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O direito alternativo e as normas programáticas na nova ordem constitucional

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01/01/2010 às 00:00
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"Não temo as leis más, se aplicadas por bons juízes. Diz-se que a lei é inflexível; não creio. Em todo texto há uma solicitação. A lei é morta; o magistrado é vivo. Nisto está a grande vantagem dele sobre ela."

Anatole France

1.INTRODUÇÃO

para que se possa construir juízo de valor capaz de demonstrar que é tênue a linha que separa a hermenêutica constitucional vigente, comprometida com a máxima efetividade dos direitos e garantias individuais estatuídas na Carta Política de 1988, e a proposta Alternativista no que tange à concretização da justiça social. 

2. DESENVOLVIMENTO

Discursar sobre as normas programáticas não é algo que se possa considerar inovador no Direito Brasileiro. Já se encontravam observações sobre o assunto em Pontes de Miranda, que conceituou as normas programáticas como "aquelas em que o legislador, constituinte ou não, em vez de editar regra jurídica de aplicação concreta, apenas traça linhas diretoras, pelas quais se hão de orientar os poderes públicos. A legislação, a execução e a própria justiça ficam sujeitas a esses ditames que são programas dados à sua função". [01]

No entanto, necessário se faz aprofundar esta definição à luz da moderna interpretação constitucional e busca da máxima efetividade da Constituição, bem como discorrer sobre a importância da relação entre o Direito Alternativo e tais normas constitucionais, já que estas se destinam a orientar o poder público rumo a uma sociedade mais justa e democrática, o que de fato não difere do ideal Alternativista, que, conforme leciona Amilton Bueno de Carvalho, "luta para que surjam leis efetivamente justas, comprometidas com os interesses da maioria da população, ou seja, realmente democráticas". [02]

O tema a ser abordado é amplamente constitucional, pois envolve questões sobre a interpretação, aplicação e, principalmente, acerca da efetividade dos preceitos trazidos na Carta Política. Nesse diapasão, é nítida a influência do resultado da aplicação da norma nas estruturas mais íntimas de um Estado Democrático de Direito, configurando a não observância destes preceitos uma afronta à ordem social.

Destacam-se entre tantos princípios existentes o Princípio da Unidade da Constituição, que aduz não haver hierarquia entre as normas constitucionais; o da Interpretação Conforme a Constituição, que salienta a essencialidade de se interpretar as normas conforme a sua razão de existir; o da Cidadania, Justiça Social e Dignidade da Pessoa Humana, que traduzem fundamento primeiro da República Federativa do Brasil.

Todos os princípios desenvolvem papel fundamental no processo político-jurídico do qual se origina o real Estado Democrático de Direito, como observa Luís Roberto Barroso ao expor que "a generalidade, abstração e capacidade de expansão dos princípios permite ao intérprete, muitas vezes, superar o legalismo estrito e buscar no próprio sistema a solução mais justa, superadora do summum jus, summa injuria". [03]

2.2 AS NORMAS PROGRAMÁTICAS

Inicialmente, antes de se adentrar especificamente no alcance e eficácia das normas programáticas, mister se faz discorrer, brevemente, acerca da classificação das normas constitucionais no que tange a sua aplicabilidade.

Tendo como referencial a tradicional classificação das normas constitucionais, dada por José Afonso da Silva, se dividem as mesmas em: normas de eficácia plena, contida e limitada. [04]

Entendem-se como normas constitucionais de eficácia plena aquelas que produzem seus efeitos ou apresentam potencial para a produção imediata destes, a partir do momento em que passa a viger a Constituição, sem demandar regulamentação posterior. Podemos citar como exemplo o art. 5°, XI, da CRFB/88, que assegura a inviolabilidade do domicílio.

Normas constitucionais de eficácia contida são aquelas que o legislador originário regulamentou suficientemente determinada matéria que, de acordo com a vontade do poder legislativo derivado, pode ser modificada, ter restringida sua área de incidência através de lei. Temos como exemplo o art. 5°, XII, da CRFB/88, que garante a inviolabilidade do sigilo das correspondências e comunicações telefônicas/telegráficas, com possibilidade de mitigação do comando por lei posterior, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

Já as normas constitucionais de eficácia limitada são aquelas que não apresentam aplicabilidade imediata, eis que dependem de regulamentação ulterior para que possam atingir sua aplicabilidade direta. Estas se subdividem em duas modalidades: normas de princípio institutivo ou organizativo e normas de princípio programático.

Na primeira modalidade, nos dizeres de José Afonso da Silva, estão "aquelas através das quais o legislador constituinte traça esquemas gerais de estruturação e atribuições de órgãos, entidades ou institutos, para que o legislador ordinário os estruture em definitivo, mediante lei" [05], enquanto a segunda traz as normas que "são traduzidas no texto supremo apenas em princípio, como esquemas genéricos, simples programas a serem desenvolvidos ulteriormente pela atividade dos legisladores ordinários". [06]

Assim, possível entendermos "como programáticas aquelas normas constitucionais através das quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos), como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado". [07]

Vicente Paulo aduz que programáticas são normas "de eficácia limitada, que requerem dos órgãos estatais uma determinada atuação, na consecução de um objetivo traçado pelo legislador constituinte". [08]

Ocorre, porém, que, por mais que pareça, tais normas não existem só pelo fator diretivo. Estas traduzem muito mais que finalidades, objetivos do Estado, traduzem elementos sociológicos da Constituição, abrangendo os aspectos econômicos e sociais em que se deve pautar a ordem jurídica.

Guardam relação com o Poder Público, a ordem econômico-social e com o princípio da legalidade.

No que tange ao Poder Público, podemos trazer como exemplo em nossa Constituição algumas disposições que vinculam a União, Distrito Federal, Estados e Municípios. O artigo 211, § 1° traz a seguinte redação a respeito da União: "A União organizará o sistema federal de ensino e o dos territórios, financiará as instituições de ensino público federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios."

Outros exemplos são os artigos 21, IX; 184; 215; 216, § 1°; 217 e 226, todos da CRFB/88.

Em relação à ordem econômico-social, destaca-se, dentre as outras, a norma estatuída no artigo 170 da CRFB/88: "A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]".

Sobre o princípio da legalidade, as normas programáticas traçam situações que a legislação infraconstitucional deverá posteriormente regular. A partir do momento em que é criada a lei sobre o direito programado, o comando constitucional deixa de ser programático, por ter esvaziado seu objeto.

Exemplo deste fenômeno é o artigo 7°, XI, que dispõe ser direito do trabalhador, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, "a participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei".

Em 19 de dezembro de 2000 adveio a lei n° 10.101, regulamentando a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa, dando outras providências. A partir desse momento, a norma estatuída no artigo 7º, XI, da CRFB/88 passou a não ser mais um simples programa, mas uma norma plenamente aplicável.

Persistem na Carta de 1998 algumas normas programáticas ainda não reguladas, como as presentes nos artigos 7°, XX, que prevê a proteção da mulher no mercado de trabalho através de incentivos fiscais, e do artigo 173, § 4°, que traz comando no sentido de que a lei reprimirá o abuso econômico que tem o fim de propiciar a dominação dos mercados, da concorrência e o aumento arbitrário de lucros.

As normas programáticas também se prestam a conscientizar a população das ações que devem ser tomadas pelo Estado, para garantir a efetividade dos direitos fundamentais. Tal conscientização possibilita que a sociedade pressione o poder público para que sejam cumpridos os programas previstos, incitando uma verdadeira luta político-jurídica em busca da concretização da vontade do Constituinte. Exemplo disto se observa no Movimento dos Trabalhadores Sem Terra [MST], que luta por anos pela tão sonhada reforma agrária prevista no artigo 184 da CRFB/88. [09]

A lume do exposto, podemos visualizar a importância que as normas programáticas desempenham em nosso sistema jurídico-social, estabelecendo parâmetros para que o Poder instituído desenvolva leis, limitações ao capitalismo moderno, atividades públicas e a conscientização social, com o fim único de tornar a sociedade e seus sistemas cada vez mais aptos a propiciar uma vida digna aos seus integrantes de forma igualitária, festejando, assim, a justiça social.

2.2.1 Eficácia das Normas Constitucionais Programáticas

Questão bastante controvertida na doutrina é o grau de efetividade das normas constitucionais programáticas.

Parte da doutrina, que podemos classificar como conservadora, sustenta que as normas programáticas, pela grande densidade semântica, e baixa efetividade social e jurídica, não geram direitos subjetivos à população. Acabam estas dizendo respeito a diretrizes, planos futuros, que devem ser implementados pelo poder instituído, por portarem baixo grau normativo.

Credita-se o caráter de normas mediatas, sem imperatividade, que não vinculam, não trazem princípios específicos, muito menos institutos ou a clareza sobre a que tipos de relação jurídica incidem.

Paulo Bonavides, inspirado em Carbone, resume em três aspectos básicos as críticas sobre as normas programáticas: as normas programáticas têm por conteúdo princípios abstratos e na maioria implícitos; as normas enunciam programas políticos não vinculantes; as normas estampam regras genéricas, vagas e abstratas que acabam por escapar de uma aplicação positiva. [10]

Aspecto também tido como negativo em relação a tais normas é a dependência de fatores políticos, o que, de fato, as deixam à margem na espera de uma política governamental para dar-lhes a devida eficácia.

Em suma, todas as críticas têm a finalidade de negar eficácia e aplicabilidade às normas programáticas, emprestando-lhes sentido único de embelezar as Cartas Políticas.

Já em contrapartida às críticas acerca da falta de efetividade das normas programáticas, parte respeitável da doutrina contemporânea, representada por Luís Roberto Barroso, afirma com veemência haver caráter de aplicação vinculativa imediata nas referidas normas-programas, sob o esteio da nova hermenêutica constitucional.

Expurgam completamente a ideia de que tais normas se destinam tão somente a meros programas, intenções, ou ideologia a ser seguida pelo Estado. Reforçam que toda norma constitucional porta obrigatoriedade, imperatividade, sem distinção entre elas, pelo princípio da Unidade da Constituição.

De forma clara, Luís Roberto Barroso confirma o caráter efetivo/concretizador das normas programáticas, elencando os seus efeitos, expondo que estas: "revogam os atos normativos anteriores que disponham em sentido colidente com o princípio que substanciam e; carreiam um juízo de inconstitucionalidade para os atos normativos editados posteriormente, se com elas incompatíveis". [11]

Já no que pertine aos jurisdicionados, indivíduos, tais normas garantem o direito de: "opor-se judicialmente ao cumprimento de regras ou à sujeição a atos que o atinjam, se forem contrários ao sentido do preceptivo constitucional e; obter, nas prestações jurisdicionais, interpretação e decisão orientadas no mesmo sentido e direção apontados por essas normas, sempre que estejam em pauta os interesses constitucionais por elas protegidos". [12]

Assim, podemos afirmar que a falta de efetividade das normas programáticas, preconizada pela doutrina tradicional, é suscetível de causar danos significativos à ordem jurídico-social. Significa dizer que, ao nosso sentir e – acreditamos – também na visão da moderna doutrina, a suposta baixa densidade das normas programáticas não pode servir de pretexto para negar-lhes eficácia e efeitos concretos nas relações sócio-jurídicas.

Em outras palavras: não podem os governantes, juristas e legisladores procurarem se isentar de observar e dar efetividade às normas tidas como programáticas, contidas na Carta Magna, sob o fundamento de que falta a elas regulamentação.

Outro ponto seria a falta de confiança da sociedade na ordem jurídica vigente, perfazendo-se um estado de total descrença na Constituição como um instrumento instituidor e garantidor de direitos e garantias fundamentais do cidadão, permitindo-se, nesse contexto, a instauração de uma crise de legitimidade da Carta Maior, o que, de fato, seria a pior das crises possíveis num Estado Democrático de Direito.

2.3 A NOVA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

2.3.1 A Evolução da Hermenêutica

2.3.1.1 O Jusnaturalismo

Fundada sob a premissa da existência de um direito natural, o Jusnaturalismo vem subsistindo por séculos. Umas das principais correntes filosóficas já criadas em todos os tempos, funda-se no conjunto de valores e costumes que não emanam das leis criadas pelo Estado, mas sim ínsitos em cada ser humano, em toda a sociedade, pela antropologia social, assumindo caráter de leis legítimas.

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Sustenta a teoria jusnaturalista que a legitimidade do direito natural se dá pelo fato de ser anterior ao direito positivado pelo Estado, sendo até mesmo superior a este, ao ponto de, em caso de conflito, sobressair sobre o direito oficial.

As fontes do direito natural se apresentam, fundamentalmente, em duas variantes: a de uma lei criada pela vontade de Deus e a de uma lei estabelecida pela razão. Pela primeira variante, a religião exerce papel marcante, estabelecendo legitimidade para um conjunto de regras que são frutos da teologia, enquanto a segunda, traduz a razão humana fruto da ciência como fonte das leis naturais.

A partir do século XVI, com o advento da reforma protestante e a formação dos Estados, em busca da superação do dogmatismo medieval e da desvinculação da teologia, formou-se o direito natural moderno. Distante da teologia e com forte influência da natureza e das razões humanas, o jusnaturalismo moderno foi ponto notável na Idade Moderna, desempenhando papel relutante frente ao absolutismo monárquico.

No século XVIII, o jusnaturalismo racionalista serviu de impulso ao iluminismo e, após a revolução burguesa, foi dogmatizado e codificado, ocupando espaço notável nas leis codificadas, em especial nas constituições. Este momento representou o ápice do jusnaturalismo e, ao mesmo tempo, a sua superação histórica, vez que com a codificação o direito se aproximou da lei, e à luz da Escola da Exegese, criou-se uma hermenêutica neutra e objetiva.

Luís Roberto Barroso, dissertando sobre o tema, expôs de forma concisa sobre o momento de declínio vivido pelo jusnaturalismo com a codificação e o Estado liberal, no século XIX, aduzindo que os direitos naturais "já não traziam a revolução, mas a conservação. Considerado metafísico e anti-científico, o direito natural é empurrado para a margem da história pela onipotência positivista do século XIX". [13]

2.3.1.2 O Positivismo Jurídico

Em meio à crítica radical imposta ao direito natural pela Escola Histórica do Direito, surgiu o positivismo jurídico, presente notadamente no século XIX, sustentando a relação íntima entre o direito e a norma, e a afirmação que a ordem jurídica é una e emana do Estado. Os pontos fundamentais da doutrina juspositivista, nos dizeres de Norberto Bobbio, são resumidos em sete pontos ou problemas, dos quais nos reportaremos somente aos mais importantes para compreensão geral do positivismo jurídico. [14]

Primeiro ponto diz respeito à Teoria do Formalismo Jurídico. Esta manifesta entendimento no sentido de que o jurista deve entender o direito como uma ciência exata, assim como raciocinam os cientistas, estudando a realidade social distante dos juízos de valor. A abstração deve ser tamanha ao ponto do direito prescindir da análise do mau ou bom, do justo e do injusto, deve ser visto de modo avalorativo.

Os critérios de validade da norma jurídica estão atrelados, tão somente, ao seu processo formal de criação, independente de seu conteúdo. Instala-se, assim, o dogma da subsunção, fruto da construção formalista alemã, podendo-se afirmar que "o direito é como um fato, e não como um valor". [15]

Outro ponto que merece destaque no presente estudo é o método da ciência jurídica. Apoiado na Teoria da Interpretação Mecanicista, os juspositivistas sustentam que o elemento declarativo da norma deve se sobrepor aos elementos criativos, ou seja, deve o jurista se apegar mais ao sentido literal do que à própria mens legis. Deste modo, mutatis mutandis, fazem do jurista um mero robô.

Da Teoria da coerência e da completude do ordenamento jurídico, extrai-se o entendimento juspositivista de que inexistem normas contraditórias, antinômicas, no mesmo ordenamento jurídico, posto que resta subentendido no próprio conjunto normativo princípio regulador da validade de uma ou ambas as normas envolvidas, trazendo igualmente a premissa de que não existem lacunas no direito, sendo este perfeitamente apto a solucionar qualquer caso através de seus instrumentos e conceitos.

Como pode se observar, pautou-se o positivismo jurídico em uma gama de teorias tendentes a implementar a cientificidade na área da humanidade, sob um aspecto dogmático e aparentemente perfeito, justificada em sua própria existência. Seu legalismo estrito foi uma das causas de sua maior derrota.

A máxima Gesetz ist Gesetz (lei é lei), originada na Teoria da obediência absoluta da lei enquanto tal, inegavelmente legitimou o Autoritarismo em alguns países, e mais tarde aterrorizou a humanidade sobre a denominação "O Holocausto". Prova disto foi o julgamento dos crimes atrozes no Tribunal de Nuremberg, no qual, em defesa, os acusados invocaram o cumprimento estrito da legalidade e a obediência às ordens emanadas das autoridades competentes.

Após a derrota do nazismo na Alemanha e do facismo na Itália, o positivismo jurídico com seus ideais estranhos aos valores morais não resistiu. Assim, "a idéia de um ordenamento jurídico indiferente a valores éticos e da lei como uma estrutura meramente formal, uma embalagem para qualquer produto, já não tinha mais aceitação no pensamento esclarecido". [16]

Urgia, então, a necessidade de reflexão sobre a ordem jurídica, suas regras, seus métodos interpretativos, sua aplicação.

2.3.1.3 O Neo-Constitucionalismo

Após a superação do jusnaturalismo e o mau êxito do positivismo jurídico, despontava um novo conjunto de teorias acerca da problemática do Direito e suas projeções sociais no mundo. No Brasil, alcançou relevância com a Constituição de 1988, responsável pela transição do regime autoritário imposto pela Ditadura Militar para o democrático. O Estado Democrático de Direito é construção desse momento histórico em que foram fortalecidas as Constituições, com a inserção do ideal democrático.

Denominada também de nova hermenêutica ou pós-positivismo, esse conjunto ideológico, preocupado com a interpretação do Direito e sua função social, trouxe a proposta de elevação das relações entre princípios, regras e valores, na tentativa de superar as mazelas fruto do juspositivismo.

Desenvolve-se o neo-constitucionalismo tendo como base a interpretação jurídica tradicional (métodos literal; sistemático; histórico; e teleológico), acrescentando a essência da efetividade social e garantia dos preceitos informadores da Lei Maior, pois se constatou a insuficiência dos métodos tradicionais para a completa satisfação das exigências do processo hermenêutico constitucional moderno.

Já não mais se concebe a literalidade da norma posta como única fonte de solução das controvérsias, nem a atividade do magistrado como mera aplicação do princípio da subsunção. Busca o pós-positivismo uma visão moral do Direito, um efetivo sentimento de justiça. "O intérprete torna-se co-participante do processo de criação do Direito, completando o trabalho do legislador, ao fazer valorações de sentido para as cláusulas abertas e ao realizar escolhas entre soluções possíveis". [17]

Isto se dá, pois as Cartas Políticas são agora um sistema aberto, repleto de princípios e regras atrelados a valores. É de fato a superação do legalismo estrito, sem a necessidade de se socorrer na metafísica, é a aproximação do Direito com a Moral, sublimação da dignidade da pessoa humana com a teoria dos direitos fundamentais, e a reabilitação da argumentação jurídica.

Com a importância assumida pelas constituições, os conflitos entre as normas constitucionais se tornaram motivo de complexo processo de interpretação, pelo que se requereu a ponderação de interesses nas decisões judiciais, para se buscar, dentro do espírito constitucional, a solução mais justa e razoável.

Os princípios desenvolvem papel crucial nesse momento evolutivo. Da ínfima importância em momentos pretéritos, hodiernamente sua utilização ressoa em tom de norma essencial nos ordenamentos jurídicos, processo esse denominado de normatização dos princípios. Funcionam estes como guias do intérprete, apoio necessário para que o resultado da interpretação seja reflexo legítimo e efetivo da vontade social.

Papel de suma importância no contexto hermenêutico constitucional moderno ocupa a sistematização de Ronald Dworkin, ao estabelecer os diferentes papéis desempenhados pelos princípios e regras no ordenamento. Em resumo, são três as funções desenvolvidas pelos princípios: dar unidade ao sistema; condensar valores; e condicionar a atividade do intérprete. [18]

Insta mencionar, somente a título de reconhecimento, a importância que desenvolvem a Teoria da Argumentação de Chaim Perelman e a Tópica de Theodor Viehweg na nova hermenêutica constitucional, por serem teorias atuantes sobre a insuficiência que tinha o positivismo jurídico em decidir os casos difíceis, aqueles em que havia em jogo direitos conflitantes. [19]

A concepção técnico-formal do direito não resistiu especialmente por quatro fatores que o impossibilitaram de acompanhar o momento de ascensão das Constituições, conforme lançou crítica Robert Alexy.

Primeiro pela linguagem imprecisa do direito, que torna difícil a interpretação única, uma vez que determinada palavra pode alcançar significados diferentes.

Segundo pela possibilidade de conflito entre as normas, o que de fato fulmina as chances de aplicação do positivismo, por sustentar este que não há conflito de normas verdadeiro, posto que sempre haveria outra norma disciplinadora da aplicabilidade.

Em terceiro, o fato de que é possível haver casos que requeiram regulamentação jurídica, casos em que não se aplicam perfeitamente as normas existentes no ordenamento jurídico, conflitando deste modo com a completude enfatizada pelo positivismo.

Já por último, em casos especiais, a possibilidade de uma decisão que contraria textualmente um estatuto. [20]

Por tais fatores, o mundo jurídico se abriu a uma gama de teorias novas, comprometidas com uma interpretação mais condizente com o equilíbrio entre o sentimento humano, a cientificidade, e a garantia dos direitos fundamentais do ser humano. Estabelece, assim, o direito além das normas codificadas, sempre respeitando os limites impostos pela ordem jurídica vigente, rumo à concretização do completo Estado Democrático de Direito.

2.4 O DIREITO ALTERNATIVO

Inspirado na Teoria Crítica e presente em diversos países do mundo, o Direito Alternativo é um movimento com raízes na Magistratura Democrática Italiana, fundada após a crise do Direito Dogmático, que logo alcançou a França e a Espanha, esta precisamente com o advento da Constituição Espanhola de 1978.

No Brasil, o movimento do Direito Alternativo, ainda que sua trajetória date da época da ditadura militar, despontou fortemente apenas na década de 90, no seio da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, onde foi sistematizado e, de certa forma, organizado.

O movimento encontrou impulso em juristas insatisfeitos com a conjectura econômica-social em que passava a sociedade brasileira, em virtude das leis que não refletiam ideais condizentes com a democracia trazida pela Carta de 1988, nem tampouco os tornavam possíveis. Denominavam o conjunto de leis que inviabilizavam a concretização da justiça social como leis injustas, ensejadoras da dominação das classes menos favorecidas.

Expõem os alternativistas que o Legislativo está a serviço das classes dominantes. A produção da lei é viciada por ser criada em meio a grupos políticos sustentados pela burguesia, podendo-se perceber tal assertiva pela baixa representatividade das classes sociais que não guardam relação com o poder econômico no Congresso Nacional.

Lédio Rosa de Andrade justifica a baixa representatividade com o "preço de uma eleição, ou seja, o valor mínimo necessário a ser gasto por um candidato para poder eleger-se. A soma é vultosa e dificulta muito a vitória de uma pessoa não financiada pelo poder econômico". [21]

Outro ponto bastante frisado é a não correspondência da lei com a realidade social. As leis vigentes foram criadas tendo como base um fato social existente à época, que com a mutação das relações sociais e seus reflexos, já não mais persiste. Portanto, a lei criada para um fato na realidade está a regular outro. Daí se justifica pelo movimento a necessidade de maior flexibilidade na interpretação das normas, distante do método dogmático, para que seja alcançada a melhor solução condizente com a realidade, através de uma jurisdição de equidade.

Deste modo, pode-se conceituar o Direito Alternativo como "um movimento que, conectado com a realidade excludente da maioria da população, procura desmistificar os dogmas de uma visão tradicional do direito, pretendendo transformar a sociedade e tornar efetiva a democracia material e a justiça social, consagradas constitucionalmente". [22]

Edmundo Lima de Arruda Júnior considera o Direito Alternativo como "uma outra proposta de Direito" que, "estando dentro da promessa de Direito moderno (...) se encontra tanto dentro do direito positivado como fora dele. Assim, o MDA (sic) não pretende nem substituir o Direito positivo, nem estrutura-se nos termos de choque crônico com o mesmo. O MDA (sic) coloca-se como uma possibilidade regenerativa para a racionalidade jurídica positivada". [23]

Em inspirada conclusão, Orlando Soares aduz ser o Direito Alternativo "um fenômeno não só de convicção ideológica, mas também de hermenêutica, com o objetivo de mudança de rumos, no tocante aos critérios tradicionais de interpretação e aplicação das normas legais por iniciativa de uma corrente de juristas (advogados, professores, juízes, membros do Ministério Público) com tendências renovadoras e progressistas. Trata-se de um Movimento ou esforço intelectual, na esfera jurídica, inspirado nos princípios consagrados pelo artigo 5° da Lei de Introdução ao Código Civil, princípios estes pelos quais, na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que Lei se dirige e às exigências do bom comum". [24]

Episódio que deu enorme publicidade ao movimento foi a publicação de artigo jornalístico, em outubro de 1990, no jornal paulista Folha da Tarde, altamente tendencioso, que estampava a seguinte título: "Juízes gaúchos colocam Direito acima da Lei". A partir da publicação, o mundo jurídico nacional ficou estarrecido, havendo logo após seguidas críticas às práticas dos magistrados gaúchos.

2.4.1 Vertentes do Direito Alternativo

Ainda que pese a falta de entendimento pacífico em relação à denominação das três vertentes em que se divide o movimento alternativo, na esteira do ícone nacional do movimento, Amilton Bueno de Carvalho, este se divide em: o uso alternativo do Direito, o Direito Alternativo em sentido estrito e a positividade combativa. [25]

O uso alternativo do Direito busca o avanço das lutas populares, sob a ótica de uma interpretação democratizante das lacunas, antinomias, ambiguidades do Direito, exercendo sobre as normas e seus efeitos intensas críticas, desenvolvendo-se no âmbito do próprio ordenamento jurídico positivo. Aproxima-se tal vertente da corrente jurisprudencial nascida na Itália durante os anos 70, denominada Uso Alternativo Del Diritto.

Já o Direito Alternativo em sentido estrito consagra a existência do direito paralelo ao produzido oficialmente pelo Estado, defendendo que o povo mesmo constrói seu direito, exaltando assim o pluralismo jurídico, o que faz das normas extra-oficiais perfeitamente legítimas a produzirem efeitos legais, ambas ocupando o mesmo patamar hierárquico. A exemplo se tem as regras estabelecidas nos presídios, guetos e determinados grupos sociais.

Última vertente, e a mais importante para a compreensão do objetivo primordial do presente trabalho, é a positividade combativa. Esta tem como aspiração dar máxima efetividade [26] às disposições democráticas, garantidoras dos direitos fundamentais, as quais não se têm aplicação prática, pois entende que "a Constituição é um dos grandes espaços em que se opera a luta político-jurídica". [27] Aproxima-se em muito da Teoria Garantista desenvolvida pelo notável Luigi Ferrajoli.

A Teoria Garantista, que tem sua origem no direito penal italiano, embora tivesse como meta inicial incitar a reflexão acerca da crise de legitimidade que os sistemas penais modernos enfrentam, acabou por constituir uma teoria jurídico-filosófica, hermenêutica e política, em razão da possibilidade da crise do Direito resultar numa crise da democracia. [28]

Nesse contexto, podemos afirmar, sucintamente, que o garantismo sustenta que a Constituição funciona de forma instituidora e restritiva, a qual determina regras que vinculam o Estado não somente às formas, mas igualmente ao sentido de todo o ordenamento jurídico. Resta assim caracterizado o plano formal da legitimidade que, à luz do princípio da legalidade, impõe a submissão às leis de modo a dirigir os poderes do Estado para a manutenção das garantias fundamentais do cidadão, garantindo a satisfação plena dos direitos sociais presentes no Texto Magno.

2.4.2 Críticas ao Movimento

Do frenesi causado pelo artigo jornalístico até os dias de hoje persiste sobre o movimento alternativista a taxação de seus integrantes como "revolucionários", "filósofos sonhadores", por entenderem alguns juristas que o movimento é um negador da ordem jurídica vigente e que reluz inviável a aplicação da teoria alternativa, sendo por certo um retrocesso.

Os críticos, além de sustentarem a negação à lei pelo movimento, sustentam que tende este a outorgar poderes excessivos, ilimitados aos julgadores, que passariam a se utilizar do seu próprio sentimento de justiça para solucionar as contendas apresentadas ao Judiciário.

Para os críticos do movimento, as decisões subjetivas ao extremo seriam capazes de trazer verdadeiramente a insegurança jurídica, bem como a contradição nos pronunciamentos jurisdicionais por deixar ao arbítrio de cada magistrado o decisium.

Além disso, haveria o risco do estabelecimento de uma ditadura do Judiciário, com violação da independência entre os três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário –, vez que a interpretação extensiva da norma que pretende o movimento alternativo incide numa nova atividade legislativa, incorporando, assim, ao Judiciário função típica do Poder Legislativo. Argumenta-se que "o juiz não pode substituir o legislador. Se a lei é injusta, é óbvio que se deve lutar para modificá-la, mas não pode o magistrado incumbir-se da tarefa criativa de normas de conduta". [29]

Alexandre Freitas Câmara, em suas lições processuais, faz alusão à jurisdição de equidade que permeia a corrente alternativa, expondo que "o juiz, pelo fato de ser juiz, não pode ser tido como um ente divino, capaz de fazer justiça segundo seus próprios critérios. Cabe ao juiz representar a vontade e inteligência do Estado, uma vez que é deste, e não da pessoa natural que exerce o cargo, o poder de julgar". [30]

Credita-se ao movimento a finalidade de tornar o Judiciário um local de luta de classes, comprovando de tal maneira a proximidade que guarda o movimento com o socialismo de Marx e a predileção pela ideologia política em detrimento da ciência normativa.

Leo Daniele acredita que a teoria alternativa carece de legitimidade e a sua implementação se confronta com a Doutrina Social Católica: "A corrente ‘alternativa’ não passa de uma tentativa de transformar os meios jurídicos em uma nova arena de luta de classes, rediviva com novas roupagens, e de, por esse meio, convulsionar o País. Os resultados só poderão ser os piores, para o Estado de Direito e para o que resta da Civilização Cristã no Brasil". [31]

Sob o prisma de seus ferrenhos críticos, o Direito Alternativo é visto como um conjunto de teorias sem estrutura lógica com a finalidade única de instalar uma revolução, a se concretizar em duas etapas distintas: a primeira na distorção da noção de justo, e a segunda, na imposição de uma utopia jurídica.

Severas críticas aduz Gilberto Callado de Oliveira ao expor sobre os "erros doutrinários do Direito Alternativo" [32], dentre eles, além dos já citados por outros doutrinadores, a opção do movimento pelos "pobres" e a ilegitimidade no plano das reivindicações sociais e também no plano da atividade judicial crítica.

Afirma-se que é inconcebível a ideia de que o juiz não deve ser imparcial. A hipossuficiência de uma das partes não pode influir na decisão jurisdicional.

Em resumo, consistem nestes argumentos as críticas ao movimento do Direito Alternativo.

Necessário que se diga que tais críticas – concessão de poderes de legislatura ao juiz, insegurança jurídica, ditadura do Judiciário – não ficam sem respostas dos "alternativistas". O debate é intenso, rico e profícuo.

2.4.3. O Direito Alternativo e os Limites do Julgador na Moderna Hermenêutica Constitucional: uma defesa necessária.

Percebeu-se que a evolução da hermenêutica constitucional, desde o final do século XX, início do século XXI, caminha rumo à concretização dos direitos fundamentais da pessoa humana, instrumentalizada por métodos que buscam, na abstração da norma, a interpretação que mais condiz com a justiça social, derivando uma decisão socialmente aceita e mais próxima do justo possível à luz dos preceitos constitucionais, ainda que seja necessário sacrificar normas preestabelecidas.

O Direito Alternativo traz como seu ideal, desde meados do século XX, uma revolução na hermenêutica, preconizando uma radicalidade democrática, uma atitude modificadora em juristas, operadores do direito e intérpretes, com o fim único de aproximar as decisões judiciais do sentimento de justiça social, tendo como paradigma os direitos e garantias fundamentais trazidas pelas constituições, sob o fundamento de que o Direito tem que estar a serviço da sociedade.

Não se pode negar o caráter democratizante do Direito Alternativo incorporado no neo-constitucionalismo. Não se defende no presente trabalho que a busca incessante pela justiça social, nos métodos vigentes, é fruto da construção Alternativa. Pelo contrário, defende-se, isto sim, que aquele conjunto de teorias, que segundo alguns seriam capazes de trazer a insegurança jurídica e a ditadura do Judiciário, é amplamente compatível com a nova hermenêutica constitucional.

Cabe verificar que as premissas do Direito Alternativo encontram amplo fundamento legal, o que de fato expurga do movimento a classificação pejorativa de "revolucionário". Ora, a efetividade das normas constitucionais e a construção da Jurisdição de equidade, tão combatida por juristas renomados, em nada têm de estranho com o ordenamento jurídico pátrio. Observa-se isto através da simples leitura dos artigos 4° e 5° do Decreto-Lei 4.657 de 04 de setembro de 1942, Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro.

O artigo 4° da LICC dispõe: "Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito".

Os costumes nada mais são que aquela prática social reiterada que exerce papel coercitivo nos membros da sociedade. Traz um princípio ou uma regra não positivada que se inseriu nas relações sociais pelo uso da maioria da coletividade; trata-se da mais antiga e autêntica fonte do Direito.

Princípios gerais de direito são "os princípios que decorrem do próprio fundamento da legislação positiva, que, embora não se mostrando expressos, constituem os pressupostos lógicos necessários das normas legislativas, (...) Muito embora não estejam expressos, tais princípios existem, consistindo na manifestação do próprio espírito de uma legislação". [33]

Assim, notável a disposição legal de que o juiz não deve se socorrer tão somente aos códigos nos casos em que a lei for omissa, festejando, deste modo, a existência de um direito paralelo ao direito estatal, que exerce influência marcante no mundo jurídico, objeto este da vertente do Direito Alternativo em sentido estrito, e ao mesmo tempo a vertente do uso alternativo do Direito, que prega a interpretação democratizante das lacunas do direito, em atenção também ao artigo 5ª da Lei de Introdução.

As críticas dispunham que a jurisdição de equidade poderia somente ser utilizada quando flagrante a omissão legal. Porém, não atentou o crítico para o artigo 5º da LICC que aduz: "Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum."

Pois bem. Resta, então, configurada a essência da jurisdição de equidade na Lei de Introdução ao Código Civil. Como se denota da letra da lei, o juiz deverá atender à finalidade social da lei rumo à preservação do bem comum, o que de certo reluz o aspecto de realização social/democrática a que o Direito está a serviço na sociedade.

A equidade é essencial ao intérprete do direito ao julgar um caso concreto. A lei é criada tendo como base um acontecimento, um fato social vigente à época. Acontece que os fatos sociais sofrem mutações constantes, ao contrário das leis. Daí a necessidade de se usar a equidade para amoldar a lei ao caso concreto sub judice, com o fim de resultar verdadeira justiça.

Em feliz conclusão, Marcus Cláudio Acquaviva expõe que "a equidade é a justiça do caso particular, destinando-se a abrandar o rigor excessivo da lei positiva. A equidade não destrói a lei, pelo contrário, a completa. Por isso, Aristóteles, em sua Ética a Nicômaco, afirma que o equitativo é também justo e vale mais do que o justo em determinadas circunstâncias. É uma feliz retificação da justiça rigorosamente legal. A aplicação extremamente rigorosa de normas inflexíveis e invariáveis, não temperadas pela equidade, pode resultar em extrema injustiça; por isso, dizia Cícero, que summum jus summa injuria". [34]

Outra questão bastante combatida pelos tradicionalistas é a imparcialidade do magistrado. Defende o Direito Alternativo o reconhecimento da hipossuficiência de uma das partes, como forma de fazer valer verdadeiramente o justo no caso concreto.

Já dizia Ruy Barbosa acerca da verdadeira igualdade: "A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real". [35]

É tão necessária a verificação da hipossuficiência que o legislador já tratou de criar leis nesse sentido, a exemplo a Consolidação das Leis Trabalhistas e o Código de Defesa do Consumidor, que claramente trazem regramento mais benéfico aos trabalhadores e aos consumidores. Acima de tudo, qualquer norma que contrarie princípios da justiça é eivada de vício de inconstitucionalidade.

O juiz tem por missão "atuar como um agente de transformação que não se limita a ser um aplicador passivo de regras e princípios preestabelecidos, mas sim um instrumento de mudança social, pautado pelos objetivos socioeconômicos atuais, levando-se em consideração a complexidade e a pluralidade da sociedade". [36]

Uma sentença justa que não reconhece aplicabilidade, eficácia de certa norma, não é sinônimo de um julgamento contra legem que mereça reforma. Aquela pode traduzir por certo que a lei vigente já não está mais a regular satisfatoriamente certo fato social. A partir de tal julgamento, está se emitindo alerta ao legislador, para que este possa rever o conteúdo da norma e, caso necessário, criar norma bastante a regular verdadeiramente de forma legítima os fatos sociais.

Não pode subsistir o temor de se instalar uma ditadura do Judiciário. O Princípio da publicidade dos atos processuais e o Princípio da fundamentação das decisões (art. 93, X, da CRFB/88), juntamente com o Princípio do duplo grau de jurisdição, impõem alto grau de controle às decisões judiciais, possibilitando o efetivo controle pelas partes da relação processual e pela sociedade em geral.

Finalizando, é sadio parafrasear parágrafo da obra de Bruno de Aquino Parreira Xavier, que invocando Flávia de Almeida Viveiros de Castro, em palavras singelas traz à tona o verdadeiro dever do julgador, conhecedor dos limites da hermenêutica e dos recursos interpretativos à sua disposição, de não poder "ficar de braços cruzados quando o Legislativo ou o Executivo se mostram omissos ou equivocados. Os juízes devem dar efetividade à Constituição, através da interpretação". [37]

Diante da lei injusta, urge a necessidade de se buscar na Carta Magna a solução mais justa, não podendo o juiz ser um escravo da lei, vinculado ao positivismo ortodoxo, deve ser este um fiel servo do Direito.

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LEITE, Vitor Martim Almeida. O direito alternativo e as normas programáticas na nova ordem constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2375, 1 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14130. Acesso em: 29 mar. 2024.

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