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O trabalho da prostituta à luz do ordenamento jurídico brasileiro.

Realidade e perspectivas

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06/12/2009 às 00:00
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CAPÍTULO V. NEGÓCIO JURÍDICO

O negócio jurídico constitui uma espécie dos denominados fatos jurídicos. Estes, por sua vez, representam as situações fáticas que, do ponto de vista axiológico, repercutem no mundo do Direito provocando a constituição, conservação, modificação ou extinção de direitos e obrigações. Tais fatos são classificados em fatos jurídicos em sentido estrito (ordinários e extraordinários), ato-fato jurídico e ação humana (lícita e ilícita), consoante a classificação proposta por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho [21]. Insta analisar no presente trabalho, de forma pormenorizada, a última espécie, vez que nela se inserem os contratos de natureza sexual.

A ação humana constitui o ato jurídico lato sensu, podendo ser lícito ou ilícito. Este representa o ato ilícito, contrário ao ordenamento jurídico. Em contrapartida, o ato jurídico lato sensu pode ser classificado em ato jurídico em sentido estrito (não negocial) e negócio jurídico. Na primeira situação, a lei define os efeitos jurídicos do ato, assim, estes não podem ser escolhidos pelas partes. Já nos negócios jurídicos os efeitos estão insertos no âmbito da autonomia das partes.

Diversas foram as teorias elaboradas com o fito de definir o negócio jurídico. Dentre elas, merecem destaque as teorias voluntaristas e as declaracionistas. As primeiras, como sugere a própria denominação, elegeram a vontade real como elemento imprescindível para a formação do negócio jurídico. Em contrapartida, os causídicos das teorias declaracionistas manifestam-se defendendo a declaração da vontade como elemento suficiente capaz de produzir os efeitos jurídicos desejados pelas partes.

Em que pese o atual Código Civil ter adotado a teoria voluntarista, como se pode perceber pela leitura do seu artigo 112, insta registrar que essa divergência doutrinária carece de respaldo jurídico, porquanto se cuida de elementos (a vontade real e a sua declaração) integrantes de um mesmo processo, sendo, portanto, fases complementares.

Nessa ordem, esclarecem Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho:

Se o negócio jurídico, enquanto manifestação humana destinada a produzir fins tutelados por lei, é fruto de um processo cognitivo que se inicia com a solicitação do mundo exterior, passando pela fase de deliberação e formação da vontade, culminando, ao final, com a declaração de vontade, parece que não há negar-se o fato de que a vontade interna e a vontade declarada são faces da mesma moeda. [22]

No mundo jurídico é o contrato a espécie mais usual e importante dos negócios jurídicos, merecendo, portanto, uma análise específica, embora sucinta, a ser desenvolvida no tópico seguinte.

2 Planos de existência e validade

Seguindo a regra geral inserta no Direito Civil, os negócios jurídicos, mais especificamente os contratos, podem ser analisados sob três planos distintos, a saber: existência, validade e eficácia. Nesse ínterim, são pressupostos de existência os seguintes: manifestação de vontade, presença de agente emissor dessa vontade, objeto e forma. Por seu turno, o plano de validade analisa a adequação dos elementos constitutivos do negócio jurídico ao ordenamento jurídico em vigor. Faz-se necessário, destarte, que a manifestação de vontade seja livre e de boa-fé, bem como que o agente emissor da mesma seja capaz e legitimado para o negócio, o objeto deve ser lícito, possível e determinado (ou determinável), e a forma deve ser adequada, isto é, livre ou legalmente prescrita.

Desse modo, para que o contrato seja válido à luz do ordenamento jurídico brasileiro deve possuir, entre outros requisitos já mencionados, objeto lícito, vez que o artigo 166 do Código Civil, culmina com a pena de nulidade todo negócio jurídico onde se vislumbra ilicitude no objeto. Destarte, necessário definir os limites conceituais de ilicitude.

Sabe-se que o conceito de ilicitude é abrangente. Assim é que, abarca tanto as situações expressamente vedadas pela lei, quanto àquelas que repugnam à moral e aos bons costumes. Portanto, para que determinado objeto contratual seja reputado lícito, faz-se necessário que ele preencha todos os três requisitos mencionados acima.

Em que pese à objetividade presente na definição legal acerca de uma conduta ilícita, a mesma não existe quando o intérprete se depara com a análise dos conceitos de moral e bons costumes. Tais definições possuem elevada carga axiológica, estando plenamente insertas no campo da subjetividade. Trata-se, conseqüentemente, de conceitos variáveis no tempo e no espaço, vale dizer, em cada época e local, a sociedade elege um conjunto de valores que constituem aquilo que se tem por moral e bons costumes. Desse modo, qualquer conduta que extrapolar esse limite estará adentrando no âmbito da ilicitude.

Nesse ínterim, conclui Flávia Leal Vilanova que a moral,

[...] surge da necessidade social dos indivíduos de interagirem em prol do bem comum de uma coletividade, podendo ser entendida também como um conjunto de normas e regras destinadas á regular as relações entre indivíduos de uma mesma comunidade. Mas a moral não é estática. É um fato histórico mutável e dinâmico que acompanha as mudanças políticas, econômicas e sociais e onde a existência de princípios absolutos se torna impossível. [23]

Assim, a invalidade do negócio jurídico mediante alegação de violação à moralidade pública e aos bons costumes exige uma análise cuidadosa do magistrado. Este deve, destarte, sopesar os valores eleitos como relevantes pela sociedade em que vive, buscando despir-se de posicionamentos fundamentados em aspectos meramente religiosos ou dotados de preconceito. Embora a plenitude da imparcialidade seja um estado impossível de atingir-se, compete ao julgador a busca incessante pela aplicação do Direito de forma racional, de modo a sempre atingir seu fim: a justiça.

3 Contrato

O contrato constitui o instituto do Direito Civil brasileiro mais importante e usual. Através dele são travadas milhares de relações jurídicas a todo instante. Não se pode fixar com precisão uma data para o surgimento desse notável instrumento jurídico, todavia, sabe-se que foi o Direito Romano o precursor da sua sistematização, definindo os contornos legais. A origem da palavra contrato remonta ao período da Antiguidade Clássica, ao denominado contractus dos romanos, que significava união, junção. Foi nessa época que os limites da idéia de contrato começaram a ser esboçados através da sistematização promovida pelo imperador Justiniano.

Em que pese à vertiginosa evolução vivenciada pelo Direito Privado, os pilares originais da noção de contrato romana permanecem vivos.

Nesse ínterim, assevera Arnold Wald:

[...] poucos institutos sobreviveram por tanto tempo e se desenvolveram sob formas tão diversas quanto o contrato, que se adaptou a sociedades com estruturas e escala de valores tão distintas quanto às que existiam na Antiguidade, na Idade Média, no mundo capitalista e no próprio regime comunista. [24]

Transposta a breve análise acerca do surgimento do contrato, passa-se ao estabelecimento de um conceito para o mesmo. O contrato é, pois, a espécie mais notável dos negócios jurídicos, representado por um ato de vontade entre duas ou mais pessoas visando adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos e obrigações, mediante a autodisciplina desses efeitos.

Destarte, ensina Whashington de Barros Monteiro:

De nossa parte, podemos conceituá-lo como o acordo de vontades que tem por fim criar, modificar ou extinguir um direito. Por essa definição, percebem-se, para logo, a natureza jurídica e a essência do contrato, que é um negócio jurídico e que por isso reclama, para a sua validade, em consonância com o art. 104 do Código Civil de 2002, agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei. [25]

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Ante o exposto, depreende-se que a vontade das partes constitui elemento essencial para a existência do contrato, porquanto sem a identificação desse "querer" livre e consciente inexiste negócio jurídico, e, por via de conseqüência, contrato. Faz-se necessária, portanto, a presença da alteridade, ou seja, de duas ou mais vontades contrapostas.

Corroborando esse entendimento, esclarece Maria Helena Diniz:

[...] contrato é o acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial. Fácil é denotar que a noção de contrato contém dois elementos: a) o estrutural, isto é, a alteridade, pois o contrato, como negócio jurídico bilateral (ou plurilateral – p.ex., sociedade com vários sócios), requer a fusão de duas ou mais vontades contrapostas. [...] b) o funcional, ou seja, a composição de interesses contrapostos, mas harmonizáveis, entre as partes, constituindo, modificando e resolvendo direitos e obrigações na área econômica. [26]

Por fim, registre-se que a noção de contrato, atualmente, deve ser analisada de forma a adequar esse secular instituto jurídico aos fenômenos sócio-econômicos, culturais e jurídicos caracterizadores da novel sociedade do século XXI. Assim é que, o velho e tradicional conceito clássico de contrato oriundo do Direito Romano, e alterado paulatinamente ao longo do tempo, deve ser redimensionado diante de fenômenos como a globalização, a publicização do direito privado, a efetivação dos direitos fundamentais, dentre tantos outros, capazes de provocar uma nova visão do fenômeno contratual.

A. Contrato de prestação de serviços

O contrato de prestação de serviços é previsto pelo Código Civil a partir do seu artigo 593, constituindo, portanto, um contrato típico. Tal espécie contratual originou-se no Direito Romano, sob a denominação de locatio conductio operarum, e configurava-se nas situações em que determinado indivíduo colocava à disposição de outrem, por um lapso temporal, seus próprios serviços, percebendo, em contrapartida, uma retribuição.

Nesse diapasão, o presente negócio jurídico é definido por Sílvio de Salvo Venosa:

A prestação de serviços pode ser conceituada como o contrato sinalagmático pelo qual uma das partes, denominada prestador, obriga-se a prestar serviços a outra, denominada dono do serviço, mediante remuneração. [27]

Pelo exposto, nota-se que a figura moderna da prestação de serviços pouco discrepa quando comparada àquela da sociedade romana. Trata-se de um contrato bilateral, porquanto gera direitos e obrigações para ambos os contratantes. É, outrossim, um contrato consensual, vez que o simples acordo de vontades o aperfeiçoa. Ademais, a onerosidade é elemento essencial ao mencionado contrato, porquanto a retribuição é uma conseqüência natural do trabalho prestado.

Registre-se que a presente espécie contratual abarca todo tipo de serviço ou trabalho lícito, conforme se depreende da leitura do artigo 594 do Código Civil em vigor. Tal abrangência do objeto contratual torna o liame de distinção entre a prestação de serviços e a relação empregatícia bastante tênue.

Acerca da distinção entre o contrato de prestação de serviços e o contrato empregatício assinala Mauricio Godinho Delgado:

Seu objeto é uma prestação de fazer (do mesmo modo que o objeto do contrato empregatício), porém encarada tal prestação como resultado e não como processo (ao passo que o contrato de emprego, em geral, vislumbra a prestação de fazer como um processo, um vir-a-ser constante e relativamente indeterminado). Não se pactua, na prestação de serviços, uma obra, materialmente, porém trabalho. [28]

A subordinação desponta como o elemento essencial utilizado para diferenciar o trabalhador autônomo, com o qual se configura o contrato de prestação de serviços, do empregado, parte da relação empregatícia. Nesse quadro, o labor do trabalhador autônomo é disciplinado pelo Direito Civil ou Direito do Consumidor, a depender da configuração ou não da relação jurídica de consumo, ao passo que a relação empregatícia é regulada pelo Direito do Trabalho.

Ressalte-se que a legislação civil não faz distinção quanto à natureza do serviço que será prestado, logo, a obrigação do prestador, quando não estipulada no contrato, concerne a todo e qualquer serviço compatível com suas condições pessoais. Nesse tipo contratual, o prestador de serviços é quem assume o comando do modo de prestação de seu labor.

No que concerne ao tempo de duração do contrato, a legislação civil aponta para o prazo limite de quatro anos. Dessa forma, a prestação de serviços pode ser pactuada por prazos diversos, podendo ser prorrogado ou não, desde que não ultrapasse o período máximo mencionado. A intenção da norma foi evitar a ligação indefinida do prestador com o tomador de serviços, proporcionando, assim, que após os quatro anos, o contrato possa ser revisto, e, constituindo a vontade das partes, seja renovado.

Por fim, anote-se que o contrato de prestação de serviços extingue-se pela morte de qualquer das partes; pelo decurso do prazo estipulado; pela rescisão do contrato, mediante aviso prévio; por inadimplemento contratual de qualquer das partes; e por impossibilidade de continuidade do contrato, oriunda por motivo de força maior.

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Sobre o autor
Mário Victor Assis Almeida

Graduando em Direito (10º período) pela Universidade Estadual de Santa Cruz - Ilhéus, BA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Mário Victor Assis. O trabalho da prostituta à luz do ordenamento jurídico brasileiro.: Realidade e perspectivas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2349, 6 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13963. Acesso em: 22 nov. 2024.

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