III – CONCLUSÕES
Diante do exposto, conclui-se:
a) A prestação de serviços de arrecadação de contas ("serviços de menor complexidade") não tem relação com as aplicações ou vendas desautorizadas de medicamentos em estabelecimentos farmacêuticos. Trata-se de um serviço de indelével relevância social, uma vez que facilita sobremaneira a vida dos consumidores;
b) O recebimento de contas em farmácias e drogarias não vulnera a prestação dos serviços próprios dos "estabelecimentos farmacêuticos". Ao revés, constitui um avanço tanto para os cidadãos usuários dos serviços quanto para os estabelecimentos conveniados, que passaram a obter uma nova forma – insofismavelmente lícita, diga-se de passagem - de captação de lucro e geração de empregos;
c) As drogas e medicamentos são comercializados em embalagens hermeticamente fechadas e afastadas do "guichê" (cabine) onde as contas são recebidas, em total conformidade com os padrões de qualidade necessários às condições de higiene, afastando os riscos à saúde da população;
d) A prestação desses serviços em drogarias e farmácias não é nociva e não configura perigo de dano aos consumidores, nem à saúde pública, porquanto o credenciamento dos postos de recebimento, no interior das farmácias e drogarias, é feito na estrita observância dos padrões exigíveis de higiene e segurança. Desse modo, a restrição do alvará de funcionamento por parte da autoridade competente seria um ato desprovido de utilidade pública, pressuposto de existência dos atos da Administração Pública;
e) Inexiste, no ordenamento jurídico pátrio, qualquer dispositivo legal que proíba farmácias, drogarias, ou estabelecimentos congêneres de prestarem serviços de recebimento e arrecadação de pagamentos de contas de água, luz, telefone, condomínio, etc. Desta feita, não compete às autoridades sanitárias, no silêncio da Lei, restringir direitos e mitigar a aplicação dos princípios constitucionais da livre atividade econômica e da livre concorrência (art. 170 da CF/88);
f) A restrição ao licenciamento pela autoridade sanitária constitui inarredável ofensa ao princípio da livre iniciativa, fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, IV, da CF/88);
g) O poder de polícia é a faculdade de limitar o exercício de direitos individuais, desde que a limitação esteja prevista em lei. Logo, a referida restrição viola também o princípio constitucional da legalidade (art. 5º, II c/c e art.37, caput, da CF/88), haja vista a inexistência de dispositivo legal autorizando a tal proibição;
h) Dispensando interpretação finalística ao art. 55 da lei nº. 5.991/73, percebe-se que a intenção do legislador infraconstitucional foi coibir a prática de outras profissões relacionadas à saúde pública (medicina, odontologia, enfermagem, fisioterapia) em farmácias e drogarias, a fim de evitar a "venda casada" de medicamentos com a prestação de serviços dessa natureza, o que inevitavelmente geraria a excessiva mercantilização dessas profissões, o consumo exagerado de medicamentos, e, conseqüentemente, relevantes prejuízos à saúde pública;
i) A Lei nº. 5.991/73 foi modificada, passando a permitir que lojas de conveniências e drugstores, além de supermercados e armazéns, atuem na distribuição comercial de medicamentos anódicos, de modo que não haveria obstáculo para que, mutatis mutandis, farmácias e drogarias, pudessem, analogamente, vender produtos e prestar serviços autorizados àqueles estabelecimentos;
j) O art. 57 do Decreto nº. 74.170/74, que regulamenta a Lei 5.991/73, diz ser vedado usar as dependências das farmácias ou drogarias para outros fins diversos do constante no licenciamento, o que não pode ser utilizado como justificativa para a proibição que aqui se questiona. Até porque não se trata da venda de produto, mas apenas a prestação de um serviço à coletividade, que em nada altera a rotina das farmácias e drogarias;
k) Interpretando o art. 23 da Lei nº. 5.991/73, não há falar em previsão legal que proíba a comercialização de produtos e serviços diversos nas dependências de farmácias e drogarias. Vejamos:
Art. 23 - São condições para a licença:
a) localização conveniente, sob o aspecto sanitário;
b) instalações independentes e equipamentos que a satisfaçam aos requisitos técnicos adequados à manipulação e comercialização pretendidas;
c) assistência de técnico responsável, de que trata o Art. 15 e seus parágrafos, ressalvadas as exceções previstas nesta Lei.
Parágrafo único. A legislação supletiva dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios poderá reduzir as exigências sobre a instalação e equipamentos, para o licenciamento de estabelecimentos destinados à assistência farmacêutica no perímetro suburbano e zona rural.
l) O que motivou o legislador infraconstitucional a inserir no texto do inciso XX, do art. 4º da Lei nº. 5.991 a expressão drugstore foi a possibilidade de adequação das lojas de conveniência ao modelo adotado pela legislação norte-americana, onde é autorizada a venda de medicamentos e correlatos em lojas de conveniência. Sendo assim, diante da omissão do Legislador Federal, havendo Legislação Estadual autorizando, inexiste razão jurídica para se impor restrição de licença pelo órgão sanitário.
REFERÊNCIAS
AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Dispõe sobre a relação de produtos permitidos para dispensação e comercialização em farmácias e drogarias. Instrução Normativa nº. 9, de 17 de Agosto de 2009. Brasil: Diretoria Colegiada da ANVISA.
AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Dispõe sobre a relação de produtos permitidos para dispensação e comercialização em farmácias e drogarias. Instrução Normativa nº. 10, de 17 de Agosto de 2009. Brasil: Diretoria Colegiada da ANVISA.
BRASIL. Decreto 74.170/74, de 10 de junho de 1974. Regulamenta a Lei nº. 5.991, de 17 de dezembro de 1973, que dispõe sobre o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos. Brasília, DF. Diário Oficial da União de 11 de junho de 1974.
BRASIL. Lei federal nº. 5991, de 17 de Dezembro de 1973. Dispõe sobre o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, e da outras providências. Brasília, DF. Diário Oficial da União de 19 de Dezembro de 1973.
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 5. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003.
CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL. Altera e consolida as normas que dispõem sobre a contratação de correspondentes no País. Resolução nº. 3.110, de 31 de julho de 2003. Brasil, Brasília, DF: Banco Central do Brasil.
CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL. Altera a Resolução 3.110, de 2003, que dispõe sobre a contratação de correspondentes no País. Resolução nº. 3.156, de 17 de Dezembro de 2003. Brasil, Brasília, DF: Banco Central do Brasil.