7. A liberdade sindical na União Europeia.
Claus-Wilhelm Canaris, ao dissertar acerca da supremacia dos direitos fundamentais em relação ao direito privado, esclarece que, no tocante à estrutura dos ordenamentos jurídicos, as soluções adotadas pelos distintos ordenamentos nacionais possuem elementos que se assemelham e que se distinguem. Segundo o autor:
Também sob esse aspecto, a temática me parece ser um bom exemplo das possibilidades e dos limites de uma harmonização do pensamento jurídico europeu, pois para tal fim far-se-á, por um lado, um empenho na elaboração de princípios fundamentais comuns, embora, por outro lado, nem todas as especificidades nacionais devessem ser niveladas, por serem expressão de culturas organicamente formadas no decorrer da história, bem como expressão de identidade sui generis dos diferentes ordenamentos jurídicos [16].
Com relação à normatização da matéria sindical, Giancarlo Perone adverte que na União Europeia não há homogeneidade devido às especificidades econômicas, sociais e políticas dos Estados membros, além de lá coexistirem duas famílias jurídicas distintas, o civil law e o common law, o que dificulta a homogeneização.
8. O Sistema Juslaboral e o Modelo Sindical Português.
a) Normas Juslaborais e a Liberdade Sindical.
Em Portugal, até 2003, as relações de emprego eram reguladas por diplomas legais dispersos, sendo que as normas heterônomas foram agrupadas e reguladas pelo Código do Trabalho que entrou em vigor em 1º de dezembro de 2003.
A Lei nº. 99/2003, ou Código do Trabalho, em seu art. 2º relacionou todas as diretrizes comunitárias, transpostas parcial ou totalmente, o que fez do Código Português, o mais avançado da Europa atualmente, segundo Paulo Eduardo Vieira de Oliveira e Thereza CristinaNahas. [17]
O Código do Trabalho é dividido em dois livros; o primeiro contém a parte geral e é dividido nos seguintes títulos: fontes, contrato de trabalho e direito coletivo. O segundo contém normas relativas à responsabilidade geral e contra ordenacional decorrentes das leis de trabalho.
Portugal ratificou as Convenções 87 e 98 da OIT, incorporando-as ao sistema normativo [18], não obstante haver contradições no sistema juslaboral português, conforme será oportunamente analisado. Os sindicatos portugueses são tidos como uns dos mais frágeis da União Europeia. O direito de greve está previsto no texto constitucional e é tido como direito fundamental.
Há previsão normativa de organização no local de trabalho, que não se assemelha ao modelo alemão de cogestão [19]. O sindicato continua sendo o ente coletivo por excelência no direito português.
As organizações no local de trabalho possuem personalidade jurídica [20]. O doutrinador português, Luís de Menezes Leitão, esclarece que o artigo 17 da Lei 46/79 referia-se apenas a capacidade ativa e passiva das comissões de trabalhadores, sem prejuízo dos direitos e responsabilidades individuais de cada um dos membros. A nova legislação conferiu personalidade jurídica expressa às comissões de trabalhadores. [21]
O exercício de autonomia é limitado, ao determinar que as comissões e as subcomissões de trabalhadores não podem, através do exercício dos seus direitos e do desempenho das suas funções, prejudicar o normal funcionamento da empresa [22].
Os trabalhadores e os sindicatos têm direito de desenvolver atividade sindical no interior da empresa, nomeadamente, através de delegados sindicais, comissões sindicais e comissões intersindicais. A violação deste direito pela empresa, proibindo a reunião de trabalhadores ou o acesso legítimo de representante dos trabalhadores às suas instalações implica na aplicação de multa, devido ao cometimento de contra-ordenação muito grave [23].
No artigo 525º, encontra-se dispositivo que poderia ser bastante interessante para propiciar o debate democrático pelos destinatários das leis trabalhistas. De acordo com o referido dispositivo legal, para se votar legislação trabalhista é necessário assegurar que os representantes dos trabalhadores se manifestem sobre esta anteriormente.
A questão da publicidade do projeto é normatizada pelo artigo 527º. As razões dos trabalhadores constarão do projeto ou da lei [24]. Não há nenhum dispositivo que assegure aos trabalhadores o direito de vetar ou modificar os projetos de lei.
Faz-se mister ressaltar a discussão da doutrina portuguesa com relação ao direito de greve previsto no texto constitucional e a cláusula de paz social. Existe a previsão legal de que a contratação coletiva pode estabelecer normas especiais relativas a procedimentos de resolução dos conflitos suscetíveis de determinar o recurso à greve, assim como limitações, durante a vigência do instrumento de regulamentação coletiva de trabalho e à declaração de greve por parte dos sindicatos outorgantes com a finalidade de modificar o conteúdo dessa convenção [25].
O direito à greve é consagrado pelo art. 57 da Constituição Portuguesa. De acordo com o doutrinador português Luiz Leitão, o direito à greve é por natureza um direito de exercício coletivo, mas tem como titulares cada um dos trabalhadores. A declaração sindical de greve é um pressuposto de seu exercício. A renúncia, em contratos coletivos, mesmo que parcelada, temporária ou condicionada ao direito de declarar greve por parte dos sindicatos, priva os trabalhadores do seu direito constitucional. A renúncia sindical não é válida, pois torna a greve ilícita, sendo o dispositivo inconstitucional. O autor salienta que há muita discussão doutrinária a respeito do tema, ressalvando seu entendimento. [26]
b) O Sistema Processual Português e a Ingerência Estatal na Organização Sindical.
Os Tribunais do Trabalho constituem os tribunais judiciais de competência especializada. O Supremo Tribunal de Justiça possui seções sociais que conhecem as questões oriundas da jurisdição laboral.
O Ministério Público intervém como órgão de justiça na fase conciliatória do processo, exercendo função mediadora, mas também como patrono dos trabalhadores na fase contenciosa. Cerca de 20% a 30% das causas trabalhistas são patrocinadas pelo Ministério Público.
Com o objetivo de harmonizar o sistema processual civil do trabalho foi publicado o novo Código de Processo do Trabalho, Decreto-Lei 480/99, em 09 de novembro de 1999. As principais alterações foram nos procedimentos cautelares, a fim de que se possa permitir uma proteção maior ao direito em risco de lesão; possibilidade de julgamento extra petita, alargando-se a base instrutória do processo e os poderes conferidos ao juiz e a simplificação do processo de execução para lhe conferir celeridade.
Com relação ao sistema processual trabalhista português verificam-se dispositivos que violam as garantias de não intervenção estatal na organização sindical, estipuladas pelas normas da OIT que foram ratificadas por Portugal e incorporadas no sistema normativo, através do Código de Trabalho.
A primeira forma de intervenção estatal, prevista no Código de Processo do Trabalho, pode ser verificada através da possibilidade do Poder Judiciário convocar assembleia geral do sindicato, designando data e o local da reunião, podendo até mesmo determinar que o local seja diferente do designado nos estatutos e podendo ainda nomear a pessoa que presidirá a assembleia [27].
O Poder Judiciário também pode anular deliberações de assembleias [28]. A jurisprudência portuguesa adotou o entendimento de que são legítimos para propor tal ação os sócios dos sindicatos que não votaram nas deliberações cuja nulidade se requer. Ora, este entendimento permite atitudes temerárias. Basta o sócio deixar de comparecer à assembleia, espaço deliberativo e democrático por excelência, para estar apto para contestar as deliberações da coletividade. Desta forma, permite-se que um indivíduo frustre a liberdade e a autonomia de toda a coletividade, violando-se assim um direito coletivo fundamental.
É possível ainda a declaração de invalidade de atos de outros órgãos do sindicato [29], impedindo que a própria categoria representada desenvolva a noção de responsabilidade coletiva pelos atos do ente sindical.
Verifica-se assim, que o Código do Trabalho português, norma produzida em 2003, adotou modelo de ampla liberdade sindical. No entanto, a norma processual, promulgada anteriormente, entra em conflito direto com os preceitos insculpidos nas normas internacionais, ao prever formas de ingerência estatal na organização sindical que atentam contra a própria liberdade do trabalhador, seja ele considerado coletiva ou individualmente.
9. O Sistema Juslaboral e o Modelo Sindical Alemão
a) Esboço Histórico da Liberdade Sindical na Alemanha
Na Alemanha, a Lei Reichszunftordnung, de 1731, proibia de modo absoluto as associações de trabalhadores, punindo-as penalmente. Em 1869, o regulamento industrial do Reich autorizou a existência de tais associações, somente para negociação de condições de trabalho, mantendo a vedação de organizações políticas, inaugurando assim a fase de tolerância. O contrato coletivo de trabalho era considerado uma estipulação em favor de terceiros, sendo que o contrato individual poderia derrogar suas normas.
Em 1916, a Lei de Tempos de Guerra reconheceu expressamente o direito de associação para todos os trabalhadores. O Pacto de Novembro de 1918 dotou os contratos coletivos de trabalho de inderrogabilidade. A Constituição de Weimar de 1919 elevou a status constitucional a proteção do direito a associação e da negociação coletiva de trabalho.
No entanto, o nazismo aniquilou o sindicalismo alemão rapidamente, de forma mais brutal do que nos outros regimes totalitários europeus. Pouco depois de subir ao poder, Hitler promulgou a Lei para Ordenação do Trabalho Nacional (AOG) que, sob o argumento de garantir a paz social, proibiu o direito de greve e obstou a sindicalização. Todas as prerrogativas sindicais de trabalhadores e empregadores foram transferidas para Frente de Trabalho Alemã Nazista (DAF) através de decretos em 1934 e 1935. A negociação coletiva foi substituída por um sistema estatal de regulamentos de salários e de condições de trabalho (Tarifordnungen) editados por comissários de trabalho.
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, precisamente em 1952, a Lei de Contratos Coletivos (Tarifvertragsgesetz) passou a regular de modo democrático o direito de negociação coletiva de trabalho na República Federal Alemã [30], reconhecendo a liberdade de associação nos moldes da Constituição de Weimar. Essa normatização foi estendida para a República Democrática Alemã [31], apenas em 1989, com a queda do muro de Berlim.
b) A normatização Trabalhista Alemã
A Constituição de Weimar já reconhecia o direito dos trabalhadores alemães de participação em geral, através do instituto da cogestão na empresa, que no modelo sindical alemão encontra seu mais alto grau de desenvolvimento em sede internacional.
Tendo em vista a ampla liberdade sindical, o Estado não faz qualquer interferência direta nos conflitos coletivos. Sendo assim, os conflitos coletivos não são levados à apreciação do Poder Judiciário e muito menos a qualquer órgão estatal. A jurisprudência alemã entende que o conflito coletivo representa uma manifestação da liberdade sindical.
O Direito do Trabalho na Alemanha tem como característica geral a garantia de ampla liberdade sindical e uma forte tradição de negociação coletiva, sendo os instrumentos normativos uma das principais fontes de direito.
Como nos assevera Vito Palo Neto, "Em nome da liberdade sindical, o estado intervém o mínimo possível nas negociações coletivas, que ficam exclusivamente ao encargo das partes interessadas..." (NETO, 2009:2).
Na Alemanha, a legislação trabalhista não se encontra codificada, mas dispersa em diversos diplomas legais que foram elaborados e publicados ao longo dos anos.
A Constituição Alemã, Grundgesetz (GG), de 1949, faz poucas referências aos direitos trabalhistas, exceto no que tange à garantia da liberdade de associação e a proibição de trabalhos forçados, fruto talvez da lembrança do nazismo. No texto constitucional não há qualquer referência ao direito de greve ou à negociação coletiva.
Outra fonte de suma importância no direito trabalhista alemão é a jurisprudência, apesar de as decisões dos Tribunais não possuírem efeito vinculante.
c) O Sistema Processual do Trabalho Alemão
O direito processual do trabalho na Alemanha tem como bases legislativas a Lei do Tribunal do Trabalho, Arbeitsgerichtsgesestz (ArbGG) e o Código de Processo Civil, Zivilprozessordnung (ZPO). A competência material dos Tribunais do Trabalho é exclusiva. Não há órgãos extrajudiciais para a prevenção de conflitos como as comissões de conciliação prévia, mas os empregados podem procurar o conselho de empresa para solucionar conflitos, se assim o desejarem.
Há três instâncias na Justiça do Trabalho: Tribunal do Trabalho (Arbeitsgericht) que se equipara às antigas Juntas de Conciliação e Julgamento brasileiras, Tribunais Especiais do Trabalho (Landesarbeitsgericht) e o Tribunal Federal do Trabalho (Bundesarbeitsgericht) que representa um dos cinco Tribunais Superiores alemães.
De acordo com Vito Palo Neto, "No sistema processual alemão são encontrados dois tipos de procedimentos, Urteil e Beschluss. Essa denominação é relacionada ao tipo de decisão que o tribunal irá proferir, podendo ser uma sentença (Urteil) ou resolução (Beschluss)". (NETO, 2009:14).
O procedimento processual denominado Urteil é o procedimento comum ou ordinário. É utilizado para resolver conflitos entre empregados e empregadores que envolvam questões de direito individual. É também através do Urteil que se discute o direito das partes envolvidas nos instrumentos normativos coletivos firmados pelos conselhos de empresa, bem como sua existência ou aplicação. Neste procedimento, cabe às partes apresentar ao Tribunal informações necessárias para que se possa proferir uma decisão.
O segundo procedimento, denominado Beschluss, é um procedimento especial, utilizado para dirimir conflitos referentes às normas de procedimento das empresas. Tal procedimento está relacionado aos atos, existência, direitos e deveres dos membros do conselho de empresa. Além disso, o Beschluss é utilizado para dirimir conflitos acerca da cogestão, eleição dos membros do conselho, jurisdição e capacidade do sindicato para estabelecer normas coletivas. Neste procedimento, ao contrário do anterior, o Tribunal estabelece fatos e fundamentos do caso levado a juízo.
O recurso para a segunda instância é ordinário, onde são apreciadas matérias de fato e de direito. O recurso para a terceira e última instância trabalhista é denominado Revisão (Revision), e sua apreciação limita-se à matéria de direito. É ainda cabível recurso ao Tribunal Constitucional (Bundesverfassungsgericht), caso haja violação de direito fundamental.
Por fim, tendo em vista que a Alemanha é membro da União Europeia, podem os Tribunais solicitar à Corte Europeia, se for o caso, interpretação de norma comunitária.
A Lei Kundigungschutzgesetz (KSchG) trata da proteção contra a dispensa injusta. A dispensa, para ser válida no direito alemão, deve ser comunicada por escrito e fundamentada, ou seja, socialmente justificável. Caso tais requisitos não sejam cumpridos, o empregado pode exigir a manutenção do vínculo de emprego. Há uma ação especial contra a dispensa injusta, cujo prazo prescricional é de três semanas. Obtendo-se decisão favorável, é possível a execução provisória com a reintegração no emprego. Se a decisão for posteriormente reformada, o empregado deverá deixar o emprego, mas isso não lhe gera obrigação de devolver os salários pagos, uma vez que estes correspondem à contraprestação do trabalho já executado.
A proteção contra a dispensa injusta abrange todos os empregados, de todos os ramos econômicos, cujos contratos sejam superiores a seis meses em empresas com mais de dez empregados.
d) Uma Figura Peculiar nos Sistemas Sindicais: A Cogestão
Segundo Dietmar Hexel [32], o modelo sindical alemão entende que os trabalhadores são o fator de produção mais importante e como seres humanos que são desejam liberdade, inclusive política. Assim, entendem a cogestão como direito dos trabalhadores que fundamenta a liberdade e a autonomia dos indivíduos. A atividade empresarial não se limita a multiplicar valores do capital, mas também a atender os interesses públicos. A empresa deve orientar sua atividade ao atendimento dos interesses da coletividade, não somente da coletividade dos trabalhadores, mas também ao abastecimento da sociedade com produtos de boa qualidade. Assim, cabe também aos trabalhadores defender este compromisso público das empresas.
O modelo de cogestão, que tem raízes na Alemanha, não foi ampliado aos demais países membros da União Europeia, apesar de haver outro modelo nos Países Escandinavos. A cogestão é o exercício efetivo da democracia na sociedade industrial que evita uma espécie de "feudalismo industrial" que, segundo o dirigente sindical alemão, ocorre em modelos industriais onde poucos detêm o poder de mando e desmando. Cumpre ressaltar que o movimento sindical alemão pretende, neste momento, discutir o direito de propriedade, reivindicando participações acionárias, uma vez que os trabalhadores são elemento de extrema importância na produção, que contribui de maneira decisiva na construção da riqueza.
Os pilares da cogestão são o direito dos trabalhadores de participação na tomada de decisões empresariais, direito de deliberação, direito de veto e direito de informação.
O direito de informação é um dos pilares da democracia, ao possibilitar a distribuição de poder. A doutrina jurídica alemã insere como direito social fundamental o direito a receber informações que, segundo o doutrinador alemão Jörg Neuner, são "...direitos prestacionais de cunho informacional". (NEUNER, 2006:267). O direito de informação é irrenunciável, pois possibilita a auto-realização individual e a participação universal do indivíduo na coletividade em que está inserido. No entanto, para sua realização se faz imprescindível o direito à instrução e à educação, bem como direitos de participação nos bens culturais da sociedade.
e) Disciplina Normativa da Cogestão
Atualmente, na Alemanha, existem leis referentes à cogestão no setor privado, além de leis que regulam a representação dos trabalhadores na empresa [33]. Porém, existem três modelos de cogestão que serão oportunamente analisados.
A Lei MontanMitbestimmungsgesetz (MontanMitBG) [34], de 1951, tem aplicação restrita à industria de mineração, de aço e carvão. Tal lei instituiu o modelo de cogestão para as empresas com mais de mil empregados.
A Lei Mitbestimmungsgesetz [35], de 1976, estendeu o direito de cogestão aos demais setores da economia, implantando um modelo geral para empresas com mais de dois mil empregados. Esta Lei introduziu a cogestão nos conselhos fiscais das empresas, ou seja, os conselhos fiscais passaram a ter representação dos trabalhadores [36].
A primeira lei de representação dos trabalhadores por meio dos conselhos de empregados é denominada Betriebsverfassungsgesetz – BetrGV – BGV [37] e foi promulgada em 1952. Tal lei reconhece o direito dos trabalhadores de representação coletiva pelos conselhos de empregados (Betriebsrãte), acumulando-se alguns poderes de cogestão em matérias sociais e de pessoal. Tais direitos foram estendidos para todos os setores da economia privada.
A segunda lei, de mesmo nome, foi promulgada em 1972, com o apoio do movimento sindical, ampliando os direitos dos conselhos de empregados, mantendo-se os direitos de cogestão. Tal lei foi modificada em 2004 [38].
Por fim, a Lei Tarifvertragsgesetz (TVG) estipula algumas regras elementares para a utilização dos contratos coletivos, estabelecendo seu conteúdo, ou seja, objetos que podem ser normatizados, forma, partes e eficácia.
f) A Lei Volkswagen
Cumpre ressaltar que o setor público conta com lei específica sobre o tema cogestão, dentre estas destacaremos a Lei Volkswagen. [39]
No final dos anos 1950, o Estado Federal Alemão vendeu suas ações da Volkswagen, deixando de ter o controle acionário da empresa. O Estado da Baixa-Saxônia, onde se situa a cidade de Wolfsburg, sede da Volkswagen, manteve 20% do controle acionário. Nesse contexto, foi elaborada a Lei Volkswagen para garantir que a esfera pública mantivesse poder na empresa e um papel importante na definição dos seus rumos.
A Lei Volkswagen, de 1960, determina que decisões de fechamento de plantas, transferência de produção de uma planta para outra ou mudança da sede da matriz têm que ser, necessariamente, aprovadas por 2/3 do conselho de administração, composto também por representantes dos trabalhadores. Tais decisões também têm que ser aprovadas por 80% dos votos na assembleia dos acionistas [40]. Por fim, o direito de voto na Assembleia dos Acionistas está limitado a 20%, independentemente da participação acionária.
Essas regras garantem uma grande influência tanto do Estado da Baixa-Saxônia, que detém 20% do capital acionário e, portanto, poder de veto, como dos representantes dos trabalhadores no Conselho de Administração.
A singularidade da cogestão estabelecida pela Lei Volkswagen impediu que a montadora Porche adquirisse o controle acionário da Volks e com isso efetivasse uma reestruturação produtiva que implicaria no fechamento de várias plantas em diversos países e eliminação de milhares de postos de trabalho.
g) Cogestão através do Conselho de Empresa
Os trabalhadores de empresas com cinco ou mais empregados podem constituir o conselho de empresa não faz parte do sindicato, sendo um órgão que tem como finalidade representar os empregados dentro da empresa. No entanto, o sindicato constitui a comissão eleitoral que conduzirá o processo eletivo dos membros do conselho. O conselho e o sindicato devem trabalhar em conjunto para alcançarem resultados efetivos para os trabalhadores.
Os conselhos de empresa são eleitos por votação direta e secreta para um mandato de três anos. O conselho é proporcional ao número de empregados da empresa, cabendo aos próprios trabalhadores definir o número de membros.
O conselho impede que o empregador tome decisões unilaterais em temas cruciais para as relações de trabalho como, por exemplo, a distribuição da jornada, remuneração, introdução de sistemas informatizados ou novas técnicas que possam servir para controlar os trabalhadores, definição de critérios de seleção, transferência e demissão de empregados. A cogestão é exercida pelo conselho de empresa e os atos dos empregadores que forem tomados sem o consentimento do conselho podem ser considerados juridicamente nulos.
Os conselhos têm competência para firmar acordos coletivos, denominados acordos de codeterminação (Betriebsvereinbarungen). Tais acordos se prestam a detalhar os contratos coletivos firmados pelos sindicatos, concretizando a norma coletiva hierarquicamente superior, desde que não a modifiquem ou a substituam em seu conteúdo. Há primazia hierárquica dos contratos coletivos sobre os acordos coletivos firmados pelos conselhos de empresa, salvo se houver, nos contratos, cláusulas de abertura que reconhecem a possibilidade do acordo de codeterminação tratar de matéria já negociada em contrato coletivo, desde que para garantir condições melhores. O contrato coletivo não tem eficácia erga omnes, sendo restrito apenas às partes que celebraram o instrumento, empresa e filiados ao sindicato, ao passo que o acordo de codeterminação é válido para todos os empregados.
Na empresa, os conselhos têm como atribuição a proteção de todos os trabalhadores, sindicalizados ou não, fiscalização do cumprimento das normas de saúde e segurança, observância dos contratos e acordos coletivos.
Manuel Campos [41] ressalta que os representantes dos trabalhadores nos conselhos de empresa têm direito de participação na tomada de decisões empresariais, direito de deliberação, direito de veto, direito de informação, de consulta, controle, proposta, deliberação, de contradizer, de vetar, de cooperar e direito de iniciativa.
O direito a informação se refere aos assuntos econômicos, o direito de consulta se refere aos assuntos de pessoal. Por sua vez, o direito de codecisão se refere aos assuntos sociais.
O direito de informação deve ser amplo, sendo que a empresa tem obrigação de realizar reuniões mensais com os representantes dos trabalhadores e informá-los com antecedência sobre planejamento de pessoal, admissão, agrupamento, transferências, construção de instalações técnicas, planejamento de métodos e processos de trabalho.
O direito de consulta aos documentos da empresa engloba o acesso as listas de remuneração. O direito de controle se relaciona a efetividade das normas trabalhistas, sejam heterônomas estatais ou autônomas negociadas. [42] O direito de proposta diz respeito à adoção de medidas que tenham por objetivo melhorar o ambiente de trabalho como, por exemplo, proibição de fumar, medidas de proteção a saúde, instalação de cantinas, dentre outros, mas somente pode ser exercido se for garantido o direito de informação e consulta.
O direito de deliberação refere-se à consulta aos representantes dos trabalhadores acerca de possíveis demissões, admissões ou transferências. A empresa obrigatoriamente tem que informar o conselho sobre o planejamento de pessoal e medidas de promoção profissional. O conselho, por sua vez, tem o direito de deliberar sobre o gênero e amplitude das medidas necessárias, bem como de apresentar sugestões de execução de plano de pessoal.
O direito de contradizer implica na consulta do conselho sobre demissões, com apresentação de motivação fundamentada, sendo que o conselho pode discordar da demissão considerando aspectos sociais, infração de diretrizes de seleção, possibilidade de recolocação do trabalhador em outra função ou setor, propondo ainda medidas de reaprendizagem ou de aperfeiçoamento profissional, bem como modificações no contrato de trabalho.
O direito do conselho de empresa de se manifestar antes que a empresa efetive a dispensa de trabalhadores não é no sentido de veto, mas de informação e consulta prévia. Há aqui uma limitação da cogestão, pois o direito potestativo do empregador, embora seja controlado, se sobrepõe, ou seja, o princípio da propriedade privada e da livre iniciativa se sobrepõe ao princípio da valorização do trabalho e da função social da propriedade privada.
O direito de cooperação relativo aos assuntos sociais relaciona-se à codecisão, juntamente com os representantes dos trabalhadores, a respeito de temas relativos ao horário de trabalho, fixação de salários, plano de férias, forma de pagamento de salários, medidas de saúde e segurança. O direito de iniciativa implica na proposta de admissão, reagrupamento, transferência.
h) Participação dos Trabalhadores nos Conselhos Fiscais
Os representantes dos trabalhadores nos conselhos fiscais das empresas podem ser membros do conselho de empresa ou indicados pelo sindicato [43]. O número de membros do conselho fiscal é determinado por lei, sendo que há membros indicados pela empresa e representantes eleitos pelos trabalhadores. Por sua vez, o número dos membros do conselho de empresa é definido pelos próprios trabalhadores que os elegem. Após a eleição dos membros do conselho de empresa, os trabalhadores indicam seus representantes no conselho fiscal.
A Lei de cogestão Montan, de 1951, é a forma mais avançada de cogestão, porém somente se aplica ao setor de carvão, aço e ferro. De acordo com a referida lei, o Conselho Fiscal da empresa é composto por dez membros, cinco nomeados pela empresa e cinco eleitos pelos trabalhadores. O conselho fiscal das empresas nomeia os membros da direção desta, inclusive o diretor das relações de trabalho, que deverá ser nomeado por maioria. O conselho fiscal ainda fiscaliza os atos administrativos da empresa, aprovando, por maioria de 75% as transações negociais. Cabe ao conselho examinar o relatório anual da empresa, propondo formas de distribuição e investimentos dos lucros. No entanto, cada membro do conselho é obrigado a manter sigilo sobre os negócios da empresa, inclusive os representantes dos trabalhadores. O conselho, segundo Dietmar Hexel [44], pode ainda nomear e exonerar membros da presidência, efetuar planejamento operacional de médio prazo, planejamento estratégico empresarial, alienação ou aquisição de empresas e determinar medidas estruturais.
O modelo de cogestão estipulado pela Lei de Participação Tripartida, de 1972, modificada em 2004, prevê um conselho fiscal de nove membros, sendo que apenas três são representantes dos trabalhadores e os outros seis são indicados pela empresa. Segundo Dietmar Hexel, este modelo é apenas consultivo, sem poder de codecisão dos trabalhadores.
O terceiro modelo de cogestão instituído pela Lei de Codecisão, de 1976, é de paridade aparente. O conselho fiscal possui doze membros indicados pela empresa e oito representantes dos trabalhadores.
i) O conselho de empresa e o sindicato
O sindicato pode participar das reuniões do conselho de empresa, além de ter livre acesso à empresa. Em caso de violação dos direitos de representação dos trabalhadores, o sindicato pode requerer judicialmente a dissolução do conselho de empresa ou a obrigação da empresa de omitir ou executar determinados atos.
Os conselhos são proibidos de convocar paralisações e protestos, pois a lei obriga os conselhos e empregadores a atuarem de forma cooperativa, devendo os conselhos contribuir para o bom andamento da atividade no estabelecimento.
Para viabilizar o conceito de cooperação entre conselho e empresa, esta se torna, nos termos da lei, responsável pelo custeio das atividades daquele. Assim, a empresa fornece ao conselho materiais, espaço físico e pessoal de apoio. O conselho, uma vez por mês, tem que se reunir no horário de trabalho, sem qualquer desconto nas remunerações.
Segundo o dirigente da DGB, Dietmar Hexel, a cogestão não afeta os direitos de liberdade de organização dos trabalhadores. Apesar da impossibilidade do conselho mobilizar a categoria profissional, existem nas empresas comitês sindicais responsáveis pela tarefa de organização e mobilização. Além disso, o sindicato busca sempre eleger, como membros do conselho, trabalhadores sindicalizados ou dirigentes de entidades, que como tais, devido à ampla liberdade sindical, podem convocar paralisações.
No entanto, este modelo de parceria entre sindicato e conselho de empresa somente tem produzido resultados em categorias mais organizadas como os trabalhadores metalúrgicos, não tendo funcionado como na categoria dos trabalhadores do comércio varejista que possui sindicato muito fraco, segundo informações fornecidas pelo dirigente da central sindical alemã.
Desde a década de 1970, os sindicatos passaram a organizar os Vertrauensleute [45], formado por pessoas de confiança do sindicato para a representação exclusiva dos sindicalizados, intermediando a relação entre os empregados e o conselho. Os estatutos dos sindicatos prevêem a eleição de delegados sindicais, eleitos apenas pelos sócios das entidades. Estes delegados sindicais possuem tarefa estritamente sindical, acompanhando as eleições dos membros dos conselhos de empresa, realizando eleições de delegados para órgãos do sindicato, relacionando-se com o conselho, os trabalhadores e o sindicato [46].
O modelo de organização sindical alemão possui uma importante particularidade que é a cogestão, que permite que os trabalhadores participem diretamente das decisões empresariais. É um importante mecanismo de democratização das relações sociais que possibilita a busca pela emancipação dos trabalhadores e pela função social da sociedade privada.
É importante frisar, no entanto, que este modelo somente pode ser favorável aos trabalhadores se aliado ao exercício amplo da liberdade sindical e ao direito à educação. A cogestão se fundamenta nos direitos de liberdade e de informação. O acesso à educação de qualidade é, portanto, fator primordial para que possam ser realizados tais direitos.