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A imparcialidade do juiz no contexto do Estado Democrático de Direito.

Uma reconstrução possível?

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Resumo:


  • O conceito de imparcialidade do juiz evoluiu ao longo dos paradigmas constitucionais, passando pelo Estado Liberal, Estado Social e chegando ao Estado Democrático de Direito.

  • No Estado Liberal, a imparcialidade do juiz era associada à segurança jurídica, sendo esperado que o juiz fosse um mero aplicador da lei, sem discricionariedade.

  • No paradigma do Estado Social, a atuação do juiz passou a ser mais ativa, visando a justiça social, o que influenciou a Teoria Instrumentalista do Processo, levando a uma reavaliação do conceito de imparcialidade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Resumo

O presente artigo versa sobre o conceito e a abrangência da imparcialidade do juiz, mediante exposição de uma evolução histórica dos denominados paradigmas constitucionais para depois dissertar sobre a atuação do juiz em cada um deles. Primeiramente, demonstra-se como foi desenvolvida a ideia de imparcialidade do juiz no Estado Liberal do século XIX, atrelando tal paradigma constitucional ao princípio da segurança jurídica. Em seguida, busca-se dissertar acerca do denominado Estado Social, alternativa trazida após a crise do Liberalismo. Nesse passo, apresenta-se a atuação do Juiz naquele novo contexto, onde surgem importantes Teorias do Processo, que priorizam o princípio da Verdade Real em contraposição à Segurança Jurídica. Ao final, debate-se o ponto central do texto: a atuação do Juiz no Estado Democrático de Direito, por via da qual se demonstra que não há incompatibilidade entre o paradigma do Estado Democrático de Direito e uma concepção reconstruída da imparcialidade do juiz.

Palavras-Chaves: Estado Democrático de Direito; Imparcialidade do Juiz; Segurança Jurídica; Processo Constitucional; Teoria Neoinstitucionalista.


1 INTRODUÇÃO

O estudo do conceito de imparcialidade do juiz é imprescindível, tendo em vista o debate acirrado existente no plano acadêmico a respeito do tema e suas implicações na aplicação do direito.

Não obstante o advento da Constituição da República de 1988, instituidora da proposta de um Estado Democrático de Direito, em que há previsão de princípios institutivos do processo, parte da doutrina ainda insiste na tese de que se deve atribuir livre arbítrio e discricionariedade ao juiz, em oposição à concepção clássica da imparcialidade.

Adeptos da Teoria da Relação Jurídica e da Instrumentalista, baseados no conceito de Jurisdição como fenômeno criador do direito, defendem um voluntarismo jurisdicionalista, surgido no século passado, no contexto de um Estado Social:

O operador jurídico, por sua vez, tem o dever de imbuir-se da mentalidade instrumentalista, já que falar em instrumentalidade do processo ou em sua efetividade significa, como diz Dinamarco, falar dele como algo posto à disposição das pessoas com vistas a fazê-las mais felizes (ou menos infelizes), mediante a eliminação dos conflitos que as envolvem, com decisões justas. (MARINONI, 2000, p. 27)

Como contraponto a este entendimento, tem-se, justamente, a defesa da imparcialidade do juiz para evitar decisões arbitrárias em prol do princípio da segurança jurídica.

Nesse sentido, disserta Tércio Sampaio Ferraz Júnior:

[...] a segurança tem a ver com os destinatários das normas. É preciso encontrar critérios para uma decidibilidade uniforme para todos os sujeitos. Princípios como o da igualdade de todos perante a lei garantem a segurança.(FERRAZ JÚNIOR, 1994,p. 142)

A necessidade da imparcialidade do juiz, a princípio, é fundamental. A discussão mais importante, entretanto, é especificamente quanto ao conceito desse pressuposto.

Talvez, a insistência de alguns juristas em defender a discricionariedade do juiz seja exatamente pelo fato de que possuem uma percepção errônea do que significa imparcialidade, porque, para tais autores, a compreensão dessa imparcialidade estaria ainda adstrita a uma qualidade atribuída ao magistrado de se desprender de seus pré-conceitos no momento de decisão.

Ora, realmente sustentar que qualquer indivíduo, ainda que seja um juiz, possa abstrair-se e deixar de ser um indivíduo social, sem compreensões prévias, é difícil.

No entanto, permitir a discricionariedade do juiz, tal como defendem os adeptos da Teoria da Relação de Jurídica e da Teoria Instrumentalista do processo, também não é uma boa escolha, conforme demonstraremos.

Assim, ante a inviabilidade do conceito tradicional de imparcialidade, a discussão acerca do tema se torna necessária.

Para realização desse debate, é preciso que alguns pontos sejam elucidados.

É necessário entender o que são os paradigmas constitucionais e quais os seus entendimentos com relação à atuação do juiz no processo.

Nesse sentido, o professor Marcelo de Andrade Cattoni demonstra o quão importante é o estudo dos paradigmas na análise de uma Teoria ou de um conceito jurídico. Por isso afirma que

Toda interpretação, assim como toda atividade humana, dá-se num contexto histórico, pressupõe paradigmas e, para usar uma expressão de Habermas, um pano de fundo de mundos da vida compartilhados, que simplesmente não podem ser, em sua totalidade, colocados entre parêntesis, através de uma atividade de distanciamento ou abstração, porque o ser humano não pode abstrair-se de si mesmo, não pode fugir à sua condição de ser de linguagem; ‘paradigmas’, ‘mundos da vida’ compartilhados são condições para a interpretação, são condições para a linguagem (OLIVEIRA, 1998, p. 132).

A partir dessa perspectiva, sendo possível afirmar que o discurso da segurança jurídica foi adotado pelo Estado Liberal e que a ideia de um juiz com discricionariedade pelo Estado Social, insta verificar como a imparcialidade do juiz, inserida no âmbito desses dois discursos, pode ser reconstruída a partir do Estado Democrático de Direito.

Desta forma, a análise acerca da atuação do juiz no contexto do Estado Democrático de Direito exige que se tenha como referência uma Teoria do Processo adequada a tal paradigma. Por isso, a pesquisa que deu origem a este artigo tem como marco teórico a Teoria Neoinstitucionalista do Processo do Professor Rosemiro Pereira Leal.


2 SOBRE OS PARADIGMAS CONSTITUCIONAIS

No estudo dos conceitos jurídicos, é imprescindível a análise do contexto histórico em que foram criados, tendo em vista a influência de diversos fatores externos na formulação de entendimentos doutrinários.

A existência de proximidades entre as teorias e ideias surgidas em um mesmo contexto dá origem ao que se chama de paradigma.

Thomas Kuhn assim dispõe sobre o conceito de paradigma:

"Com a escolha do termo [paradigma] pretendo sugerir que alguns exemplos aceitos na prática científica real – exemplos que incluem, ao mesmo tempo, lei, teoria, aplicação e instrumentação- proporcionam modelos dos quais brotam as tradições coerentes e específicas da pesquisa científica" (KUHN, 1998, p. 30).

Neste capítulo, far-se-á uma breve análise dos paradigmas constitucionais para que, posteriormente, se torne mais claro o posicionamento da doutrina com relação à atuação do juiz no processo em cada qual desses referenciais de interpretação constitucional.

Primeiramente, destacamos o Liberalismo, em que o Estado, na busca de garantir direitos individuais através da liberdade, acaba por criar uma sociedade com indivíduos meramente egoístas, garantindo a liberdade de todos, porém sem oferecer nenhum tipo de garantia de oportunidades, onde cada um se preocupava simplesmente com suas próprias conquistas e aumento de suas riquezas.

Segundo OLIVEIRA (1998), a Constituição era compreendida como um mero "instrumento de governo", organizando e limitando o poder político, que a Constituição justifica a razão de ser do Estado, passando a ser concebido como Estado de Direito.

A Constituição neste contexto cumpre um papel controlador, garantindo que a liberdade de um não atinja a liberdade do outro.

Neste sentido, sob o paradigma liberal, caberia ao Estado, através do Direito Positivo (dotado de abstratalidade e generalização), garantir certeza nas relações sociais, através da compatibilização dos interesses privados de cada um com o interesse de todos, deixando a busca da felicidade em mãos de cada individuo (FERNANDES; PEDRON. 2008, p.17).

Decorre dessa perspectiva uma sociedade com índice altíssimo de desigualdade, onde poucos se privilegiam da riqueza, vivendo a grande maioria em situações miseráveis.

Magalhães (2002) escreve que "esse individualismo dos séculos XVII e XVIII corporificado no Estado Liberal e a atitude de omissão do Estado diante dos problemas sociais e econômicos conduziu os homens a um capitalismo desumano e escravizador. O século XIX conheceu desajustamentos e misérias sociais que a Revolução Industrial agravou e que o Liberalismo deixou alastrar em proporções crescentes e incontroláveis."

Neste contexto evidencia-se a fragilidade do Estado Liberal, surgindo a necessidade de uma atenção ao social.

Nesse diapasão, surge o Estado Social, logo após a Primeira Guerra Mundial, onde as Constituições "não ficam apenas preocupadas com a estrutura política do Estado, mas salientam o direito e o dever do Estado em reconhecer e garantir a nova estrutura exigida pela sociedade" (BARACHO, 1986, p. 46).

Ainda neste sentido, coaduna Boris Mirkine-Guetzevitch:

"É em matéria de direitos do homem que essas Constituições de após 1918 são particularmente inovadoras. Sua principal contribuição é o alargamento do catálogo clássico: novos direitos sociais são reconhecidos, aparecem novas obrigações positivas do Estado" (MIRKINE-GUETZEVITCH, 1957, p. 169).

Como referência às Constituições Sociais, "a Constituição de Weimar foi a principal Constituição social européia do inicio do século, considerada a matriz do novo constitucionalismo social" (MAGALHÃES, 2002, p. 45).

Com o advento desta nova sociedade "[...] de massas do pós-Primeira Guerra não é mais apenas de indivíduos proprietários privados, mas uma sociedade conflituosa, dividida em vários grupos, coletividades, classes de partidos e facções em disputa, cada qual buscando seus interesses" (FERNANDES; PEDRON. 2008, p. 17).

OLIVEIRA (2002) discorre que no inicio da década de 70, começa o Estado Social a entrar em crise, já que o cidadão passa a ser visto como cliente do Estado, transformando a cidadania em "clientelismo", sendo os direitos e garantias efetivados "no limite do possível".

Logo, o paradigma do Estado Social passou a ser insuficiente diante do aumento da complexidade social, com consequente discussão da relação entre o público e o privado.

[...] A relação entre o público e o privado é novamente colocada em xeque. Associações da sociedade civil passam a representar o interesse público contra o Estado privatizado ou omisso. Os direitos de 1ª geração e 2ª geração ganham novo significado. Os da primeira são retomados como direitos (agora revestidos de uma conotação sobretudo processual) de participação no debate público que informa e conforma a soberania democrática de um novo paradigma, o paradigma do Estado Democrático de Direito e seu direito participativo, pluralista e aberto" (CARVALHO NETTO, 1999, p. 109).

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A partir da crise deste paradigma, surge como alternativa o Estado Democrático de Direito. A sociedade passa a buscar cidadania, conquistas e uma participação efetiva, sendo insuficiente a garantia de liberdade, oferecida pelo Estado Liberal e desejando mais do que o oferecido pelo Estado Social, o qual reduzia o cidadão a mero destinatário das decisões estatais.

Diversos são os defensores do Estado Democrático de Direito, podendo ser incluído entre eles Jürgen Habermas, o qual formulou a teoria discursiva da democracia.

A teoria do discurso sustenta que o êxito da política deliberativa depende não da ação coletiva dos cidadãos, mas da institucionalização dos procedimentos e das condições de comunicação correspondentes (HABERMAS, 1999, p. 111).

Pretendeu-se que a Constituição garantisse à sociedade o direito de buscar, através de seus próprios esforços, com a garantia dos direitos fundamentais, a existência e a igualdade de condições. Portanto, é de extrema importância a participação efetiva de cada indivíduo na busca de garantir seus direitos fundamentalmente assegurados pela Constituição, sendo assegurado o processo efetivo, buscando a legitimidade em cada ato e decisão.


3 A IMPARCIALIDADE DO JUIZ NO ESTADO LIBERAL: A DEFESA DA SEGURANÇA JURÍDICA

No paradigma do Estado Liberal, um dos princípios que mais prevalecia é o da Legalidade. O Juiz é tido como mero aplicador da Lei, não podendo criar o direito.

Assim, o paradigma do Estado de Direito ao limitar o Estado à legalidade, ou seja, ao requerer que a lei discutida e aprovada pelos representantes da "melhor sociedade" autorize a atuação de um Estado mínimo, restrito ao policiamento para assegurar a manutenção do jogo da vontade dos atores sociais individualizados, vedada a organização corporativo-coletiva, configura, aos olhos dos homens de então,um ordenamento jurídico de regras gerais e abstratas, essencialmente negativas, que consagram os direitos individuais ou de 1ª geração, uma ordem jurídica liberal clássica. (CARVALHO NETTO, 1999, p. 106)

A prevalência da legalidade está relacionada a outro princípio muito importante no Estado Liberal do século XIX. Trata-se do Princípio da Segurança Jurídica, que, hodiernamente, ainda é defendido pela doutrina, sendo considerado prioritário e referencial para alguns.

Após a decadência do Antigo Regime, pautado pelo absolutismo monárquico, a alternativa encontrada foi o Estado de Direito, que, no princípio, era marcado por ideais liberais. Diante do passado de arbitrariedade, os países que adotam o sistema jurídico romano-germânico preocuparam-se muito com a denominada segurança jurídica.

Nas suas origens, o Estado de direito surgiu por inspiração liberal e evolução do conceito de Estado visando garantir o indivíduo contra a opressão do governante. Interessante notar que a idéia de segurança jurídica também interessava ao ideal econômico liberal que levou à formação do Estado de direito. O princípio era a expressão da idéia de que a economia de mercado não deveria ser atingida por intervenções imprevisíveis do Estado absoluto. (MOTTA, 2008,p. 23-24 )

Souza Junior demonstra a importância da segurança jurídica no Estado de direito como elemento de coerência estatal, manutenção da estabilidade política e densidade do direito por ele criado. Sem que se tenha um mínimo de estabilidade nas relações jurídicas não há Estado de direito. (MOTTA, 2008)

A existência de normas de conduta no Estado de direito tem como finalidade harmonizar a sociedade, havendo um equilíbrio entre os interesses individuais e sociais. Diante disso, torna-se necessário que haja uma estabilidade no sistema normativo para que a finalidade do Estado de direito seja atingida.

Natural que as concepções liberais orientassem a elaboração do direito daí decorrente, pois de nada adiantaria desejar a segurança se o instrumento instituidor dessa segurança não fosse seguro. É que antes do advento do Estado de direito não se tinha qualquer segurança jurídica, pois prevalecia o exercício do poder pela autoridade. E esse exercício de vontade da autoridade era o direito, com toda a sua carga de arbitrariedade e sem a certeza que os liberais desejavam (MOTTA, 2008).

Existem características marcantes do Estado Liberal que estão muito ligadas à segurança jurídica, principalmente quando analisados os chamados aspectos formais e materiais da mesma.

Motta discorre com muita propriedade a respeito do tema:

A realização prática da segurança jurídica pressupõe alguns fatores, uns de ordem formal e outros de caráter material. É da conjunção de ambos que se pode afirmar a existência da segurança jurídica em dado ordenamento. Portanto, presentes estes fatores formais e materiais é possível dimensionar o grau de segurança jurídica do direito que avança no rumo de uma maior segurança, estabilidade e previsibilidade (MOTTA, 2008, p. 35-36).

Do ponto de vista formal, a segurança jurídica pode ser evidenciada se a ordenamento normativo é advindo de um órgão oficial, o que pressupõe um direito legislado.

É justamente no auge do liberalismo que surge a ideia da divisão dos três poderes: executivo, judiciário e legislativo, cabendo a este último a responsabilidade de criar as leis, fonte do direito. Desta forma, percebe-se que o aspecto formal da existência de um direito legislado esteve presente desde o Estado Liberal.

Somado a isso, tem-se que um direito escrito, em contraposição ao direito costumeiro, também seria mais seguro para alguns, porque aumentaria a previsibilidade das decisões estatais, sendo considerado outro aspecto formal.

Essa priorização do direito escrito em detrimento das outras fontes do direito, como a jurisprudência, por exemplo, é mais uma prova da ligação entre o paradigma constitucional em questão e o Princípio da Segurança Jurídica.

Para demonstrar a prevalência do Direito Escrito, vale ressaltar os ideais positivistas, surgidos no contexto do Estado Liberal.

O fenômeno de positivação oferece, no contexto histórico referido, uma nova concepção de Direito que, livrando-se das estáveis amarras divinas, éticas ou racionais do Direito Natural, passa a dispor da flexibilidade necessária para sua adequação às mudanças sociais (LEAL, 2000).

A Lei escrita, criada por ato de autoridade especialmente constituída com essa finalidade, ou por autoridade reconhecida como legítima para tanto, transforma-se na principal fonte do Direito que passa, assim, por uma fase de afirmação normativa (LEAL, 2000).

O positivismo defendia a completude do ordenamento jurídico, no sentido de que este não é suficiente para que o juiz decida o caso.

Assim entende Bobbio:

"O dogma da completude, isto é, o princípio de que o ordenamento jurídico seja completo para fornecer ao juiz, em cada caso, uma solução sem recorrer à equidade, foi dominante, e o é em parte até agora, na teoria jurídica européia de origem romana. Por alguns é considerado como um dos aspectos salientes do positivismo jurídico." (BOBBIO, 1999, p. 119)

Contudo, não se pode dizer que essa concepção de supremacia do direito legislado para a obtenção da segurança jurídica seja aceitável para todos. Bergel, por exemplo, entende que, embora o direito legislado ajude na realização do ideal de segurança jurídica, tal circunstância não impede em absoluto que a incerteza seja eliminada, dado que isto, por si só, não protege as instituições que o produzem. Radbruch, ao contrário, já vê num poder legislativo um grande elemento de segurança jurídica, pois esse tem como pressuposto o fato de que os atos normativos dele emanados valem para sujeitar a todos, aí incluído o Estado que elabora essas normas (MOTTA, 2008).

Destarte, fica patente o quanto o Estado Liberal valoriza a segurança jurídica, ressaltando-se que atualmente, no contexto do Estado Democrático de Direito, o conceito deste princípio ganha novos contornos.

Nesse passo, visando assegurar a segurança jurídica, os liberais preocuparam-se também em regular a atividade do juiz, aplicador do direito. Pretendiam evitar decisões arbitrárias que relembrassem o período do absolutismo em prol da manutenção de um Estado de direito.

Por isso, a doutrina majoritária do século XIX defendia a existência do pressuposto da imparcialidade do juiz, pretendendo exatamente a manutenção da segurança jurídica. Ou seja, o juiz apenas aplicaria o direito, valendo-se de uma interpretação literal da lei, abstraindo-se de suas pré-compreensões.

Na medida em que o previsto pelo ordenamento jurídico já é suficiente para solucionar os conflitos surgidos, a atuação do juiz deveria se restringir apenas à aplicação da norma.

É claro que sob este primeiro paradigma constitucional, o do Estado de Direito, a questão da atividade hermenêutica do juiz só poderia ser vista como uma atividade mecânica, resultado de uma leitura direta dos textos que deveriam ser claros e distintos, e a interpretação algo a ser evitado até mesmo pela consulta ao legislador na hipótese de dúvidas do juiz diante de textos obscuros e intrincados. Aos juiz é reservado o papel de mera ‘bouche de la loi. (CARVALHO NETTO, 1999, p. 106)

Ocorre que a concepção de um juiz como mero aplicador da lei, distante de suas concepções pessoais, não parece ser faticamente possível, tendo em vista que, enquanto ser de linguagem, o magistrado é um ser social e não pode se desprender desta condição.

É a partir destas críticas que os doutrinadores abandonaram a defesa da imparcialidade concebida pelo Estado Liberal e passaram a atribuir mais ‘poderes’ ao juiz, utilizando-se como referência o paradigma constitucional do Estado Social.

A pergunta que se faz é: a atribuição de discricionariedade ao juiz em detrimento da segurança jurídica seria a melhor solução?

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Sobre os autores
Diogo Henrique Dias da Silva

Pós-Graduado em Processo Civil no CEAJUFE. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais em Belo Horizonte. Advogado.

Thiago Gomes Coelho

Graduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Bolsista do PROBIC (Programa de de Bolsas de Iniciação Científica) financiado pela FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Diogo Henrique Dias ; COELHO, Thiago Gomes. A imparcialidade do juiz no contexto do Estado Democrático de Direito.: Uma reconstrução possível?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2392, 18 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14200. Acesso em: 22 dez. 2024.

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