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A responsabilidade da administração pública pelos créditos trabalhistas decorrentes da terceirização ilícita

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22/12/2009 às 00:00
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9 CONCLUSÃO

A terceirização, relação trilateral de trabalho havida entre empregado, empregador e tomadora de serviços, é um fenômeno social que tem como marco histórico de surgimento a segunda guerra mundial. No Brasil, a noção de terceirização foi trazida por multinacionais por volta de 1950, pelo interesse que tinham em se preocupar apenas com a essência do seu negócio.

Tal modelo de fornecimento de mão de obra se dissocia do modelo bilateral clássico, uma vez que tem por objetivo fornecer mão de obra qualificada para desenvolver determinada atividade acessória da tomadora dos serviços, de modo a aperfeiçoar a produção e reduzir custos. Todavia, nem todas as atividades desenvolvidas na empresa são passíveis de terceirização.

A Súmula 331 do c. TST enumera algumas situações em que se admite a terceirização, quais sejam, trabalho temporário, atividades de vigilância e atividades de conservação e limpeza. A referida súmula abre ainda um leque de possibilidades ao dispor sobre a licitude da terceirização de atividades meio, ou seja, todas as atividades que se enquadrem como acessórias à atividade principal da empresa são passíveis de terceirização, desde que não haja a pessoalidade e subordinação direta do empregado terceirizado com a empresa tomadora dos serviços. Entretanto, caso sejam violadas essas disposições ou constatada a terceirização de atividades-fim, configurar-se-á a terceirização ilícita, formando-se o vínculo de emprego diretamente com a tomadora de serviços.

Todavia, o problema se agrava no que tange à formação de vínculo empregatício com entes da administração pública, tendo em vista as disposições do Art. 37, II, que determina que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público.

Lado outro, o § 6º do Art. 37 da CF/88 consagra a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva ao Estado, determinando que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos respondem pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros.

A jurisprudência e doutrina tentam encontrar uma solução ao impasse, elencando alternativas que atribuem, ou não, a responsabilidade à administração pública pelos créditos trabalhistas decorrentes da terceirização ilícita. Existem três correntes doutrinárias que se dispõem, de uma forma ou de outra, a resolver o problema.

Os simpatizantes a primeira corrente entendem que, se não há vinculo, não deve se pagar verba alguma ao trabalhador. Tal posicionamento é, todavia, preocupante, uma vez que o ato ilícito de contratação de trabalhadores por meio de empresa interposta, vinculados a atividade fim da tomadora, escapa impune.

Já a segunda corrente entende que, se a tomadora se beneficiou ilicitamente da força de trabalho do obreiro, tem o dever de arcar com as verbas trabalhistas que lhe são devidas. Desta forma, seriam aplicados à administração pública todos os efeitos advindos da terceirização ilícita, como se fosse uma empresa privada, ignorando-se totalmente as disposições constitucionais do Art. 37, II.

Por fim, existe uma teoria que se coloca eqüidistante às duas primeiras, ao passo que defende a aplicação análoga da Súmula 331, IV, do TST (que trata da responsabilidade subsidiária decorrente da terceirização lícita) para atribuir à administração pública a responsabilidade subsidiária pelos créditos trabalhistas decorrentes da terceirização ilícita sem, contudo, estabelecer o vínculo direto do trabalhador terceirizado com o Estado, em atenção às disposições contidas no Art. 37, II, da CF/88.

Trata-se de uma brilhante solução ao impasse, pois, sendo os dispositivos constitucionais normas basilares de todo nosso ordenamento jurídico, não se pode conferir supremacia absoluta aos princípios justrabalhistas em detrimento aos princípios constitucionais, tendo em vista que o direito do trabalho não deve ser encarado como sendo um superdireito. Todavia, não se pode ignorar os direitos do trabalhador que foram conquistados com tanto esforço e sacrifício durante anos de luta por melhores condições e reconhecimento do trabalho como força motriz da economia e de toda a sociedade.

Assim sendo, a aplicação análoga da Súmula 331, IV, à terceirização ilícita perpetrada por entes da administração pública atende às determinações constitucionais, que exigem a realização de concurso público para o ingresso em carreiras públicas, bem como respeita os princípios justrabalhistas, assegurando os direitos do trabalhador.


10 RFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Sobre o autor
Leonardo Alberto Ribeiro

Calculista; Graduado em Direito pela Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC, campus Bom Despacho

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Leonardo Alberto. A responsabilidade da administração pública pelos créditos trabalhistas decorrentes da terceirização ilícita. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2365, 22 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14062. Acesso em: 30 dez. 2024.

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