1. Introdução.
Não pretendemos nos alongar em discussões doutrinárias a respeito da finalidade do processo jurisdicional, e em especial do processo do trabalho, as quais se revelariam inúteis para a finalidade deste breve estudo; porém é necessário ter em vista algumas premissas nesse sentido antes de passarmos à análise específica dos dispositivos do Projeto de Lei em epígrafe.
Ainda que aceito o postulado de que o processo jurisdicional, em sentido amplo, visa a atuar a lei, e não apenas salvaguardar situações subjetivas (1), é inconteste que aquele, em última análise e mesmo que indiretamente, se destina à tutela de direitos subjetivos, como aliás dispõe a Constituição Federal (art.5º, inc. XXXV).
É que, de todo modo, o fenômeno jurídico será sempre dotado de um aspecto subjetivo, ou seja, a referência determinada a um indivíduo no momento de concretização da norma, ou como diz o insigne Professor Miguel Reale, o "Direito, não destinado a converter-se em momento da vida, é mera aparência de Direito." (2)
Com isso se quer dizer que, tanto ao legislador como ao intérprete da norma processual, incumbe adotar diretivas que propiciem, de forma adequada e breve, a realização dos direitos subjetivos, por exemplo, mediante procedimentos céleres, dos quais guardam maior notoriedade os previstos nas Leis Federais nºs 9.099/95 (Juizados Especiais Cíveis) e 9.957/00 (Procedimento sumaríssimo trabalhista).
Por seu turno, o processo individual do trabalho, como é por demais sabido, tem como finalidade, em regra, tutelar situações subjetivas de pessoas hipossuficientes, em sentido econômico, as quais são credoras de prestações de natureza alimentar (imprópria), isto é, de verbas que se destinam a assegurar a sobrevivência (salário ou remuneração).
Bem por isso, na regulamentação do processo individual trabalhista devem imperar os princípios da celeridade ou brevidade, informalidade, economia processual e simplicidade dos atos processuais, mediante a discussão e decisão estrita de fatos e questões pertinentes à tutela de tais créditos.
O Projeto de Lei em questão, que estabelece procedimentos, no âmbito da Justiça do Trabalho, de execução de contribuições sociais, divorcia-se completamente desses critérios, porque introduz preceitos que, sem dúvida, tornarão o processo de execução individual mais burocrátrico e moroso.
Com sérios prejuízos à celeridade, à informalidade e à simplicidade do processo do trabalho, o Projeto em epígrafe transforma este eficaz meio de tutela de direitos subjetivos dos particulares em instrumento de cobrança de créditos devidos a terceiros estranhos à relação processual.
Nesta linha, basta pensar no prejuízo à celeridade que causará a intimação da procuradoria do Instituto Nacional de Seguro Social, para se pronunciar nos embargos à execução.
Ou seja, a autarquia também será legitimada passiva na ação incidente de embargos à execução, por ser a titular de um dos créditos compreendidos no objeto do pedido executivo, de sorte que necessariamente deverá ser intimada para oferecer impugnação (art. 17, da Lei Federal nº 6.830/80, c./c. o art. 889, da CLT).
Em outras palavras, em toda execução trabalhista em que forem cobradas também as contribuições sociais, qualquer que seja o fundamento dos embargos (erro do cálculo de liquidação, nulidade da penhora etc.), a autarquia será legitimada e obrigatoriamente deverá integrar a relação processual instaurada com a ação incidente de embargos, pois haverá litisconsórcio passivo necessário e unitário (art. 47, do CPC, c./c. o art. 884, da CLT).
Contudo, a credora da contribuição social dispõe de prerrogativa de intimação pessoal (arts.1º e 25, da Lei Federal nº 6.830/80; Súmula nº 240 do TFR), bem assim de prazo diferenciado para oferecer a impugnação, que é de trinta (30) dias (art.17, da Lei Federal nº 6.830/80, c./c. o art. 889, da CLT).
Portanto, caso instituída a execução concomitante do crédito trabalhista e da dívida ativa, haverá muito mais demora na solução dos processos, uma vez que a autarquia dispõe de prerrogativas de intimação pessoal e de prazo alongado.
Aliás, os exemplos são múltiplos, porque, a cada fase do procedimento, a autarquia, ainda que a iniciativa da execução seja atribuída ao juiz ("execução de ofício"), deverá também ser intimada para se pronunciar a respeito dos atos processuais : suficiência dos bens nomeados à penhora pelo executado (arts. 656, par. ún., 657, e 666, do CPC; art.18, da Lei Federal nº 6.830/80), designação do leilão (art. 22, § 2º, da Lei Federal nº 6.830/80) etc..
Não bastasse isto, nos casos de procedência parcial do pedido veiculado nos embargos à execução, por exemplo, porque houve erro de cálculo dos créditos trabalhistas, e, por conseguinte, das contribuições, caberá o reexame necessário da sentença ("recurso de ofício"), por constituir a contribuição social dívida ativa (art.149, da CF; art. 201, do CTN; art. 475, inc. III, do CPC).
Vale dizer que, "nas ações em que a Fazenda Pública foi vencida, tratando-se de dívidas ativas, o recurso é necessário, seja em ação ou em reconvenção, ou em embargos do devedor, que lhe foi desfavorável a sentença".(3)
Logo, a sentença que acolher em parte os embargos à execução, para reduzir o valor da dívida ativa, por simples erro no cálculo de liquidação, "dependerá, necessariamente, para transitar em julgado e produzir coisa julgada, de ser reexaminada a causa e novamente julgada por tribunal de segundo grau competente." (4)
Registre-se que, mesmo no caso de procedência parcial dos embargos, cabe o reexame necessário da sentença.(5)
Todos aqueles que militam na Justiça do Trabalho sabem do elevado número de embargos à execução versando sobre erros de cálculo, isto é, que a maioria dessas demandas incidentes são fundamentadas estritamente em equívocos da conta de liquidação, sendo que em não raras hipóteses obtêm acolhimento parcial, mas não são interpostos recursos voluntários.
Nem se argumente que a questão estaria superada pelo acréscimo do § 8º ao art. 897, o qual determina o processamento do agravo de petição em autos apartados, quando este versar exclusivamente sobre contribuições sociais, porque, na maioria dos casos, a redução do valor da dívida ativa terá como pressuposto pronunciamento do tribunal a respeito do montante do débito trabalhista.
Tudo em detrimento do credor da dívida trabalhista, cujo processo se protairá em meses ou até anos, mas em prol de terceiro que não é o destinatário principal da tutela, ou seja, o Instituto Nacional de Seguro Social, que comodamente poderá obtê-la, mesmo sem demanda prévia e com afronta à garantia do juiz natural (Vide adiante comentário ao parágrafo único do art. 876).
Em síntese, o Projeto desvirtua a principal finalidade do processo trabalhista, que é tutelar o crédito resultante da relação de emprego, para transformá-lo em mero instrumento de arrecadação, em detrimento daqueles que são os seus principais destinatários : os trabalhadores.
2. Técnica legislativa e uniformidade de linguagem.
Em mais de um ponto, o Projeto não se atém à necessidade de uniformizar a linguagem, por exemplo, quer ao se referir à entidade credora das contribuições sociais ("INSS", "Previdência Social", "Instituto Nacional de Seguro Social"), quer ao mencionar a espécie de crédito ("contribuições previdenciárias", "contribuições sociais").
Nenhuma lei pode prescindir da técnica e da coerência no emprego do idioma, mesmo porque estas constituem "penhor de segurança jurídica" e eliminam no nascedouro inúmeras dúvidas de interpretação. (6)
Não é demais recordar o art.11, inc.II, alínea "a", da Lei Complementar nº 95/98, que assim preceitua : " As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes normas: II - para a obtenção de precisão: a) articular a linguagem, técnica ou comum, de modo a ensejar perfeita compreensão do objetivo da lei e a permitir que seu texto evidencie com clareza o conteúdo e o alcance que o legislador pretende dar à norma".
De mais a mais, é recomendável que a entidade credora receba denominação genérica, porém adequada, como, por exemplo, "instituição da previdência", porque :
a) a locução "Previdência Social" designa "um conjunto de princípios, normas e instituições destinado a estabelecer um sistema de proteção social"(7), e não pessoa jurídica de direito interno titular de créditos correspondentes às contribuições (rectius, instituição ou órgão);
b) a sigla "INSS" e a denominação "Instituto Nacional de Seguro Social" poderão no futuro sofrer alterações, em virtude de simples reorganização administrativa do Executivo, a exemplo dos antigos órgãos da previdência ("INPS" e "IAPAS"), trazendo evidente e inútil obsolescência dos dizeres da lei.
A Constituição Federal, ao dispor a respeito de matéria análoga, utiliza-se precisamente da locução "instituição de previdência social" (art. 109, § 3º).
Outros equívocos na redação do Projeto serão apontados na análise individual dos dispositivos.
Art. 1º A Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, passa a vigorar com as seguintes alterações:
Art.831...
"Parágrafo único. No caso de conciliação, o termo que for lavrado valerá como decisão irrecorrível, salvo para a Previdência Social quanto às contribuições que lhe forem devidas."
Comentário
Ao atribuir esta legitimação recursal a uma autarquia, o Projeto confunde interesse público e interesse peculiar do Estado, do qual a instituição de previdência social é simples alter ego. Pior : torna o conceito de interesse público equivalente ao de interesse patrimonial da Fazenda Pública. Em última análise, o Projeto termina por equiparar o "INSS" ao próprio Ministério Público, cujo interesse recursal, como custos legis, em qualquer feito, "está pressuposto (in re ipsa) na própria outorga de legitimação" pelo legislador, sendo suficiente sempre que sua atuação se destina à defesa do interesse público (8). Cumpre lembrar que o Ministério Público é, "na sociedade moderna, a instituição destinada à preservação dos valores fundamentais do Estado enquanto comunidade" (9), "incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis" (art.127, da Constituição Federal).
A alteração proposta para o parágrafo único, do art. 831, além disto, estabelece infundada discriminação entre as partes e a autarquia, pois atribui a esta um superprivilégio, e não uma mera prerrogativa processual.
Deveras, as partes, caso se insurjam quanto à conciliação, por qualquer motivo (p.ex. vício do consentimento), deverão se valer de ação rescisória para desconstituí-la, como resulta da primeira parte do parágrafo, sendo este, aliás, o entendimento expresso na Súmula nº 259, do Egrégio Superior Tribunal do Trabalho, no que diz respeito à interpretação do art. 831, par. ún., da CLT, tal como se encontra em vigor. (10)
No entanto, à autarquia será outorgado o benefício de simplesmente interpor recurso ordinário da sentença homologatória, conforme induz o § 4º, do art. 832, em combinação com o parágrafo único, do art. 831, sem estar sujeita à restrita via da ação rescisória.
No sistema constitucional brasileiro, por força do princípio da igualdade, é vedada a concessão de privilégios às partes ou aos terceiros intervenientes, ressaltando-se que estes não devem ser confundidos com as prerrogativas das pessoas jurídicas de direito público interno (verbi gratia : arts. 188, 475, incs.II e III, do CPC, etc.).
Ou seja, a norma do Projeto não apresentará "uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado" (11), registrando-se que a autarquia atuará como terceira no processo de conhecimento, e não como parte.
Em suma, a terceira interveniente, em situação verdadeiramente anômala e discrepante da tradição do Direito Processual brasileiro, gozará de meio de revisão da sentença muito mais acessível do que aquele concedido às partes, e até mesmo ao Ministério Público do Trabalho, também sujeito, em tese, à orientação consagrada pela Súmula nº 259 do TST.
Art.832...
"§ 3o As decisões cognitivas ou homologatórias deverão sempre indicar a natureza jurídica das parcelas constantes da condenação ou do acordo homologado, inclusive o limite de responsabilidade de cada parte pelo recolhimento da contribuição previdenciária, se for o caso."
Comentário
O dispositivo contém impropriedade na redação quanto ao atributo dos provimentos jurisdicionais, pois a locução empregada para qualificar as sentenças não se afeiçoa à técnica ("decisões cognitivas").
Como se sabe, as sentenças podem ser emitidas em processos de conhecimento ("cognição"), quando dispõem de natureza ou conteúdo condenatório, constitutivo ou declaratório (ou ainda mandamental e executivo segundo abalizada doutrina); porém, a qualidade de "cognitivo" é atribuída ao processo, e não à decisão que lhe põe termo (rectius, sentença). Outrossim, a decisão homologatória da conciliação é também exercício de jurisdição cognitiva (art.269, inc.III, do CPC), não se justificando a conjunção alternativa do texto proposto.
Por outro lado, as providências de discriminação na sentença da "natureza jurídica" das parcelas e de "responsabilidade de cada parte pelo recolhimento da contribuição previdenciária" revelam, logo à primeira vista, dois sérios inconvenientes :
1º Importam na adoção de requisitos excessivamente burocráticos e que não guardam pertinência com o objeto do processo trabalhista, salvo em raríssimas hipóteses;
2º Exigem pronunciamento prévio sobre ponto que, antes da liquidação da obrigação declarada na sentença, não é possível dirimir.
Como é de conhecimento geral, o objeto (litigioso) do processo individual do trabalho, em primeiro grau, restringe-se na maioria dos casos à discussão sobre a existência e o pagamento de créditos devidos em virtude de relação de emprego (art. 3º, da CLT).
Ora, ampliar o conteúdo da decisão para além dos limites da matéria e das questões suscitadas pelas partes na petição inicial e na contestação ("natureza das parcelas"), e exclusivamente em prol dos interesses de terceiro, não corresponde à finalidade precípua desta modalidade de processo, ou seja, a realização de pretensões de créditos trabalhistas por métodos informais e céleres.
Mas não é só.
A necessidade de fixação da "natureza da parcela" na sentença condenatória poderá importar em sério retardo na prestação jurisdicional.
De efeito, é possível entrever, sem maiores dificuldades, que os devedores relapsos poderão interpor recursos ordinários tão-só com a finalidade de discutir a "natureza das parcelas" que constituem o objeto da condenação, embora sabedores de que a pretensão recursal é infundada; porém, em muito protrairão a decisão definitiva acerca dos créditos trabalhistas (mérito).
Ou seja, ainda que não exista mais nenhum argumento para discutir a existência da dívida trabalhista, restará a via das intermináveis discussões a respeito da "natureza jurídica" dessa ou daquela parcela, para fins de incidência de contribuições sociais.
Repisem-se as premissas acima alinhavadas : a intromissão de questões não relacionadas diretamente com o objeto do processo apenas contribuirá para o retardo da prestação jurisdicional devida ao principal destinatário da tutela jurisdicional.
Mas há mais.
Como será possível estabelecer desde logo, por exemplo, "o limite de responsabilidade de cada parte pelo recolhimento da contribuição previdenciária", quando o objeto ou o valor da condenação depender de prévia liquidação para ser determinado (art.879, da CLT) ?
Caso aceito o novo dispositivo, em não raras hipóteses haveria sentença condicional, ao arrepio da sistemática do Direito Processual brasileiro (art. 460, par. ún., do CPC).
Art. 832...
"§ 4o O INSS será intimado, por via postal, das decisões homologatórias de acordo que contenham parcela indenizatória, sendo-lhe facultado interpor recurso relativo às contribuições que lhe forem devidas."
Comentário
Cabem as seguintes considerações a respeito do parágrafo acima indicado :
1º É notório que as conciliações nos processos individuais trabalhistas, na quase totalidade dos casos, compreendem "parcelas indenizatórias" que não estão sujeitas ao recolhimento de contribuições sociais, tais como depósitos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (ausência ou diferenças de depósitos), multa moratória (art. 477, § 8º, da CLT), salário família, indenização substitutiva do seguro desemprego etc..
Destaque-se, por relevante, que na Justiça do Trabalho há predomínio da conciliação como meio de solucionar os conflitos.
Sendo assim, a intervenção da autarquia, em qualquer hipótese em que a conciliação inclua parcela de natureza indenizatória, importará, em termos práticos, na possibilidade daquela interpor recursos contra a maioria das sentenças homologatórias.
A partir desses elementos, os resultados da aplicação da norma constante no Projeto são facilmente dedutíveis :
a) A interposição em massa de recursos padronizados e sem adequação típica com as situações fáticas retratadas nos processos solucionados por acordos que encerram parcelas indenizatórias, a exemplo do que ocorre em questões previdenciárias nas Justiças Federal e Estaduais, visto que a autarquia não dispõe de quadros suficientes de procuradores para o exame específico dos casos;
b) De conseguinte, o notável acúmulo dos serviços das varas e dos Tribunais do Trabalho, bem como das respectivas secretarias, com prejuízo ao julgamento célere das causas que envolvam matéria exclusivamente trabalhista.
2º A norma estabelecerá modalidade particular de recurso de terceiro prejudicado.
Entretanto, o dispositivo não prevê nenhum outro requisito específico para a interposição do recurso, que não a existência de acordo a respeito de créditos de determinada natureza, quer dizer, de "parcelas indenizatórias".
Presume-se, portanto, que havendo parcela com cunho de indenização, a autarquia estará legitimada para recorrer, mesmo que não invoque ou demonstre efetivo prejuízo jurídico, como, por exemplo, exige a regra inscrita no art. 499, § 1º, do Código de Processo Civil, ao tratar do recurso do terceiro prejudicado.
Revela o parágrafo, destarte, séria omissão, uma vez que não estabelece precisamente em que condições surgiria o interesse jurídico da autarquia para recorrer, porque-se, repita-se, segundo a redação do Projeto, a pura e simples existência de "parcelas indenizatórias" bastaria para lhe conferir legitimidade e interesse de recorrer.
Art.876...
"Parágrafo único. Serão executados ex officio os créditos previdenciários devidos em decorrência de decisão proferida pelos Juízes e Tribunais do Trabalho, resultantes de condenação ou homologação de acordo."
Comentário
É mister inferir que a locução "de ofício" contida na redação para o parágrafo único, do art.876, revela-se manifestamente inconstitucional e contrária às normas que garantem às partes a decisão por um juiz imparcial (art.5º, incs. XXXVII e LIII).
De efeito, cometer aos juízes e Tribunais do Trabalho a iniciativa da demanda de execução para pagamento das contribuições previdenciárias, transformando-os em sujeitos parciais da relação processual, importa em afronta ao princípio do juiz natural (art. 5º, incs. XXXVII e LIII, da Constituição Federal).
Em suma, não se concebe no Estado de Direito que o juiz revista, concomitantemente, a qualidade de parte adversa do demandado (sujeito parcial) e julgador (sujeito imparcial), até porque não há jurisdição sem demanda (art.2º, do CPC).
Deve-se, como é corrente em todo País com aspirações democráticas, obstar que o juiz julgue antes de decidir.(12)
Impende lembrar, também, que em nosso ordenamento jurídico a atuação oficiosa dos magistrados é admitida apenas nos casos em que há atividade judicial, mas não jurisdicional (13), isto é, quando agem na administração pública de interesses privados ("jurisdição voluntária").
Entrementes, a execução forçada, como é pacífico na atualidade, insere-se na atividade jurisdicional do Estado, não constituindo, portanto, mera atividade administrativa (14).
Deste modo, "sendo tipicamente jurisdicional a atividade desenvolvida pelo juiz no processo de execução, é natural que ela se reja pelos princípios gerais disciplinadores do exercício da jurisdição, entre os quais o da inércia do Poder Judiciário."(15)
Demais disto, mesmo na execução trabalhista a atuação "de ofício" do juiz resulta de processo regularmente instaurado por demanda do autor (art.840, da CLT), o qual objetiva, em última análise, além da emissão da sentença de mérito, um provimento satisfativo, naquilo que para alguns constitui a categoria das "ações executivas lato sensu".
Sob este prisma, a iniciativa da execução trabalhista pelo juiz, conforme previsto no art. 878, da CLT, relaciona-se, mais propriamente, com o princípio do impulso oficial (art. 262, do CPC), e não com a legitimidade para promovê-la, sem que exista demanda.
"Art. 878-A. Faculta-se ao devedor o depósito imediato da parte que entender devida à Previdência Social, sem prejuízo da cobrança de eventuais diferenças encontradas em execução ex officio."
Comentário
A redação do artigo é anfibológica, de sorte que a segunda parte carece de sentido lógico : não é possível inferir, a teor do Projeto, se a execução se destina à "cobrança" ou a "encontrar" as "eventuais diferenças".
Há, por evidente, afronta ao disposto no art.11, inc.II, alínea "c", da Lei Complementar nº 95/98.
Impende lembrar, também, que a Lei nº 6.830, de 22.9.80, a qual se aplica subsidiariamente à execução trabalhista (art.889, da CLT), contém disposição análoga e com redação adequada (art. 9º, § 6º), de maneira que o art.876-A é supérfluo.
"Art. 880. O juiz ou presidente do tribunal, requerida a execução, mandará expedir mandado de citação ao executado, a fim de que cumpra a decisão ou o acordo no prazo, pelo modo e sob as cominações estabelecidas, ou, em se tratando de pagamento em dinheiro, incluídas as contribuições sociais devidas ao INSS, para que pague em quarenta e oito horas, ou garanta a execução, sob pena de penhora."
Comentário
O Projeto importa na adoção de discriminações injustificáveis, a saber :
1º O devedor de contribuição previdenciária executado perante Justiça do Trabalho disporá de quarenta e oito horas (48h00) para pagar o débito, depois da citação; porém, aquele que será executado por crédito idêntico perante a Justiça Federal continuará a dispor de cinco (05) dias (art. 8º, caput, da Lei Federal nº 6.830/80);
2º O prazo para opor embargos à execução que tramitará na Justiça do Trabalho será de cinco (05) dias; no entanto, na Justiça Federal o devedor continuará a dispor de trinta (30) dias (art.16, da Lei Federal nº 6.830/80).
Por um aspecto, não há diferença entre a natureza do crédito executado por dois segmentos de Tribunais integrantes do Poder Judiciário da União, enquanto que, por outro, as situações jurídicas dos devedores são idênticas (sujeito passivo de obrigação social).
Isto não obstante, o Projeto estabelece sérias distinções, tratando de forma absurdamente discriminatória situações idênticas, em oposição ao art. 5º, caput, da Constituição Federal.
Art. 884...
"§ 4o Julgar-se-ão na mesma sentença os embargos e as impugnações à liquidação apresentadas pelos credores trabalhista e previdenciário."
Comentário
O Projeto desconsidera por completo que não apenas os "credores trabalhista e previdenciário" poderão impugnar a conta de liquidação, como, também, por exemplo, o órgão do Ministério Público que atua como fiscal da lei (art. 82, inc.III, do CPC), o assistente (arts. 50 e 52, do CPC) etc..
O discrimine do Projeto é inútil e reduz desnecessariamente a abragência do § 4º, do art.884, da CLT, tal como previsto na norma em vigor.
Em síntese, inova-se por inovar, sem que exista motivo idôneo para restringir o rol de legitimados.
Demais disso, cabem aqui as considerações expendidas anteriormente: a burocratização do processo trabalhista, permeando-o com matérias estranhas aos interesses das partes, apenas em benefício de terceiro, não se coaduna com o ideal de celeridade que deve norteá-lo.
"Art. 889-A. Os recolhimentos das importâncias devidas, referentes às contribuições sociais, serão efetuados nas agências locais da Caixa Econômica Federal ou do Banco do Brasil S.A., por intermédio de documento de arrecadação da Previdência Social, dele se fazendo constar o número do processo."
Comentário
O Projeto institui o monopólio do recebimento de obrigações previdenciárias por intermédio de determinadas instituições bancárias (sociedade de economia mista e empresa pública), de maneira que revela duvidosa constitucionalidade, ante o disposto nos arts. 170, inc.III, e 173, da Constituição Federal.
Além disto supõe que, em todas as localidades do Brasil, existem agências das instituições que menciona, sem se aperceber que nem sempre isso ocorre.
A redação é defeituosa, porque, à evidência, apenas importâncias "devidas" podem ser objeto de pagamento (não há obrigação de pagar, quando nada é devido).
"Art. 889-A.
§ 1o Sendo concedido parcelamento do débito previdenciário perante o INSS, o devedor deverá juntar aos autos documento comprobatório do referido ajuste, ficando suspensa a execução da respectiva contribuição previdenciária até final e integral cumprimento do parcelamento."
Comentário
Também neste parágrafo a redação se divorcia flagrantemente da técnica, até porque quem efetua a juntada aos autos de documentos não é a parte, mas o auxiliar da justiça, ou seja, o diretor de secretaria (art. 141, inc. I, do CPC).
A parte, em sentido técnico, tem o ônus ou o encargo de entregar ou exibir petições, papéis e documentos, e não de "juntá-los" aos autos (vide, por exemplo, o art. 160, do CPC).
Por outro aspecto, não há uniformidade na linguagem do Projeto ao mencionar a espécie de crédito objeto da execução, porque ora se refere a "contribuições sociais", ora a "contribuições previdenciárias".
É preferível empregar a locução "contribuições sociais", de conformidade com o § 3º, do artigo 114, da Constituição Federal, bem assim com o art. 11, inc. II, alínea "b", da Lei Complementar nº 95/98.
Registre-se, ainda, que o Projeto não é claro ao dispor sobre a condições previstas no acordo de parcelamento, sem atentar, por exemplo, para a hipótese de descumprimento.
"Art. 889-A.
§ 2o As varas do trabalho encaminharão ao órgão competente do INSS, mensalmente, cópias das guias pertinentes aos recolhimentos efetivados nos autos, salvo se outro prazo for estabelecido em regulamento."
Comentário
A técnica administrativa, na orbe dos órgãos jurisdicionais, recomenda que seja individualizado, desde logo, o servidor responsável pela remessa de papéis e documentos, com a previsão específica de prazo para cumprimento das tarefas que lhe são conferidas.
Todavia, o Projeto, também neste passo, não se apercebeu desses valiosos critérios.
Vara é designação técnica da unidade jurisdicional ou da jurisdição em si mesma. Uma abstração, portanto. A vara nada pode "encaminhar". Ademais, em senso técnico e quando se trata de lei referente a processo judicial, a locução "órgão competente" dispõe de sentido específico (rectius, órgão investido do poder jurisdicional), de maneira que não se aplica às células administrativas integrantes do Poder Executivo.
É imperioso, por outro lado, que se deixe clara a atribuição de órgãos superiores da Justiça do Trabalho para emitir o "regulamento", com vistas inibir inúteis conflitos de atribuições, como, por exemplo, daqueles que surgiriam de pretensões do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS em emitir ordens destinadas a serem cumpridas por órgãos integrantes de Poder autônomo, ao arrepio do art. 2º, da Constituição Federal.
Art. 897...
"§ 3o Na hipótese da alínea "a" deste artigo, o agravo será julgado pelo próprio tribunal, presidido pela autoridade recorrida, salvo se se tratar de decisão de Juiz do Trabalho de 1a instância ou de Juiz de Direito, quando o julgamento competirá a uma das Turmas do Tribunal Regional a que estiver subordinado o prolator da sentença, observado o disposto no art. 679, a quem este remeterá as peças necessárias para o exame da matéria controvertida, em autos apartados, ou nos próprios autos, se tiver sido determinada a extração de carta de sentença."
Comentário
Quanto ao dispositivo em epígrafe cabem as seguintes observações :
1º O Projeto reitera a prática de aglutinar em alguns poucos dispositivos diversas prescrições, ganhando em concisão, para pôr de lado a clareza e deste modo incentivar as dúvidas de interpretação.
2º O vocábulo "instância" é plurívoco, ou seja, dispõe de múltiplos significados, sendo conveniente substituí-lo pela locução "primeiro grau", mais específica em acepção técnica, a exemplo daquela adotada no Código de Processo Civil (art.93 etc.).
3º A designação "juiz de Direito" não obedece a boa técnica, sendo preferível na redação legislativa a locução genérica "juiz estadual".(16)
Vide, por exemplo, em estrita consonância com essa premissa, o disposto no art. 108, inc.II, da Constituição Federal.
4º Não há "subordinação" entre juízes de primeiro de grau e os tribunais.
A Constituição Federal, ao dispor sobre matéria análoga, utiliza-se precisamente da palavra "vinculados", e não "subordinados" (art. 105, inc. I, alínea "d").
Art. 897...
"§ 8o Quando o agravo de petição versar apenas sobre as contribuições sociais, o juiz da execução determinará a extração de cópias das peças necessárias, que serão autuadas em apartado, conforme dispõe o § 3o, parte final, na sua nova redação, e remetidas à instância superior para apreciação após contraminuta."
Comentário
O Projeto, em um único ponto, preocupa-se com a morosidade que causará à execução trabalhista, e estabelece que o agravo de petição, quando versar apenas sobre as contribuições sociais, será processado em autos apartados.
Revela-se imprescindível, então, que o ônus de fornecer as peças para formar os autos apartados seja atribuído desde logo ao recorrente, ou seja, em regra ao devedor e interessado no processamento do recurso, adotando-se, no que couber, as disposições aplicáveis ao agravo de instrumento.
Buscar-se-ia com isso não protrair a execução do crédito trabalhista durante o processamento do agravo de petição em primeiro grau.
Art. 2o O art. 879 da Consolidação das Leis do Trabalho passa a vigorar acrescido dos seguintes parágrafos :
"§ 1º-A. A liquidação abrangerá, também, o cálculo das contribuições previdenciárias devidas."
Comentário
O Projeto, também neste parágrafo, insiste em adjetivações inúteis (contribuições "devidas"), além de não observar a uniformidade de linguagem ("contribuições previdenciárias" por "contribuições sociais").
Art.879...
"§ 1º-B. As partes deverão ser previamente intimadas para a apresentação do cálculo de liquidação, inclusive da contribuição previdenciária incidente."
Comentário
O Projeto atenta contra os princípios da celeridade, simplicidade e informalidade, ao exigir que, antes da elaboração da conta de liquidação pelo contador do juízo, as partes sejam obrigatoriamente intimadas para apresentar cálculos próprios.
Ou seja, aquilo que se trata de providência facultativa, segundo a redação atual do art.879, § 2º, da CLT, passaria a ser regra, com a eliminação, por exemplo, de sentenças que expressam desde logo o montante do valor da condenação ("sentenças líquidas") ou da simples liquidação por cálculos do contador, sem a prévia intervenção das partes, que conta com os aplausos da melhor doutrina.(17)
Art.879...
§ 2º...
"§ 3o Elaborada a conta pela parte ou pelos órgãos auxiliares da Justiça do Trabalho, o juiz procederá à intimação por via postal do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, por intermédio do órgão competente, para manifestação, no prazo de dez dias, sob pena de preclusão."
Comentário
O parágrafo, sob vários aspectos, veicula graves atecnias :
1º Compete ao juiz ordenar ou determinar a intimação, e jamais "proceder à intimação" de quem quer que seja, visto que este ato deve ser praticado pelo diretor de secretaria ou pelo oficial de justiça;
2º Vale a observação acima expendida : quando se trata de lei referente a processo judicial, a locução "órgão competente" dispõe de sentido específico (rectius, órgão investido do poder jurisdicional), de maneira que não se aplica às células administrativas integrantes do Poder Executivo;
3º O parágrafo repete, inutilmente, a disposição contida no § 2º, ou seja, da ocorrência de preclusão temporal, caso não exista pronunciamento após a intimação sobre o cálculo.
Art.879...
"§ 4o A atualização do crédito devido à Previdência Social observará os critérios estabelecidos na legislação previdenciária."
Comentário
O parágrafo é, a rigor, supérfluo, visto que a matéria é casuisticamente prevista em legislação própria.
"Art. 3o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação."
Comentário
A introdução de tantas e graves modificações no processo de execução trabalhista deve ser precedida de vacatio legis de, no mínimo, noventa (90) dias, para possibilitar, por exemplo :
a) A ampla divulgação da nova lei pelas associações de Magistrados, Procuradores do Trabalho e Advogados, mediante a discussão em palestras e artigos doutrinários;
b) O treinamento dos auxiliares e contadores das varas do trabalho, os quais não estão habituados a elaborar cálculos de contribuições sociais;
c) O estudo e a emissão de provimentos pelas Corregedorias Regionais, para disciplinar os aspectos administrativos da aplicação da nova lei.