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Em busca da liberdade sindical.

Análise comparativa dos sistemas sindicais de Portugal e da Alemanha

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14/01/2010 às 00:00
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"É preciso atrair violentamente a atenção para o presente do modo como ele é, se se quer transformá-lo. Pessimismo da inteligência, otimismo da vontade."

Antonio Gramsci

RESUMO: A liberdade sindical é um direito fundamental essencial para o exercício da democracia. Sistemas normativos sindicais que preservam traços corporativistas são incompatíveis com o princípio da dignidade humana. O ser humano necessita de liberdade e educação para se inserir, de forma igualitária, no contexto social. A luta pela superação da atual hegemonia cultural e o restabelecimento de laços de solidariedade entre os trabalhadores são fatores essenciais para a efetivação do direito à liberdade sindical.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Comparado. Direitos Sociais Fundamentais. Liberdade Sindical. Portugal. Alemanha.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Esboço Histórico da Liberdade Sindical. 3. A Liberdade Sindical como Direito Fundamental. 4. As Faces da Liberdade Sindical. 5. Cláusulas de Exclusão e Cláusulas de Segurança Sindical. 6. A Liberdade Sindical nas normas da OIT. 7. A liberdade sindical na União Europeia. 8. O Sistema Juslaboral e o Modelo Sindical Português: a) Normas Juslaborais e a Liberdade Sindical; b) O Sistema Processual Português e a Ingerência Estatal na Organização Sindical. 9. O Sistema Juslaboral e o Modelo Sindical Alemão: a) Esboço Histórico da Liberdade Sindical na Alemanha; b) A normatização Trabalhista Alemã; c) O Sistema Processual do Trabalho Alemão; d) Uma Figura Peculiar nos Sistemas Sindicais: A Cogestão; e) Disciplina Normativa da Cogestão; f) A Lei Volkswagen; g) Cogestão através do Conselho de Empresa; h) Participação dos Trabalhadores nos Conselhos Fiscais; i) O conselho de empresa e o sindicato. 10. Conclusão. Referências Bibliográficas.


1. Introdução.

A constatação de que a liberdade sindical é um direito fundamental coaduna-se com a busca pela democracia de fato, que possibilite a distribuição de poder na sociedade. Não basta somente o reconhecimento jurídico da liberdade sindical. É necessário que seja garantido o exercício efetivo deste direito, de forma a propiciar que o indivíduo trabalhador se insira na sociedade não somente como produtor de marcadorias e serviços, mas também como construtor de uma sociedade pluralista e democrática.

O sindicalismo atualmente passa um momento de extrema crise, que se desencadeou conjuntamente com a reestruturação produtiva. As taxas de sindicalização decresceram vertiginosamente, acarretando o enfraquecimento dos sindicatos, que são essenciais para se buscar o equilíbrio da relação capital-trabalho, base de todo o sistema produtivo capitalista.

No presente estudo, serão analisadas as várias faces da liberdade sindical, suas dimensões coletivas e individuais, positivas e negativas, apreciando-se as normas da OIT relativas ao tema, bem como as normas brasileiras.

Posteriormente, serão estudados os sistemas normativos de Portugal e Alemanha. Pretende-se efetuar um estudo comparativo entre dois modelos europeus. O primeiro, de Portugal, após reformas normativas recentes, apresenta um sistema sindical repleto de contradições, com normas processuais trabalhistas que possibilitam a ingerência estatal, violando os princípios da liberdade sindical.

O modelo alemão, por sua vez, amparado no princípio da ampla liberdade sindical, não apresenta normas processuais relativas ao tema, porém possui um modelo ímpar de democratização das relações sociais.

O estudo pretende apontar singelos caminhos para a construção de um modelo sindical no Brasil que propicie o exercício da democracia, a emancipação dos trabalhadores a fim de que se possa efetivar o princípio da dignidade da pessoa humana, princípio este que fundamenta a Carta Magna brasileira.


2. Esboço Histórico da Liberdade Sindical.

O desenvolvimento do capitalismo industrial deu-se originalmente na Europa. Ao combinar fatores relevantes para a produção em larga escala, quais sejam, trabalho juridicamente livre e concentração de vários trabalhadores em uma mesma planta produtiva, esta forma de organização da produção propiciou a formação da solidariedade coletiva dos trabalhadores, dando origem, posteriormente, ao sindicato.

O reconhecimento da liberdade sindical ao longo da história, na maioria dos países ocidentais, ocorreu em três fases. A primeira fase foi a de proibição, a segunda foi a fase de tolerância e a terceira foi a fase de reconhecimento jurídico. Tais fases não foram lineares e homogêneas, variando de acordo com o contexto econômico, cultural, político e jurídico de cada país.

Originalmente, as relações coletivas de trabalho caracterizaram-se por fortes tensões conflituosas e por intervenções repressivas por parte do Estado nos confrontos entre organizações profissionais e empresariais e, sobretudo, nas greves.

Inicialmente, a maioria dos ordenamentos jurídicos na Europa ocidental, através de leis e da jurisprudência, negava aos trabalhadores e também aos empregadores o direito de se organizarem coletivamente. Greve e locaute eram igualmente considerados ilícitos, de acordo com o pensamento liberal de paridade dos indivíduos no mercado. No entanto, na prática, a proibição penal atuou somente com relação à greve dos trabalhadores. Este período é denominado fase de proibição.

Posteriormente, com a constatação da necessidade do sindicato para o próprio sistema capitalista e o aumento da pressão dos trabalhadores, inaugurou-se a fase de tolerância, removendo-se as proibições penais aos conflitos de trabalho coletivos e às organizações sindicais. Porém, a jurisprudência dos países europeus passou a adotar interpretação ampla dos conceitos de violência e de ameaça para continuar a reprimir, inclusive penalmente, as greves. Ou seja, adotou-se uma interpretação retrospectiva [01] das normas, negando-lhes a existência. Em muitos casos, a tolerância com relação aos sindicatos não foi efetivada.

No fim do século XIX, muitos países da Europa Ocidental reconheceram juridicamente a liberdade sindical. Porém, a partir da década de 1920, com a ascensão de regimes totalitários e corporativistas na Itália, Alemanha, Portugal e Espanha impõe-se a noção de que os interesses dos trabalhadores se confundem com os interesses do Estado, violando-se as liberdades sindicais, gerais e específicas. Esta etapa se encerra, na maioria dos países da Europa, com o fim da Segunda Guerra Mundial. [02]

A partir deste momento, inaugura-se uma nova fase da liberdade sindical, que se erige como direito fundamental. Esta fase, ainda em construção, coaduna-se com a constatação de que a sociedade moderna necessita de democracia de fato, que possibilite distribuição de poder na sociedade. Não basta somente o reconhecimento jurídico da liberdade sindical, é necessário que seja garantido o exercício efetivo deste direito, de forma a propiciar que o indivíduo trabalhador se insira na sociedade não somente como produtor de marcadorias e serviços, mas também como construtor de uma sociedade pluralista e democrática.


3. A Liberdade Sindical como Direito Fundamental.

Como adverte Luiz Alberto Matos dos Santos, "Na evolução histórica dos direitos fundamentais, surgem várias expressões para identificá-los..." (SANTOS, 2009:95). Vários são os epítetos utilizados para denominar os direitos fundamentais, tais como direitos humanos, direitos do homem e do cidadão, direitos naturais, dentre inúmeros outros. As denominações muitas vezes são utilizadas conforme o contexto histórico e/ou ideológico.

Não obstante as várias denominações utilizadas, optou-se, no presente estudo, pela utilização da expressão "direitos fundamentais". [03] Os direitos fundamentais, segundo lição de Maurício Godinho Delgado, "...são prerrogativas ou vantagens jurídicas estruturantes da existência, afirmação e projeção da pessoa humana e de sua vida em sociedade." (DELGADO, 2007:67).

Por sua vez, o doutrinador alemão Jörg Neumer, ensina que:

Os direitos humanos em geral podem ser divididos em duas categorias. Por um lado, em direitos humanos liberais, que corporificam direitos puros de defesa em face do Estado, objetivando a proteção da liberdade; por outro, em direitos humanos sociais, destinados a criar os pressupostos fáticos da liberdade e democracia, produzir a igualdade material e a paz jurídica, bem como servir abrangentemente a dignidade da pessoa. Por essa razão, os direitos humanos sociais formam, justamente em épocas da "globalização", a resposta jurídica imprescindível à concentração transfronteiriça do poder econômico. Além disso, o reconhecimento de direitos fundamentais baseia-se num amplo consenso internacional, enraizado também no ordenamento jurídico nacional. Por isso os direitos humanos sociais estão hoje vinculados inseparavelmente à idéia dos direitos humanos e constituem o correlato necessário dos direitos humanos liberais. [05]

Os direitos coletivos justrabalhistas são direitos fundamentais sociais. O princípio da dignidade da pessoa humana fundamenta os direitos sociais que visam relativizar a situação de desequilíbrio típica da sociedade industrial, objetivando uma equiparação material dos cidadãos. Segundo o professor Jörg Neuner, tais direitos influenciam o âmbito de proteção do princípio da igualdade. Ou seja, os direitos sociais realizam um disciplinamento da igualdade prestacional do Estado Social, de modo que a igualdade fática não represente apenas um fim e sim um meio de se atingir a dignidade do ser humano, em todas as suas acepções. Tais direitos são supraestatais, de validade universal, e vinculam todos os poderes estatais. [06]

Luciano Dalvi ensina que os direitos sociais encontram-se no rol dos direitos fundamentais e como tais são irrenunciáveis, além de possuírem aplicação imediata como preconiza o § 1º do art. 5º da Constituição Federal [07].

A associação dos trabalhadores, na busca por melhores condições de vida e de trabalho, fez surgir um novo marco regulatório, um novo ramo jurídico destinado a estabelecer condições mínimas de equilíbrio entre quem vende e quem explora a força de trabalho. Além de elevar o patamar de pactuação da força de trabalho, o Direito do Trabalho e o sindicato permitiram a distribuição de poder na sociedade, democratizando as relações sociais.

O livre desenvolvimento da atividade sindical, como assevera Tamira Maira Fioravante, necessita do estabelecimento de garantias diante do Estado, do empregador e das organizações patronais, além da repressão a atos que impeçam ou limitem o exercício dessa liberdade [08].

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A liberdade sindical é, portanto, pressuposto elementar da construção de uma sociedade democrática que prima pela valorização do trabalho e pela dignidade do ser humano, sujeito trabalhador, imprescindível na produção de riquezas na sociedade capitalista. É, portanto, direito fundamental, reconhecido como tal pela ordem jurídica brasileira, ao ser assegurado no título II da Carta Magna brasileira, que versa sobre os direitos e garantias fundamentais, em seu art. 8º.


4. As Faces da Liberdade Sindical.

A liberdade sindical insere-se no rol dos direitos sociais fundamentais de segunda dimensão. De acordo com a doutrina portuguesa, tais direitos podem ser puramente coletivos, de exercício coletivo ou individuais. [09]

Os direitos sociais puramente coletivos são aqueles dirigidos diretamente ao ente sindical, uma vez que existem somente em decorrência da intersubjetividade da relação social que forma o elo entre os indivíduos. Referem-se à autonomia sindical, ao direito do sindicato de se organizar e de atuar livremente, sem qualquer intervenção.

Os direitos de exercício coletivo seriam aqueles cujo exercício depende de deliberação coletiva, tal como a greve, instalação de dissídio coletivo, deliberações acerca da constituição de comissões de trabalhadores na empresa, dentre outros.

Por fim, os direitos individuais relacionam-se com a liberdade de associação do indivíduo trabalhador. Para o exercício dessa liberdade não se faz necessária deliberação coletiva. Marcus de Oliveira Kaufmann entende que para o exercício do direito de associação "não se faz necessária qualquer interferência sindical..." (OLIVEIRA, 2005:132/133).

No entanto, a discriminação dos sócios do sindicato, bem como a reestruturação produtiva que minou a solidariedade coletiva [10], fez surgir a necessidade de intervenção sindical para garantir o exercício deste importante direito individual. Os sindicatos tornam-se frágeis quando seus quadros de associados são drasticamente diminuídos. Assim, muitas vezes, passam a compor equipes especializadas em conscientizar e proceder a filiação de trabalhadores em seus locais de trabalho. Há, então, uma intervenção sindical para garantir o exercício do direito de liberdade de associação.

O direito social fundamental meramente individual de livre associação é um direito subjetivo público e, como tal, protege o indivíduo contra as pressões exteriores que possam vir impedir seu exercício. É, portanto, oponível contra o Estado, contra o empregador e contra a própria entidade sindical.

A liberdade associativa e sindical é o principio mais amplo do universo do sindicalismo. Tal princípio abrange uma dimensão positiva de livre associação ao ente sindical e uma dimensão negativa que implica na prerrogativa de livre desfiliação dos quadros sindicais.

Octavio Bueno Magano não considera a ideia de liberdade sindical individual negativa. Segundo o doutrinador, a liberdade de ingressar no sindicato protege o indivíduo contra várias pressões, enquanto a liberdade de não ingressar fica no plano de meras conveniências do individuo, não podendo ser considerada medida de proteção social [11].

No entanto, o texto constitucional brasileiro assegura ambas as dimensões da liberdade individual associativa (positiva e negativa), ao preconizar no inciso XX do art. 5º que ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado e no inciso V do art. 8º que ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato.

A liberdade sindical positiva garante o direito de livre associação. A sua violação implica em práticas antissindicais que podem se evidenciar em condutas como dispensa de empregado devido à sua filiação ao sindicato; recusa de admissão de sindicalizado; inserção de cláusulas contratuais que vedem a sindicalização; práticas estatais que inibam ou não incentivem a sindicalização.

Por sua vez, a liberdade sindical individual de dimensão negativa garante o direito do indivíduo de não aderir a qualquer ente sindical ou de se retirar, a qualquer tempo, do sindicato ao qual é filiado. Sendo assim, veda as denominadas cláusulas de exclusão e as cláusulas de segurança sindical.


5.

Union shop é uma cláusula de exclusão, muito comum no direito norte-americano, que impõe o dever do trabalhador recém contratado de se filiar ao sindicato, sob pena de dispensa.

Closed shop configura-se como cláusula de segurança sindical e implica na imposição ao empregador, através de norma coletiva negociada, de admitir apenas trabalhadores sindicalizados. Tal fórmula também é muito utilizada no sindicalismo norte americano.

O agency shop também se configura como cláusula de segurança sindical que impõe o dever do empregado de contribuir para o sindicato, mesmo que não seja a ele filiado. É imposto pelos próprios entes sindicais aos trabalhadores nos instrumentos coletivos.

Esta última fórmula de cláusula de segurança sindical é muito conhecida no Brasil, através das taxas confederativas, de fortalecimento, entre outras designações utilizadas nas normas coletivas brasileiras.

Ao interpretar o art. 8º, inciso IV da Constituição Federal, o STF editou a Súmula 666, que determinou que o desconto de tais taxas somente poderia ser efetuado dos salários dos filiados ao sindicato. A referida súmula foi editada em um momento em que houve abuso das entidades sindicais, estabelecendo-se percentuais elevados para o desconto.

Não obstante a interpretação adotada pelo Supremo Tribunal Federal, nos parece que a imposição de contribuição por norma heterônoma estatal é incompatível com o modelo democrático, uma vez que impossibilita a criação do senso de responsabilidade dos próprios trabalhadores pelos destinos da categoria representada pelo sindicato. Coibir a participação democrática e responsável de todos nos processos de decisão implica no retrocesso da noção da própria democracia.

A norma constitucional deve ser interpretada em seu conjunto normativo e não isoladamente. Nesse sentido, entende-se ser conformadora com o texto constitucional a interpretação delimitadora do exercício da autonomia sindical, previsto no inciso IV do art. 8º da Constituição Federal.

Não se pode permitir abusos no estabelecimento das contribuições sindicais, mas também não se pode negar o papel emancipador das discussões democráticas realizadas pelos trabalhadores coletivamente. Nesse sentido, destaca-se o TAC [12] firmado pelo Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho e Emprego e diversas entidades sindicais no qual foi estabelecido que tais taxas não poderiam ultrapassar o importe de 6% sobre a remuneração e deveria ser garantido um mínimo de 5 dias para o trabalhador se opor ao desconto perante as entidades sindicais.


6. A Liberdade Sindical nas normas da OIT.

A Convenção n º 98 da OIT [13] é Complemento da Convenção nº 87. Ambas prevêem duas espécies de garantias contra atos antissindicais: proteção das organizações de trabalhadores e empregadores contra atos de ingerência recíproca e proteção individual do trabalhador contra atos de discriminação.

Em 1998, a OIT editou a Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho. No item 2 da referida Declaração, foi estipulado que todos os membros integrantes da OIT, pelo fato de pertencerem a este importante organismo internacional, têm o compromisso de boa fé, de respeitar, promover e tornar realidade os princípios relativos aos direitos fundamentais versados nas Convenções tidas pela OIT como fundamentais, ainda que não as tenham ratificado. Os direitos fundamentais dos trabalhadores, segundo a OIT, são a liberdade sindical, o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva, a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório, a abolição efetiva do trabalho infantil e a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação.

Assim sendo, pelo simples fato de ser membro da OIT, o Brasil tem o dever de respeitar e promover a liberdade sindical com as garantias determinadas nas convenções 98 e 87, não obstante esta última não ter sido ratificada.

Os atos de ingerência vinculam-se a noção inicialmente desenvolvida pelo direito norte-americano de práticas desleais de trabalho (Unfair Labor Practices), previstas pela primeira vez, em 1935, no National Labor Relacions Act [14] (NLRA). Tais proteções visam garantir que as relações de trabalho se desenvolvam de maneira ética.

O art. 2º da Convenção nº 98 da OIT formula o conceito e fornece o rol exemplificativo de atos de ingerência. O referido rol se apresenta como exemplificativo, pois a atuação sindical é complexa e a liberdade de atuação pode ser violada de diversas maneiras. A vivência da liberdade sindical é indissociável da adequada repressão aos atos antissindicais Se o rol fosse taxativo, acabaria não atingindo sua finalidade, uma vez ser impossível prever todas as formas de ingerência e de práticas antissindicais.

O Comitê de Liberdade Sindical da OIT reconhece que tais atos de ingerência também podem ser praticados pelos Estados. Sendo assim, esclarece que os órgãos estatais não podem intervir nos assuntos internos dos sindicatos, sob pena de praticar atos antissindicais.

A efetiva proteção da liberdade sindical necessita não apenas de tipificação dos atos antissindicais pelos Estados nacionais na esfera penal e trabalhista, mas também de rápida apuração e punição.

A proteção individual do trabalhador inicialmente correspondia à estabilidade no emprego concedida por norma autônoma ou heterônoma ao dirigente ou representante sindical, seja antes, durante ou depois do término do contrato, conforme entendimento do Comitê de Liberdade Sindical da OIT. Compreendia, portanto, a vedação da dispensa sem justa causa dos dirigentes e representantes sindicais. Esse conceito é conhecido como foro sindical e, posteriormente, foi ampliado de modo a abranger qualquer trabalhador sócio da entidade sindical e qualquer ato que limite ou restrinja o exercício da atividade sindical, conforme estabelece o art. 1º da Convenção nº 98.

É necessário notar, no entanto, que a estabilidade da grande organização fabril que possibilitou a existência do sindicato deixou de existir. Márcio Túlio Viana ensina que, anteriormente ao surgimento da nova forma de organização do trabalho no final da década de 1970:

...as incertezas que o sistema criava eram - pelo menos em parte - gerenciadas e neutralizadas de uma forma global, complessiva. Para o trabalhador, era possível, então, elaborar passo a passo a sua identidade, como alguém que constrói uma casa; e isso em termos não só individuais como coletivos, integrando-se a uma classe [15].

Hoje, a alta rotatividade de mão de obra e o aumento do desemprego também fragilizam o sindicato e acabam violando a sua liberdade de atuação. Sem a formação de uma coletividade permanente, não se forma uma solidariedade obreira. Sem a solidariedade obreira, torna-se impossível a atuação sindical.

Assim sendo, a Convenção nº 158 da OIT, que visa limitar a dispensa arbitrária, bem como a adoção de uma interpretação amparada pela moderna hermenêutica constitucional do caput e do inciso I do art. 7º da Constituição Federal, passam a ser instrumentos fundamentais para garantir a liberdade sindical.

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Sobre a autora
Maíra Neiva Gomes

Advogada trabalhista. Assessora jurídica do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Belo Horizonte e Contagem. Assessora jurídica da Federação dos Trabalhadores Metalúrgicos de Minas Gerais – FEM-CUT-MG. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho. Aluna em DI do Mestrado em Direito do Trabalho da PUC/MG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Maíra Neiva. Em busca da liberdade sindical.: Análise comparativa dos sistemas sindicais de Portugal e da Alemanha. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2388, 14 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14183. Acesso em: 26 abr. 2024.

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