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O trabalho da prostituta à luz do ordenamento jurídico brasileiro.

Realidade e perspectivas

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06/12/2009 às 00:00
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CAPÍTULO II. O EXERCÍCIO DA PROSTITUIÇÃO NO DIREITO COMPARADO

Inicialmente, registre-se que em nível mundial existem três sistemas legais sobre a prostituição, a saber: abolucionista, regulamentarista e proibicionista.

No primeiro deles, a prostituta é considerada uma vítima e exerce tal trabalho por conta da coação de um terceiro (agenciador, explorador). Diante disso, a legislação fundada nesse modelo pune somente o terceiro que obtém lucros explorando a atividade sexual das prostitutas. O Brasil adota tal sistema, assim como a maior parte dos países.

O segundo sistema, o regulamentarista, é adotado por aqueles países que possuem uma legislação onde o trabalho das prostitutas encontra-se reconhecido e disciplinado. Nesse diapasão, o contrato de trabalho da prostituta é plenamente reconhecido e gera todos os efeitos inerentes aos contratos de trabalho convencionais. Países que possuem sociedades menos preconceituosas adotam tal modelo, como, por exemplo, Alemanha e Holanda.

Nesse ínterim, conclui Prado:

[...] o sistema da regulamentação tem por escopo objetivos higiênicos, a fim de prevenir a disseminação de doenças venéreas e também a ordem e a moral públicas. Por esse sistema a prostituição fica restrita a certas áreas da cidade, geralmente distantes do centro, onde as mulheres sujeitam-se a um conjunto de obrigações como a de submeterem-se periodicamente a exames. [08]

Por fim, o terceiro sistema, o proibicionista, é o mais radical. As legislações dos países que adotam tal modelo consideram ilegal o ato de prostituir-se. Portanto, todas as pessoas que participam do trabalho da prostituta (o cliente, o agenciador e a própria prostituta, além de outros) estão cometendo um ilícito. Adotam tal modelo alguns estados dos Estados Unidos da América.

2 Direito holandês

A Holanda foi o primeiro país do mundo em que as prostitutas gozaram de todos os direitos comuns aos trabalhadores em geral. Desde o ano 2000 os holandeses regulamentaram a prostituição, apontando dois argumentos fundamentais para isso: o fim da exploração das prostitutas por terceiros e o controle das doenças sexualmente transmissíveis nessa atividade.

Anote-se que tais profissionais não possuem apenas direitos. Assim é que são responsáveis pelo pagamento de tributos e são obrigadas a, regularmente, realizar exames médicos para prevenção e diagnóstico de possíveis patologias. Ademais, existem locais definidos para que essas profissionais exerçam seu labor. Em Amsterdã, trata-se do bairro da luz vermelha, onde as prostitutas se exibem em vitrines com a finalidade de atrair clientes.

3 Direito alemão

A Alemanha constitui um dos países em quem a prostituição é legalizada. Logo, adota-se o sistema regulamentarista. A profissão foi disciplinada em 2002. Dessa forma, as prostitutas possuem assegurados seus direitos trabalhistas, a exemplo de seguro-saúde e férias, além da assinatura de sua carteira de trabalho. Outrossim, essas profissionais participam do sistema de seguridade social.

Assim dispõe a lei alemã que regulamenta a prostituição:

O Parlamento aprovou a seguinte lei:

Artigo 1º Lei que regulamenta as relações jurídicas das prostitutas (Lei da Prostituição – ProstG)

§ 1º Realizada uma relação sexual mediante pagamento previamente acordado, este acordo fundamenta uma obrigação jurídica exigivel. O mesmo vale quando, no âmbito de uma relação negocial, uma pessoa, por determinado tempo e mediante contra-pagamento, se tiver colocado à disposição para a realização de uma relação dessa espécie.

§ 2º A obrigação é intransferível e só pode valer em nome próprio. Contra uma obrigação referida na primeira parte do § 1º só pode ser oposta a objeção de contrato inteiramente descumprido; contra a obrigação referida na segunda parte do § 1º, se pode opor a falta de cumprimento parcial, na medida em que corresponda ao tempo acordado. Exceptuando-se a objeção de descumprimento, nos termos do § 362 do Código Civil e a exceção de prescrição, estão excluídas quaisquer outras objeções ou exceções.

§ 3º Não é oponível às prostitutas, para os termos da previdência social, a instrução normativa que a limita a uma atividade profissional.

Artigo 2º Alteração do Código Penal

O Código Penal, na versão constante do Aviso de 13 de novembro de 1998 (BGBl I, p. 3322) e conforme a última alteração pelo art. 4º da Lei 19 de dezembro de 2001 (BGBl I, p. 3922), fica alterado da seguinte forma:

1. No sumário fica assim redigida a referência ao § 180 a: "§180 a - Exploração de Prostitutas" 2. O § 180 a sofrerá a seguinte alteração: 1 a) As prescrições passam a ter a seguinte redação:§ 180 a Exploração de Prostitutas b) O inciso 1 fica assim alterado: a) A alínea 1 é excluída, b) Após a expressão "sustentadas pessoal ou economicamente" a locução "ou" é substituída por uma virgula. c) A alínea 2 é revogada 3. O § 181 a, inciso segundo, passa a ter a seguinte redação: (2) "Com pena privativa de liberdade de até 3 anos ou multa será punido quem viole a liberdade de locomoção, pessoal ou econômica de uma pessoa, na medida em que, profissionalmente, fomente o exercício da prostituição dessa pessoa por intermédio do comércio sexual e, com vistas a isso, subvencione-lhe as relações para além de um único caso."

Artigo 3º Vigência Esta Lei entra em vigor em 1º de janeiro de 2002. [09]

Ressalte-se que as prostitutas alemãs também possuem obrigações, tais como o pagamento de tributos, como a denominada "taxa do prazer", que é arrecadada dos prostíbulos pelo Estado. Desse modo, a prostituição na Alemanha é vislumbrada de forma realista, como uma profissão qualquer, sendo o pagamento pela prestação de serviços sexuais um direito das prostitutas.

4 Direito argentino

À semelhança do que ocorre na maioria dos países, a Argentina adota o sistema abolucionista, destarte, o exercício da prostituição não é considerado fato criminoso. Todavia, a exploração da prostituição de menores representa uma conduta típica, diverso do que ocorre com o agenciamento de prostitutas maiores. Nesta última situação, somente quando o agente faz uso de engano, violência, abuso de autoridade ou outras formas de ameaça é que a conduta passa a ser delituosa.

Nesse sentido, dispõe o Código Penal Argentino:

Art. 125.- El que con ánimo de lucro o para satisfacer deseos propios o ajenos, promoviere o facilitare la prostitución o corrupción de menores de edad, sin distinción de sexo, aunque mediare el consentimiento de La víctima, será castigo:

1) con reclusión o prisión de cuatro a quince años, si la víctima fuera menor de doce años;

2) con reclusión o prisión de tres a diez años, si la víctima fuera mayor de doce años y menor de dieciocho;

3) con prisión de dos a seis años, si la víctima fuera mayor de dieciocho años y menor de veintidós. Cualquiera que fuese la edad de la víctima, la pena será de reclusión o prisión, desde diez a quince años, cuando mediare engaño, violencia, amenaza, abuso de autoridad o cualquier otro medio de intimidación o coerción, como también si el autor fuera ascendiente, marido, hermano, tutor o persona encargada de su educación o guarda o que hiciera con Ella vida marital. [10]

Com efeito, somente nos casos que envolvem menores é que a conduta de terceiros pode ser configurada como um ato de exploração da prostituição.

5 Direito norte-americano

Considerando que a legislação americana é elaborada por cada estado de forma independente, o exercício da prostituição pode ou não ser considerado uma conduta delituosa.

Destarte, dispõe o Código Penal do Estado do Texas:

PENAL CODE

CHAPTER 43. PUBLIC INDECENCY

SUBCHAPTER A. PROSTITUTION

[...]

§ 43.02. PROSTITUTION. (a) A person commits an offense if he knowingly:

(1) offers to engage, agrees to engage, or engages in sexual conduct for a fee; or (2) solicits another in a public place to engage with him in sexual conduct for hire. (b) An offense is established under Subsection (a)(1) whether the actor is to receive or pay a fee. An offense is established under Subsection (a)(2) whether the actor solicits a person to hire him or offers to hire the person solicited. (c) An offense under this section is a Class B misdemeanor, unless the actor has previously been convicted one or two times of an offense under this section, in which event it is a Class A misdemeanor. If the actor has previously been convicted three or more times of an offense under this section, the offense is a state jail felony.

[...]

§ 43.03. PROMOTION OF PROSTITUTION. (a) A person commits an offense if, acting other than as a prostitute receiving compensation for personally rendered prostitution services, he or she knowingly: (1) receives money or other property pursuant to an agreement to participate in the proceeds of prostitution; or (2) solicits another to engage in sexual conduct with another person for compensation. (b) An offense under this section is a Class A misdemeanor.

[...]

§ 43.04. AGGRAVATED PROMOTION OF PROSTITUTION. (a) A person commits an offense if he knowingly owns, invests in, finances, controls, supervises, or manages a prostitution enterprise that uses two or more prostitutes. (b) An offense under this section is a felony of the third degree.

[...]

§ 43.05. COMPELLING PROSTITUTION. (a) A person commits an offense if he knowingly: (1) causes another by force, threat, or fraud to commit prostitution;or (2) causes by any means a person younger than 17 years to commit prostitution. (b) An offense under this section is a felony of the second degree. [11]

Observa-se, portanto, que no Texas a prostituição é considerada criminosa. Em contrapartida, estados como Nevada não criminalizam o ato de prostituir-se.

6 Direito português

O exercício da prostituição em Portugal é livre. O Direito Português adota o sistema abolucionista, penalizando apenas a pessoa que obtém vantagens explorando a prostituição alheia. Assim, quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição é punido com pena de prisão que varia de seis meses a cinco anos. Essa pena pode ser majorada se houver o emprego de violência, ameaça grave, ardil ou manobra fraudulenta, ou o agente se aproveitar de incapacidade psíquica da vítima.


CAPÍTULO IV. PROTEÇÃO AO TRABALHO DAS PROSTITUTAS EM SEDE CONSTITUCIONAL

A Constituição da República representa a norma fundamental de qualquer ordenamento jurídico, devendo todo ato normativo e administrativo manter plena consonância com a mesma, sob pena de decretação de sua inconstitucionalidade, e, conseqüentemente, sua ineficácia. Assim é que, o trabalho das prostitutas encontra ampla proteção nas regras e princípios constitucionais brasileiros, conforme se verifica em análise realizada adiante.

1 A cidadania

O advento da noção do termo cidadania remonta às cidades-estados (polis) gregas, no período clássico dessa civilização. Inicialmente, a cidadania era um conceito restrito às classes privilegiadas que possuíam participação política na sociedade. Tais pessoas eram denominadas de cidadãos, vez que habitavam a cidade e poderiam emitir opiniões acerca dos direcionamentos da sociedade. Deles excluíam-se os estrangeiros, indivíduos despidos de qualquer participação nas questões políticas.

Posteriormente, já na Idade Média, o conceito de cidadania ganha uma nova dimensão. Nesse ínterim, cidadão é o indivíduo que recebe determinados privilégios por parte do Estado (clero e nobreza, excluindo-se os servos). Nota-se, destarte, que a idéia estritamente política desvincula-se da acepção de cidadania, passando esta a abranger uma gama maior de direitos. Com o advento e fortalecimento da burguesia, há uma reformulação no velho conceito de cidadania retomando a noção de igualdade entre os cidadãos. Assim é que, nesse período, a liberdade e a igualdade representavam os dois pilares da idéia de cidadania.

Atualmente, o conceito de cidadania é bastante diverso daquele construído nos idos da Antiguidade Clássica. Ser cidadão, hoje, significa possuir e exercer todos os direitos humanos reconhecidos e consagrados pelo ordenamento jurídico. Saliente-se que a garantia ao cidadão de tais direitos independe de qualquer posição política, religiosa ou sócio-econômica que ele ostente. O simples fato da existência como ser humano é suficiente para que a sociedade e o Estado garantam formal e materialmente o gozo dos direitos ditos fundamentais e, conseqüentemente, estabeleçam as condições necessárias ao pleno exercício da cidadania.

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Destarte, elucidam Cyro de Barros e Isnard Câmara:

Hoje, uma variedade de atitudes caracteriza a prática da cidadania. Assim, entendemos que um cidadão deve atuar em benefício da sociedade, bem como esta última deve garantir-lhe os direitos básicos à vida, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, trabalho, entre outros. Como conseqüência, cidadania passa a significar o relacionamento entre uma sociedade política e seus membros. Os reflexos dessa condição no direito internacional, por outro lado, emulsiona esse conceito ao de nacionalidade. [12]

Sensível a importância da promoção da cidadania, o legislador a consagrou na atual Constituição Federal como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Nesse diapasão, insta observar que a idéia de cidadania materializada no artigo 1º, II, é a atual concepção ampla do termo. A cidadania está diretamente jungida ao princípio da dignidade da pessoa humana e a soberania popular, e não somente aos direitos exclusivamente políticos, mas sim a todo o arcabouço dos direitos fundamentais. Ademais, o constituinte, reconhecendo a importância da educação para o saudável desenvolvimento da sociedade brasileira, a concretizou como direito de todos, de modo que, através dela, possa o indivíduo qualificar-se para o pleno exercício da cidadania.

Nesse diapasão, esclarece José Afonso da Silva:

A cidadania está aqui num sentido mais amplo do que o de titular de direitos políticos. Qualifica os participantes da vida do Estado, o reconhecimento do indivíduo como pessoa integrada na sociedade estatal (art. 5º, LXXVII). Significa aí, também, que o funcionamento do Estado está submetido à vontade popular. E aí o termo conexiona-se com o conceito de soberania popular (parágrafo único do art. 1º), com os direitos políticos (art. 14) e com o conceito de dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), com os objetivos da educação (art. 205), como base e meta essencial do regime democrático. [13]

Ante o exposto, impossível negar que as prostitutas são titulares do direito à cidadania, como todo e qualquer indivíduo que integre a sociedade brasileira. Possuem o direito de participar e interferir integralmente nas decisões que definem os rumos a serem percorridos pela sociedade e pelo Estado, devendo ter seus direitos fundamentais assegurados contra o arbítrio daqueles que condenam discriminatória e injustificadamente o exercício dessa atividade.

2 A dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho

O Estado Democrático de Direito está fundado no superprincípio da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, III, da Constituição Federal. Tal consagração é resultado de uma evolução histórica dos ordenamentos jurídicos mundiais, principalmente após as atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, grande parte delas legitimadas pelo Direito à época vigente, embora a noção de dignidade da pessoa humana remonte à doutrina canônica, na Idade Média. Passa-se, então, a fase atual, denominada de pós-positivismo jurídico, marcada pela promoção dos denominados princípios jurídicos.

Árdua é a tentativa de estabelecer uma definição precisa para o mencionado princípio. Daí por que a aplicação do mesmo é realizada através de uma análise do caso concreto. Todavia, há consenso na afirmação de que dignidade é um valor inerente a todo e qualquer ser humano, em outras palavras, ostentar a condição humana é requisito bastante e suficiente para que alguém deva ter esse valor respeitado por toda sociedade e pelo Estado, e garantido pelo ordenamento jurídico. É, pois, o ser humano o escopo do Direito, devendo ser considerado um fim em si mesmo, e não apenas um meio, um objeto.

Desse modo, preleciona Rizzatto Nunes apud Chaves de Camargo que toda:

[...] pessoa humana, pela condição natural de ser, com sua inteligência e possibilidade de exercício de sua liberdade, se destaca na natureza e se diferencia do ser irracional. Essas características expressam um valor e fazem do homem não mais um mero existir, pois este domínio sobre a própria vida, sua superação, é a raiz da dignidade humana. Assim, toda pessoa humana, pelo simples fato de existir, independentemente de sua situação social, traz na sua superioridade racional a dignidade de todo ser. Não admite discriminação, quer em razão do nascimento, da raça, inteligência, saúde mental, ou crença religiosa. [14]

Não obstante a existência dessa dificuldade na delimitação conceitual, certo é que a acepção de dignidade humana está diretamente vinculada a idéia de liberdade. Somente o ser livre, autônomo, pode ter a sua dignidade assegurada. Tal liberdade deve analisada de maneira abrangente, abarcando a noção de todas as liberdades públicas asseguradas pelo ordenamento jurídico. Logo, todos os direitos ditos fundamentais encontram seu alicerce na noção de dignidade humana. Não há como promover o pleno exercício de quaisquer direitos, mesmo os fundamentais, sem a observância efetiva do mencionado princípio, porquanto são noções complementares.

Nesse diapasão, esclarece André RamosTavares:

Dessa forma, a dignidade do Homem não abarcaria tão somente a questão de o Homem não poder ser instrumento, mas também, em decorrência desse fato, de o Homem ser capaz de escolher seu próprio caminho, efetuar suas próprias decisões, sem que haja interferência direta de terceiros em seu pensar e decidir. [15]

O princípio da dignidade da pessoa humana, atualmente, é apontado por parte da doutrina como absoluto, não cabendo quaisquer possibilidades de relativização do mesmo, salvo quando em confronto com a dignidade de terceiros. Daí a razão de ser atribuída a qualidade de superprincípio, porquanto não admite ponderação. Até mesmo o direito à vida é subjugado quando contraposto à dignidade sob o enfoque axiológico. É que o Estado deve garantir não apenas o direito fundamental à vida, mas o direito a uma vida digna. Ora, partindo de tal premissa chegam-se as seguintes indagações: existe vida sem dignidade? É possível ao homem, ser dotado de racionalidade, viver sem dignidade?

Nesse sentido, posiciona-se José Luiz Magalhães:

Acreditamos, no entanto, que o direito à vida vai além da simples existência física. (...) O direito à vida que se busca através dos Direitos Humanos é a vida com dignidade, e não apenas sobrevivência. Por esse motivo, o direito à vida se projeta de um plano individual para ganhar a dimensão maior de direito (...), sendo, portanto, a própria razão de ser dos Direitos Humanos. [16]

Daí a doutrina esboçar a idéia de mínimo existencial, como o conjunto de valores e direitos através dos quais se garante o respeito à dignidade da pessoa humana. É, pois, dever do Estado e da sociedade garantir que esse mínimo existencial de todo ser humano seja respeitado, de modo a assegurar uma vida diga ao mesmo. Nesse ínterim, o direito ao trabalho, nas palavras de Francisco Lima, "... faz parte (...) deste mínimo existencial e é complementado pelos demais direitos trabalhistas em espécie (salário digno, férias, repousos, proteção contra acidentes (...) etc.)." [17] E não poderia ser diferente, visto que o trabalho constitui o principal meio através do qual a maioria da população promove o seu sustento, representando uma forma de libertação do ser humano, emergindo daí a sua independência.

Ante o exposto, imperioso reconhecer que as prostitutas, assim como todo e qualquer ser humano, devem ter garantidas tanto por parte do Estado, quanto por parte da sociedade, as suas vidas com dignidade, pelo simples fato de serem pessoas. Nesse diapasão, devem ter assegurada a proteção ao seu trabalho como fator integrante do mínimo existencial. Negar-lhes tal direito, como tem sido rotineiramente evidenciado pelos meios de comunicação, constitui uma flagrante violação ao princípio constitucional em comento, e, por via de conseqüência, representa a própria negação do Estado Democrático de Direito, que tem como fundamento maior a dignidade humana.

3 A garantia do trabalho e da liberdade de ação profissional

Antes da análise do presente tema faz-se necessário definir em que se enquadra a atividade desenvolvida pelas prostitutas: trabalho, ofício ou profissão. Para isso, utilizar-se-á os conceitos elaborados por Manoel Jorge e Silva Neto, em trabalho sobre o tema [18]. Assim é que trabalho "...é toda atividade humana lícita, remunerada ou não, que se dirige à obtenção de um resultado.", ao passo que ofício é "...toda atividade humana lícita, remunerada e especializada, cujo aprendizado se transmite entre gerações ou por meio de oficinas ou liceus." Por fim, o mencionado autor conceitua profissão da seguinte maneira: "Profissão é toda atividade humana lícita, remunerada, especializada e regulamentada por lei em sentido material e formal." Diante disso, conclui-se que a atividade realizada pelas prostitutas é trabalho, carecendo de toda a proteção atribuída pelo ordenamento jurídico a este tipo de atividade.

Pela primeira vez na história do constitucionalismo brasileiro uma Constituição elevou o trabalho ao patamar de direito fundamental, como se pode observar pela leitura do artigo 6º da atual Carta Magna, in verbis: "São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição." (destacou-se). Nota-se que o constituinte alçou o trabalho ao seu notável caráter de componente do mínimo existencial, sem o qual a dignidade da pessoa humana é inteiramente negada.

O trabalho, que ao longo da história já ostentou um caráter negativo, sendo considerados indignos àqueles que o praticavam, hoje é visto como uma forma de dignificar o homem, o diferenciando dos demais animais. Tal alteração do ponto de vista axiológico na caracterização do labor humano originou-se com a doutrina propagada pelo Cristianismo, durante a Idade Média. Através do labor é que o ser humano retira os meios necessários ao seu sustento e de sua família, proporcionando as condições mínimas indispensáveis para viver de forma digna, daí ser o direito fundamental ao trabalho integrante dos direitos mínimos, sem os quais não se faz possível a promoção da dignidade da pessoa humana.

Destarte, o trabalho humano deve ser valorizado, visto que representa o modo através do qual a maioria da população garante a sua subsistência. Ressalte-se, que o legislador foi além e, a despeito de ter exaltado o trabalho à categoria de direito fundamental, fundou a ordem econômica na valorização do mesmo, conforme a análise do artigo 170 da Lex Legum.

Assim, ensina Uadi Lammêgo Bulos:

(...) o constituinte prestigiou uma economia de mercado, de cunho capitalista, priorizando o labor humano como valor constitucional supremo em relação aos demais valores integrantes da economia de mercado. [19]

Consagrar a valorização do trabalho como um dos fundamentos da ordem econômica significa dizer que o sistema econômico capitalista não pode agir de modo absoluto, ilimitadamente, postergando valores tão caros ao Estado Democrático de Direito. Os direitos e garantias fundamentais devem ser respeitados, devendo prevalecer sempre que os controladores da economia de mercado, cujo lucro é seu maior objetivo, olvidem que a pessoa humana é a própria razão e fim do Direito.

Ademais, o artigo 193 da Lei Fundamental reza que: "A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais." Nota-se, novamente, a intenção do constituinte em assegurar o trabalho como valor prioritário. Assim é que esse valor não pode ser remetido jamais a um plano secundário. A ordem social deve ser configurada de modo a garantir, em primeiro momento, o direito fundamental ao trabalho, buscando atingir os objetivos descritos na mencionada norma.

Por seu turno, o princípio da liberdade de ação profissional, insculpido na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, XVIII, assegura como direito fundamental de todo ser humano o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, respeitadas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Trata-se de norma de eficácia contida e aplicabilidade imediata, concernente à classificação proposta por José Afonso da Silva. Analisada sob o prisma da aplicabilidade, a mesma incide de forma imediata, todavia, quanto à eficácia, pode ter seu alcance restringido por parte do legislador ordinário. Insta observar que tais normas devem ter aplicação imediata sempre que não houver lei que realize a sua regulamentação.

Destarte, conclui-se que a prestação de serviços sexuais no território nacional, enquanto verdadeira profissão que representa, é plenamente permitida e deve ser garantida pelo Estado, visto não existir norma que restrinja tal prática.

Coadunando com essa posição lecionam Luiz Alberto Araujo e Vidal Nunes Junior:

Como se vê, cuida-se de um típico direito de liberdade do cidadão. A norma, fixando uma limitação da atividade do Estado, demarca um território impenetrável da vida individual e, dessa forma, fixa o direito à autodeterminação do indivíduo na escolha de sua profissão. [20]

Assim, o exercício da prostituição constitui uma opção de escolha do indivíduo, restando inserido no campo do milenar direito de liberdade. E não poderia ser de forma diversa, visto que a prostituição é um trabalho não regulamentado, fato que torna a sua prática livre. Ademais, cabe ao Estado assegurar o pleno exercício dessa atividade e à sociedade respeitá-la, vez que representa a promoção dos direitos fundamentais mínimos, e, por conseguinte, da própria dignidade humana, daqueles que a elegeram como meio de sustento para si e para sua família.

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Sobre o autor
Mário Victor Assis Almeida

Graduando em Direito (10º período) pela Universidade Estadual de Santa Cruz - Ilhéus, BA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Mário Victor Assis. O trabalho da prostituta à luz do ordenamento jurídico brasileiro.: Realidade e perspectivas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2349, 6 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13963. Acesso em: 4 nov. 2024.

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