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Guarda conjunta: em busca do maior interesse do menor

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3 A GUARDA CONJUNTA

3.1 A NOÇÃO DA GUARDA CONJUNTA

Enquanto os pais permanecem unidos em família, a guarda é exercida comumente por ambos, de forma conjugada, modalidade esta conhecida como guarda comum. Até aqui não encontramos problema algum, pois ambos os pais se veem no seu direito de exercer as consequências da autoridade parental, também conhecida recentemente como poder familiar.

O problema se nos demonstra quando ocorre a separação ou o divórcio dos cônjuges, haja vista que a partir daí surgem várias perguntas tais como: como repartir os bens, de quem é a culpa (se bem que hoje em dia não se busca mais a culpa no divórcio), e uma das mais relevantes, senão a mais relevante, a quem dos pais deverá ser deferida a guarda dos filhos. Pois se presume que devido à insuportabilidade da vida em comum, os pais devem se separar, e se não entendem entre si, presumir-se-á que não se entenderão no que diz respeito à prole, por isso o legislador houve por bem determinar que a guarda seja concedida a um só dos cônjuges (observe-se a respeito o art. 10, caput da Lei no 6515/77 – Lei do Divórcio e 1584 do novo CC), é óbvio, somente após ter-se constatado que não houve acordo entre os pais quanto à guarda dos filhos.

De qualquer forma, dever-se-ão observar os critérios de determinação da guarda de filhos por nós já analisados e estudados antes de qualquer medida que atente contra o bem estar dos filhos. Usualmente, como é sabido, a guarda é deferida de praxe à mãe, principalmente quando o(s) filhos(s) for(em) menor(es), até a idade de 4 (quatro) anos, pois se pressupõe que eles sejam mais ligados afetiva e materialmente ao genitor do sexo feminino. No entanto, nada impede que a guarda seja deferida de outra forma, a bem dos filhos, como manda o art. 13 da Lei do Divórcio, podendo ser concedida inclusive ao pai ou a terceiro da família ou não.

Esse tipo de guarda, como já o sabemos, é conhecida como guarda unilateral, guarda única ou guarda exclusiva, porquanto é exercida por somente um dos pais após a culminação de um processo de divórcio ou separação judicial. Ao lado da guarda única, existem também outras modalidades de guarda como a alternada, o aninhamento ou nidação, a guarda dividida e a guarda compartilhada ou conjunta.

Com efeito, os tempos mudam, os tempos são outros, e cada vez mais a guarda única cede espaço para outro tipo que está se tornando cada vez mais popular que é a conjunta.

Há algumas décadas, a mãe é que detinha a guarda exclusiva. Presa aos serviços domésticos, do lar, a guarda era bem mais facilmente concedida a ela, devido à ideia arraigada de que o cuidado dos filhos era exclusivo da mulher, tarefa essa que fazia e faz parte das tarefas do lar... O homem, por sua vez, geralmente atarefado com os afazeres de sua vida profissional, quer seja ela uma profissão liberal, quer seja um trabalho operário, não tinha por que receber mais uma obrigação que seria a de cuidar dos filhos. Sua função era estritamente mantenedora, provedora; ainda que estivesse separado ou divorciado da mulher, pois nesse caso estaria forçado a pagar pensão alimentícia aos filhos e à ex-mulher.

Acontece, todavia, que a realidade social da mulher foi mudando com o passar dos tempos e se, antes ela se via restrita aos afazeres domésticos, agora ela busca cada vez mais uma vida independente, auto-suficiente, através dos estudos e do trabalho fora de casa. A mulher da atualidade quer ter uma vida profissional, corre atrás dos seus direitos, quer se igualar ao patamar dos homens, e de fato, já está igual em direitos e deveres em relação aos homens, conforme nos atesta o art. 5º, I, da Constituição Federal, bem como o art. 226, § 5º daquele mesmo diploma legal.

Por outro ângulo, os homens reivindicam cada vez mais uma posição mais marcante em sua função de pais, pois não querem ser relegados a uma situação secundária, periférica como de antes. Eles reconhecem que os filhos clamam por uma educação e convivência paterno-filial e querem ser mais presentes, conscientes de que a tomada dessa atitude não prejudicará a sua masculinidade.

Edward Teyber, citado por GRISARD FILHO, levanta as causas da mudança do comportamento dos sexos nos últimos tempos:

A urbanização e a industrialização do século XX, a entrada das mulheres 3no mercado de trabalho durante a Segunda Guerra e depois dela e o controle da fertilidade pela contracepção nos anos 60 contribuíram, em conjunto, para a guinada dos papéis, nas responsabilidades e nos poderes decisórios tradicionais na família. [60]

Diante de toda essa revolução nos padrões comportamentais do homem e da mulher, cujas mentalidades tornam-se mais e mais abertas para novas possibilidades, abriram-se novos caminhos para a guarda de filhos, sempre tendo como objetivo o melhor interesse do infante, e com isso a guarda conjunta vem ganhando espaço cada vez mais em nossa sociedade. "A família desunida permanece biparental". [61]Essa a sentença que resume a guarda compartilhada.

É verdade que no Brasil, ela ainda é uma novidade muito fresca, que acabou de sair do forno, mas enquanto isso, ela já vem sendo praticada com muita frequência em países europeus e norte-americanos desde 20 anos atrás. As pesquisas científicas em torno dessa área nova ainda são escassas, limitadas unicamente àqueles países, mas já é possível comprovar os seus efeitos benéficos em relação aos pais e principalmente em relação aos filhos. E se na área jurídica ela parece ser um assunto de pessoas exóticas, haja vista ser inusitado no Brasil deferir uma guarda compartilhada, em outras áreas do conhecimento humano, como a Medicina, a Psicologia, a Psicanálise, a Sociologia e a Psicopedagogia, ela já vem sendo discutida há bastante tempo e com uma quantidade de material científico já respeitável.

A guarda compartilhada, como o leitor já deve ter percebido há algum tempo, pressupõe o exercício conjunto dos deveres, direitos e prerrogativas decorrentes do poder familiar previstos nos artigos 1634 do novo Código Civil e 384 do Código Civil de 1916, sendo que o que mais nos interessa é o inciso II (tê-los em sua companhia e guarda). A guarda a que aqui nos referimos não é a guarda física, pois seria impossível para os pais separados ou divorciados, que não vivem mais uma vida em comum, exercerem a guarda, o direito de tê-los em sua companhia e sob seu poder ao mesmo tempo. A guarda a que nos referimos é a guarda jurídica, aquela que confere aos genitores os direitos e deveres naturais decorrentes da filiação, tais como exigir que os filhos lhe prestem os serviços adequados da sua idade, dar consentimento para casar, consentimento para sair com os colegas, para viajar com a turma da escola, escolher a escola na qual o filho vai estudar, escolher a religião, desfrutar dos momentos de troca de carinho e afeto entre pai e filho, levar o filho para um passeio ao parque ou a shopping center, protegê-los do perigo, reclamá-los de quem ilegalmente os detenha, e muitos outros direitos e deveres, que, obviamente, deverão estar de acordo com o outro dos cônjuges.

Com efeito, Eduardo de Oliveira LEITE esclarece que: "É nesse sentido que se fala em guarda "conjunta", isto é, exercício em comum da autoridade parental.". [62]

A guarda conjunta, como vimos, corresponde a um compartilhar a autoridade parental com o genitor guardião. No entanto, ela não se confunde com a guarda alternada, que é aquela em que é o tempo com o qual um dos genitores vai passar com os filhos que é dividido ao meio, como se divide uma laranja ao meio. Nesse caso, o filho passa metade do tempo com um dos pais, que nesse particular é o genitor guardião, enquanto que o outro é o genitor não guardião; a metade do outro tempo ele passa com o outro dos pais, que agora será o genitor guardião, ao passo que o anterior será o genitor não guardião. Nesse caso, os papéis se invertem entre os genitores.

A adequada distinção entre a guarda compartilhada e a alternada é importante para que se não alegue aquele argumento simplório de que a primeira é prejudicial à consolidação dos hábitos do menor. Isso não é verdade na guarda conjunta, pois aqui o menor fixa uma residência na qual vai fincar raízes físicas e sociais para o relacionamento com os colegas, para a consolidação dos hábitos, dos afetos, do referencial, enfim.

3.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

No período anterior à Revolução Industrial inglesa (século XVIII), a guarda era concedida ao pai, pois a ele cabia o cuidado dos filhos, devido às condições financeiras que lhe eram mais favoráveis. A partir da Revolução Industrial, as famílias se mudaram do campo para a cidade e os pais de família se viram obrigados a passar "o dia todo" trabalhando nas fábricas. Porque não tinham tempo para os filhos, a guarda simplesmente era concedida à mulher. A situação permaneceu assim até mais ou menos a década de 70 do século passado.

Se antes quem detinha a guarda dos filhos eram os pais em caso de separação, e as mães se sentiam injustiçadas por isso, "agora" são as mães as detentoras da guarda, o que fez com que os pais, indignados, buscassem valer seus direitos, no que resultou na guarda conjunta. [63]

A guarda conjunta surgiu há duas décadas no Reino Unido

e de lá trasladou-se para a Europa Continental, desenvolvendo-se em França. Depois atravessou o Atlântico, encontrando eco no Canadá e nos Estados Unidos. Presentemente desenvolve-se na Argentina e no Uruguai. [64]

Mas a manifestação inequívoca desta possibilidade por um Tribunal inglês só ocorreu em 1964, no Caso Clissold, que demarca o início de uma tendência que fará escola na jurisprudência inglesa. Em 1972, a Court d’Appel da Inglaterra, na decisão JussaxJussa, reconheceu o valor da guarda conjunta, quando os pais estão dispostos a cooperar e em 1980, a Court d’Appel da Inglaterra denunciou, rigorosamente, a teoria da concentração da autoridade parental nas mãos de um só guardião da criança. No célebre caso DipperxDipper, o juiz Ormrod, daquela Corte, promulgou uma sentença que, praticamente, encerrou a atribuição da guarda isolada, na história jurídica inglesa. [65]

Desse modo, a guarda compartilhada na Inglaterra surgiu diante da necessidade dos pais de manterem um contato maior com os filhos, que antes viviam exclusivamente com a mãe e ao pai cabia um mero dever de visita. A guarda conjunta na Inglaterra surgiu a partir de casos concretos, transformando diretamente a jurisprudência daquele país.

O seguinte trecho de GRISARD FILHO talvez nos ajude a entender o que impulsionou o surgimento da guarda conjunta no Reino Unido, além é claro do fato dos pais se sentirem inconformados em serem relegados a plano secundário:

Quando o modelo vigente não mais atende às expectativas sociais, quando a realidade quotidiana observada no foro prioriza, sistematicamente, a maternidade em detrimento da paternidade, quando se nega à criança o direito a ter dois pais, quando inevitável o processo de isonomia entre o marido e à esposa, criando uma simetria dos papéis familiares, é hora de se rever a questão da autoridade parental. [66]

Em função das reclamações dos pais por maior contato e direitos nas relações com seus filhos pós-divórcio, os juízes passaram a conceder o split order (ao pé da letra, "ordem de divisão", ou "guarda compartilhada"), em que à mãe cabia o care and control (cuidado e controle), e ao pai, o custody (custódia). Realmente, GRISARD FILHO confirma que "A idéia do fracionamento encarregou a mãe dos cuidados diários dos filhos (care and control) e recuperou ao pai o poder de dirigir a vida do menor (custody), possibilitando compartilhar a guarda.. ." [67]. No mesmo sentido é LEITE, segundo o qual "Enquanto a mãe se encarrega dos cuidados cotidianos da criança, care and control (isto é "cuidado e controle"), ao pai retorna o poder de dirigir a vida do menor, custody (custódia)". [68]

As decisões inglesas tiveram por base o interesse maior das crianças e a igualdade parental. [69]

Já no direito francês a jurisprudência que se firmou sobre a guarda conjunta resultou na Lei nº 87.570, de 22.07.1987, conhecida como Lei Malhuret. O art. 372-3 desse documento confirma o sentido a que se adequou a jurisprudência:

Se o pai e a mãe são divorciados ou separados de corpo, a autoridade parental é exercida quer em comum pelos dois genitores, quer por aquele dentre eles a que o tribunal confiou a criança, salvo, neste último caso, o direito de visita e controle do outro. [70]

Assim: "Podemos afirmar consequentemente (sic) que o direito francês adotou o modelo da guarda compartilhada apenas jurídica, em que um dos cônjuges fica com a guarda física e o outro tem o direito de visita.". [71]

Em caso de pais que vivem uma família natural sem serem separados, a guarda é deferida à mãe, podendo o pai solicitar que seja exercida a guarda conjuntamente. Já quando os pais se encontram separados, a guarda também pertence à mãe, mas o pai que quiser poderá recorrer ao juiz de assuntos matrimoniais. [72]

Ainda na década de 70, a guarda conjunta atravessou o Atlântico e implantou-se nas províncias inglesas do Canadá. Neste país, a guarda compartilhada não é privilegiada nem estabelecida por lei. Em princípio, a guarda a ser concedida será unilateral, mas caso os pais manifestem o desejo por dividir os direitos e obrigações, então o juiz concederá a guarda compartilhada, se cabível para preservar os interesses do menor. [73]

Porém, foi nos Estados Unidos da América que esse novo modelo encontrou maior sucesso. Com efeito, a maioria dos Estados americanos preveem tal guarda em sua legislação como sendo a espécie preferível de guarda. Se alguns Estados determinam que ela seja concedida de plano pelo juiz, outros pelo menos a preveem, enquanto poucos omitiram a seu respeito.

Acontece que naquele país, as legislações estaduais diferem de Estado para Estado. Com cada província dispondo de maneira diversa sobre tal guarda, foi necessário criar o Uniform Child Custody Jurisdiction Act (Ato Jurisdicional Uniforme da Guarda de Filhos), que uniformizou a legislação sobre o assunto.

A guarda compartilhada nos EUA tornou-se política pública. Os pais desejam compartilhar direitos e deveres em relação aos filhos para garantir o bem –estar destes que devem ser sempre almejados. A guarda compartilhada nos EUA realmente tornou-se uma "febre", principalmente porque ela preserva os interesses da criança, parecendo a solução para todos os males. Edward Teyber adverte, contudo, que, "não há nenhuma panacéia para os consideráveis problemas que o divórcio suscita, e a guarda conjunta não funciona para muitas famílias – principalmente no caso de pais em conflito". [74]

3.3 A POSSIBILIDADE JURÍDICA DO MODELO NO DIREITO PÁTRIO

Como a seguir comprovaremos, a guarda conjunta encontra-se de acordo e é possível, sim, conforme a legislação brasileira.

Em primeiro lugar, reportemo-nos ao art. 9º da Lei nº 6.515/77 (Lei do Divórcio), o qual afirma que " No caso de dissolução da sociedade conjugal pela separação judicial consensual (art. 4º), observar-se-á o que os cônjuges acordarem sobre a guarda dos filhos". Conforme se constata, a lei deu grande importância ao acordo sobre a guarda de filhos a ser firmado pelos cônjuges em processo de separação, tanto que em seu art. 1121, II, o Código de Processo Civil (CPC) exige como requisito para a separação consensual o acordo relativo à guarda dos filhos menores, ipsis litteris:

Art. 1121. A petição, instruída com a certidão de casamento e o contrato antenupcial se houver, conterá:

(...)

II - o acordo relativo à guarda dos filhos menores;

...

Afinal de contas, ninguém melhor do que os pais para decidirem o futuro dos filhos, para decidirem com quem estes devem ficar. Portanto, deste só dispositivo já podemos concluir que será possível aos pais acordarem em dividir as responsabilidades e as prerrogativas dos mesmos em relação à prole, o que redundaria numa verdadeira guarda conjunta.

Adiante, o art. 13 da Lei do Divórcio estatui que: "Se houver motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular por maneira diferente da estabelecida nos artigos anteriores a situação deles com os pais.". Esse dispositivo é tão importante que permite desfazer todo o arranjo que já havia sido feito quanto à guarda dos filhos. Poderíamos dizer que esta é a regra das regras, pois o princípio diretor para a determinação da guarda será sempre o interesse dos menores, conforme se constata a partir da expressão "a bem dos filhos". Portanto, se a prática sugere seja aplicada a guarda compartilhada para garantir que os filhos vivam da forma menos danosa possível ao seu psiquismo, então o juiz deverá determiná-la sem hesitar nas medidas.

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Na mesma linha de pensamento anda o novo Código Civil, o qual reza em seu art. 1583 que:

No caso de dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal pela separação judicial por mútuo consentimento ou pelo divórcio direto consensual, observar-se-á o que os cônjuges acordarem sobre a guarda dos filhos.

Luiz Felipe Lyrio PERES, em sua monografia sobre guarda compartilhada, nos presenteia com importante argumento a seguir transcrito:

... no período de 11 a 13 de setembro de 2002, foi aprovado na Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciário do Conselho da Justiça Federal, sob a coordenação do Ministro Ruy Rosado, o Enunciados (sic) 101, referente ao artigo 1583 do novo Código Civil, no qual a Corte Suprema analisando tal dispositivo, declarou que o termo "guarda de filhos" do artigo 1583 refere-se tanto a guarda unilateral quanto a compartilhada,.. . [75]

Em adição a esse relevante artigo, temos o art. 1586 do mesmo CC de 2002, segundo o qual: "Havendo motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular de maneira diferente da estabelecida nos artigos antecedentes a situação deles para com os pais.".

A ideia é a mesma desenhada pelo art. 13 da Lei do Divórcio, ou seja, ainda que tenha havido acordo sobre a guarda, ainda que a guarda tenha sido deferida ao cônjuge que não houver dado causa à separação ou ao divórcio, ainda que a guarda tenha sido deferida à mãe em caso de culpa de ambos os cônjuges, ou a terceiro pertencente ou não à família, o juiz poderá regular de maneira diferente, bastando para tanto que para ele aquelas decisões não resguardem o interesse do filho menor, podendo decidir por uma nova guarda compartilhada, se assim for benéfica ao desenvolvimento físico e psíquico do filho.

No caso do Decreto-Lei nº 3.200, de 19 de abril de 1941, que dispõe sobre a organização e proteção da família, o seu art. 16, que trata da guarda do filho natural, § 2º estabelece que "Havendo motivos graves, devidamente comprovados, poderá o juiz, a qualquer tempo e caso, decidir de outro modo, no interesse do menor.". É mais um dispositivo que conta a favor da guarda compartilhada, visando proteger a parte mais fraca e sensível no divórcio que são os filhos.

Vem à baila, ainda, somente para comprovar nossa tese de que a guarda compartilhada encontra respaldo em nossa legislação pátria, o art. 5º, I, da CF, segundo o qual "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição", o art. 226, termos em que "a família, base da sociedade tem especial proteção do Estado", seu § 5º que diz que "os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher" e finalmente o art. 227, caput, ipsis verbis:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Se concordarmos que a guarda compartilhada funciona como um verdadeiro antídoto para os males do divórcio e da separação, proporcionando maior igualdade no exercício de direitos entre pai e mãe, bem-estar, auto-estima elevada, ausência de sentimentos de culpa, raiva, medo, tanto da parte dos filhos quanto da dos pais, melhor relacionamento entre os pais divorciados e separados, garantia de relacionamento pai-filho e mãe-filho, cooperação, maior probabilidade de adimplemento das obrigações alimentares, maior inserção social do indivíduo na família e na sociedade, família contente e realizada, só para ressaltar seus benefícios mais relevantes, então concluímos de uma só vez que o compartilhamento das funções parentais é possível em função da legislação constitucional e infraconstitucional brasileira.

Como se vê, antes de proibir tal espécie de guarda, nosso legislador até a condescendeia, conforme dissertou GRISARD FILHO: "... antes de impedir, nosso Direito favorece a modalidade de guarda compartilhada, reafirmando a discricionariedade do juiz nessa matéria", pois o que ele visou mais foi proteger os interesses e a debilidade que representam a criança e o adolescente, sempre com vistas a permitir que esses filhos entrem na idade adulta formados pelos pais, pela família e pela sociedade, o que inevitavelmente diminui as perdas do Estado com adultos problemáticos que necessitam de tratamento psicológico.

3.4 CONSEQUÊNCIAS DA GUARDA CONJUNTA

A guarda compartilhada apresenta alguns aspectos de monta que não podem ser ignorados. Cumpre estudarmos a fixação da residência, a educação, a pensão alimentícia, o dever de visita, a responsabilidade.

Sabemos que a guarda conjunta é o modelo ideal para os pais e filhos no caso de divórcio ou separação judicial. A guarda conjunta coloca os pais em pé de igualdade para que os mesmos possam discutir e determinar o futuro dos filhos. Mas como garantir que tal modelo tenha sucesso, quando muitas vezes nem os próprios pais desejam viver a guarda conjunta? Além disso, as circunstâncias poderão influenciar positivamente ou negativamente sobre a guarda. Tudo vai depender de como os pais vão encarar essa nova realidade, penosa, mas não insolúvel, contanto que os cônjuges se comportem com maturidade, discriminando os conflitos conjugais da relação parental.

GRISARD FILHO nos lembra que

... a guarda compartilhada tem como premissa a continuidade da relação da criança com os dois genitores, tal como era operada na constância do casamento, ou da união fática, conservando os laços de afetividade, direitos e obrigações recíprocos (...) não prevalecendo contra eles a desunião dos pais, pois, mesmo decomposta, a família continua biparental. [76]

O primeiro aspecto a ser analisado é o que diz respeito à fixação da residência do menor. De fato, o juiz, com o apoio dos pais, deverá determinar em qual residência o menor irá viver, pois ele necessita de um local fixo para construir sua personalidade. A residência tanto poderá ser a da mãe, quanto a do pai, podendo ainda ser a de um terceiro: tudo vai depender de cada caso. O importante é que o infante se sinta seguro em um ambiente familiar que corresponda a suas necessidades materiais e afetivas.

A fixação da residência é determinante porque assim a criança poderá ter um referencial sócio-afetivo para desenvolver sua personalidade e consolidar seus hábitos, pois, caso contrário, o filho-joguete que vive com o pai, depois muda para a casa da mãe, volta novamente para a casa do pai, vive trocando de escolas, de amigos, poderia terminar tendo um colapso em sua mente, causando-lhe grande confusão e indecisão em relação à vida.

Já nos alertava LEITE que "A determinação da residência é essencial porque ela é indispensável à estabilidade da criança que terá, assim, um ponto de referência, um centro de apoio de onde irradiam todos seus contatos com o mundo exterior". [77]

A residência deve ser próxima da escola que o menor frequenta, deve estar próxima dos amigos, dos parentes, e por que não, do cônjuge descontínuo, já que isso facilitaria um contato mais íntimo entre este e aquele.

A fixação da residência ainda permite que o genitor descontínuo faça suas visitas ao filho, pois assim saberá onde buscar e onde deixar este.

A educação é outro aspecto da guarda compartilhada que não pode ser menosprezado. É dever de todo pai fornecer ao seu filho a educação necessária para a vida, e este tem o direito de exigir que seja educado convenientemente. Aliás, a educação é direito previsto até mesmo na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Observe-se a respeito o art. 227 da Constituição Federal de 1988 e o art. 4º da Lei nº 8069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA).

Note que educar não é o mesmo que pagar pensão: "... dar educação não é, unicamente (...) dar pensão.. .". [78] Muitos pais fazem essa confusão, que aliás, parece proposital, pensando que estão cumprindo todos os seus deveres com a simples pensão alimentícia. Educar significa não só prover o necessitado com as suas necessidades materiais, não é só pagar uma escola, um curso de línguas, teatro..., mas é principalmente oferecer ao filho o que o pai sabe sobre a vida, é ensinar a enfrentar os problemas do dia-a-dia, é permitir que aconteça uma troca pai-filho, em que um dá atenção e amor, e outro devolve gratidão e respeito...Educar é até mesmo brincar.

Também não se confunda educação com moradia. Apesar do filho morar com a mãe, não significa que esta já o esteja educando. É necessário que o outro dos pais marque presença na vida do filho, muito embora o mesmo com ele não more.

Um terceiro ponto a ser analisado é o referente à pensão alimentícia. Em princípio, ambos os pais devem contribuir para o sustento da prole na medida de suas condições e de acordo com a necessidade daquela: "... mãe e pai decidem, de comum acordo, o montante da pensão conforme as rendas de cada um e a necessidade da criança". [79]

Quando ocorre divórcio ou separação, o cônjuge que tem condições financeiras será onerado para cobrir as despesas da vida do filho tais como alimentação, saúde, transporte, educação, vestimentas, lazer etc. Afinal de contas, têm direito a pedir alimentos os parentes, os cônjuges e os companheiros uns aos outros. Nos termos do art. 1696,

o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta dos outros.

O direito a alimentos tem caráter assistencial, pois é do interesse do Estado e da sociedade que as pessoas carentes não fiquem desamparadas, e quem poderia oferecer essa ajuda, senão os próprios parentes? Estes, por estarem mais próximos, deverão arcar com os custos.

Na guarda compartilhada, comprova-se que os pais são mais adimplentes em relação à pensão alimentícia, vez que tal sistema de convivência permite maior proximidade afetiva entre pai e filho. Então, quanto mais o pai divide o seu tempo com o seu filho, mais evidente lhe parece o pagamento dos alimentos. Pelo contrário, quanto mais o pai se afasta do filho, maiores serão as chances de inadimplemento.

Quanto ao dever de visita, ele é antes de tudo um direito que tem a criança de manter contato direto com o genitor descontínuo. É um dever do pai, pois o mesmo está obrigado a executá-lo.

... deduz-se, sem dúvida, que o direito de visita constitui um direito-dever, tendo por finalidade não satisfazer direitos, desejos ou interesses dos genitores, senão amparar, em toda a sua extensão, as necessidades afetivas e educativas dos filhos. [80]

O dever de visita é concedido ao genitor não guardião, também conhecido como genitor descontínuo, porque ele não tem um relacionamento contínuo, prolongado com os filhos.

Apesar de semelhante ao sistema adotado pela guarda única, o direito de visita na guarda conjunta é exercido com muito mais proximidade, haja vista a participação mais efetiva de ambos os pais no processo de criação, educação e assistência dos filhos. A proximidade entre pais e filhos é uma das certezas desse modelo tão idealizado. [81]

O objetivo do dever de visita é manterem acesas as chamas do relacionamento entre pai e filho, proporcionar a este uma completude que ele não teria em sua vida adulta se do mesmo fosse arrancado um dos seus progenitores, proporcionar ao genitor descontínuo também maior contentamento e realização em sua função materna ou paterna.

Sobre o direito-dever de visita, Yussef Said CAHALI leciona:

Como o desquite não altera as relações entre pais e filhos (...) a entrega de filho menor a um dos progenitores implica necessariamente o reconhecimento ao outro do direito de visitá-lo, salvo casos especialíssimos. Um dos objetivos da visita é de fortalecer os laços de amizade entre pais e filhos, enfraquecidos pela separação do casal; é de proporcionar aos últimos a assistência e os carinhos daqueles; é o de minorar os efeitos nocivos impostos à prole com a separação definitiva dos genitores. O desquite separa os cônjuges e elimina os deveres recíprocos estabelecidos no art. 231 do CC, mantendo atenuado apenas o previsto no inciso II. Mas em relação à prole subsistem os deveres dos pais, ainda que sem a guarda do menor. E, evidentemente, as visitas facilitam o cumprimento desses deveres, irrenunciáveis por serem da mais alta importância. Cumpre reconhecer, destarte, que, a bem dos filhos, compete ao genitor privado da guarda fiscalizar o outro no exercício desta. Nem se ignore que as visitas podem ensejar a reconciliação do casal separado. Impõe-se concluir que, em regra, as visitas se fazem livremente. Tanto pelo respeito aos sentimentos afetivos de quem faz a visita e de quem a recebe, como também para que o primeiro possa fiscalizar convenientemente o tratamento dispensado ao menor pelo detentor da guarda. [82]

Não se esqueça que conexo ao dever de visita está o direito de fiscalização que tem o genitor não guardião, que consiste em averiguar se o genitor contínuo está cumprindo os seus deveres de pai ou mãe, se está educando o filho convenientemente, se está castigando ou não imoderadamente, enfim, de ter ciência do exercício correto da autoridade parental do outro dos genitores.

Um último aspecto a ser estudado refere-se à responsabilidade dos pais pelos atos dos filhos. Enquanto os pais vivem juntos numa família unida, exercendo em comum todos os direitos e deveres da autoridade parental (guarda comum), a responsabilidade é de ambos, pois fica presumido que ambos devem zelar pela educação, orientação e vigilância do menor.

O problema surge quando os pai se separam, caso em que a guarda é deferida a um só dos progenitores, o qual ficará responsável pelos atos da vida civil dos menores, porquanto estabelece o art. 1521 do CC de 1916 (atual art. 932, I do CC/2002), que "São também responsáveis pela reparação civil: I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;.. .".

Conforme se constata da análise do artigo acima transcrito, os pais serão responsáveis pelos filhos que estiverem "sob sua autoridade" (guarda jurídica) e "em sua companhia" (guarda física). Portanto, não obstante o filho esteja sob a guarda jurídica do pai, é preciso que ele esteja fisicamente ligado ao mesmo, caso contrário esse pai não poderá ser responsabilizado.

Em caso de união livre (ou união estável, como quer a Constituição Federal), na família natural, também a responsabilidade é comum a ambos os pais.

Já no que concerne à guarda compartilhada, considera-se que os pais (os dois) são os responsáveis pelos atos civis dos filhos menores, especialmente dos absolutamente incapazes. No caso desses (menos de 16 anos), cujos atos da vida civil devem ser representados pelos pais, ainda que se comprove que houve educação adequada, ficará difícil elidir a responsabilidade. Em se tratando de filho relativamente incapaz (de 16 a 18 anos), cujos atos da vida civil devem ser realizados com a assistência dos pais, estes poderão alegar que não falharam na educação nem na vigilância, podendo afastar de si aquela responsabilidade.

Tratando-se porém de guarda compartilhada, pai e mãe serão solidariamente responsáveis, uma vez que ‘as decisões relativas `a educação são tomadas em comum (e a guarda conjunta é construída sobre essa presunção), ambos os genitores desempenham um papel efetivo na formação diária do filho. Em ocorrendo dano, a presunção de erro na educação da criança ou falha na fiscalização de sua pessoa recai sobre ambos os genitores’, como já se referira Eduardo de Oliveira Leite. [83]

No que tange às causas de exclusão de responsabilidade, persistem as que correspondem à força maior, ao caso fortuito e à culpa de terceiro.

3.5 VANTAGENS E DESVANTAGENS DO SISTEMA

As pesquisas científicas sobre a guarda compartilhada ainda são escassas. Entretanto, isso não impede que se afira as vantagens e desvantagens do sistema.

A guarda compartilhada tem se mostrado uma excelente opção para pais que pretendem prolongar suas relações biparentais com seus filhos, discutindo e decidindo juntos o seu futuro, sem que isso implique envolver os conflitos conjugais, que devem ser discriminados da relação parental.

Resta-nos agora apontar as vantagens e desvantagens.

A guarda conjunta favorece um melhor relacionamento entre os ex-cônjuges, que a partir dela comprometer-se-ão com a vida dos filhos mais do que nunca. Se antes do divórcio, a situação dos pais caracterizava-se por desentendimentos e brigas, a conjuntura pós-divórcio deve se pautar pela salvaguarda dos interesses dos menores de uma família.

A guarda conjunta permite um contato mais íntimo entre o filho e os dois genitores, inclusive entre o filho e o genitor descontínuo. O direito de visita, como vimos, caracteriza-se por maiores intimidade e profundidade, pois o pai não guardião já não se demonstra tão ausente como se estivesse "vivenciando" uma guarda única.

Outro fator que se demonstra altamente positivo em relação à guarda e que é consequência deste último é que os filhos apresentam auto-estima elevada, maiores índices de aprovação escolar, maior inserção social (muitas amizades) e maiores chances de se tornar um adulto mais bem sucedido em sua vida profissional.

A guarda compartilhada afasta o perigo da criança ou adolescente desenvolver problemas psicoemocionais decorrentes do medo, ódio, raiva e revolta causados pelos problemas conjugais dos pais.

Além disso, conforme esclarece GRISARD FILHO, "A guarda compartilhada reafirma a igualdade parental desejada pela Constituição Federal e pontua seu argumento fundamental nos melhores interesses da criança". [84]

Filhos de pais que se beneficiaram da guarda compartilhada têm maiores chances de desenvolver relacionamentos amorosos mais duradouros, evitando assim uma maior incidência de divórcio e separação judicial.

A guarda compartilhada não cria na imaginação da criança o estereótipo de que o genitor não guardião só tem defeitos, evitando assim que o genitor guardião provoque antipatia no filho em relação ao pai que não detém a guarda, como é muito comum acontecer com a guarda única.

A criança não fica tensa como na guarda alternada ou na guarda única pelo fato de ter que escolher um dentre os seus dois pais, pois ela sabe que os mesmos estão "unidos" por sua causa, uma causa nobre, diga-se de passagem.

Em relação aos pais, estes terão mais tempo livre para dedicar à sua vida profissional e amorosa.

Os pais vão compartilhar também os gastos com relação aos filhos, viverão em cooperação, ambos os pais se mantém guardadores.

Além disso, os pais são mais adimplentes no que diz respeito à pensão alimentícia, porquanto se eles vivem mais próximos do filho, eles têm a noção de que vale a pena pagar, o que torna mais evidente tal prestação.

Para finalizar a exposição das vantagens, vale a pena transcrever GRISARD FILHO sobre os fundamentos psicológicos desse estilo de guarda:

Os fundamentos psicológicos da guarda compartilhada partem da convicção de que a separação e o divórcio acarretam uma série de perdas para a criança, e procura amenizá-las. A criança se beneficia na medida em que tem dois pais envolvidos em sua criação e educação. [85]

Em relação às desvantagens, sobressai aquela que diz que a guarda compartilhada é prejudicial à manutenção dos valores, de um referencial social e afetivo, pois não conserva os hábitos, já que a criança não se fixa em um lugar, estando ora com o pai, ora com a mãe. Nesse sentido, GRISARD FILHO: "Os arranjos de tempo igual (semana, quinzena, mês, ano, casa dividida) também oferecem desvantagens ante o maior número de mudanças e menos uniformidade de vida cotidiana dos filhos". [86]

Françoise DOLTO é contra esse tipo de guarda alternada:

Até os doze ou treze anos, portanto, a guarda alternada é muito prejudicial para as crianças. (...) O social tem uma importância enorme para o desenvolvimento da criança. Por isso é que a guarda alternada é prejudicial: por exemplo, quando a criança tem duas escolas, uma quando mora com a mãe, e a outra quando mora com o pai. Isso é muito ruim, porque, nesse caso, não há nem continuum afetivo, nem continuum espacial, nem continuum social. [87]

Com a devida vênia, vale lembrar que a guarda conjunta não se confunde com a guarda alternada. Aqueles autores que alegam suposta desvantagem não atentaram para esse fato. A guarda compartilhada pressupõe a fixação de uma residência, que vai se tornar o lar do menor, muito embora este dividirá seu tempo entre o pai e a mãe. Portanto, não é verdade que esse tipo de guarda seja prejudicial à consolidação dos hábitos, pois a criança finca suas raízes sócio-afetivas em um local que lhe servirá de referencial para todas as outras relações. Se a residência é fixa, a escola também a deverá ser. Realmente, não seria saudável que uma criança trocasse de escola frequentemente, pois provavelmente ela se sentiria confusa diante da diversidade.

Na verdade, essa diversidade de lugares poderia até ser positiva, para alguns, pois prepararia a criança para as adversidades da vida adulta, vez que ela teria que se ver obrigada a se adaptar a diferentes situações em diferentes momentos. Vale a esse respeito, a opinião do Dr. Lino de MACEDO, psicólogo:

A criança é extremamente flexível. Rapidamente ela assimila as diferenças entre a casa do pai e a da mãe. Mesmo quando as regras não são exatamente as mesmas, ela sabe o que pode e o que não pode, diz. O fato de ter duas casas, segundo ele, às vezes até ajuda a criança a concretizar a nova situação. Até os dez anos, a criança tem necessidade da expressão física dos acontecimentos. [88]

Outra autoridade no ramo da Psicologia é o Dr. Evandro Luis Silva, autor do estudo intitulado "Dois lares é melhor do que um", que poderá esclarecer ainda mais a questão:

Pensar que a guarda deva ficar somente com um dos cônjuges, para que a criança não perca o referencial do lar, é um equívoco. O referencial a não ser perdido é o dos pais. A criança filha de pais separados vai adaptar-se à nova vida, criará o vínculo com duas casas. Permitir à criança o convívio com ambos os pais deixa-a segura, sem espaço para o medo do abandono. [89]

Dois nomes de monta da Psicanálise (Melanie Klein e Sigmund Freud) já haviam revelado a importância que tem o fato da criança ainda bebê descobrir novos horizontes, afastar-se da mãe, para o seu desenvolvimento normal. Senão vejamos:

Segundo Melanie Klein (...) a criança de um ano de idade já pode e deve afastar-se do lar, ter outras relações, freqüentar jardins de infância, criar outros vínculos. Já possui condições internas para isso.

É possível e importante afastar-se da mãe, pois é assim que a criança consegue saber internamente que as situações boas e ruins desaparecem e voltam: pernoitar em outra casa, ficar todo o dia numa escolinha etc.. [90]

"Segundo Freud, o movimento da criança para além do lar e em direção ao mundo exterior vai propiciar ao ego desenvolver meios adequados para fazer frente às ansiedades atinentes àquele momento e modificá-las.". [91]

Em minha modesta opinião, o problema vai depender de como a criança vai encarar a situação. Se ela realmente for capaz de digerir as misturas de ambientes a que é submetida, então ela é uma criança apta a dividir sua vida entre dois lares. Caso contrário, recomenda-se ao juiz que na dúvida é melhor coibir que ela seja submetida a situações de diversidades como essa. De qualquer forma, temos que ter em mente que a criança, na guarda conjunta, muito embora divida seu tempo entre os seus pais, terá uma residência fixa, a qual poderá ser ou a casa da mãe, ou a do pai, ou de terceiro, estranho ou não à família.

Podemos ainda elencar outros fatores negativos em relação à guarda. Há críticas que pretendem derrubar esse novo modelo baseadas no fato de que a guarda expõe as crianças e os pais à possibilidade de novos conflitos, já que os pais devem dedicar parte do seu tempo para, juntos, decidir o destino dos filhos. Isso seria arriscado, pois funcionaria como uma bomba-relógio, pronta para explodir a qualquer momento.

Essa crítica é infundada, justamente porque essa não é uma característica só da guarda compartilhada, é uma característica de todos os tipos de guarda e principalmente do ser humano. Os conflitos são próprios da espécie humana, todos nós estamos sujeitos a eles em nossos relacionamentos do dia-a-dia.

Uma terceira crítica provém de uma pesquisa feita por Steiman sobre a conduta da criança em relação aos pais. Segundo esse cientista, as crianças estariam em permanente tensão preocupadas em não demonstrar interesse por qualquer dos pais em detrimento do outro. Segundo o mesmo autor "... este esforço, no sentido de evitar o ciúme entre os pais, a médio termo, se tornaria um fardo difícil para as crianças". [92]

A crítica é válida, mas até certo ponto, pois cede às seguintes questões: Trata-se de crianças que se encontram no início do relacionamento proporcionado pela nova guarda? Ou de crianças que já a vivenciam há algum tempo? Se for o primeiro caso, então a crítica não confirma coisa alguma, já que a criança ainda não teve tempo para se adaptar à nova situação. Se se trata do segundo caso, então aí se tem o que considerar, pois a criança já teve certo tempo para se adaptar à nova situação.

Outro ponto negativo apontado por alguns críticos é que a guarda compartilhada traria em seu bojo uma falsa ideia, uma ilusão, perigosa de que ainda existe uma esperança ao reate das relações conjugais entre os ex-cônjuges.

A crítica também é improcedente por dois motivos:

1º) primeiro, porque o objetivo da guarda é tão-só o de obter uma maior cooperação em torno da vida dos filhos;

2º) porque se existe alguma ilusão, essa falsa ideia é criada pelos próprios pais e não pela guarda (matéria jurídica). Ou seja, vai depender do diálogo (matéria psicológica) que os pais terão sobre a possibilidade de um novo relacionamento. [93]

Um último ponto negativo nos é demonstrado por GRISARD FILHO:

Pais em conflito constante, não cooperativos, sem diálogo, insatisfeitos, que agem em paralelo e sabotam um ao outro contaminam o tipo de educação que proporcionam a seus filhos e, nesses casos, os arranjos de guarda compartilhada podem ser muito lesivos aos filhos. Para essas famílias, destroçadas, deve optar-se pela guarda única e deferi-la ao genitor menos contestador e mais disposto a dar ao outro o direito amplo de visitas. [94]

Essa parece ser a crítica mais realista, pois se nem os pais querem se adaptar à guarda compartilhada, quem vai querer por eles?

3.6 A GUARDA CONJUNTA E A PSICANÁLISE. ASPECTOS PSICOLÓGICOS DA GUARDA CONJUNTA

O estudo do instituto/fenômeno guarda pertence ao Direito de Família. Entretanto, não é um tema exclusivo deste, pois àquela convergirão várias outras áreas do conhecimento humano, a saber a Psiquiatria (ramo da Medicina que estuda as doenças mentais), a Psicologia (ciência que estuda o comportamento humano sob os mais variados enfoques filosóficos), a Sociologia (a qual, segundo o Dicionário Aurélio, é o estudo objetivo das relações que se estabelecem, consciente ou inconscientemente, entre pessoas que vivem numa comunidade ou num grupo social, ou entre grupos sociais diferentes que vivem no seio de uma sociedade mais ampla) [95] e, finalmente, a Psicanálise, que conceituaremos mais à frente.

Todas essas disciplinas servem ao Direito para alertar, sugerir, propor, demonstrar, enfim, esclarecer o que parecia obscuro para o Direito, e, talvez, assim, permitir um avanço nas relações sociais e na própria sociedade.

A Psicanálise, que para uns é considerada um ramo da Psicologia, ao mesmo tempo em que para outros ela constitui uma ciência independente, consiste num método de tratamento criado por Sigmund Freud que se constrói sobre as falas e associações livres que o paciente faz durantes as sessões. Em seus primórdios, a Psicanálise visava a catarse, isto é, a liberação de energia negativa através da fala, aliviando o sofrimento mental do indivíduo. Hoje, contudo, a Psicanálise pretende o desenvolvimento mental, a construção da personalidade de um determinado indivíduo. A questão da cura não vem ao caso, mas sim saber que ela não é uma garantia, mas uma possibilidade. A Psicanálise, também pode ser entendida como uma ciência (não só como método de tratamento de distúrbios mentais) que reúne os achados dos psicanalistas em um set analítico, a partir das observações que estes mesmos fazem dos seus pacientes principalmente. Tal ciência parte da premissa de que nós, seres humanos, não conhecemos nem um quinto do que se passa em nossa mente, porque grande parte de nossas atitudes e tomadas de decisões é inconsciente. Em outras palavras, o que rege a nossa mente não é a nossa própria consciência, senão a instância conhecida como inconsciente.

Portanto, podemos concluir que o inconsciente é a instância mental que se caracteriza pelo desconhecimento por parte do indivíduo dos fenômenos e processos que se passam em seu interior, quer porque tal indivíduo não tem acesso a ele, quer porque os fenômenos que nele acontecem são aparentemente imperceptíveis.

O consciente é justamente o contrário, ou seja, é a parte da mente sobre a qual o indivíduo tem controle, porque conhece o que se passa nela. Não que o indivíduo não tenha controle completo sobre si, não é isso que estamos a afirmar, mas o primeiro é uma parte de nossa vida que não se rege pelas regras de conduta da sociedade.

Outra teoria importante criada por Freud e que poderia nos ajudar é a da tripartição do aparelho mental, cujas partes são: id, ego, superego. O primeiro deles corresponde à nossa parte animal, porquanto será o local em que se produzem os impulsos, os desejos, as intenções. É o primeiro a se formar na linha de formação do comportamento e é o mundo mais isolado do exterior, não reconhecendo as regras sociais deste. O superego, por sua vez, constitui-se durante a infância e corresponde ao nosso sistema de controle, pois ele visa evitar que o ser se comporte de acordo com o id diante da sociedade, o que significa dizer que este quebrou as regras. A criança adquire o superego por meio da educação que recebeu dos pais. Assim, o superego fica encarregado da censura, dos valores morais. Finalmente, o ego é o sensor e ao mesmo tempo aquele que detém a capacidade de juízo. É ele que experimenta, sente, arrisca, recua, enfim, é o juiz, aquele que decide se cede aos desejos do id, se obedece às imposições do superego, ou se ajusta aos comandos do meio exterior.

É óbvio que a Psicanálise não é só isso, ela vai muito além para explicar a causação de certas doenças mentais, como neuroses, fobias e outras mais. Freud e seus discípulos se valem de complicadas teorias bem aprofundadas que explicam nossas atitudes, nossas falas, nosso comportamento, interpretam os sonhos, a arte, a religião, enfim, é uma ciência que não se limita a descrever o inconsciente.

Para nós, basta saber que a criança ou o adolescente que sofre com os conflitos dos pais em separação poderá desenvolver distúrbios comportamentais, principalmente porque o seu ego não está desenvolvido suficientemente para suportar as pressões da sociedade (de fora) e do id (de dentro). A criança quer gritar, quer expressar seus sentimentos, mas algo de fora a proíbe (é o seu superego, são os pais e a própria sociedade), então surgirão os sintomas que lhe trarão desconforto ou até mesmo, numa visão bem pessimista, alienação diante da realidade penosa. Daí a importância imensurável que a sociedade deve dar a essas crianças vítimas de conflitos conjugais, pois com certeza, se não amparadas a tempo, elas serão a parte mais prejudicada na família, haja vista serem sensíveis e frágeis (ainda não formadas para a idade adulta), características da própria condição infantil, que é de desamparo.

As crianças cujos pais estão passando por um processo de divórcio reagem com medo, insegurança, desconfiança, raiva, ódio, culpa, depressão, rejeição, baixa auto-estima, enfim, uma gama de sentimentos, e o juiz deve estar atento para isto. Sempre que possível, ele deverá designar uma perícia psicológica para descobrir a situação da criança e esta deverá ser ouvida sobre os seus sentimentos, seu ponto de vista nas relações familiares, pois quiçá a sua opinião poderá mudar uma decisão para melhor:

... torna-se relevante para os Tribunais determinar, primeiramente, que o modelo reúna condições que asseguram um razoável bem-estar aos menores. É louvável, nessa busca, a atitude     de juízes que convocam as partes, ouvem os menores e recorrem à consulta interdisciplinar. De qualquer forma, porém, sempre será o juiz em sua dura solidão que decidirá o futuro de seus jurisdicionados.

Para finalizar, clamo a oportuna palavra de Judith Wallerstein:

Não existe separação sem danos, perdas e tristeza. As duas partes não encerram seus conflitos na Justiça. Sentimentos de amor e ódio não deixam de existir com a assinatura da papelada. Esse quadro de desgaste contínuo, não importa o grau, fere indelevelmente as crianças. [96]

Não podemos deixar de concordar que às vezes a separação dos pais é benéfica para o futuro dos filhos, ou seja, há males que vem para o bem, pois se os pais vivem em constante conflito, é possível que um menor sofra mais com a situação mantendo a família junta do que se houvesse uma separação, que acabaria de vez com os conflitos conjugais.

Portanto, fica o alerta para os juízes, promotores, advogados e todos que se envolvem com o fenômeno dissolução da sociedade conjugal.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Luiz Jorge Valente Pontes. Guarda conjunta: em busca do maior interesse do menor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2348, 5 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13965. Acesso em: 20 nov. 2024.

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