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Acumulação remunerada de cargos e empregos públicos na jurisprudência brasileira

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12/12/2009 às 00:00
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15. DELEGADO DE POLÍCIA

No que refere especificamente aos Delegados de Polícia Federal e Delegados de Polícia Civil do Distrito Federal, a Lei 4.878/65, de 03 de dezembro de 1965, que regulamentava o regime jurídico peculiar aos Funcionários Policiais Civis da União e do Distrito Federal, possuía regra específica referente a acumulação de cargos:

Art. 4º A função policial, fundada na hierarquia e na disciplina, é incompatível com qualquer outra atividade.

Art. 23. O policial fará jus à gratificação de função policial por ficar, compulsoriamente, incompatibilizado para o desempenho de qualquer outra atividade, pública ou privada, e em razão dos riscos à que está sujeito.

§ 3º Ressalvado o magistério na Academia Nacional de Polícia e a prática profissional em estabelecimento hospitalar, para os ocupantes de cargos da série de classes de Médicos Legistas, ao funcionário policial é vedado exercer outra atividade, qualquer que seja a forma de admissão, remunerada ou não, em entidade pública ou empresa privada.

Esta norma prevê caso de vedação a acumulação de cargos em dissonância com texto constitucional, criando nova hipótese. As vedações a acumulação de cargos públicos, bem como suas exceções são matérias estritamente constitucionais, não podendo ser regulamentadas por normas inferiores.

De acordo com a doutrina de Jorge Miranda, a sobrevivência das demais norma anteriores à Constituição, dependerá de sua conformidade com o novo texto constitucional [31]. Em igual sentido doutrina Canotilho:

(...) nenhuma norma de hierarquia inferior pode estar em contradição com outra de dignidade superior – princípio da hierarquia – e nenhuma norma infraconstitucional pode estar em desconformidade com as normas e princípios constitucionais, sob pena de nulidade, anulabilidade ou ineficácia – princípio da constitucionalidade [32].

Fica evidente que, pela teoria da recepção, tal norma não mais integra o ordenamento jurídico nacional, não tendo sido recepcionada pela nova ordem constitucional.

Diante da ausência de norma específica na Constituição, os Delegados de Polícia Federal, bem como as de Polícia Civil, estão sujeitos a regra geral prevista no art. 37, inciso XVI, da Constituição Federal. Esses profissionais como exercem cargo de natureza técnica, podem acumular sua função com um cargo de professor, alínea "b".

É o posicionamento do Supremo Tribunal Federal:

MANDADO DE SEGURANÇA. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS - DELEGADO DA POLÍCIA FEDERAL E PROFESSOR - ART. 37, XVI, "b", DA CF/88 - COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS - VEDAÇÃO DA LEI Nº 4.878/65 NÃO RECEPCIONADA PELA CF/88. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL DESPROVIDAS. 1. O regime jurídico especial definido na Lei nº 4.878/65, no que se a restrição quanto à exclusividade e integralidade da função de policial federal, deve ter sua aplicabilidade em harmonia com a nova ordem constitucional vigente. 2. Assim, quanto a este aspecto, tenho convicção de que se trata de vedação expressamente não recepcionada pela Constituição de 1988, a qual, com minudência admitiu ser cumulável o exercício de cargo público, técnico ou científico, com cargo de professor, oportunidade em que também previu como única restrição à cumulabilidade e a incompatibilidade de horários (art. 37, inc. XVI, b, CF/88).3. Apelação e remessa oficial, desprovidas. Origem: TRF - PRIMEIRA REGIÃO

Classe: AMS - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 200233000236940 Processo: 200233000236940 UF: BA Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA Data da decisão: 26/07/2006 Documento: TRF10233308


16. ACUMULAÇÃO COM CARGO TEMPORÁRIO

O texto constitucional ao prever a vedação e exceções a acumulação de cargos públicos remunerados não fez distinção entre cargos permanentes ou temporários. Diante da regra básica de hermenêutica, o intérprete não pode criar exceção onde o legislador não o tenha feito.

Seguindo essa posição, a jurisprudência tem decidido pela possibilidade de acumulação mesmo entre cargos temporários, pouco importando se apenas um ou os dois cargos são temporários.

Cita-se decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região [33]:

CONSTITUCIONAL - ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA LEI EM TESE. PRELIMINAR AFASTADA. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. ART. 37, INCISO XVI, ALÍNEA "B", DA CF/88. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. LEI 8.745/93. 1. Afasta-se a preliminar de carência de ação por impetração de mandado de segurança contra lei em tese, quando a dita lei se convalidou em ato administrativo promovido pela Impetrada, capaz de produzir, de pronto, efeitos concretos na esfera patrimonial da Impetrante, ao impedir seu acesso a cargo público, para o qual obteve aprovação por meio de processo seletivo. 2. O art. 37, inciso XVI, da Constituição Federal, ao facultar a acumulação de um cargo de professor com outro técnico ou científico, não estabelece distinção quanto à forma de provimento do cargo técnico, se em caráter efetivo ou temporário, motivo pelo qual é razoável entender estar nele (art. 37, XVI, CF) incluída a possibilidade de contratação para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público prevista na Lei nº 8.745/93. 3. Remessa oficial e apelação não providas. Origem: TRF - PRIMEIRA REGIÃO Classe: AMS - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 200434000003114

Processo: 200434000003114 UF: DF Órgão Julgador: SEXTA TURMA Data da decisão: 07/05/2007 Documento: TRF10248548


17. ACUMULAÇÃO DE PROVENTOS DE APOSENTADORIA

A possibilidade de acumulação de aposentadorias por muito tempo gerou divergência na doutrina, diante da redação originária da Constituição que não previa regra específica, diferentemente da Constituição de 1967/1969 que vedava expressamente. Após longa discussão no âmbito administrativo e judicial, a questão foi solucionada pelo Supremo Tribunal Federal, que entendeu possível a cumulação apenas quando se tratar de cargos, funções ou empregos acumuláveis na atividade, nas hipóteses constitucionalmente permitidas.

Essa orientação foi fixada no julgamento do Recurso Extraordinário nº 163.204-6-SP e reafirmado no julgamento do Mandado de Segurança nº 22.182-8:

EMENTA: - Mandado de segurança. Validade do ato administrativo desta Corte que condicionou a posse de oficial da reserva remunerada do Exercito, no cargo de Tecnico Judiciario do Quadro da Secretaria do Tribunal, a renuncia concomitante aos proventos da reserva remunerada. - O Plenário desta Corte, recentemente, ao julgar o RE n. 163.204, firmou o entendimento de que, em face da atual Constituição, não se podem acumular proventos com remuneração na atividade, quando os cargos efetivos de que decorrem ambas essas remunerações não sejam acumulaveis na atividade. - Improcedencia da alegação de que, em se tratando de militar que aceita cargo público civil permanente, a única restrição que ele sofre e a prevista no par. 3. do artigo 42: a de ser transferido para a reserva. A questão da acumulação de proventos com vencimentos, quer se trate de servidor público militar quer se trate de servidor público civil, se disciplina constitucionalmente de modo igual: os proventos não podem ser acumulados com os vencimentos. - Não sendo os proventos resultantes da reserva remunerada acumulaveis com os vencimentos do cargo de tecnico judiciario, se o impetrante quiser tomar posse neste, devera necessariamente optar por sua remuneração, porquanto não se pode exercer cargo público gratuitamente, o que implica dizer que tera de renunciar a percepção dos proventos resultantes da inatividade militar. Mandado de segurança indeferido.

(MS 22182, Relator(a):  Min. MOREIRA ALVES, TRIBUNAL PLENO, julgado em 05/04/1995, DJ 10-08-1995 PP-23555 EMENT VOL-01795-01 PP-00071)

Para adequar a legislação a esse entendimento, foi incluído o § 3º ao art. 118 da Lei 8112/90, com a seguinte redação:

Art. 118. Ressalvados os casos previstos na Constituição, é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos.

(...)

§ 3o - Considera-se acumulação proibida a percepção de vencimento de cargo ou emprego público efetivo com proventos da inatividade, salvo quando os cargos de que decorram essas remunerações forem acumuláveis na atividade. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

Por fim, a Emenda Constitucional nº 20, criou o § 10 do art. 37, no mesmo sentido:

Art. 37.

§ 10. É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração.

Mesmo a ressalva prevista no art. 11 da citada Emenda Constitucional não possibilitou a acumulação de aposentadorias quando não decorrentes de cargos acumulados na atividade


18. ACUMULAÇÃO DE PROVENTOS DE APOSENTADORIA COM CARGO COMPATÍVEL E COM CARGO INCOMPATÍVEL NA ATIVIDADE

Da mesma forma que no caso anterior, a Constituição não possuía regra específica e clara quanto à acumulação de proventos de aposentadoria com outro cargo que fosse incompatível na atividade. A posição jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal era no sentido da impossibilidade, conforme ementa abaixo:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROVENTOS E VENCIMENTOS: ACUMULAÇÃO. C.F., art. 37, XVI, XVII. I. - A acumulação de proventos e vencimentos somente e permitida quando se tratar de cargos, funções ou empregos acumuláveis na atividade, na forma permitida pela Constituição. C.F., art. 37, XVI, XVII; art. 95, parágrafo único, I. Na vigência da Constituição de 1946, art. 185, que continha norma igual a que está inscrita no art. 37, XVI, CF/88, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal era no sentido da impossibilidade da acumulação de proventos com vencimentos, salvo se os cargos de que decorrem essas remunerações fossem acumuláveis. II. - Precedentes do STF: RE-81729-SP, ERE-68480, MS-19902, RE-77237-SP, RE-76241-RJ. III. - R.E. conhecido e provido.

(RE 163204, Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 09/11/1994, DJ 31-03-1995 PP-07779 EMENT VOL-01781-03 PP-00460 RTJ VOL-00166-01 PP-00267).

Mas sua posição mudou com a Emenda Constitucional nº 20, mais especificamente devido ao seu art. 11:

Art. 11 - A vedação prevista no art. 37, § 10, da Constituição Federal, não se aplica aos membros de poder e aos inativos, servidores e militares, que, até a publicação desta Emenda, tenham ingressado novamente no serviço público por concurso público de provas ou de provas e títulos, e pelas demais formas previstas na Constituição Federal, sendo-lhes proibida a percepção de mais de uma aposentadoria pelo regime de previdência a que se refere o art. 40 da Constituição Federal, aplicando-se-lhes, em qualquer hipótese, o limite de que trata o  § 11 deste mesmo artigo.

Diante do teor desse artigo, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RMS 24.737-DF, Rel. Min. Carlos Brito, 1º/02/2004, resguardou situações pretéritas, consolidadas antes da emenda. No caso, entendeu legal a acumulação de dois cargos com aposentadoria relativos a um terceiro cargo.

A posição nesse julgamento evidentemente contraria a posição anterior do mesmo Tribunal, que defendia a tese de que a cumulação entre proventos de aposentadoria e vencimentos somente era permitida se os cargos fossem cumuláveis na atividade. É certo que a decisão se fundamenta no texto da própria Emenda Constitucional. Mas uma Emenda não possui força para tornar constitucionais situações que nasceram inconstitucionais, visto que, segundo a jurisprudência do próprio Tribunal, essa acumulação seria inconstitucional, nos termos dos julgamentos (Recurso Extraordinário nº 163.204-6-SP e Mandado de Segurança nº 22.182-8) acima citados.

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Depreende-se que houve uma mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal, em decorrência do teor do art. 11, da Emenda Constitucional nº 20.

No julgamento desse recurso, ressalva-se a posição do Ministro Joaquim Barbosa:

Sr. Presidente, vou pedir vênia ao Ministro Carlos Britto, porque entendo que, no momento em que se permitiu que ela, uma vez aposentada, viesse a constituir duas novas situações, nasceu aí, sim, uma violação ao texto constitucional.

Por essa razão, desprovejo o ordinário [34].

Apesar das considerações, é dessa forma que tem decidido a Corte Constitucional:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MAGISTÉRIO. ACUMULAÇÃO DE PROVENTOS DE UMA APOSENTADORIA COM DUAS REMUNERAÇÕES. RETORNO AO SERVIÇO PÚBLICO POR CONCURSO PÚBLICO ANTES DO ADVENTO DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 20/98. POSSIBILIDADE. 1. É possível a acumulação de proventos oriundos de uma aposentadoria com duas remunerações quando o servidor foi aprovado em concurso público antes do advento da Emenda Constitucional n. 20. 2. O artigo 11 da EC n. 20 convalidou o reingresso --- até a data da sua publicação --- do inativo no serviço público, por meio de concurso. 3. A convalidação alcança os vencimentos em duplicidade se os cargos são acumuláveis na forma do disposto no artigo 37, XVI, da Constituição do Brasil, vedada, todavia, a percepção de mais de uma aposentadoria. Agravo regimental a que se nega provimento.
(RE 489776 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 17/06/2008, DJe-142 DIVULG 31-07-2008 PUBLIC 01-08-2008 EMENT VOL-02326-07 PP-01293 RNDJ v. 9, n. 108, 2008, p. 64-66)

O entendimento, equivocado, da corte é que a Emenda Constitucional nº 20 teria convalidado as situações de acumulação inconstitucional. Já para o Superior Tribunal de Justiça, "O seu art. 11 (da EC 20) legalizou, constitucionalizou, as acumulações pretéritas, proibidas" [35].

Não se pode imaginar num Estado Democrático de Direito uma convalidação, instituída por meio do constituinte derivado, em expressa contradição com o texto promulgado pelo constituinte originário. Mas dessa forma foi decidido:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ACUMULAÇÃO DE PROVENTOS COM VENCIMENTOS. SUPERVENIÊNCIA DA EC-20/98. Servidor público. Acumulação de cargos. Nomeação e posse antes da promulgação da Emenda Constitucional 20/98. Observância do disposto no artigo 11 da referida emenda constitucional, que exclui da vedação de acumular proventos e vencimentos a situação dos servidores inativos que tenham ingressado novamente no serviço público por concurso de provas ou de provas e títulos, e pelas demais formas previstas na Constituição, até a data de sua publicação. Convalidação de atos administrativos anteriormente praticados em desacordo com as disposições do artigo 37, XVI, da Constituição do Brasil. Precedentes. Agravo regimental não provido.

(RE 190326 AgR, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Primeira Turma, julgado em 31/05/2005, DJ 24-06-2005 PP-00033 EMENT VOL-02197-2 PP-00259)

Por fim, depreende-se uma situação esdruxula decorrente do texto do § 10º, do art. 37. Este parágrafo veda a percepção de remuneração de cargo, emprego ou função pública com de proventos de aposentadoria decorrentes dos art. 40 e arts. 42 e 142. O art. 40 trata da aposentadoria dos servidores estatutários. Os art. 42 e 142 trata da aposentadoria dos militares. Perceba-se que não inclui o regime geral de previdência.

Dessa forma, um aposentado pelo regime geral de previdência social, que pode inclusive ser ex-empregado aposentado de uma empresa pública, pode reingressar no serviço público, como servidor estatutário, e acumular seus proventos de aposentadoria com vencimentos do novo cargo, sem que incida na vedação constitucional. Já no caso contrário, estatutário aposentado que pretender assumir cargo em empresa pública, a vedação incidiria, visto que, sua aposentadoria decorre do art. 40.

Ao que parece, mais que intenção do constituinte derivado, a brecha legal parece derivar da falta de técnica legislativa. Intencional ou não, a hipótese existe, sendo difícil defender tese contrária.

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Sobre o autor
Celso Costa Lima Verde Leal

Procurador da República. Ex-Procurador da Fazenda Nacional. Especialista em Direito Público pela UNB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEAL, Celso Costa Lima Verde. Acumulação remunerada de cargos e empregos públicos na jurisprudência brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2355, 12 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13966. Acesso em: 28 mar. 2024.

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