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Embriaguez e imputabilidade penal

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20/12/2009 às 00:00

Resumo:


  • O direito penal aborda a embriaguez devido à sua relação com o aumento da criminalidade, mas a intoxicação alcoólica pode ser tão severa que elimine a capacidade do indivíduo de compreender a ilicitude do ato ou de se determinar de acordo com esse entendimento.

  • A teoria da actio libera in causa analisa as implicações da embriaguez na imputabilidade penal, considerando a responsabilidade do agente pelo estado de inconsciência autoinduzido, mesmo que o ato criminoso ocorra durante a inimputabilidade.

  • Existem críticas e alternativas à teoria da actio libera in causa, que buscam conciliar os princípios do direito penal, como a culpabilidade e a proibição da responsabilidade penal objetiva, com a necessidade de punir atos criminosos cometidos sob o estado de embriaguez.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

SUMÁRIO: 1. Embriaguez e criminalidade. 2. A importância dos princípios constitucionais no Estado Democrático de Direito. 3. Direito Penal: conceito, objetivos e princípios: 3.1. Princípio do nullum crimen sine conducta; 3.2. Princípio do nullum crimen sine culpa. 4. Embriaguez e imputabilidade penal. 5. A teoria da actio libera in causa: 5.1. Conceito e elementos; 5.2. Direito comparado; 5.3. Justificativas; 5.4. Artigo 28, inciso II, do Código Penal brasileiro: uma hipótese de responsabilidade penal objetiva?; 5.5. Críticas à teoria; 5.6. Alternativas apresentadas pela doutrina moderna. 6. Considerações finais. 7. Referências.

RESUMO: O direito penal se preocupou com a embriaguez principalmente pela sua influência comportamental negativa. Todavia, a intoxicação alcoólica pode ocorrer em grau tão elevado que retire da pessoa a capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Este trabalho tem o objetivo de analisar as implicações da embriaguez na imputabilidade penal, com destaque para a teoria da actio libera in causa.

ABSTRACT: The penal law worried mainly about inebriety for its negative behavioural influence. Though, the alcoholic intoxication can happen in such high degree that it can remove from a person the capacity to understand the illicit character of a fact or guide himself according to that understanding. This work has the purpose of analyzing the implications of inebriety in the penal imputability, emphasizing the theory of actio libera in causa.

PALAVRAS-CHAVE: embriaguez – imputabilidade – actio libera in causa.

KEYWORKS: inebriety – imputability – actio libera in causa.


1. Embriaguez e criminalidade.

É estreito o laço existente entre o consumo de álcool e a prática de delitos. Não que aquele seja a causa única e principal da criminalidade. Mas os efeitos do etanol têm o condão de aumentar as estatísticas de práticas de atos que atentem contra os valores mais caros da vida em comum.

Ao que parece, o consumo de álcool é quase tão antigo quanto a própria humanidade. "Tártaros, egípcios, chineses, gregos, romanos, astecas, polinésios, todas as civilizações e povos antigos sabiam como fabricar bebidas alcoólicas" (BARSA, 1980, v. 4, p. 15). Hoje, o uso de bebidas alcoólicas é um costume arraigado ao cotidiano de quase todas as culturas modernas.

Por outro lado, os problemas advindos do abuso do álcool também acompanham-no desde o início de sua história.

Se gregos e romanos, v.g., apreciavam o vinho e a cerveja, também censuraram a embriaguez. Da mesma forma, a Bíblia nos traz a história da embriaguez de Noé (Gênesis, 9:20-27). Por esse ou por outros motivos, durante a Idade Média o alcoolismo era condenado pela Igreja (HISTÓRIA DO ÁLCOOL).

A embriaguez é definida como a intoxicação aguda e transitória causada pelo álcool.

Agudo, para a medicina, diz-se da doença de curso grave e rápido (RIOS, 2007, p. 359). Portanto, a embriaguez é uma intoxicação intensa, cujos efeitos são passageiros.

A embriaguez manifesta-se em três fases, as quais, entretanto, não contam com limites precisos entre si.

Na fase da excitação, caracterizada por um afrouxamento dos freios morais, a pessoa ainda tem consciência, mas apresenta diminuição da capacidade de autocrítica e julgamento, vivacidade motora, desinibição, euforia e loquacidade (ou tristeza, noutros casos), lentidão nos reflexos e baixa capacidade de concentração. Os principais sinais clínicos são dilatação das pupilas, umidificação da pele e aceleração da respiração e do pulso (FRANÇA, 1978, p. 3; JESUS, 2003, p. 509; SILVA, 2004, p. 56).

Na segunda fase, a da depressão ou da confusão, o ébrio pode sofrer falta de coordenação motora, confusão mental, irritabilidade, disartria (voz pastosa, dificuldade para articular as palavras), visão dupla, zumbido nos ouvidos, comprometimento na memória e até mesmo ilusões. Andar em linha reta ou permanecer em pé, equilibrado, de olhos fechados, são tarefas deveras difíceis. É normalmente na fase da confusão que o bêbado apresenta as maiores inconveniências de atitude, porque a debilidade em sua autocrítica é mais acentuada. A embriaguez já é completa: a autocensura, os freios morais e a liberdade de consciência e vontade são inexistentes (FRANÇA, 1978, p. 3; JESUS, 2003, p. 509; SILVA, 2004, p. 57).

Por fim, a fase do sono ou da letargia é marcada por um estado de anestesia que pode tomar maiores ou menores proporções. A pressão arterial e a temperatura corporal caem sensivelmente, a pele empalidece, as pupilas ficam contraídas, a respiração e a pulsação diminuem, os reflexos são totalmente abolidos. Podem ocorrer desmaios, sono profundo ou total inconsciência. Em alguns casos, pode culminar em coma ou mesmo morte (FRANÇA, 1978, p. 3; JESUS, 2003, p. 509).

Assim, a par de sua licitude, os transtornos causados hodiernamente pelo álcool são grandes, como bem destacou Haroldo Caetano da Silva:

[...] sendo o álcool uma droga historicamente consumida e o seu uso um hábito socialmente aceito, inclusive estimulado por criativos meios de publicidade por todos os mass media – diversamente do que ocorre com outras drogas, cujo comércio e consumo configura prática ilícita – é muito freqüente o vício do alcoolismo, a ponto de tornar-se "um dos problemas mais inquietantes que se apresentam atualmente em todos os países civilizados", verdadeiro problema de saúde pública, com reflexos nefastos para aquele que ingere a bebida alcoólica, e também com conseqüências outras, não menos graves, de caráter social, econômico e jurídico (SILVA, 2004, p. 41, grifo do autor).

Na embriaguez, "soltam-se progressivamente os impulsos recalcados, livres graças ao entorpecimento das inibições morais" (FRANÇA, 1978, p. 3).

Destarte, embora não seja a única causa do problema da criminalidade, a embriaguez é uma relevante mola propulsora a impulsioná-la.

E sendo o crime um elemento patogênico ao corpo social, o Estado, valendo-se das normas penais, não podia deixar de se preocupar com o problema da embriaguez e com as mudanças comportamentais dela decorrentes.

Eis o motivo pelo qual o direito, enquanto regulador das condutas humanas, e principalmente o direito penal, como tutelar dos valores mais importantes do convívio social, tratou logo de cuidar do fenômeno da embriaguez. E a legislação brasileira o fez em três aspectos: a) estatuindo, no art. 28, inciso II, do Código Penal, que a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substâncias de efeitos análogos, não exclui a imputabilidade; b) agravando a pena quando o crime for praticado em estado de embriaguez preordenada (art. 61, inciso II, alínea a, do Código Penal); e c) tipificando condutas (v.g., art. 306, do Código de Trânsito Brasileiro e art. 62, da Lei das Contravenções Penais).

Desta feita, estuda-se aqui o tratamento penal da embriaguez, sendo dedicada maior atenção ao ponto que parece ser o de maior relevância (do ponto de vista dos princípios que norteiam o direito penal): a correlação entre esta, enquanto fenômeno apto a turvar a capacidade de compreensão e de determinação do indivíduo, e a imputabilidade penal.


2. A importância dos princípios constitucionais no Estado Democrático de Direito.

O convívio em sociedade é inerente à natureza humana. Desde que o homo sapiens surgiu na Terra ele procurou agregar-se a seus pares, de modo a melhor poder enfrentar a luta pela sobrevivência.

Entretanto, a vivência em comum traz também, inevitavelmente, o conflito, motivo pelo qual se tornou necessário o surgimento de um poder que organizasse os grupos sociais.

Assim, temos que o direito surgiu com o papel de garantir a atuação e a prevalência desse poder, o qual tem por missão satisfazer interesses maiores da coletividade.

Entretanto, a existência de um poder, que se traduz na distinção entre governantes e governados, traz em seu cerne o problema do abuso do poder:

[...] toda sociedade apresenta uma estrutura de poder, com grupos que dominam e grupos que são dominados, com setores mais próximos ou mais afastados dos centros de decisão. De acordo com essa estrutura, se "controla" socialmente a conduta dos homens [...].

Deste modo, toda sociedade tem uma estrutura de poder (político e econômico) com grupos mais próximos e grupos mais marginalizados do poder, na qual, logicamente, podem distinguir-se graus de centralização e de marginalização. Há sociedades com centralização e marginalização extremas, e outras em que o fenômeno se apresenta mais atenuado, mas em toda sociedade há centralização e marginalização do poder (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2006, p. 56, grifo do autor).

Por esse motivo, se a princípio o direito nasceu com o objetivo acima explanado, é certo que a partir de determinado momento foi necessária sua atuação no sentido contrário, ou seja, colocando limitações no poder e inibindo a arbitrariedade no seu exercício.

É dentro desse contexto que surge a oportunidade do estudo dos direitos fundamentais, conceituados por Luiz Alberto David Araújo como "[...] a categoria jurídica instituída com a finalidade de proteger a dignidade humana em todas as dimensões" (ARAÚJO, 2005, p. 109).

O estudo da evolução histórica dos direitos fundamentais mostra que, a princípio, eles constituíam uma limitação ao poder estatal.

Com efeito, os primeiros direitos fundamentais, classificados pela doutrina como direitos de primeira geração, tiveram como principais fatores históricos determinantes os excessos do Absolutismo e as aspirações da burguesia à época da Revolução Francesa. Também eram conhecidos como direitos individuais, direitos civis, direitos políticos ou liberdades públicas. Eles "[...] definiam a fronteira entre o que era lícito e o que não era para o Estado, reconhecendo liberdades para os cidadãos" (BREGA FILHO, 2002, p. 21-22, grifo nosso, passim).

Entretanto, a partir da Revolução Industrial, que culminou no surgimento de uma classe proletária flagelada por muitos problemas sociais, verificou-se que não adiantava o Estado apenas resguardar os direitos individuais, se os cidadãos não dispunham de condições – notadamente materiais – para seu exercício. Esse terreno permitiu o surgimento dos chamados direitos fundamentais de segunda geração. Assim, "foram definidos e assegurados os direitos sociais, econômicos e culturais [...]", consistentes em prestações estatais concretas, como assistência social, moradia, saúde, lazer, educação, trabalho, segurança, entre outras, visando "[...] garantir condições sociais razoáveis a todos os homens para o exercício dos direitos individuais" (BREGA FILHO, 2002, p. 22-23, grifo nosso, passim).

Por outro lado, as barbáries verificadas durante a Segunda Guerra Mundial culminaram na compreensão da existência de valores transcendentais, que interessam a todo o gênero humano e não apenas a cada indivíduo. São os direitos fundamentais de terceira geração, também chamados de direitos de solidariedade ou de fraternidade, que se caracterizam por sua titularidade coletiva: o direito à paz, ao desenvolvimento, ao meio ambiente equilibrado, à comunicação, ao patrimônio comum da humanidade entre outros.

Em resumo, "os direitos fundamentais passaram na ordem institucional a manifestar-se em três gerações sucessivas, que traduzem sem dúvida um processo cumulativo e qualitativo [...]" (BONAVIDES, 2000, p. 517).

Segundo Hesse, citado por Paulo Bonavides, os direitos fundamentais almejam "criar e manter os pressupostos elementares de uma vida na liberdade e na dignidade humana" (BONAVIDES, 2000, p. 514).

Tanto é assim que nossa Constituição previu a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Fundamento significa base, alicerce. Assim, num Estado Democrático de Direito, o ser humano e sua dignidade constituem os valores supremos que devem informar toda a ordem normativa.

E, uma vez destacada a importância dos direitos fundamentais, cabe ressaltar o papel dos princípios jurídicos, com destaque para os princípios constitucionais.

A noção de princípio jurídico foi bem delineada por Celso Antonio Bandeira de Mello:

Princípio – já averbamos alhures – é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo (MELLO, 2006, p. 902-903, grifo nosso).

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Eles formam, portanto, o arcabouço da ordem jurídica, cabendo a eles o papel de estruturação de todo o sistema.

Assim, ao mesmo tempo em que os direitos fundamentais foram positivados nas Constituições, estas também trataram de erigir as normas que guardam os valores essenciais da ordem jurídica à categoria de princípios constitucionais.

No campo do direito penal, os princípios constitucionais ganham especial importância:

Os princípios encontram-se para a legislação penal e seus institutos como as fundações para a edificação: conformam e sustentam o que sobre eles é erigido, de modo que a retirada de qualquer dos alicerces ou a efetivação da obra fora dos padrões estabelecidos, implicará o comprometimento de toda a construção. (SANTORO FILHO, 2000, p. 68).

Essa importância se confirma pelo simples fato de o direito penal ser o ramo da ciência jurídica encarregado de tutelar diretamente os valores mais importantes do organismo social.

Com efeito, se o crime é a mais grave espécie de ilícito jurídico, a sanção penal é a mais severa punição utilizada pelo Estado para reprimir as transgressões às suas leis. Justamente por isso, um Estado Democrático de Direito não pode sacrificar arbitrariamente o ius libertatis de seus membros.

No Estado Democrático de Direito, os princípios penais fundamentais, além dessa função sistematizadora do direito criminal têm também, como finalidades essenciais, a garantia do ser humano contra a ingerência demasiada do Estado nas relações sociais, através do direito penal, e a limitação à exacerbação do poder punitivo. (SANTORO FILHO, 2000, p. 69).

Destarte, destacado que o direito tem por função regular as condutas humanas para preservar a integridade do corpo social, cumpre agora analisar mais pormenorizadamente o que seja o direito penal e quais os fins a que ele se propõe, bem como os princípios que o norteiam.a


3. Direito penal: conceito, objetivos e princípios.

Num primeiro momento, o direito penal pode ser entendido como um conjunto de normas jurídicas estabelecidas pelo Estado, cuja finalidade é combater o crime e, dessa maneira, defender os bens jurídicos mais valiosos ao convívio social.

Analisando alguns dos bens jurídicos protegidos pelas normas penais, como, por exemplo, a vida, a saúde, a honra, a propriedade entre outros, veremos que muitos se tratam de direitos fundamentais. No escólio de José Frederico Marques, a Constituição Federal tutela os direitos fundamentais do homem. E essa proteção é reforçada pelas leis penais, "[...] aparecendo então o caráter sancionador do direito penal, como complemento enérgico e mais forte da tutela constitucional" (MARQUES, 1954, p. 38).

De outro tanto, José Frederico Marques definiu o direito penal como:

"[...] o conjunto de normas que ligam ao crime, como fato, a pena como conseqüência, e disciplinam também as relações jurídicas daí derivadas, para estabelecer a aplicabilidade das medidas de segurança e a tutela do direito de liberdade em face do poder de punir do Estado" (1954, p. 11, grifo nosso).

Vê-se, pois, que o direito penal não se limita a definir crimes e cominar penas.

A partir da prática, em tese, de um fato tido como delituoso, surge uma relação jurídica que contrapõe, de um lado, o ius libertatis do pretenso criminoso (que também é um direito fundamental) e o ius punitionis do Estado. Assim, também se faz necessário que o direito penal tutele o direito de liberdade em face do poder de punir do Estado, de forma a evitar os abusos.

Há, portanto, um "direito individual de liberdade em matéria penal", que consiste, como dizia Rocco, na "faculdade, que tem o cidadão, de agir nos limites daquela esfera de atividade que os preceitos penais nada lha impõem nem proíbem, e de impedir dentro dela, a indébita intromissão dos órgãos do poder punitivo do Estado" (MARQUES, 1954, p. 122).

E é justamente neste ponto que entram em cena os princípios constitucionais, já que, "[...] no Estado de direito, o poder soberano não age na conformidade de seu arbítrio, mas subordinado a normas e princípios jurídicos" (MARQUES, 1954, p. 10-11).

Pode-se apontar, pois, dois objetivos para o direito penal: de um lado, reprimir a criminalidade e proteger os bens jurídicos mais importantes contra as agressões mais graves; de outro, diametralmente oposto, evitar o abuso estatal e proteger os direitos do indigitado autor de um crime.

Após as considerações ora delineadas, o momento mostra-se oportuno para o estudo de dois dos mais importantes princípios sobre os quais se assenta o direito penal.

3.1. Princípio do nullum crimen sine conducta.

O crime é sempre uma conduta humana, positiva ou negativa (ação ou omissão). Daí dizer-se que não há crime sem conduta: nullum crimen sine conducta.

Três teorias buscaram explicar a conduta: a teoria causal da ação, a teoria social da ação e a teoria finalista da ação.

Segundo a teoria causalista ou naturalista da ação, também conhecida por teoria tradicional, clássica ou causal-naturalista, "conduta é a causação de modificação no mundo exterior por um comportamento humano voluntário, no qual é irrelevante ou prescindível o fim a que se dirige" (SILVA, 2004, p. 20).

Para a teoria em comento, a conduta é estranha a qualquer valoração normativa ou social:

Nessa teoria a conduta é concebida como um simples comportamento, sem apreciação sobre a sua ilicitude ou reprovabilidade. É denominada naturalista ou naturalística porque incorpora as leis da natureza do Direito Penal. Nos termos dessa teoria, a conduta é um puro fator de causalidade. Daí também chamar-se causal. Para ela a conduta é o efeito da vontade e a causa do resultado. Tudo gira em torno do nexo de causalidade: vontade, conduta e resultado (JESUS, 2003, p. 230).

Para os causalistas, o fim da conduta deve ser apreciado na culpabilidade, como elemento desta (MIRABETE, 2004, p. 102).

A teoria causal levava à perplexidade. Em primeiro lugar, diante dela, não havia diferença entre um crime doloso e um culposo, visto que em ambos o resultado é idêntico. Em verdade, é o desvalor da ação, e não o desvalor do resultado, que faz com que um crime doloso seja apenado mais severamente que um culposo (JESUS, 2003, p. 233).

Ademais, ela também não explica a tipicidade a contento em certos delitos nos quais a vontade do agente e a finalidade da ação fazem parte da própria descrição do crime (MIRABETE, 2004, p. 102).

Diante de todas essas imperfeições, o causalismo não é mais aceito.

Conforme a teoria social, ação é "a conduta socialmente relevante, dominada ou dominável pela vontade humana" (MIRABETE, 2004, p. 103).

Essa teoria compreendeu que um conceito tão importante como o da ação, produtor de relevantes efeitos na estrutura do delito, não podia atender exclusivamente a princípios fundamentados nas leis da natureza. Diante disso, reconheceu a necessidade de situar o problema numa relação valorativa com o mundo social. O conceito de ação, tratando-se de um comportamento praticado no meio social, deve ser valorado por padrões sociais. (JESUS, 2003, p. 232-233).

Sobre a necessidade de relevância social da ação para ela revestir-se de tipicidade penal, explica-se:

Se um pugilista fere seu adversário porque quer feri-lo, mas não atua em função de menosprezo à integridade física deste, o significado de sua ação é positivo. O cirurgião que faz uma incisão no paciente quer curá-lo, quer que ele se recupere. Nessas hipóteses, embora ocorram lesões no corpo do adversário e do paciente, não há ação típica de ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem, que constitui, em tese, o crime de lesões corporais. A ação socialmente adequada está desde o início excluída do tipo porque se realiza dentro do âmbito de normalidade social (MIRABETE, 2004, p. 103).

A teoria social não escapou de críticas, principalmente diante da incerteza que paira na determinação do que seja a relevância social da conduta:

As críticas feitas a essa teoria residem na dificuldade de conceituar-se o que seja relevância social da conduta, pois tal exigiria um juízo de valor, ético. Tratar-se-ia de um critério vago e impreciso que, inclusive, influiria nos limites da antijuridicidade, tornando também indeterminada a tipicidade (MIRABETE, 2004, p. 103).

Segundo Zaffaroni e Pierangeli, tentou-se sustentar que a relevância social se identifica com o interagir humano. Nesse sentido, interessariam ao direito penal apenas as ações que transcendessem o âmbito individual do agente, atingindo terceiros de maneira lesiva (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2006, p. 366).

Entretanto, como os mencionados autores bem destacaram, essa é uma questão de tipicidade, e não de determinação do conceito de conduta:

[...] o requisito da relevância social, entendida como a necessidade de que a conduta transcenda da esfera meramente individual do autor para a do outro, é um requisito de tipicidade penal da conduta, mas não da conduta em si, que é conduta, embora não transcenda a ninguém. As ações puramente privadas, que não transcendem para ninguém (e que o direito não pode proibir) também são "ações".

[...]

[...] As condutas não se tornam "condutas" por estarem proibidas e sim, melhor dizendo, estão proibidas – entre outras coisas – por serem condutas (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2006, p. 367-368, passim).

Além disso, Damásio Evangelista de Jesus apresenta os seguintes óbices à adoção da teoria social:

Em primeiro lugar, ela não deixa de ser causal, merecendo os mesmos reparos que a doutrina fez à teoria mecanicista: não resolve satisfatoriamente o problema da tentativa e do crime omissivo. Por outro lado, se a ação é a causação de um resultado socialmente importante, como se define a conduta nos crimes de mero comportamento?

Essa teoria, como a causal propriamente dita, dá muita importância ao desvalor do resultado, quando o que importa é o desvalor da conduta. Se a ação é a causação de um resultado socialmente relevante, então não há diferença entre uma conduta de homicídio doloso e um comportamento de homicídio culposo, já que o resultado é idêntico nos dois casos (JESUS, 2003, p. 233).

Face os inconvenientes que revestem as concepções anteriormente apresentadas, hodiernamente a doutrina prefere a teoria finalista da ação.

"Para a teoria finalista da ação (ou da ação finalista), como todo comportamento do homem tem uma finalidade, a conduta é uma atividade final humana e não um comportamento simplesmente causal" (MIRABETE, 2004, p. 104).

Para o finalismo, conduta é "a ação ou omissão humana consciente e dirigida a determinada finalidade" (JESUS, 2003, p. 227, grifo do autor).

A ação é uma atividade final humana. Partindo disso, Welzel afirma que a ação humana é o exercício da atividade finalista. É, portanto, um acontecimento finalista, e não somente causal. A finalidade, diz ele, ou atividade finalista da ação, baseia-se em que o homem, consciente dos efeitos causais do acontecimento, pode prever as conseqüências de sua conduta, propondo, dessa forma, objetivos de distinta índole. Conhecendo a teoria da causa e efeito, tem condições de dirigir sua atividade no sentido de produzir determinados efeitos. A causalidade, pelo contrário, não se encontra ordenada dessa maneira. Ela é cega, enquanto a finalidade é vidente (JESUS, 2003, p. 234).

"Em suma, a vontade constitui elemento indispensável à ação típica de qualquer crime, sendo seu próprio cerne" (MIRABETE, 2004, p. 103).

Se A mata B, não se pode dizer de imediato que praticou um fato típico (homicídio), embora essa descrição esteja no art. 121 do CP ("matar alguém"). Isto porque o simples fato de causar o resultado (morte) não basta para preencher o tipo penal objetivo. É indispensável que se indague do conteúdo da vontade do autor do fato, ou seja, o fim que estava contido na ação, já que a ação não pode ser compreendida sem que se considere a vontade do agente. Toda ação consciente é dirigida pela consciência do que se quer e pela decisão de querer realizá-la, ou seja, pela vontade (MIRABETE, 2004, p. 139-140).

A teoria finalista da ação, destarte, diferencia o fato natural da ação humana. Enquanto o primeiro é, de fato, causal, "[...] a ação humana é um acontecimento dirigido pela vontade consciente do fim. Daí a comparação ilustrativa de Welzel, para quem a finalidade é vidente, e a causalidade, cega" (SILVA, 2004, p. 23, grifo do autor).

Explicado o que é a conduta, passa-se à verificação de seus elementos e de suas formas.

A conduta é composta primeiramente por uma vontade. Depois, pela atuação externa dessa vontade. Com efeito, da mesma forma que não há conduta nas ações despidas de intervenção da vontade do agente, como nos casos de coação física irresistível, inconsciência ou atos reflexos; o direito penal também não se preocupa da atividade meramente psíquica ou de cogitação.

A conduta humana pode manifestar-se de duas formas. Geralmente, ela consubstancia-se numa ação, ou seja, num fazer, num agir positivo, num movimento corpóreo, enfim, num comportamento ativo, caracterizando os chamados crimes comissivos.

Entretanto, a omissão, a inatividade, a ausência de movimento, também pode ser penalmente relevante. Isso ocorre quando a agente tinha o dever jurídico de agir e não o faz, praticando um crime omissivo.

3.2. Princípio do nullum crimen sine culpa.

A exigência da existência de culpa como pressuposto e medida da pena é um dos principais valores do direito penal hodierno.

Francisco de Assis Toledo aponta que no cotidiano a palavra culpa é frequentemente utilizada "para a imputação a alguém de um fato condenável", adquirindo na linguagem coloquial "um sentido de atribuição censurável, a alguém, de um fato ou acontecimento", sendo que seu significado jurídico não é muito diferente (TOLEDO, 1994, p. 216, passim).

A exigência de que o injusto seja reprovável ao seu autor para que haja sanção repousa na capacidade de autodeterminação do ser humano.

De fato, nos primeiros tempos do direito penal, a sanção criminal foi criada como instrumento de intimidação dos indivíduos, com a promessa de um mal para aqueles que praticassem as condutas indesejadas.

Todavia, em períodos mais remotos a responsabilidade penal era objetiva, ou seja, só interessava o nexo de causalidade entre o fato exterior danoso e o agente. "Desconsiderava-se a existência de alguma ligação, além da simples causalidade física, entre o fato causado e o agente" (SILVA, 2003, p. 33).

Em dado momento histórico, porém, compreendeu-se que a função intimidatória da pena deve estar correlacionada com a evitabilidade do fato: só se pode intimidar uma pessoa se ela puder prever e querer os acontecimentos, cabendo a ela a escolha voluntária entre praticar o crime ou evitá-lo (TOLEDO, 1994, p. 218-219). Nas palavras de Julio Fabbrini Mirabete, "a intimidação é apenas eventualmente eficiente quando se ameaça o homem com pena pelo que fez (e poderia não ter feito) ou pelo que não fez (mas poderia fazer), evitando a lesão a um bem jurídico" (MIRABETE, 2004, p. 195).

Em resumo, o princípio da culpabilidade "[...] implica que não há delito se o injusto não é reprovável ao autor" (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2006, p. 449). Ele reflete a execração da responsabilidade objetiva, ou seja, a "sujeição de alguém à imposição de pena sem que tenha agido com dolo ou culpa ou sem que tenha ficado demonstrada sua culpabilidade [...]" (JESUS, 2003, p. 457).

A demonstração da culpabilidade é, pois, "condição indeclinável para a imposição da pena (MIRABETE, 2004, p. 198).

Realmente, o repúdio à responsabilidade penal objetiva mostra a preocupação que o Estado Democrático de Direito tem com os direitos fundamentais de seus cidadãos (notadamente no que diz respeito ao direito de liberdade). De nada adiantaria afirmar que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei se as pessoas pudessem ser alvo da sanção penal pela simples existência de nexo de causalidade entre sua conduta e um evento danoso.

Nesse sentido, o reconhecimento de que a punição deve pressupor a reprovabilidade do fato ao seu autor constitui um dos principais pilares sobre o qual se assenta a ciência penal.

A culpabilidade tem diversas particularidades, cuja análise agora se pretende.

Em linhas simples, ela consiste na "reprovabilidade ou censurabilidade de conduta" (MIRABETE, 2004, p. 97). Entretanto, uma conceituação mais precisa depende de uma escolha face às três principais teorias elaboradas para explicá-la.

Para a teoria psicológica a culpabilidade não passa da ligação psicológica entre o fato e seu autor. O dolo e a culpa são espécies da culpabilidade. No crime doloso há, por parte do agente, voluntariedade e previsão do evento e seu resultado. No crime culposo há previsibilidade, mas não voluntariedade. Disso, decorrem duas conclusões: a culpabilidade está situada no psiquismo do autor do delito, e se divide em dolo e culpa stricto sensu (TOLEDO, 1994, p. 219-222; JESUS, 2003, p. 460).

Mas a concepção psicológica da culpabilidade mostrou-se insuficiente para resolver todos os problemas que envolvem a questão.

Na culpa consciente, por exemplo, não há qualquer ligação psicológica entre o agente e o fato. Quem dirige veículo automotor em alta velocidade por uma rua completamente deserta sabe que age imprudentemente, mas não crê no surgimento inopinado de algum transeunte, que venha a ser atropelado (TOLEDO, 1994, p. 222-223).

Ademais, enquanto o dolo tem natureza psicológica, a culpa é necessariamente normativa, baseada numa avaliação axiológica da conduta. Dolo e culpa, como fenômenos tão distintos, não podem ser considerados espécies do mesmo gênero (JESUS, 2003, p. 460).

Com base nisso surgiram duas novas teorias que introduziram no conceito da culpabilidade um elemento normativo: a reprovabilidade do fato praticado.

Para a teoria psicológico-normativa, ou complexa, o dolo e a culpa stricto sensu não são espécies da culpabilidade, mas elementos dela. A culpabilidade, pois, é um juízo de reprovação que se emite a respeito do fato; e compõe-se de: dolo ou culpa stricto sensu, imputabilidade (capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento) e exigibilidade de conduta conforme o direito. Está situada, portanto, na cabeça do julgador que emite o referido juízo valorativo da conduta (TOLEDO, 1994, p. 222-224; JESUS, 2003, p. 460-461).

A teoria psicológio-normativa, contudo, também se revelou inadequada.

Welzel apontou que o dolo e a culpa stricto sensu fazem parte da conduta humana, e não do juízo de culpabilidade. Portanto, estão localizados no tipo penal, já que este nada mais é que a descrição da ação proibida. Tanto é assim que a maioria dos crimes previstos em lei são dolosos, apenas admitindo-se a punição a título de culpa quando houver outra tipificação expressa também em Lei (Código Penal, art. 18, parágrafo único). Quando a lei penal prevê somente a modalidade dolosa do crime, a ausência do dolo não afasta a culpabilidade, mas torna o fato atípico (TOLEDO, 1994, p. 228 e 230, passim).

Destarte, a teoria normativa pura parece ser a mais apta a explicar o que seja e onde se localiza a culpabilidade.

Para a teoria normativa o dolo e a culpa pertencem à conduta, e não à culpabilidade. Segundo Mirabete, "o que se elimina com a exclusão do dolo é a própria existência do fato típico [se não prevista modalidade culposa] e não a mera culpabilidade pelo fato que o sujeito praticou" (MIRABETE, 2004, p. 196).

Damásio Evangelista de Jesus, por sua vez, explica:

[...] somente após a análise do conteúdo da vontade é que posso afirmar que houve determinado tipo penal. Em face disso, a vontade final, isto é, o dolo, faz parte do tipo.

[...]

Em conseqüência, o dolo é retirado da culpabilidade, não constituindo espécie (teoria psicológica) ou elemento da culpabilidade (teoria psicológico-normativa), mas elemento subjetivo do tipo, integrando a conduta, primeiro elemento do fato típico (JESUS, 2003, p. 235-236).

Para a teoria normativa pura, portanto, a culpabilidade continua sendo um juízo de reprovação localizado na cabeça do julgador, mas seus elementos são a imputabilidade, a consciência potencial da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa. Assim, ela passa a ser composta apenas por juízos de valor, expurgada de todos os fatores psicológicos e limitando-se à pura reprovabilidade (JESUS, 2003, p. 461-462; ZAFFARONI; PIERANGELI, 2006, p. 520).

No presente momento, se faz oportuna a advertência de Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, de que hoje, adotada a teoria normativa o princípio da culpabilidade se decompõe em dois níveis:

O princípio de culpabilidade, em sua formulação mais simples, diz que "não há delito sem culpabilidade". No tempo em que se sustentava a teoria complexa da culpabilidade, isto é, em que a culpabilidade era entendida como reprovabilidade, mas nela incluídos também o dolo e a culpa, esta fórmula breve expressava a necessidade de que no delito houvesse, ao menos, culpa, e, além disto, que o injusto fosse reprovável ao autor.

Dentro da concepção por nós sustentada, em que a culpa não faz parte da culpabilidade, mas configura uma estrutura típica, aquilo que antes se chamava "princípio de culpabilidade" representa duas exigências que devem ser analisadas separadamente, em dois níveis distintos: a) na tipicidade, implica a necessidade de que a conduta – para ser típica – deva ao menos ser culposa; b) na culpabilidade, implica que não há delito se o injusto não é reprovável ao autor (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2006, p. 449).

Destarte, é mais correto afirmar que, na verdade, "[...] não há pena se a conduta não for reprovável ao autor" (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2006, p. 522, grifo nosso).

O Código Penal prevê as seguintes hipóteses de exclusão da culpabilidade: erro de proibição (art. 21, caput, e art. 20, § 1º), coação moral irresistível (art. 22, 1ª parte), obediência hierárquica (art. 22, 2ª parte) e inimputabilidade (que pode decorrer de doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado, ou embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior, nos termos dos artigos 26 a 28 do Código Penal).

Essas causas estão relacionadas com os elementos da culpabilidade. O erro de proibição exclui a potencial consciência da ilicitude. A coação moral irresistível e a obediência hierárquica afastam a exigibilidade de conduta diversa. A doença mental, o desenvolvimento mental incompleto (incluindo-se aqui, por presunção legal, conforme o art. 27 do Código Penal, os menores de dezoito anos) o desenvolvimento mental retardado e a embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, afastam a capacidade de querer e de entender do agente e, portanto, a imputabilidade (Código Penal, art. 26, caput; e art. 28, § 1º).

As hipóteses de exclusão da culpabilidade pela inimputabilidade são as mais importantes para o presente trabalho.

A primeira hipótese de inimputabilidade prevista no Código Penal é aquela decorrente de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (art. 26, caput).

A expressão doença mental é a mais ampla possível. Inclui psicoses como demência senil, esquizofrenia, loucura etc.

O desenvolvimento mental incompleto é aquele que ainda não se concluiu. É o caso dos menores de dezoito anos e dos silvícolas inadaptados.

Para os primeiros, excepcionalmente, nossa legislação adotou o critério biológico. Por mais que um adolescente tenha plena consciência de seus atos e saiba discernir o certo do errado, a Constituição Federal (art. 228) e o Código Penal (art. 27) presumem, de maneira absoluta, sua inimputabilidade. Essa presunção favorece mesmo um menor emancipado.

Por último temos a escassez de desenvolvimento mental, que se verifica nos oligofrênicos e em alguns casos de surdo-mudez que chegam a diminuir ou afastar a capacidade intelectiva e de autodeterminação.

Por outro lado, "é princípio de Psiquiatria que entre a saúde e a anormalidade psíquica não se pode traçar uma linha precisa de demarcação" (JESUS, 2003, p. 502).

Dessa maneira, "entre a imputabilidade e a inimputabilidade existe um estado intermédio com reflexos na culpabilidade e, por conseqüência, na responsabilidade do agente" (JESUS, 2003, p. 502).

Outrossim, o Código Penal, em seu art. 26, parágrafo único, prevê que nas hipóteses menos graves de perturbação da saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, que não retirem do sujeito toda a capacidade intelectiva ou volitiva, a culpabilidade é apenas diminuída, e não afastada de todo (JESUS, 2003, p. 502-503).

É o que ocorre, de maneira geral, nos casos mais benignos de doenças e debilidades mentais, bem como em determinados estados psíquicos decorrentes de estados fisiológicos especiais (gravidez, puerpério etc.) (JESUS, 2003, p. 502).

A imputabilidade subsiste e o agente é condenado, mas ou a pena será reduzida de um a dois terços, podendo ainda o autor do fato ser submetido a medida de segurança (artigos 26, parágrafo único, e 98, do Código Penal). A redução de pena é obrigatória. "A expressão ‘pode’ diz respeito ao quantum da redução, não à própria causa de diminuição" (JESUS, 2003, p. 504).

É no campo da imputabilidade que se situa o principal ponto de contato entre o problema da embriaguez e o direito penal.

Conforme disposto no art. 28 do Código Penal, a emoção, a paixão e a embriaguez voluntária ou culposa não excluem a imputabilidade, ao passo que a embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, o faz.

Por outro lado, "a dificuldade maior em qualquer tentativa de punição do crime do ébrio (que atua em estado de inimputabilidade) é conciliá-la com o princípio nullum crimen sine culpa (que pressupõe imputabilidade)" (SILVA, 2004, p. 38).

A actio libera in causa, como se verá, desloca o fundamento da culpabilidade do agente para um momento anterior à auto-provocação do estado de inimputabilidade (e, portanto, anterior mesmo à ação).

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Sobre o autor
Paulo Antonio dos Santos

Bacharel em Direito pelo Centro de Ciências Sociais aplicadas da Universidade Estadual do Norte do Paraná - UENP. Servidor do Ministério Público do Estado do Paraná (Oficial de Promotoria, ex-Assessor de Promotor de Justiça). Aprovado no exame da Ordem dos Advogados do Brasil em 2009. Especialista em Direito Ambiental pelo Centro Universitário Internacional UNINTER e em Direito Contemporâneo pela Universidade Cândido Mendes. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/6665338827431312.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Paulo Antonio. Embriaguez e imputabilidade penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2363, 20 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14058. Acesso em: 26 dez. 2024.

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