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O trabalho da prostituta à luz do ordenamento jurídico brasileiro.

Realidade e perspectivas

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06/12/2009 às 00:00
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CONCLUSÕES

Após as análises realizadas acerca do tema em questão, qual seja, o exercício da prostituição à luz do ordenamento jurídico brasileiro, chegam-se às seguintes conclusões:

Percebeu-se que o estigma da prostituição enquanto um "mal social" foi construído ao longo dos séculos, sendo que, atingiu seu ápice durante a Idade Média, através dos ideais cristãos que visualizavam o ato sexual apenas como forma de procriação, condenando o prazer. Nesse ínterim, as prostitutas representaram o alvo principal da Igreja Católica na promoção desses ideais, que possuíam uma clara essência ideológica. A partir daí, os conceitos de moralidade e bons costumes começaram a ser esboçados mantendo a tônica perseguida pelos cristãos.

Ademais, os contratos de natureza sexual são reputados nulos pelo ordenamento jurídico brasileiro ante a suposta ilicitude de seu objeto. Tal ilicitude abrange os conceitos de moralidade pública e bons costumes. Entretanto, essas idéias são variáveis no tempo e no espaço, logo, representam o conjunto de valores que a sociedade elege como verdadeiros para vigorar em determinado lugar. Dessa forma, constata-se que esse núcleo de valores eleitos pela atual sociedade brasileira não enxerga na prostituição uma atividade ilegítima e imoral, como querem alguns setores da sociedade.

Destarte, o próprio Estado, através do Poder Executivo, reconhecendo a ampla aceitação e presença dessa atividade na sociedade brasileira, a incluiu na classificação brasileira de ocupações sob a denominação de profissionais do sexo. Assim, admitir a nulidade do contrato que tem por objeto a prestação de serviços de natureza sexual sob a alegação de que o mesmo afronta à moralidade pública e aos bons costumes representa a própria negativa do caráter social do Direito, que deve estar em plena consonância com os valores impregnados na sociedade à qual é aplicado.

Por seu turno, o Poder Legislativo já vislumbra iniciativas de regulamentar o exercício da prostituição através da proposta de disciplina legal do contrato de prestação de serviços sexuais e do reconhecimento do vínculo empregatício das prostitutas com os estabelecimentos comerciais destinados à prática dessa atividade, através da descriminalização dos tipos penais previstos nos artigos 228, 229 e 230 do Código Penal.

Faz-se necessária a descriminalização dos tipos penais mencionados acima, ante as teorias da adequação social da conduta e da secularização do Direito Penal. Nesse ínterim, diversos tribunais brasileiros já possuem ampla jurisprudência no sentido de considerar materialmente atípicos tais crimes, vez que os mesmos não são reputados como fatos típicos penais pela atual sociedade brasileira. Assim, diante da inexistência da ilicitude, deve o judiciário trabalhista reconhecer o vínculo empregatício existente entre as prostitutas e os estabelecimentos onde executam seu labor, gerando todos os direitos trabalhistas e previdenciários pertinentes à categoria.

Por fim, conclui-se que o exercício da prostituição representa uma escolha do indivíduo, restando inserido no campo da liberdade civil. E não poderia ser de forma diversa, visto que a prostituição é uma profissão não regulamentada, fato que torna a sua prática livre. Nesse ínterim, cabe ao Estado assegurar o pleno exercício dessa atividade e à sociedade respeitá-la, vez que representa a promoção dos direitos fundamentais mínimos, e, por conseguinte, da própria dignidade humana, daqueles que a elegeram como meio de sustento para si e para sua família.


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VILANOVA, Flávia Leal. Nova Perspectiva Moral e Ética para o Direito. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/>.


ANEXO I

Dispõe sobre a exigibilidade de pagamento por serviço de natureza sexual e suprime os arts. 228, 229 e 231 do Código Penal.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º É exigível o pagamento pela prestação de serviços de natureza sexual.

§ 1º O pagamento pela prestação de serviços de natureza sexual será devido igualmente pelo tempo em que a pessoa permanecer disponível para tais serviços, quer tenha sido solicitada a prestá-los ou não.

§ 2º O pagamento pela prestação de serviços de natureza sexual somente poderá ser exigido pela pessoa que os tiver prestado ou que tiver permanecido disponível para os prestar.

Art. 2º Ficam revogados os artigos 228, 229 e 231 do Código Penal.

Art. 3º. Esta lei entra em vigor na data da sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

Já houve reiteradas tentativas de tornar legalmente lícita a prostituição. Todas estas iniciativas parlamentares compartilham com a presente a mesma inconformidade com a inaceitável hipocrisia com que se considera a questão.

Com efeito, a prostituição é uma atividade contemporânea à própria civilização. Embora tenha sido, e continue sendo, reprimida inclusive com violência e estigmatizada, o fato é que a atividade subsiste porque a própria sociedade que a condena a mantém. Não haveria prostituição se não houvesse quem pagasse por ela.

Houve, igualmente, várias estratégias para suprimi-la, e do fato de que nenhuma, por mais violenta que tenha sido, tenha logrado êxito, demonstra que o único caminho digno é o de admitir a realidade e lançar as bases para que se reduzam os malefícios resultantes da marginalização a que a atividade está relegada. Com efeito, não fosse a prostituição uma ocupação relegada à marginalidade – não obstante, sob o ponto de vista legal, não se tenha ousado tipificá-la como crime – seria possível uma série de providências, inclusive de ordem sanitária e de política urbana, que preveniriam os seus efeitos indesejáveis.

O primeiro passo para isto é admitir que as pessoas que prestam serviços de natureza sexual fazem jus ao pagamento por tais serviços. Esta abordagem inspira-se diretamente no exemplo da Alemanha, que em fins de 2001 aprovou uma lei que torna exigível o pagamento pela prestação de serviços de natureza sexual. Esta lei entrou em vigor em 1º de janeiro de 2002. Como consectário inevitável, a iniciativa germânica também suprimiu do Código Penal Alemão o crime de favorecimento da prostituição – pois se a atividade passa a ser lícita, não há porque penalizar quem a favorece.

No caso brasileiro, torna-se também conseqüente suprimir do Código Penal os tipos de favorecimento da prostituição (art. 228), casa de prostituição (art. 229) e do tráfico de mulheres (art. 231), este último porque somente penaliza o tráfico se a finalidade é o de incorporar mulheres que venham a se dedicar à atividade.

Fazemos profissão de fé que o Legislativo brasileiro possui maturidade suficiente para debater a matéria de forma isenta, livre de falsos moralismos que, aliás, são grandemente responsáveis pela degradação da vida das pessoas que se dedicam profissionalmente à satisfação das necessidades sexuais alheias.

Sala das Sessões, em ___ de ____ de ____ 2003.

Deputado Fernando Gabeira

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Sobre o autor
Mário Victor Assis Almeida

Graduando em Direito (10º período) pela Universidade Estadual de Santa Cruz - Ilhéus, BA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Mário Victor Assis. O trabalho da prostituta à luz do ordenamento jurídico brasileiro.: Realidade e perspectivas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2349, 6 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13963. Acesso em: 25 abr. 2024.

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