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Os riscos dos desvios de conduta nas sanções aplicadas aos particulares por inadimplemento nos contratos firmados com a Petrobras

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18/03/2010 às 00:00
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4. OS ELEMENTOS SUFICIENTES À GARANTIA DA LEGALIDADE NAS AVALIAÇÕES E SANÇÕES DA PETROBRAS.

Pelo Poder Discricionário que se vê atribuído à Petrobras, este não poderá nunca ser interpretado como uma autorização para a Petrobrás agredir a legalidade ou dispor de um viés para de alguma forma suplantar o equilíbrio existente. Por exemplo, a escolha da sanção não poderá estar sujeita unicamente ao alvedrio da contratante, sem motivação ou justificativa razoável.

Obviamente, não cabe a Administração apontar o que é ou o que não é ilicitude, ficando esse poder à cargo da lei ou do contrato. Entretanto, em não havendo a previsão legal abstrata do motivo, ou mesmo quando o motivo legal descreve situação não objetiva como deveria, está-se diante de uma das hipóteses de discricionariedade do administrador, pois, o mesmo terá uma certa liberdade de escolha da situação fática em vista da qual editará o ato.

Contudo, esta margem de liberdade nunca representa uma outorga total controle sobre a situação, como se o agente público desprendesse de sua qualidade:

"[...] a norma legal só quer a solução ótima, perfeita, adequada às circunstâncias concretas que, ante o caráter polifacético, multifário dos fatos da vida, se vê compelida a outorgar ao administrador – que é quem se confronta com a realidade dos fatos segundo seu colorido próprio – certa margem de liberdade para que este, sopesando as circunstâncias, possa dar verdadeira satisfação à finalidade legal" [34]

Todavia, mesmo reconhecendo este poder, a validade de qualquer ato sancionatório dependerá da existência do motivo anunciado, pois, de acordo com a "teoria dos motivos determinantes", o administrador é vinculado ao motivo que houver alegado.

Partindo desse entendimento e pautando-se no Decreto para aplicação de qualquer penalidade, a Petrobras deverá agir sempre com apego àquilo à lei e aos princípios do direito administrativo, ao que for previsto contratualmente, assim como ao equilíbrio das expectativas que orientaram as partes durante todo o contrato, não cabendo àquela uma margem para abstrações ou subjetividade que atentem contra qualquer destes.

Malgrado apontarmos um entendimento lúcido, é inegável que o controle da discricionariedade se faz em maior parte através dos princípios administrativos. Conforme leciona Germana de Oliveira Moraes os princípios administrativos comportam-se desta forma.

"são limitações jurídicas ao exercício da discricionariedade os princípios gerais do Direito, especialmente os princípios constitucionais da Administração Pública consagrados explícita ou implicitamente na Constituição e a proteção constitucional aos direitos fundamentais [35].


5. A NECESSIDADE DE INSTRUMENTOS EFICIENTES NA APLICAÇÃO DAS SANÇÕES.

Como concidadãos num Estado Democrático de Direito, onde as prerrogativas da Administração encontram-se direcionadas a regular seus limites de atuação e evitar que suas condutas afrontem direitos de seus súditos, não haveria razão em autorizar uma punição que não fosse apurada na sua essência pela análise do elemento subjetivo.

Mesmo que dispendioso ou meramente exemplificativo, em respeito ao princípio da segurança jurídica, deverá a Administração Pública, no caso a Petrobras, através de ato regulamentar ou mesmo no edital de licitação, delimitar de forma mais precisa os pressupostos do sancionamento, evitando-se a prática de arbitrariedades.

Para isso, a culpa revela-se como um composto indissociável para aplicação da sanção, vez que, pela forma como é tratada na legislação, toda responsabilidade pelo inadimplemento contratual implica em um averiguação ampla da existência de negligência, imprudência ou imperícia do agente causador.

Ressalta-se que a responsabilidade objetiva tem sua origem histórica na imposição ao agente administrativo [36] pelos danos causados a seus súditos, não sendo a mesma aplicável em casos inversos, onde a esta figura não encontraria nenhuma razoabilidade.

Como já foi destacado, para aplicação de qualquer sanção ao particular em contrato firmado com a Petrobrás deverá haver, em respeito ao contraditório e do devido processo legal administrativo, a necessidade de se apurar em procedimento próprio a responsabilidade pela ocorrência dos fatos, assim como sua gravidade.

Portanto, para a verificação de "inexecução parcial ou total" do contrato e sua sanção, mesmo entendida como de competência da administração, necessariamente deverá obedecer também aos primados da "legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência", como determina a Lei [37].

Além disso, não podemos deixar de exaltar a necessária imparcialidade da Petrobras na condução, apuração e julgamento dessas sanções administrativas, bem como o imperioso dever de viabilizar ao Contratado a oportunidade de exercício de sua defesa, plena e irrestrita.

Para atingirmos uma cominação punitiva ao fornecedor contratado, deverá ser apurada em último grau a sua responsabilidade contratual, verificando-se se, no caso, não houve justa causa que ensejou aquela violação ao contrato.

Desta sorte, mesmo havendo um aparente descumprimento, ainda sim seriam verificados os motivos e justificativas apresentadas pela empresa que em procedimento aberto e transparente seria avaliada sob argumentos objetivos.

Esses motivos e justificativas excludentes de ilicitude considerados como uma justa causa eximem a responsabilidade do prestador de serviços ante a imprevisibilidade do fato, como nos casos de desequilíbrio da equação econômico financeira, fato do príncipe, caso fortuito ou força maior.

Para Marçal Justen Filho, qualquer prejulgamento que desconsidere as justificativas ou o direito à ampla defesa do administrado significa "a invalidade não apenas da instauração de processos eivados por esses defeitos como também de todos os atos decisórios que reflitam a concepção de que o particular é culpado.".

Assim, a aplicação de uma sanção com uma discricionariedade abusiva já representa um elemento de grande risco para o fornecedor.

Porém se esta vir acompanhada de uma despótica usurpação do contraditório, isso causaria um prejuízo gigantesco aos primados do direito público numa demonstração de afrontoso desrespeito legalidade num claro ato de desvio de poder.

Na lição de Caio TÁCITO o desvio de poder seria [38], "...um limite à ação discricionária, um freio ao transbordamento da competência legal além de suas fronteiras...".

Para Cretella Junior o desvio de poder representa "... o uso indevido, que a autoridade administrativa, dentro de sua faculdade discricionária, faz da "potesta" que lhe é conferida para atingir finalidade, pública ou privada, diversa daquela que a lei preceituara". [39]

Conclui-se portanto que, para se proporcionar uma justa aplicação de sanção aos particulares, a Petrobras deverá observar os princípios que norteiam suas atividades, lembrando-se ainda que, mesmo que as suas atividades pautem-se pela agilidade e eficiência, estas não poderão justificar a supressão dos direitos daqueles.

Consignados os limites e obrigações contratuais das partes, as cláusulas exorbitantes da lei pairam sobre esse compromisso. A eventual aplicação de uma sanção requer da Petrobras a inequívoca comprovação de existência de uma falha causada por culpa exclusiva do contratado e sua medida se dá pela exata proporção do fato ao dano causado.

Não se pode olvidar assim, a grande importância de haver um procedimento de apuração sério, que admita o exercício da defesa pelo contratado pelos meios legais permitidos, nunca se distanciando da presunção de que, sua intenção vem sempre ao encontro da Petrobras tanto pelo seu desejo de receber pelo serviço, quanto pela busca de uma avaliação positiva ao fim do contrato.


6. SOCIEDADE, PODER E DEMOCRACIA. AS ORGANIZAÇÕES CIVIS

Vivemos indiscutivelmente em um Estado Democrático de Direito, alçado à esse status pela promulgação da Constituição Federal de 1988, que em seu art. 1? consagrou os fundamentos de nossa República.

" A idéia de que todo o Estado deva possuir uma Constituição e que esta deve conter limitações ao poder autoritário e regras de prevalência dos direitos fundamentais desenvolve-se no sentido de consagração de uma Estado Democrático de Direito (art. 1?, caput,

da CF/88) e, portanto, de soberania popular.

Assim, de forma expressa, o parágrafo único do art. 1? da CF/88 concretiza que "todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição."" [40].

A democracia permite deduzir que, antes de se apresentar como um fenômeno estanque assume um papel vital ao desenvolvimento da Nação, promovendo o constante aprimoramento das funções e poderes do Estado e possibilitando que o povo exerça um papel transformador no seio da sociedade.

Como fenômeno desse direito fundamental de cidadania, cada eleitor tem a possibilidade de escolher seu representante e a ele confere o mandato para representá-lo por um período determinado.

Na mesma medida que esse poder concedido pelo povo induz à maior concentração de atribuições sobre o Poder Executivo, também alarga ou reprime sua força de atuação de forma que este cumpra com seu dever de melhorar a qualidade de vida à todos. Como exemplo disso vemos o esforço em distribuir igualmente os serviços e utilidades publicas à coletividade.

Nesse cenário, quando falta ao Estado a iniciativa ou o alcance necessários à sua atuação plena e conforme os ditames democráticos, franqueia-se às pessoas até então estranhas à Administração o poder de reclamarem para si parcela daquele poder. Essa prerrogativa visa provocar uma maior eficiência das atividades governamentais, fiscalizando, questionando, debatendo e até intervindo nos caminhos percorridos pela Nação.

Ante o reconhecimento de que os cidadãos são legítimos detentores do poder e em por certo ponto de vista autogovernam-se, permitindo apenas que seus representantes o façam em seu lugar, nos força a concluir que a manifestação popular organizada com fins lícitos e em harmonia com a lei deve encontrar amplo reconhecimento, quando seu fim se volta à defesa da coletividade ou mesmo dos interesses de uma classe dentro de uma sociedade

De outro lado, quanto mais essa simbiose entre poder estatal e prerrogativa popular encontra resistência, mais possivelmente estaremos diante de um ponto de ruptura dos diversos interesses (público, particular e coletivo) no emaranhados tecido social, representando aí uma chamada urgente ao socorro do judiciário [41].

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Para preservarmos exatamente aquele interesse que emana essencialmente do povo e que provém do íntimo do Estado Democrático de Direito, as Organizações Sociais têm desempenhado um papel fundamental de participação e controle do Estado, anunciando direitos, cobrando deveres, enfim, protegendo grupos sujeitos à submissão e despotismo.

O que chamamos de democracia participativa Habermas em clara explanação apresenta como política participativa:

"a participação simétrica de todos os membros exige que os discursos conduzidos representativamente sejam porosos e sensíveis aos estímulos, temas e contribuições, informações e argumentos fornecidos por uma esfera pública pluralista, próxima à base, estruturada discursivamente, portanto, diluída pelo poder" [42]

A figura das entidades civis de representação surge em um contexto de grande pressão popular, movidas pelas urgentes transformações na sociedade na busca de maior participação nas decisões estatais e uma abertura das políticas pública ao debate.

Todo o esforço se faz no sentido de situarmos essas entidades em longa manus do poder popular em sua mais pura manifestação democrática, criado por uma conformação coesa de ideais e impregnado de legitimidade para reivindicar direitos.

"...Ainda não temos uma cultura desenvolvida nesse sentido, e isso não se faz instantaneamente.

O próprio cidadão brasileiro ignora a força que tem. É bem verdade que, na última década, multiplicaram-se como cogumelos as associações civis, que vão ganhando força e prestígio perante a comunidade e granjeando crescente respeito dos poderes públicos. Não obstante ainda há uma convicção generalizada de que só o governo deve resolver seus problemas." [43]

Basta-nos perscrutar uma forma de livre participação dos cidadãos na vida pública do país para permitirmos maior transparência e eficiência no controle das atribuições do Estado ou mesmo obtermos uma experiência de mútua colaboração na condução das políticas setoriais, como no caso do mercado petrolífero.

Assim, observadas as inúmeras entidades que gravitam em torno do mercado de petróleo como ONIP (Organização Nacional da Indústria do Petróleo), GEPS (Grupo de Empresas Prestadoras da Indústria do Petróleo), ABPG (Associação Brasileira de Pesquisa e Desenvolvimento em Petróleo e Gás), Associação Brasileira de Produtores Independentes de Petróleo e Gás) e tantas outras que busca incessantemente alcançar maior representatividade, compreende-se que esta iniciativa pode gerar resultados.

No âmago destas instituições, fomentados pelo ambiente de discussão e ajustamento de ideias surgem as propostas que coletivamente encontram força para enfrentar a opulência do Estado e enfraquecer intransigências que propostas individualmente e sem apoio político não encontrariam aceitação.

Essas organizações civis apresentam-se então como uma alternativa real para fiscalização e discussão de questões afetas às diversas brechas encontradas na lei, como apresentamos, oportunizando a melhor aplicação da lei em benefício dos interesses da coletividade.

Um diálogo franco e aberto àqueles que vivenciam o cotidiano das relações contratuais do mercado petrolífero, franqueando-se às empresas prestadoras de serviços um maior controle e participação nos assuntos políticos que lhe dizem respeito, possibilitará nesse cenário um arranjo mais produtivo e certamente mais lucrativo.

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Sobre o autor
Homero Gonçalves Neto

Advogado e parecerista na área de petróleo, pósgraduado em direito corporativo pelo IBMC-RJ, com extensão curricular em direito do petróleo pela Kahn Consult - Clube do Petróleo.Consultor jurídico do GEPS (Grupo de Emrpesas Prestadoras de Serviço da Indústria do Petróleo da Bacia de Campos)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES NETO, Homero. Os riscos dos desvios de conduta nas sanções aplicadas aos particulares por inadimplemento nos contratos firmados com a Petrobras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2451, 18 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14529. Acesso em: 18 mai. 2024.

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