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Teoria do processo cautelar: características e classificações doutrinárias

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23/03/2010 às 00:00
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4. Requisitos para a concessão da tutela cautelar

Os requisitos para se alcançar uma providência de natureza cautelar são dois: um dano potencial, isto é, um risco que corre o processo principal (e seu provimento) de não ser útil ao interesse demonstrado pela parte, em razão do periculum in mora. Risco esse que deve ser objetivamente apurado. Outro requisito é a plausibilidade do direito substancial invocado por quem pretenda a segurança, ou seja, o fumus boni iuris.

Assim, o "mérito" da ação cautelar é a existência do fumus boni iuris e do periculum in mora. Presentes estes requisitos, o julgador poderá conceder a medida cautelar na sentença que encerra o procedimento ou mesmo liminarmente (inclusive, antes da oitiva do requerido).


5.Classificação estrutural do processo cautelar na doutrina

5.1.Classificação de Galeno Lacerda

Galeno Lacerda classifica[28] as medidas cautelares quanto à finalidade, quanto à posição processual e o caráter da medida e quanto à natureza.

a) Quanto à finalidade:
  1. Medidas de segurança quanto à prova (cognição): como a produção antecipada de prova e exibição;

  2. Medidas de segurança quanto aos bens (execução): como o arresto e sequestro;

  3. Medidas de segurança mediante antecipação provisória da prestação jurisdicional: como os alimentos provisionais e a guarda provisória de filhos.

b) Quanto à posição processual e caráter da medida:
  1. Medidas antecedentes ou preparatórias: propostas antes do ajuizamento do processo principal;

  2. Medidas incidentes: que são as ajuizadas no curso do processo principal.

c) Quanto à natureza da medida:
  1. Medidas jurisdicionais (arresto e sequestro);

  2. Medidas administrativas, que seriam divididas:

    • Medidas voluntárias (como a produção antecipada de provas e a justificação);

    • Medidas concedidas de ofício pelo juiz (art. 797 do CPC).

5.2.Classificação de Alexandre Freitas Câmara

Classifica as medidas conforme os seguintes critérios[29]:

a) Quanto à tipicidade:
  1. Típicas: previstas no direito positivo;

  2. Atípicas: embora não estejam previstas no ordenamento, podem ser concedidas pelo julgador através do "poder geral de cautela";

b) Quanto ao momento da postulação:
  1. Medidas antecedentes

  2. Medidas incidentes

c) Quanto à finalidade:
  1. medidas de garantia de cognição: que se destinam a assegurar a efetividade de um futuro processo de conhecimento, como a produção antecipada de provas;

  2. medidas de garantia de execução: que visam evitar o "sumiço" de bens sobre os quais incidirão os atos executivos, como arresto e sequestro; outras, são as medidas que consistem em caução, como é a contracautela, prevista na parte final do art. 804 do CPC. [30]

5.3.Classificação de Humberto Theodoro Jr.

O mestre mineiro, grande expoente do estudo do processo cautelar, assim classifica as medidas cautelares [31]:

a) Quanto à tipicidade:
  1. Típicas ou nominadas

  2. Atípicas ou inominadas

b) Quanto ao momento do ajuizamento:
  1. Preparatórias

  2. Incidentais

c) Quanto à finalidade:
  1. Para assegurar bens, que tem o objetivo de proteger a futura execução forçada;

  2. Para assegurar pessoas, como a guarda provisória de incapazes e os alimentos provisionais;

  3. Para assegurar provas, como a exibição e a produção antecipada de provas.

Em nosso sentir, a melhor classificação das medidas cautelares nominadas apresentada pela doutrina é a do professor Humberto Theodoro Júnior [32], assim detalhada:

Para assegurar execução

  • Arresto (art. 813)

  • Sequestro (art. 822)

  • Caução (art. 826)

Sobre bens

Conservativas genéricas

  • Arrolamento de bens (art. 855);

  • Busca e apreensão (art. 839);

  • Atentado (art. 879);

  • Obras de conservação da coisa litigiosa (art. 888, I).

Sobre provas

  • Exibição de coisa, documento ou escrituração comercial (art. 844);

  • Produção antecipada de prova (art. 846);

Sobre pessoas

Guarda de pessoas

  • Posse provisória dos filhos (art. 888, III).

  • Afastamento de menor para casar contra a vontade dos pais (art. 888, IV).

  • Depósito de menor castigado imoderadamente (art. 888, V).

  • Guarda e educação de filhos e direito de visita (art. 888, VII).

Satisfação de necessidades urgentes

  • Alimentos provisionais (art. 852).

  • Afastamento temporário do cônjuge (art. 888, VI).

Medidas submetidas apenas ao regime procedimental cautelar

  • Justificação (art. 801);

  • Protestos, notificações e interpelações (art. 867);

  • Homologação de penhor legal (art. 874);

  • Posse em nome do nascituro (art. 877);

  • Protesto de títulos cambiários (art. 882).

  • Interdição e demolição de prédio para resguardar a saúde e segurança (art. 888, VIII).


Conclusão

Buscou-se, com o presente estudo, apresentar algumas distinções feitas pela doutrina processual quanto às características e classificações quanto ao processo cautelar. Quanto às características, segundo pensamos, quem melhor formulou e elucidou o tema, foram os professores Marinoni e Arenhart.

No que tange à divisão estrutural do processo, melhor sistematização foi desenvolvida pelo professor Humberto Theodoro Jr, pelo didatismo e percepção quanto ao âmbito de incidência desta espécie de tutela jurisdicional.


Referências Bibliográficas

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Notas

  1. Adota-se, para fins de estudo deste singelo trabalho, a vertente instrumentalista do processo, amplamente majoritária. Não se desconhece que existe uma corrente que tece inúmeras críticas ao modelo instrumentalista, corrente doutrinária esta desenvolvida na PUC-MG, UFMG e FUMEC, que concebe o processo no Estado Democrático de Direito. Considerações críticas e obtemperações acerca da jurisdição, ação e processo no Estado Democrático de Direito serão objeto de outro estudo que não o presente.

  2. GRINOVER, Ada Pelegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. Teoria geral do processo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

  3. Que no linguajar processual são os processos ditos principais.

  4. Orione Neto, luiz. Processo cautelar. São Paulo: Saraiva, 2003.

  5. MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil – v. 4 – processo cautelar – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 30.

  6. THEODORO JR. Humberto. Curso de direito processual civil – processo de execução e cumprimento de sentença, processo cautelar e tutela de urgência – v. II – p. 540.

  7. THEODORO JR. Humberto. Curso de direito processual civil – processo de execução e cumprimento de sentença, processo cautelar e tutela de urgência – v. II – p. 540.

  8. Característica apontada por WAMBIER, Luiz Rodrigues, TALAMINI, Eduardo, ALMEIDA, Flávio Renato Correia de. Curso avançado de processo civilv. 3 – processo cautelar e procedimentos especiais – 9. ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 41, que reputamos como sendo a mais precisa e didática no ensino da matéria, motivo este, que nos levou a abordar as características apontadas pelos notáveis processualistas paranaenses.

  9. THEODORO JR. Humberto. Curso de direito processual civil – processo de execução e cumprimento de sentença, processo cautelar e tutela de urgência. v. II. 41. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 543.

  10. Idem.

  11. No mesmo sentido: NERY JUNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado – 9. ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 937. No STJ: PROCESSUAL CIVIL - EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA - AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA - AÇÃO PRINCIPAL - NÃO AJUIZAMENTO NO PRAZO ESTABELECIDO PELO ART. 806 DO CPC - EXTINÇÃO DO FEITO - PRECEDENTES. - A ação cautelar é sempre dependente do processo principal e visa apenas garantir a eficácia da futura prestação jurisdicional. - O não-ajuizamento da ação principal no prazo estabelecido pelo art. 806 do CPC, acarreta a perda da medida liminar e a extinção do processo cautelar, sem julgamento do mérito. - Embargos de divergência conhecidos e providos. (STJ - EREsp 327438/DF – Corte Especial - Relator Ministro Francisco Peçanha Martins – j. 30/06/2006 – publicação DJ 14.08.2006 p. 247, RDDP vol. 43 p. 133). No mesmo sentido: REsp n. 199.165/PR – rel. Min. Garcia Vieira; REsp n. 178.356/ES – Rel. Min. Vicente Leal.

  12. WAMBIER, Luiz Rodrigues, TALAMINI, Eduardo, ALMEIDA, Flávio Renato Correia de. Curso avançado de processo civil. v. 3. processo cautelar e procedimentos especiais – 9. ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 42.

  13. THEODORO JR. Humberto. Curso de direito processual civil – processo de execução e cumprimento de sentença, processo cautelar e tutela de urgência. v. II. 41. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 541.

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  14. MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil. v. 4.processo cautelar – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 23. Os autores consideram que a tutela cautelar não é uma tutela da jurisdição ou do processo. Para eles a "tutela cautelar somente pode ser relacionada com a efetividade da tutela do direito, ou com a segurança da situação tutelável e não com a ‘seriedade da jurisdição’".(idem, p. 24).

  15. Idem. p. 28.

  16. Ibidem. p. 31.

  17. Ibidem. p. 31

  18. MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil – v. 4 – processo cautelar, p. 36

  19. CALAMANDREI, Piero. Introdução ao estudo sistemático dos procedimentos cautelares – Campinas: Servanda, 2000.

  20. MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil - v. 4 - processo cautelar, p. 36.

  21. Idem. p. 36.

  22. MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil - v. 4 - processo cautelar, p. 38.

  23. MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória – 3. ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, passim.

  24. MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil – v. 4 – processo cautelar, p. 42. No mesmo sentido: MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória – 3ª ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 263-270.

  25. LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 344-345. Para melhor análise da temática: SPADONI, Joaquim Felipe, Ação inibitória – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, passim; MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória – 3. ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003; ARENHART, Sérgio Cruz, Tutela inibitória da vida privada – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000 e ARENHART, Sérgio Cruz, Tutela inibitória coletiva – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

  26. Como corolário do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional de lesão ou ameaça a direito (CF/88, art. 5º, XXXV).

  27. LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do direito privado, p. 345.

  28. LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil Arts. 796 a 812 – Vol.VIII - Tomo I – 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

  29. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil – v. III – processo cautelar e procedimentos especiais – 12. ed. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

  30. Idem.

  31. THEODORO JR. Humberto. Curso de direito processual civil – processo de execução e cumprimento de sentença, processo cautelar e tutela de urgência – v. II – 41. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 544.

  32. THEODORO JR. Humberto. Curso de direito processual civil – processo de execução e cumprimento de sentença, processo cautelar e tutela de urgência – v. II – 41. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 545.

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Sobre o autor
Murillo Sapia Gutier

Mestrando em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC-MG. Especialista em Direito Civil pela PUC-MG e em Direito Ambiental pela Universidade de Franca - Unifran. Professor do Curso de Direito da Universidade Presidente Antonio Carlos - Unipac-Uberaba. Professor Convidado da Pós-graduação em Direito da Universidade Tiradentes – Unit/SE e da Universidade de Uberaba – Uniube. Advogado militante em Uberaba (MG).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUTIER, Murillo Sapia. Teoria do processo cautelar: características e classificações doutrinárias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2456, 23 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14548. Acesso em: 26 abr. 2024.

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