A Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96) está em vigor no Brasil há mais de 10 anos e, apesar de ter sua constitucionalidade questionada, como será visto, não viola garantias constitucionais e possui total aplicabilidade.
Embora seja a primeira lei específica sobre o tema, a arbitragem está prevista em nosso ordenamento jurídico há aproximadamente 200 anos. A Constituição de 1824, em seu art. 160, já possibilitava às partes a nomeação de árbitros para resolver questões cíveis. Do mesmo modo, o Código Civil de 1916 previa, como forma de solucionar uma obrigação — mesmo que já estivesse sendo discutida judicialmente —, a realização de compromisso arbitral (arts. 1.037 a 1.048).
Além disso, o Decreto nº 21.187/32 internalizou no país o Protocolo de Genebra de 1923, relativo ao compromisso arbitral e à cláusula compromissória em contratos comerciais.
Constitucionalidade da Lei de Arbitragem
Inicialmente, surgiram críticas acerca da constitucionalidade da Lei nº 9.307/96, especialmente em virtude da garantia assegurada pelo art. 5º, XXXV, da Constituição: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Esse dispositivo abrange o direito de ação, o monopólio da jurisdição pelo Estado e a indeclinabilidade da prestação jurisdicional. Quanto ao princípio da inafastabilidade do Judiciário, ele assegura que qualquer violação de direito — ou a iminência de sua ocorrência — pode ser repelida por meio de pedido de tutela jurisdicional ao Estado.
Por outro lado, o art. 18 da Lei nº 9.307/96 prevê que “o árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário”. Também foi questionado o art. 31, que estende à sentença arbitral os mesmos efeitos da sentença judicial, constituindo título executivo. Sustentava-se, portanto, que a lei — especialmente os dispositivos mencionados — violaria a garantia constitucional da inafastabilidade da prestação jurisdicional pelo Estado.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal declarou, por meio de controle difuso, a constitucionalidade da Lei de Arbitragem, ao decidir:
“Constitucionalidade, em tese, do juízo arbitral; discussão incidental da constitucionalidade de vários dos tópicos da nova lei, especialmente acerca da compatibilidade, ou não, entre a execução judicial específica para a solução de futuros conflitos da cláusula compromissória e a garantia constitucional da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV). Constitucionalidade declarada pelo Plenário.”
(SE-AgR 5206/EP-Espanha, Pleno, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 12/12/2001, DJ 30/04/2004, p. 29)
Essa decisão foi fundamental para a consolidação da arbitragem no Brasil, garantindo a segurança jurídica necessária para que as pessoas resolvam seus desentendimentos por essa via, sem necessidade de revisão do conflito ou da decisão do árbitro pelo Judiciário.
A garantia da jurisdição estatal não pode servir de empecilho para que as partes, de forma livre e consciente, optem por não submeter seus litígios ao Poder Judiciário, mas sim a uma pessoa ou instituição particular, da mesma forma que poderiam simplesmente resolver a questão entre si, sem a interferência de terceiros.
Arbitragem e Mediação
A arbitragem e a mediação constituem formas ou técnicas extrajudiciais de resolução de conflitos (equivalentes jurisdicionais), isto é, sem a interferência do Poder Judiciário.
A mediação, por sua vez, consiste em uma negociação assistida, na qual um terceiro imparcial auxilia as partes a chegar a um consenso, evitando ou resolvendo sua controvérsia. Nessa hipótese, a decisão final é das próprias partes (autocomposição), e não do mediador, que apenas escuta, opina, orienta, estimula e oferece sugestões, visando à conciliação. Atualmente, não há lei específica sobre o tema no Brasil, encontrando-se em tramitação, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 94/2002, que visa regulamentar a mediação e a atividade do mediador.
Na arbitragem, ao contrário, o terceiro imparcial deve decidir a controvérsia (heterocomposição), por meio de uma sentença arbitral — e não mais laudo arbitral —, redigida por escrito e dotada da mesma eficácia de uma sentença judicial. Essa sentença pode, inclusive, ser executada judicialmente, caso a parte vencida não a cumpra de forma voluntária.
Partes e Matérias
A arbitragem só pode ser utilizada por pessoas civilmente capazes para contratar, a fim de resolver questões sobre direitos patrimoniais disponíveis (art. 1º da Lei de Arbitragem).
Portanto, os menores de 18 anos, entre outras pessoas listadas nos arts. 3º e 4º do Código Civil, não podem resolver seus conflitos por meio da arbitragem. Em contrapartida, as pessoas naturais capazes de firmar contratos e as pessoas jurídicas de direito público — com restrições — ou de direito privado podem submeter suas controvérsias aos árbitros.
Somente direitos patrimoniais e disponíveis podem ser submetidos à arbitragem, ou seja, aqueles que possuam expressão econômica e possam ser objeto de disposição e conciliação pelas partes. Assim, direitos morais ou extrapatrimoniais e os demais indisponíveis — dos quais a pessoa não pode abrir mão, seja pela natureza inalienável, seja por previsão legal — estão excluídos dessa forma de composição.
Com base na indisponibilidade de direitos, afirma-se que os entes da Administração Pública Direta (União, Distrito Federal, Estados e Municípios) não podem escolher a arbitragem como modo de solução de conflitos — havendo quem inclua nesse rol as autarquias e as empresas públicas, ou seja, todas as pessoas jurídicas de direito público.
O direito aplicável na arbitragem também pode ser escolhido pelas partes. Assim, dois brasileiros que firmem um contrato no território nacional podem selecionar as leis argentinas — ou até normas de organizações internacionais — para serem aplicadas pelo árbitro em sua decisão. A exceção ocorre quando tais normas violarem os bons costumes ou a ordem pública. Trata-se não apenas de aplicação prática do princípio da autonomia da vontade, mas também de influência da prática do comércio internacional, em que as partes buscam as leis que mais lhes convêm, evitando ordenamentos jurídicos excessivamente formalistas.
A Lei de Arbitragem ainda utiliza conceitos amplos em seu art. 2º, ao autorizar as partes a escolher a arbitragem por equidade e a utilizar princípios gerais de direito, usos e costumes e regras internacionais de comércio.
Quem são os Árbitros
A Lei nº 9.307/96 não faz qualquer exigência técnica para o exercício da função de árbitro, podendo ser escolhida qualquer pessoa que tenha capacidade civil e, evidentemente, possua a confiança das partes (art. 13). Sua atuação deve pautar-se pela imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição.
Não pode ser árbitro quem mantiver, com qualquer das partes ou com a controvérsia submetida à arbitragem, alguma das relações que caracterizam impedimento ou suspeição, conforme o Código de Processo Civil (art. 14). São exemplos: ter sido procurador do litigante; ser cônjuge ou parente — em graus variáveis — da parte ou de seu advogado; ser amigo íntimo ou inimigo capital de uma das partes; ser credor ou devedor de qualquer delas. Ainda que não ocorra uma das situações previstas nos arts. 134 e 135 do CPC, aquele que for indicado para ser árbitro tem o dever de, antes de aceitar o encargo, informar às partes qualquer circunstância que possa gerar dúvida quanto à sua imparcialidade ou independência.
Devem as partes agir com cautela e atenção na escolha do árbitro, pois este proferirá uma decisão que será imediata e obrigatoriamente cumprida, independentemente de homologação judicial. Além disso, são limitadas as hipóteses de nulidade da sentença arbitral, previstas no art. 32 da Lei de Arbitragem (como nulidade do compromisso arbitral, atuação de pessoa que não poderia ser árbitro, prática de prevaricação, concussão ou corrupção passiva, entre outras).
O árbitro pode ser recusado, em princípio, antes de sua nomeação. Todavia, mesmo após a nomeação, pode haver pedido de exclusão pelas partes em três situações: por fato posterior à escolha do árbitro; pelo conhecimento de fato anterior somente após a nomeação; e quando o árbitro não tiver sido selecionado diretamente pela parte.
A lei não estabelece número mínimo de árbitros para a realização da arbitragem. As partes são livres para escolher um ou mais, ou até mesmo uma instituição arbitral. No entanto, a fim de evitar impasse ou empate na decisão, deve sempre haver número ímpar de árbitros. Caso as partes tenham indicado número par, os árbitros escolhidos estão autorizados por lei a indicar mais um, para se alcançar a quantidade ímpar. Se não houver consenso entre os árbitros — hipótese pouco provável, uma vez que foram escolhidos justamente para resolver o conflito —, a Lei nº 9.307/96 prevê que as partes deverão requerer judicialmente a indicação.
Compromisso Arbitral e Cláusula Compromissória
Além do compromisso arbitral previsto no Código Civil de 1916, a Lei de Arbitragem possibilita a inclusão de cláusula compromissória nos contratos. O primeiro consiste na convenção pela qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial (art. 9º). A segunda é a convenção pela qual as partes, em um contrato, comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir em relação a esse contrato (art. 4º).
Em outras palavras, o compromisso arbitral é firmado diante de uma controvérsia específica, surgida durante ou após a realização de um negócio jurídico entre as partes; já a cláusula compromissória é inserida previamente no contrato, para ser aplicada em eventual litígio futuro.
A cláusula compromissória pode ser “cheia”, quando estabelece, inclusive, qual o órgão arbitral competente para resolver o litígio, ou “vazia”, quando apenas prevê a utilização da arbitragem como forma de solução do conflito, sem indicar entidade especializada nem o modo de escolha dos árbitros.
É importante destacar que, embora constitua pacto adjeto a um contrato, a cláusula compromissória possui autonomia. Assim, eventual nulidade do contrato principal não afeta a validade da convenção de arbitragem (art. 8º).
Vantagens e Desvantagens
Apontam-se como vantagens da arbitragem em relação ao processo judicial:
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a) maior celeridade na resolução da controvérsia, considerando que o prazo estipulado para a sentença arbitral é de seis meses após o início da arbitragem (art. 23 da Lei nº 9.307/96), enquanto o processo judicial, em regra, não possui a mesma rapidez nem prazo fixo para decisão;
b) sigilo, pois o processo judicial e os julgamentos são, via de regra, públicos (art. 93, IX, da Constituição; art. 155 do CPC; e art. 792 do CPP), o que pode gerar exposição indesejada das partes. Já a arbitragem, por ser procedimento privado, pode ser resguardada pela confidencialidade;
c) custos potencialmente menores. Embora algumas instituições arbitrais brasileiras cobrem valores elevados, deve-se considerar que as partes não são obrigadas a ser representadas por advogado (art. 21, § 3º, da Lei nº 9.307/96) e que o processo judicial pode gerar novas despesas (diligências, perícias etc.), enquanto a arbitragem, normalmente, envolve custo fixo e previsível;
d) simplificação e flexibilidade do procedimento, que pode ser definido pelas próprias partes, sem possibilidade de interposição de inúmeros recursos e reapreciações. Um mesmo processo judicial pode ser julgado por várias instâncias, enquanto o procedimento arbitral se encerra com a sentença;
e) liberdade na escolha das normas aplicáveis, conforme o art. 2º da Lei de Arbitragem, desde que não violem os bons costumes e a ordem pública;
f) linguagem simples, mais acessível às partes, diferentemente do excesso de expressões técnicas e latinas que ainda permeia o Judiciário;
g) possibilidade de escolha de pessoa com conhecimento técnico na matéria discutida — por exemplo, um economista ou contador para litígios contratuais —, o que tende a proporcionar decisão mais especializada.
Em síntese, há ampla liberdade conferida às partes na arbitragem: desde a escolha da lei aplicável até a definição de quem decidirá a questão e do procedimento a ser observado.
Entre as desvantagens, apontam-se:
a) a possibilidade de influência da parte economicamente mais forte sobre a escolha das normas aplicáveis e da instituição arbitral, o que pode prejudicar a parte mais vulnerável;
b) custos elevados em determinadas instituições arbitrais, especialmente se comparados aos Juizados Especiais ou à justiça gratuita;
c) necessidade de análise prévia de questões jurídicas complexas, como a lei aplicável e o procedimento arbitral, o que pode dificultar o acesso para leigos;
d) risco de falta de imparcialidade do árbitro, por ter sido indicado por uma das partes;
e) possibilidade de falhas procedimentais ou na sentença arbitral, com posterior anulação judicial;
f) necessidade de execução judicial da sentença, caso a parte vencida não a cumpra voluntariamente;
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g) e, por fim, o risco de “privatização da justiça”, o que poderia favorecer apenas aqueles que dispõem de recursos para custear o procedimento.
Portanto, o Poder Público não precisa intervir em todo e qualquer conflito para resolver compulsoriamente desentendimentos entre particulares. Mesmo que as partes não cheguem a um consenso sobre o mérito da controvérsia, podem concordar em nomear um terceiro, isento e imparcial, para solucioná-la.
A garantia da jurisdição estatal não pode servir de obstáculo à livre escolha das pessoas de não recorrer ao Judiciário, optando pela arbitragem como forma legítima de composição.
O fato de existirem aspectos positivos e negativos — também presentes no Judiciário — não deve ser visto como impeditivo para sua adoção, mas sim como elementos a serem ponderados na escolha desse método de resolução de conflitos.