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União estável sob os ângulos da informalidade e da prova

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06/02/2010 às 00:00
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Dois aspectos têm chamado a atenção: a exigência sofrida pelos companheiros ou conviventes acerca da prova de seu estado civil familiar e a forma como essa exigência tem sido atendida.

Sumário:1. Idéias iniciais e justificativa - 2. Origem e formação da união estável - 3. Casamento e união estável: há hierarquia? - 4. A prova da união estável - 4.1 O registro como prova - 4.1.1 Elementos determinantes e elementos indicativos - 4.2 Contagem do tempo: termo a quo - 4.2.1 A questão do prazo - 4.3 A idade mínima na união estável pertence ao plano de validade? - 4.4 Exigência da prova aos companheiros: é legítima? - 4.5 A posse do estado de casados - 4.6 Contrato de convivência versus prova da união estável - 4.7 Extinção da união estável - 5. Sugestão de lege ferenda - 6. Conclusão - 7. Referências.


1. IDÉIAS INICIAIS E JUSTIFICATIVA

Em que pese ser a união estável um instituto recém-nascido, percebe-se que não tem havido maiores dificuldades em operá-lo, seja no enquadramento de seus pressupostos, seja na identificação de seus múltiplos e ricos efeitos. Isso não significa, porém, que tem recebido o tratamento que a ordem jurídica reclama.

O próprio legislador procurou ser didático [01], declinando, de forma categórica, seus pressupostos de existência, como se vê no art. 1.723 do Código Civil: "é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família". Ou seja: diferença de sexo, estabilidade, publicidade e intuitu familiae. [02]

Apesar das águas calmas, há pelo menos dois aspectos que têm chamado a atenção, que são a exigência sofrida pelos companheiros ou conviventes acerca da prova de seu estado civil familiar [03] e a forma como essa exigência tem sido atendida. O servidor público alega que está em união estável e a Administração para logo lhe exige a prova. Esse administrado, se já não tem um registro, corre ao cartório do Registro Civil e faz uma declaração de sua união, com o que satisfaz a exigência. Não só. Em inúmeras situações da vida (pois cotidianamente a pessoa sujeita-se a cadastramentos), para gozar do status de companheiro basta apresentar o escrito registrado: para fins de ser contemplado em contrato de seguro, em testamento, para provar a condição de beneficiário perante os órgãos de previdência e até para obter o direito à visita íntima nos presídios.

Este ensaio, abreviado e de poucas pretensões, pretende provocar algumas reflexões, como: essa exigência, da prova, é legítima? Esse registro que se apresenta, por sua vez, é legítimo, enquanto prova? Afinal, qual sua força probante frente à união estável?


2. ORIGEM E FORMAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL

A união informal é tão antiga quanto a humanidade e o amor. Vale dizer, sempre foi possível, em todos os tempos e em todos os lugares, encontrar homem e mulher convivendo afetivamente, sem qualquer formalidade e com o sentimento de família.

Portanto, certo é que novo é somente o aspecto jurídico desse mesmo fenômeno. No mundo fenomênico fático, é antigo, mas juridicamente, ou seja, o fenômeno fático valorado e normatizado (REALE, 2002, p. XV), isto, sim, é uma novidade no direito civil brasileiro. É desse aspecto fenomenal que se cuida neste estudo.

O Estado brasileiro, seguindo o exemplo dos demais, especialmente França, Portugal, Alemanha e Espanha, recepcionistas do direito romano (VENOSA, 2005, p. 87), privilegiou o casamento em detrimento das demais relações, não sem razão, como se perceberá neste trabalho. Assim, o Estado oficializou uma família matrimonializada, e mais, patriarcalista, que é o núcleo familiar inteiramente organizado com base na figura paterna ou marital. É o ideal de família estabelecido, por exemplo, no Estado romano, ideal que chegou aos dias presentes, na maioria dos povos; no caso do Brasil, uma herança da colonização portuguesa (VENOSA, 2005, p. 87).

Fora do casamento, as demais relações conjugais podiam ser classificadas em concubinatos puros e impuros (SENISE, 2008, p. 157), ambos repudiados pela moral e pela religião, tanto quanto pelo direito, mas repugnância maior causavam os impuros, que eram aquelas uniões livres, assim estabelecidas não por uma conveniência pessoal, um modo próprio de ver a vida, mas por estarem impedidos de se enlaçar em núpcias: ao menos um já era casado, ou havia uma relação parental impeditiva ou, ainda, um deles havia cometido homicídio para se estabelecer com a viúva ou viúvo.

Esses concubinos todos, mas em maior grau os impuros, eram um nojo para o Estado que, embora leigo [04] desde a Constituição Federal de 1891, tinha em sua sociedade uma cultura que se costuma chamar de conservadora. Esses conviventes, ao precisarem da jurisdição, não eram admitidos como entidades familiares, mas suas sociedades, meramente de fato, eram tratadas como matéria cível comum. Ao partilhar patrimônio, por exemplo, com a extinção dessas sociedades, o juízo tinha por regra o esforço comum (Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal), em atenção ao princípio da vedação do enriquecimento sem causa.

A natural transformação da sociedade mostra, em especial após a Segunda Guerra mundial, uma nova leitura do núcleo familiar (GONÇALVES, 2005, p. 17). Ponto crucial dessa mudança está, certamente, na emancipação da mulher (VENOSA, 2009, p. 5), que passa pela conquista de espaço no mercado de trabalho, domínio sobre seu corpo (com a descoberta da pílula anticoncepcional), para chegar à emancipação jurídica. Em suma, conquista o econômico e, por conseqüência, ganha voz e vez. Com isso, a família teve sua estrutura patriarcal visivelmente abalada, pois o poder centralizado na figura do pai de família (pater familias) passa a se abrir. Era um prenúncio da igualdade jurídica dentro da família nuclear, igualdade que seria a arma letal na demolição sócio-político-cultural da estrutura patriarcalista.

Em atenção a isso o legislador constituinte de 1988 anuncia uma nova família, estruturada na igualdade (GONÇALVES, 2005, p. 19), em oposição à família-patriarca, marcadamente desigual. O novo modelo anunciado propôs uma família de trajes novos, da cabeça aos pés. Isso repaginou a escola doutrinária que ainda não acompanhava esse afã da sociedade, influenciou decisões judiciais, mas foi o Código Civil, de 2002, que efetivou essa família de roupas novas: além da igualdade entre cônjuges, entre companheiros e entre filhos, a liberação sexual, a juridicização do afeto, a pluralidade da entidade familiar e a função social da família. A essas alturas nada mais restava insepulto do fantasma patriarcal.

Nessa promoção do equilíbrio jurídico, uma das novidades é que a união estável passa à condição de entidade familiar (art. 226, § 3º, Constituição Federal). Nesse aspecto a roupa nova já aparece antes do noviço Código (artigos 1.723 a 1.726, além de dispositivos pulverizados no Código), com as Leis nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994, e nº 9.278, de 10 de maio de 1996, que atenderam, inicialmente (hoje revogadas [05]), à regulamentação do texto constitucional.

Desde então, seja casamento, seja união estável, ambos são fonte de família, ambos são suficientemente nobres para que se abriguem sob as asas da proteção estatal. Entretanto, não foram todas as uniões extramatrimoniais que encontraram essa guarida. Quando o legislador constituinte perguntou que uniões informais havia à margem do direito de família, foi avisado de que havia concubinatos puros e impuros. O § 3º do art. 226 foi a porta que esse legislador abriu para receber todas aquelas sociedades que vivessem em concubinato puro, ou seja, viviam informalmente por conveniência, por opção, pois não estavam impedidas para o casamento.

Numa metáfora, imaginam-se esses concubinos saltando em festa para o nobre espaço do direito familiarista, estourando champanhe e brindando à juridicização de suas uniões, quando foram alertados de que não mais se chamariam concubinos, mas companheiros, e que, portanto, não estavam mais em concubinato, mas em união estável.

Quanto àquelas uniões que não foram convidadas para essa festa da emancipação jurídica, continuam por lá (art. 1.727 do Código Civil), à margem do direito de família, hoje chamadas apenas de concubinato, sem o adjetivo impuro, pois não há outro, uma vez que o puro tornou-se união estável, como já visto.

Essa metamorfose, que faz da lagarta (mera união de fato) borboleta (união estável), percorre um caminho relativamente vagaroso, que tem início na doutrina e em precedentes judiciais (fontes secundárias), assim como, no quase-borboleta, recebe importante ensaio legislativo, com normas cá e acolá, dando a entender que o Estado-legislador se preparava para se posicionar de forma mais compatível com a nova realidade da família brasileira.

Dentre essas normas proféticas, destacam-se: Decreto-Lei nº 7.036, de 10 de novembro de 1944 e Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, sobre acidente do trabalho e de trânsito, prevendo a condição de beneficiária à então concubina; Leis nº 4.297, de 23 de dezembro de 1963 e nº 6.194, de 19 de dezembro de 1974, na seara do direito previdenciário e a Lei nº 6.216, 30 de junho de 1975, que alterou a Lei dos Registro Públicos (Lei nº 6.015, 31 de dezembro de 1973), para que a concubina pudesse acrescer ao seu o sobrenome do homem.


3. CASAMENTO E UNIÃO ESTÁVEL: HÁ HIERARQUIA?

A união estável, tal qual o casamento, é fonte de família (LÔBO, 2008, p. 148). Isso não significa, como querem alguns, que são iguais juridicamente. É defensável essa hierarquização, partindo de um princípio básico, qual seja, não podem ser iguais, pois, do contrário, apenas um dos institutos sobreviveria. Porque haveríamos de ter dois institutos idênticos? A própria exigência de que em ciência os termos têm sentido unívoco impediria essa equiparação dos institutos.

Bastante oportuna a explicação de Diniz (2007, p.377):

A união estável foi reconhecida, para fins de proteção especial do Estado, como entidade familiar [...], sem equipará-la ao casamento. [...]. Isto é assim, porque a família é o gênero de que a entidade familiar é a espécie. Realmente, em sentido estrito a família funda-se no casamento civil [...], e a entidade familiar é a união estável e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, independentemente da existência de vínculo conjugal que a tenha originado [...].

Portanto, em que pese haver abalizado posicionamento doutrinário oposto, entende-se que a relação matrimonializada guarda certa precedência sobre o convívio informal. Visto a partir do texto constitucional, observa-se que na mesma norma em que se reconhece a união estável, enquanto entidade familiar, consta que o legislador infraconstitucional deve facilitar sua conversão em casamento. Nota-se, desse preceito, que o Estado, ao mesmo tempo em que reconhece a união informal como suficientemente nobre para merecer a proteção estatal, anuncia sua predileção pelo casamento.

Essa preferência transparece noutros pontos, como no direito sucessório, em que o companheiro, como se vê do art. 1.845, não é herdeiro necessário (podendo, portanto, ser excluído ao bel prazer do autor da herança) e tem, em regra, quinhão inferior ao que receberia se cônjuge fosse. Isso sem contar que, numa leitura sistêmica do direito pátrio, é clara a prevalência do casamento, o que, em verdade, reflete a expectativa da sociedade, que elege as núpcias como a forma mais confiável de se relacionar em família.

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Numa análise teórico-prática, o casamento está em vantagem pela segurança jurídica que oferece, afinal, enquanto este é o negócio jurídico mais solene do país, com todos seus efeitos projetados na própria lei (a partir da consumação), a união livre é apenas um ato-fato jurídico que poderá vir a configurar uma relação jurídica, e, em se chegando a isso, produzirá seus múltiplos efeitos, mas em intensidade inferior.


4. A PROVA DA UNIÃO ESTÁVEL

Que a união estável pode ser provada por todas as formas admitidas em direito, certamente não paira dúvida. Seja a prova documental, testemunhal, pericial, enfim, desde que lícita a prova apresentada, será admitida como hábil a demonstrar a realidade da união. As nuvens surgem no seguinte ponto: João e Maria, em data recente - ontem, há uma semana ou há um mês - estabeleceram um convívio informal, com base no afeto, com a intenção inequívoca de formar uma família. No início dessa experiência esse casal comparece em cartório para registrar uma declaração de que estão em união estável. João e Maria estão realmente em união estável?

Outra hipótese: João e Maria convivem de forma pública, contínua, duradoura e intuitu familiae. Um deles, ou ambos, querendo demonstrar seu estado civil familiar, sofre a exigência de prova documental. Essa exigência é legítima, seja feita por entidade privada ou pública?

4.1 O REGISTRO COMO PROVA

O registro público da declaração de convívio não prova, por si só, a existência de união estável, podendo, no máximo, ser empregado na análise do quadro fático resultante da união livre. Esta análise se dá em juízo, onde o referido registro atuaria não como probante da união de direito, mas como prova do quadro fático, que, eventualmente, poderá ser considerado de natureza jurídica (união estável).

Na hipótese dos recém unidos, esse documento, com maior razão, não espelha, absolutamente, a presença de união estável. Demonstra apenas que há uma sociedade de fato, de forma que se há o rompimento, antes de vir a configurar união estável, essa prova documental terá sua significação restrita à partilha patrimonial e às obrigações, pois prova a união de fato por determinado período.

Para o leigo, essas pessoas que registram o fato de seu convívio, já têm o bastante para alegar união estável. Mas, o que é pior, esse instrumento tem sido considerado hábil a comprovar a entidade familiar naquelas variadas situações em que a pessoa pleiteia os direitos advindos desse estado civil familiar.

Como esse ensaio pretende contribuir, de alguma forma, com todos, técnicos, técnicos em formação e não técnicos, é preciso romper com vagar: porque o registro não leva necessariamente à união estável, ou, porque a declaração pública de convívio não significa a existência de união estável?

Dentre os pressupostos de existência da união estável, está o transcurso do tempo: "é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família", diz o citado art. 1.723.

Observa-se que o transcurso do tempo é fundamental na consolidação jurídica da entidade familiar informal. Sem a passagem do tempo ela não existe. Essa premissa pode ser colhida no próprio nome do instituto: "é reconhecida como entidade familiar a união estável [...]". Por isso no início deste estudo a estabilidade foi colocada como um dos pressupostos de existência (diferença de sexo, estabilidade, publicidade e intuitu familiae).

Como aferir esse pressuposto? Basta debruçar no texto da lei: essa estabilidade deve estar "[...] configurada na convivência pública, contínua e duradoura [...]". Assim se mede a estabilidade: convívio público prolongado no tempo. Naturalmente não há outra forma de checar a estabilidade, se não for através da inexorável passagem do tempo. Nas palavras de Lôbo (2008, p. 153), "A noção de convivência duradoura é imprescindível, tendo em vista que a união estável é uma relação jurídica derivada de um estado de fato more uxorio, que nela tem sua principal referência."

Por isso mesmo, a norma que primeiro regulamentou o texto constitucional, a Lei nº 8.971/94, previa o prazo mínimo de cinco anos, que, entretanto, podia ser menor se houvesse prole do próprio convívio. Porém, seguiu-se a Lei nº 9.278/96, que abandonou a idéia de prazo objetivamente fixado, para adotar lapso temporal aberto, a ser verificado, caso a caso, no conjunto das demais abstrações.

Dessarte, dois convívios de mesma idade não serão ambos, necessariamente, reconhecidos como união de direito, pois num deles poderia, por exemplo, ser constatada a falta de publicidade (convívio clandestino, segredado) ou a falta de continuidade (interrupções bruscas periódicas, que negariam o intuitu familiae e a própria estabilidade).

O Código em vigor bem fez, portanto, em manter essa mesma linha de exigência, inteiramente banhada pelas luzes da constitucionalidade, onde o legislador valorou outros aspectos como superiores ao lapso temporal objetivo e à objetividade do requisito prole: sobrepõem-se o convívio heterossexual calcado no afeto, com a intenção de constituir família (intuitu familiae), valores balizados por dois princípios maiores, o da dignidade da pessoa e o da função social da família.

O registro público da união, portanto, pode corroborar na prova da existência de união estável (jamais ser sinônimo de sua existência!), apenas provar uma união de fato, ou, até mesmo, nada provar, se nos primeiros dias de convívio registram e logo dele desistem, sem nenhuma aquisição de direito ou obrigação nesse período insignificante.

Esse termo registral teria a valia de inaugurar a união de direito, se fosse outra a realidade jurídica brasileira, de forma a admitir o contrato de união estável, como na França, onde há o pacto civil de solidariedade – PACS (LÔBO, 2008, p. 152). Na sistemática francesa, o contrato consumado equivale à própria existência e validade da união civil informal, pois se trata de ato jurídico. Não aqui, onde ato-fato jurídico transmuda-se, com a passagem do tempo, em relação jurídica. Basta ver que ontologicamente são diversos em suas naturezas.

4.1.1 ELEMENTOS DETERMINANTES E ELEMENTOS INDICATIVOS

Com inspiração em Diniz (2007, p. 365), é possível dividir os elementos relacionados à união estável em determinantes e indicativos. Determinantes seriam os pressupostos de existência, aqueles (acima listados) sem os quais (basta a ausência de um) não se estabelece a união de direito, como a heterossexualidade. Indicativos seriam dados eventuais que não levam necessariamente a garantir que ela exista, mas, como sugere o nome, são meramente indicativos dessa possibilidade, tais como celebração religiosa da união [06], contrato de convivência, declaração registrada publicamente (eis o valor probante relativo do registro in casu), conta bancária conjunta, aquisição de bens em condomínio, contrato de locação para moradia comum, prole comum, aquisição de mobiliário para a serventia comum, endereço comum para correspondência etc.

Ressalta-se, com essa classificação, o limitado alcance do registro na comprovação de união estável: ou seja, registrar a declaração de convívio está longe de significar, ainda que conste expressamente da declaração, o estabelecimento de união de direito; significa, somente, um elemento indicativo, vale dizer, um meio de prova. Ao lado dos elementos determinantes, que são essenciais, o registro é indicativo, pois é circunstancial. Além desses elementos indicativos, outras formas probantes são admitidas, naturalmente, como a prova testemunhal, de grande utilidade na comprovação do quesito publicidade.

4.2 CONTAGEM DO TEMPO: TERMO A QUO

Há quem afirme que a união estável tem início com o convívio: no mínimo uma verdade perigosa. A união estável não tem início com o convívio; configurada a união estável (que se dará com a passagem do tempo), para identificar seu início olha-se, retroativamente, para o começo do convívio. Aí, sim. O termo inicial da união estável não pode ser identificado no momento de seu nascedouro, que representa apenas uma expectativa de direito. Sua identificação, portanto, será sempre por meio do retrovisor do tempo, pois, como assinala Diniz (2007, p. 355), "A união estável não se estabelece por um ato único, forma-se com o tempo".

Ilustrando: João e Maria começaram a conviver em 10 de maio de 2008. Naquele dia, ainda que tenham vários fatores determinantes (como diferença de sexo, intuitu familiae) e indicativos de união estável (como celebração eclesiástica, declaração por registro público), o instituto inexiste. Com a passagem do tempo, os tais fatores indicativos serão interessantes corroboradores na determinação do início dessa união, de forma que, presentes os pressupostos de existência, pode ser declarada a união estável daquele casal, declaração que fará menção retroativa do instituto, firmando o dia do início para todos os efeitos jurídicos.

Daí ser possível afirmar que a declaração de união estável, na atual sistemática, só pode ser feita judicialmente, com efeitos sempre retroativos à data do início do convívio.

Por ser um fenômeno fático que se transforma em relação jurídica, portanto, com efeitos jurídicos (dada a regulamentação do § 3º do art. 226 da Constituição da República), é necessária a declaração judicial da existência dessa relação, nos termos do art. 4º do Código de Processo Civil, para quem deseja prová-la, assim como o mesmo dispositivo fundamenta a legalidade do pedido de quem deseja a declaração de inexistência dessa relação jurídica.

Dessarte, aproveita-se para repisar o valor relativo e limitado do registro da declaração de convívio, que não se presta, por deficiência ontológica mesma, a demonstrar a existência de união estável.

4.2.1 A QUESTÃO DO PRAZO

No afã de demonstrar a união estável, há uma questão aflitiva, que é o prazo para a sua configuração, visto que a passagem do tempo é essencial para a consolidação da união de direito.

Como acima assinalado (4.1), o novel legislador preferiu abandonar a fixação objetiva de prazo mínimo, que era de cinco anos (ou menos se houvesse prole), para deixar em aberto esse quesito, a ser verificado em cada caso, considerado o quadro fático.

Em que pese o aspecto saudável dessa abertura, não há como negar que a falta de limites objetivos trazem certo desconforto ao intérprete, o que não descarta a possibilidade de vir a ser firmada uma súmula que atue como indicadora razoável desse parâmetro, uma vez que em leitura da jurisprudência são encontradas decisões bastante díspares para casos análogos: em determinado caso um ano e oito meses foi considerado tempo insuficiente, pois tal união não mereceria o adjetivo duradoura (Apelação Cível nº 388.440-PE, TRF5); noutro, que se passou no Amapá, o Tribunal de Justiça entendeu que onze meses era tempo suficiente (Apelação Cível nº 1.370/03); em Santa Catarina foram admitidas como união estável convívios com menos de dois anos, inclusive um caso em que a morte encerrou uma união de dois meses (Apelação Cível nº 11.628 SC 1997.001162-8).

Na análise do quadro fático, também é verdade que um convívio encerrado com a morte, onde vingavam as juras de amor eterno, mesmo que tenha sido ínfimo, terá maior chance de configurar união estável. Essa extinção involuntária seria ponto favorável à juridicização do convívio (SENISE, 2008, p. 154).

Em suma, pode-se afirmar que dois anos seria um prazo razoável na configuração de união estável, lembrando sempre que esse dado é aferido em inteira harmonia com o conjunto fático apresentado. Por outro lado, essa análise depende do livre convencimento do juízo, que poderá conferir juridicidade a uma união que tem menos de ano ou negá-la a um convívio mais longevo, de três ou quatro anos.

A norma aberta, como está, promete maior operabilidade, é inegável, mas é certo que aquele que busca os efeitos da união jurídica deve estar preparado para enfrentar essas nuances, esses juízos aparentemente discrepantes, bem compatíveis com a libérrima e informal natureza do instituto. Querendo fugir dessa incerteza típica, só mesmo optando pelo solene negócio jurídico do casamento.

4.3 A IDADE MÍNIMA NA UNIÃO ESTÁVEL PERTENCE AO PLANO DE VALIDADE?

Não se costuma perquirir sobre a exigência de idade mínima para o estabelecimento de união estável. Naturalmente, a exemplo do casamento, é preciso ter limitação etária mínima, pelas mesmas razões que orientam essa limitação no matrimônio, entre elas a biológica, pois dentre os fins da união está a eventual procriação. Importa, também, o critério sociológico, pois a idade tenra, de um ou ambos os pais, não corresponderia, por exemplo, à sobriedade que o onus do poder familiar exige.

Assim é que, por analogia, a capacidade para a união estável seria a mesma capacidade nupcial, dezesseis anos para ambos os sexos, consoante art. 1.517 do Código Civil. Esta a regra, excepcionada pelo art. 1.520 do mesmo diploma, o que permitiria o estabelecimento de união estável com menos idade, em caso, por exemplo, de gravidez. Às vezes é o pai quem não detém a idade ou, até mesmo, ambos, não importa.

Dentro do princípio geral da interpretação restrita das exceções, entenda-se que a falta de idade não pode ser exagerada, ou seja, tempera-se a regra, mas sem negar os critérios norteadores dela. Dessa forma, colacionamos exemplo noticiado na imprensa, de um caso de gravidez aos nove anos de idade, no nordeste do Brasil, situação que não comportaria o benefício da exceção, pois, em verdade, seria prejuízo nos planos individual, social e moral, com total descabimento, encaminhar essa mãe-criança para o estabelecimento de família.

Por outro ângulo, o defeito de idade no casamento gera anulabilidade, mas não na união estável. A idade está implícita nos pressupostos de existência, quando a lei (art. 1.723) fala do convívio "[...] entre o homem e a mulher [...]", aí está ínsita a manifestação volitiva pertinente à capacidade de fato ou de exercício. Esta normalmente ocorre com a maioridade, mas dentre as exceções está a capacidade nupcial, que é indicada aqui como sendo, também, a capacidade para a união estável. [07]

A união estável não possui pressupostos de validade como o casamento, por isso a falta de idade não leva à anulação, tal qual o impedimento não gera nulidade absoluta da união estável, mas resultam, numa e noutra hipótese, em sua inexistência. Pressupostos de validade dizem respeito a ato jurídico, categoria a que não pertence a união estável, que tem natureza de ato-fato jurídico, vale dizer, trata-se de um fato que, protraindo no tempo, torna-se em relação jurídica ao sofrer a incidência da norma (MELLO, 1995, p. 111 ). [08]

4.4 EXIGÊNCIA DA PROVA AOS COMPANHEIROS: É LEGÍTIMA?

Conforme alinhavado inicialmente, a exigência da prova de união estável aos companheiros é algo que merece reflexão. Quando alguém pleiteia um direito que requer a condição jurídica de pessoa casada, junto com o pleito precisa provar essa condição, o que faz, normalmente, por meio da certidão do registro (art. 1.543 do Código Civil). Mas, se vive (ou supostamente vive) em união estável?

São duas as possíveis situações: primeira, obteve em juízo a declaração de união estável, vale dizer, o juiz ponderou um quadro fático e encontrou nele os valores (pressupostos de existência) necessários à configuração da relação jurídica, caso em que, sempre que preciso, fará prova do instituto e, portanto, da condição de companheiro, mediante apresentação de certidão dessa sentença.

Segunda situação: há o desenvolvimento fático (a sociedade de fato), mas não há a declaração judicial. Considerando que só em juízo, na atual sistemática, é possível proceder àquela ponderação da construção do ato-fato jurídico, não haveria outra forma de produzir a prova de união estável.

A exigência da prova é legítima, constitucional, por conta da segurança jurídica, fundamental à vida em sociedade. Logo, o defeito não está em quem exige prova a quem alega estar em união estável, mas no instituto que, por sua precariedade, está a depender dessa análise judicial.

Cotidianamente tem sido essa a prática? Longe disso. Na prática, corre-se ao primeiro cartório e procede-se àquele registro dantes comentado, onde os interessados declaram estar em união estável, atendendo, com esse artifício, a exigência, quando, em verdade, isso não passa de um elemento meramente indicativo de união estável, como visto há pouco.

Eis aí uma prática inconcebível juridicamente, que só aumenta a carência de segurança jurídica, fator inato do instituto. Isso é grave. Em presença de testemunhas, ou sem estas, faz-se a pública declaração, muitas vezes com dados fictícios, para aferição de vantagens. Nesse afã, pessoas recém entrosadas alegam conviver desde outras datas, retroagindo até em anos o expediente ardiloso.

Essa prática, avessa à verdade e ao direito, fragiliza, criando um calcanhar de Aquiles no sistema jurídico, à medida que gera prejuízo potencial, e até efetivo, a terceiros e aos próprios declarantes. Ilustrando: as mesmas pessoas que hoje fazem uma declaração falsa quanto ao termo inicial do convívio, amanhã, no desfazimento da sociedade, poderão sofrer prejuízo patrimonial na partilha do acervo, pois bens que teriam sido adquiridos antes da união, serão contados como aqüestos, assim como obrigações pessoais poderão tornar-se comuns aos declarantes.

4.5 A POSSE DO ESTADO DE CASADOS

A posse do estado de casados é uma maneira excepcional de se provar o matrimônio, aplicável, portanto, a situações em que pessoas casadas não têm como apresentar a certidão do registro (art. 1.543 do Código Civil).

Em que pesem escoliastas, da envergadura de Lôbo (2008, p. 148) e de Nogueira da Gama (2008, p. 125), afirmarem que os companheiros têm a posse do estado de casados, não é a opinião apresentada neste estudo.

A sugestão aqui declinada tem base em Rodrigues (2004, p. 71), segundo o qual a posse do estado de casados "é a situação ostensiva de duas pessoas de sexo diverso que vivem como marido e mulher, com o animus de assim parecer aos olhos de todos". Ou seja, para alegar tal condição jurídica, dois são os requisitos: aparência de matrimônio (objetivo) e intencionalidade dessa aparência (subjetivo), ou, simplesmente, aparência e animus.

Assim, somente quem está casado (ou esteve) pode alegar referida prova, não aqueles em união estável, pois embora sejam vistos como marido e mulher aos olhos da sociedade (elemento objetivo), não têm a intenção dessa aparência (elemento subjetivo), pois optaram por viver em união informal. Se tivessem a intencionalidade de passar por marido e mulher, estariam casados, e não nessa modalidade de convívio.

Portanto, talvez seja mais recomendável dizer que os companheiros podem alegar, na empreitada probatória, que vivem na aparência de casamento (teoria da aparência – requisito objetivo), não na posse do estado de casados, porque nesta nunca estiveram nem estarão enquanto companheiros. "Não há como confundir a união estável com a posse de estado de casado, porque esta é atributo próprio de casal unido pelos laços do matrimônio, cuja comprovação tornou-se difícil" (DINIZ, 2007, p. 362).

A opinião aqui declinada, formada há tempos, fez-se muito mais confortável com a tomada de conhecimento desse ponto da lição de Maria Helena Diniz, ilustrada cartilha de muitos civilistas da atualidade.

4.6 CONTRATO DE CONVIVÊNCIA VERSUS PROVA DA UNIÃO ESTÁVEL

O contrato de convivência está para a união estável tal qual o pacto antenupcial para o matrimônio, ou seja, por ele os conviventes definem o regime de bens a ser adotado. No silêncio, vigora o regime de comunhão parcial, prescreve o art. 1.725 do Código Civil, fazendo entender que aos companheiros assiste o princípio da livre estipulação do regime.

Há pessoas que fazem aquela declaração pública do convívio (comentada no item 4.1), mas omitem a questão do regime patrimonial. Portanto, também não se confunde a declaração de convívio com o contrato de convivência.

O termo contrato aqui não tem o mesmo alcance semântico de contrato do direito obrigacional nem transforma a união de fato em união de direito, em ato jurídico, mas é somente o nome do pacto patrimonial entre conviventes. Ademais, não vai além de um elemento indicativo de união estável, corroborador, portanto, do quadro probante da nobre união.

4.7 EXTINÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL

Se a sociedade conjugal, que nasce de um negócio jurídico solene, pode ser desfeita pela separação de fato (que é aquela levada a efeito sem o conhecimento do Estado-Juiz), quanto mais a união estável, cuja marca maior é a informalidade.

Inegável, porém, que os transtornos, no campo da segurança jurídica, serão ainda maiores para aqueles que conviveram informalmente. Ou seja, se a separação de fato é perniciosa para quem deixa a sociedade conjugal, muito mais para quem teve seu convívio lastreado na informalidade.

Haja ou não a separação de fato, aquele que invocar efeitos jurídicos do convívio extinto, terá que fazê-lo em juízo e, havendo a pretensão de união estável, o fará perante o juízo de família, caso em que a mesma ação declaratória da união de direito servirá para declarar a extinção e os efeitos daí advindos.

Se a pretensão deduzida em juízo é de que não houve a configuração de união estável, que seja feita, também, perante o juízo familiarista, para que declare a inexistência dessa relação jurídica e, cumulativamente, declare os eventuais efeitos emanados da sociedade de fato. "A justificação judicial (CPC, artigos 861 a 866) seria cabível para a comprovação da união estável", ensina Diniz (2007, p. 363), que, aliás, discorda da ação declaratória de existência.

A ação pode ser proposta por um ou ambos, a qualquer tempo, pois é imprescritível a ação declaratória (Apelação Cível nº 20040410132793 APC, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios), exatamente por demandar puramente a declaração de existência ou de inexistência da relação jurídica. Portanto, demandável a qualquer tempo, inclusive após o rompimento, ainda que morto o ex-consorte.

É corrente a propositura de ação declaratória de união estável, acumulada com a sua extinção. Ou seja, certamente, resulta do próprio espírito prático dessa gente, que foge às formalidades, demandar somente para ter o reconhecimento da união, deixando para fazê-lo na eventualidade do rompimento, pois aí, a um só tempo, garantem o status de companheiros e regularizam o rompimento, com suas conseqüências.

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Sobre o autor
Delmiro Porto

Advogado Familiarista - Família e Sucessões. Leciona na Universidade Católica Dom Bosco. Coord. da Pós-Graduação em Direito Civil, com ênfase em Família e Sucessões. Adjunto Jurídico aposentado do Comando da Aeronáutica.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PORTO, Delmiro. União estável sob os ângulos da informalidade e da prova. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2411, 6 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14280. Acesso em: 18 abr. 2024.

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