém da média de mercado. São freqüentes os casos em que os preços ofertados à Administração Pública não cobrem sequer os custos com insumos de boa qualidade.

11.Logo, se assim é, a Administração Pública não pode agir como um agente privado inescrupuloso que busca sempre o maior ganho, ainda que com o prejuízo de outrem. O Estado deve agir com boa-fé, zelando para que prevaleça a moralidade administrativa. Se o Estado arrisca e contrata por preço vil que sabe - ou presuma - muito abaixo do mercado diante do contexto do certamente, não pode enriquecer em detrimento do empregado de seu contratado, que será lesado por "ação concorrente" da administração.

12.O artigo 37, § 6º, da Constituição Federal dispõe que a pessoa jurídica de direito público responderá pelos danos causados a terceiros. Entendemos que o artigo 71 da Lei de Licitações não pode afrontar às normas constitucionais previstas nos artigos 1ª, 6º, 7ª, 37, § 6ª e 170 da CF/88. Na nossa forma de compreensão, o § 1º, do artigo 71 da Lei de Licitações deixa claro que a Administração Pública buscará o ressarcimento pelo o prejuízo causado com o inadimplemento, pelo vencedor do certame para a aquisição de obras e de serviços, das obrigações trabalhistas e fiscais não honradas e satisfeitas pelo Estado. É a única interpretação possível diante de todos os dispositivos citados, da interpretação da Lei 8.666/93 com as disposições da CLT.

13.Por fim, concluímos não haver conflito entre o artigo 71, § 1ª, da Lei 8.666/93 e o Enunciado 331 do TST, porque o entendimento jurisprudencial tão somente cristaliza a interpretação do plexo de normas supracitadas.

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Sobre o autor
Eduardo Figueredo de Oliveira

Advogado atuante nas áreas do Direito Público. Advogado associado de Aparecido Inácio e Pereira Advogados Associados. Pós-graduando em Direito Administrativo pela PUC/SP, tendo cursado Especialização em Direito Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional. Ex-Especialista em Defesa do Consumidor do Procon/SP. Ex-diretor da Associação dos Funcionários do Procon/SP. Integrou as comissões de Direito do Terceiro Setor e de Direito Administrativo da Subseção Santo Amaro, da OAB/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Eduardo Figueredo. Responsabilidade do Estado por dívidas trabalhistas decorrentes dos contratos de terceirização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2339, 26 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13915. Acesso em: 27 dez. 2024.

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