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Os contratos coativos na nova modelagem civil-constitucional.

Exemplo das contas de água e luz

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05/04/2010 às 00:00
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Sumário:1. Introdução. 2. A Efetivação do Direito Civil Constitucional. 3. Da Natureza Jurídica das "Contas de Água e Esgoto". 3.1. Pela natureza jurídica de Tributo. 3.2. Como Tarifa ou Preço Público. 3.3. Como Contratos Coativos. 4.Conclusão. 5. Referências bibliográficas.


1. Introdução

Há muito estudamos e comemoramos a já famosa "Publicização do Direito Privado" [01].

Desde a leitura de Pietro Pierlingieri, Gustavo Tepedino, César Fiuza e, mais recentemente, Ricardo Lebourg, dentre outros de igual importância no estudo do tema, a página do Direito Civil como ramo exclusivo do Direito Privado Liberal foi virada. A Constitucionalização do Direito Civil é patente na doutrina e até mesmo na aplicação forense:

Superado o clássico positivismo jurídico, os juízes não mais devem aplicar mecanicamente a lei. É preciso aplicá-la de modo a encontrar o justo no caso concreto. O sistema jurídico, em geral, é controlado e aplicado como uma rede axiológica e hierarquizada de princípios, de normas e de valores jurídicos, cuja função é a de dar cumprimento aos princípios e objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito, assim como se encontram consubstanciados, expressa ou implicitamente, na Constituição da República. Com o fenômeno da "Constitucionalização do Direito infraconstitucional", o Código Civil certamente perdeu a centralidade de outrora. O papel unificador do sistema, tanto nos seus aspectos mais tradicionalmente civilísticos, quanto naqueles de relevância publicista, é desempenhado de maneira cada vez mais incisiva pelo Texto Constitucional. [02]

E é vitória da própria Justiça pois aplicar princípios, principalmente os constitucionais, ao Direito estamos fazendo nada mais do que buscar a essência do próprio Direito que além de legal deve ser legítimo e justo!

E o tema da Constitucionalização do Civil, aplicação de princípios e hermenêutica é cativante e demandaria outras e diversas linhas, além das referências aqui citadas.

Neste artigo em particular, tratamos de tema que se baseia em movimento interessante de interpenetração do Direito Público ao Privado e onde não há posicionamento unânime da doutrina [03].

Isto porque ao analisar recente decisão e súmulas do Superior Tribunal de Justiça - STJ - acerca da natureza jurídica das "contas" de água e esgoto, o que chamou atenção foi o movimento contrário, ou seja: uma "Privatização do Direito Público" e a confusão de conceitos de Taxas, Tarifas e Preços Públicos e o novo Contrato Coativo.

Como veremos a seguir, estes três entendimentos e conceitos se confundem e não há unanimidade. Para alguns, principalmente os tributaristas mais tradicionais, o serviço de água e esgoto é Tributo (na espécie Taxa) por ser compulsório, para outros é Tarifa ou Preço Público sujeitando-se ao Código Civil, como na decisão do STJ e para outros é Contrato Coativo onde há misto de normas públicas e privadas em sua configuração.

Desta feita, abordaremos doutrina tributária, civilista e análise de julgados na tentativa de concluir acerca da natureza jurídica das cobranças pelos serviços de água e esgoto. Principalmente no estudo da "autonomia da vontade" versus "compulsoriedade" desse serviço, e se é possível buscar uma natureza híbrida público (tributária) e privada em sua configuração.


2. A Efetivação do Direito Civil Constitucional

Com ascensão dos valores, da normatividade dos princípios, da Dignidade da Pessoa Humana, da Concretude e da Interpretação Constitucional que evita aplicação literal e estática da lei, o Direito faz uma verdadeiro movimento em direção à sua origem. Como dito, volta à Ética e se curva à Justiça [04].

E cediço é que a dogmática jurídica estática e vigente durante toda a modernidade não mais serve à sociedade contemporânea que exige um novo desafio ao Direito, qual seja: aplicar a justiça aos casos concretos pesando-se a lei, com princípios e criando-se mecanismos para que os preceitos legais possam adaptar-se as novas situações surgidas.

É mister que a legislação, em sua forma tradicional, num conteúdo rígido, fechado e estático, não possui espaço para o intérprete em face do caso concreto: falece o sistema assentado em tipos legais com atividade do seu aplicador apenas na adequação das hipóteses fáticas ao modelo normativo.

Destarte, a velocidade e o dinamismo nas estruturas sociais exigiram mudanças no modelo de sistema positivista fechado, que buscava segurança e certeza do Direito em códigos totalizadores, perfeitos e de operabilidade imediata (ou lógico-dedutivo).

Basta ver a gama de novidades tecnológicas - como a internet – e biológicas – experimentação com embriões, indagações em torno do genoma humano, avanços da engenharia genética etc. – enfrentados pelo Direito contemporâneo "que nem sempre são resolvidos pelos instrumentos tradicionais" como alertado por Maria de Fátima Freire de Sá (2003).

Como citado pela filósofa e mediadora de Conflitos Flávia Resende (2009), o fato é que um novo paradigma de Direito vem se delineando sucedendo que a lei, o Direito e a justiça como concepções da razão, mas também do sentimento humano.

Pensadores como John Rawls (2002), por exemplo, começam a fazer uma teoria em que o horizonte da Justiça volta para o campo delimitado do Direito posto, positivo. Segundo Rawls, numa sociedade sem a idéia de justiça, "a desconfiança e o ressentimento corroem os vínculos de civilidade". Para tanto, na obra Uma Teoria da Justiça, ele propõe um parâmetro para se medir se uma sociedade é ou não justa, contemporaneamente.

O importante fazer notar a partir desta pequena visão da obra de Rawls é que a idéia de Justiça volta para o horizonte das instituições sociais e, conseqüentemente, para a ciência jurídica, fato este impensável dentro de um paradigma positivista.

Nessa linha principiológica, podem ser destacadas também as teorias de Robert Alexy (2003) e Klaus Günther (2004) - ambas tocadas pela teoria discursiva de Jürgen Habermas (1997) - que pretendem demonstrar o papel dos princípios e sua aplicação.

Aqui não cabe o debate acerca da divergência existente entre o modelo de ponderação de valores desenvolvido por Alexy e a crítica a ele formulada por Günther a partir de um modelo de coerência normativa baseada na consideração de todas as circunstâncias do caso. Bom debate para outra oportunidade. O que nos interessa neste texto é que, ambos pensadores, no universo de suas idéiais principiológicas, estão abertos a dimensão axiológica; sem se esquecer ainda de Ronald Dworkin (1999) que enfrenta a questão através de sua teoria da integridade do direito e com o recurso a princípios jurídicos.

E toda essa efetivação de um Direito constitucionalizado e principiológico se amolda bem ao tema exposto, pois o que se trata é justamente a superação de paradigmas tradicionais – como contrato essencialmente particular e de vontade livre – e a interpenetração de temas tributários com assuntos clássicos do Direito civil por exemplo.


3. Da Natureza Jurídica das "Contas de Água e Esgoto"

Como dito no intróito, não há certeza doutrinária acerca da natureza jurídica de tais serviços. E pelas últimas decisões do STJ, inclusive sumuladas (407 e 412), há mistura de conceitos privados de contratos – cujo primeiro princípio é Autonomia da Vontade – com os de Tributo – compulsórios por sua própria natureza (art. 3º. CTN).

E aqui debatemos justamente um aspecto claro onde percebemos essa interpenetração do Público e Privado e da necessidade de aplicação de princípios constitucionais - como a Boa-fé aos contratos – em tais atos jurídicos, pois nas citadas decisões e súmulas, que entendem a natureza jurídica da remuneração dos serviços de água e esgoto como Tarifa ou Preço Público - consubstanciando, assim, contraprestação de caráter não-tributário – tais conceitos se confundem.

Enfim, são Taxas por serem compulsórias, são Preços Públicos (como pelas últimas decisões e súmulas do STJ) ou são Contratos Coativos ?

3.1. Pela natureza jurídica de Tributo

O conceito legal de Tributo nos é bastante conhecido e debatido, sendo estipulado no art. 3º do Código Tributário Nacional:

Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

Ou seja, a compulsoriedade é elemento fundamental em sua definição, tendo sido tal entendimento enfrentado pelo STF e sumulado no Enunciado n. 545:

Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas (‘as taxas’), diferentemente daquelas, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada á prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu."

O Professor e Tributarista Sacha Calmon (1999:415) faz com simplicidade a diferença entre Taxa e Preço aduzindo que se o legislador optar pela compulsoriedade do Tributo estamos diante de Taxa, inclusive pela mera disponibilidade do serviço. Desta feita, todo o regime fica preso às regras de "contenção do poder de tributar": legalidade, anualidade etc.

De outro modo, se escolher o regime contratual – Preço – "perde a compulsoriedade da paga pela mera disponibilidade do serviço, mas ganha elasticidade e imediatez na fixação das tarifas".

Cita, inclusive, caso ocorrido na capital mineira onde um condomínio queria se ver livre da cobrança pelo utilização do esgoto, sugerindo fazer a própria fossa. Já a concessionária responsável não permitiu tal rescisão. Assim, discordou da concessionária o autor, afirmando que se optou pelo regime de Preço – ou seja, regime contratual – não poderia recusar a extinção do contrato.

Em conclusão, cita outro mestre – Aliomar Baleeiro - para quem "Preço Compulsório é Taxa e Taxa Facultativa é Preço" e também concluiu no sentido de que " se o regime for jurídico-tributário, temos taxas" e "se o regime for contratual temos o preço público".

Vale também relembrar caminhada interessante na discussão doutrinária sobre a natureza jurídica dos Empréstimos Compulsórios. Isto porque no entendimento de antigos julgados e mesmo da súmula 418 do STF [05] de 01/06/64, Empréstimo Compulsório não seria considerado Tributo.

E o entendimento da época – citado por Marciano Seabra de Godoi e Pablo Henrique de Oliveira (2002:137) que analisaram a jurisprudência do Supremo – se coaduna com a tese privatista da natureza de Contratos Coativos que abordaremos no item 3.3. Esclarecem os autores (grifamos):

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Nos julgamentos mencionados (acerca da súmula 418), prevaleceu a posição defendida por San Tiago Dantas, de que os empréstimos compulsórios deveriam ser caracterizados como "contratos coativos". O Ministro Victor Nunes Leal, no voto que proferiu no RMS 11.252, acatou expressamente a teoria mencionada, segundo a qual o elemento "acordo de vontades" ficaria afastado em nome do interesse público, e o fato de o empréstimo ser "compulsório" e de não se enquadrar nas categorias jurídicas até então existentes não seria bastante para qualificá-lo como um verdadeiro tributo.

No entanto, a jurisprudência e doutrina atuais não deixam dúvida de que os Empréstimos Compulsórios são realmente Tributos. E um dos fundamentos para tal classificação é justamente o fato do mesmo ser "Compulsório", valendo a redundância.

O professor Regis Fernandes de Oliveira (2008:599) ratifica afirmando que Empréstimo Compulsório é Tributo pois "não pressupõe manifestação livre da vontade". E mais, conclui citando Sacha Calmon "por induvidoso que o empréstimo compulsório in examine é tributo (gênero) e imposto (espécie)."

Assim sendo, por esta primeira corrente, as contas de água e luz deveriam ser cobradas mediante tributos (taxas) por serem compulsórias. Não pode o contribuinte prescindir do serviço e utilização!

3.2. Como Tarifa ou Preço Público

Já o STJ nas decisões e súmulas abaixo elencadas, afirma que tais cobranças, apesar de compulsórias, são vinculadas ao Direito Civil e cria o imbróglio doutrinário que procuramos discutir e esclarecer: ou seja, são compulsórios os serviços, mas diferentemente do alegado pelos tributaristas – e súmula STF inclusive – integram e buscam normas privadas do Direito Civil? É possível?

Vejamos as decisões e súmulas do STJ (grifamos) que concluem pela natureza jurídica de Tarifa ou Preço Público, não se sujeitando ao "caráter tributário" e sim às normas do Código Civil:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.117.903 - RS (2009/0074053-9)

RELATOR : MINISTRO LUIZ FUX

RECORRENTE : DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE ÁGUA E ESGOTOS DMAE

PROCURADOR : JORGE LUIZ NEVES SARAIVA E OUTRO(S)

RECORRIDO : GLICÉRIO BRENO MACHADO

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. CRÉDITO NÃO-TRIBUTÁRIO. FORNECIMENTO DE SERVIÇO DE ÁGUA E ESGOTO. TARIFA/PREÇO PÚBLICO. PRAZO PRESCRICIONAL. CÓDIGO CIVIL. APLICAÇÃO.

1. A natureza jurídica da remuneração dos serviços de água e esgoto, prestados por concessionária de serviço público, é de tarifa ou preço público, consubstanciando, assim, contraprestação de caráter não-tributário, razão pela qual não se subsume ao regime jurídico tributário estabelecido para as taxas (Precedentes do Supremo Tribunal Federal: RE 447.536 ED, Rel. Ministro Carlos Velloso, Segunda Turma, julgado em 28.06.2005, DJ 26.08.2005; AI 516402 AgR, Rel. Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 30.09.2008, DJe-222 DIVULG 20.11.2008 PUBLIC 21.11.2008; e RE 544289 AgR, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 26.05.2009, DJe-113 DIVULG 18.06.2009 PUBLIC 19.06.2009. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça: EREsp 690.609/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Primeira Seção, julgado em 26.03.2008, DJe 07.04.2008; REsp 928.267/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, julgado em 12.08.2009, DJe 21.08.2009; e EREsp 1.018.060/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, julgado em 09.09.2009, DJe 18.09.2009).

2. A execução fiscal constitui procedimento judicial satisfativo servil à cobrança da Dívida Ativa da Fazenda Pública, na qual se compreendem os créditos de natureza tributária e não tributária (artigos 1º e 2º, da Lei 6.830/80).

3. Os créditos oriundos do inadimplemento de tarifa ou preço público integram a Dívida Ativa não tributária (artigo 39, § 2º, da Lei 4.320/64), não lhes sendo aplicáveis as disposições constantes do Código Tributário Nacional, máxime por força do conceito de tributo previsto no artigo 3º, do CTN.

4. Conseqüentemente, o prazo prescricional da execução fiscal em que se pretende a cobrança de tarifa por prestação de serviços de água e esgoto rege-se pelo disposto no Código Civil, revelando-se inaplicável o Decreto 20.910/32, uma vez que:

"... considerando que o critério a ser adotado, para efeito da prescrição, é o da natureza tarifária da prestação, é irrelevante a condição autárquica do concessionário do serviço público. O tratamento isonômico atribuído aos concessionários (pessoas de direito público ou de direito privado) tem por suporte, em tais casos, a idêntica natureza da exação de que são

credores. Não há razão, portanto, para aplicar ao caso o art. 1º do Decreto 20.910/32, norma que fixa prescrição em relação às dívidas das pessoas de direito público, não aos seus créditos. " (REsp 928.267/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, julgado em 12.08.2009, DJe 21.08.2009)

5. O Código Civil de 1916 (Lei 3.071) preceituava que:

Art. 177. As ações pessoais prescrevem, ordinariamente, em 20 (vinte) anos, as reais em 10 (dez), entre presentes, e entre ausentes, em 15 (quinze), contados da data em que poderiam ter sido propostas.

(...)

Art. 179. Os casos de prescrição não previstos neste Código serão regulados, quanto ao prazo, pelo art. 177."

6. O novel Código Civil (Lei 10.406/2002, cuja entrada em vigor se deu em 12.01.2003), por seu turno, determina que:

"Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

(...)

Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada."

7. Conseqüentemente, é vintenário o prazo prescricional da pretensão executiva atinente à tarifa por prestação de serviços de água e esgoto, cujo vencimento, na data da entrada em vigor do Código Civil de 2002, era superior a dez anos. Ao revés, cuidar-se-á de prazo prescricional decenal.

8. In casu, os créditos considerados prescritos referem-se ao período de 1999 a dezembro de 2003, revelando-se decenal o prazo prescricional, razão pela qual merece reforma o acórdão regional.

9. Recurso especial provido, determinando-se o retorno dos autos à origem, para prosseguimento da execução fiscal, uma vez decenal o prazo prescricional pertinente. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.

SÚMULA N. 407-STJ.

É legítima a cobrança da tarifa de água fixada de acordo com as categorias de usuários e as faixas de consumo. Rel. Min. Eliana Calmon, em 28/10/2009.

SÚMULA N. 412-STJ.

A ação de repetição de indébito de tarifas de água e esgoto sujeita-se ao prazo prescricional estabelecido no Código Civil. Rel. Min. Luiz Fux, em 25/11/2009.

E não apenas o STJ, pois o próprio Supremo Tribunal Federal, não obstante, vem decidindo, reiteradamente, tratar-se de tarifa ou preço público, consubstanciando, assim, contraprestação de caráter não-tributário [06]:

"...não obstante a sua obrigatoriedade, a contraprestação ao serviço de esgotamento sanitário não tem caráter tributário. Trata-se, na realidade, de tarifa, não dependendo, portanto, da edição de lei específica para sua instituição o majoração. (RE n.º 464.952/MS, Rel. Min.ª Ellen Gracie, DJ de 23.03.2006)"

3.3. Como Contratos Coativos

Noutra linha, o civilista Sílvio de Salvo Venosa (2006:384) entende que estaríamos diante de um Contrato Coativo. Ou seja, contrato que representa o "máximo do dirigismo contratual", podendo ser configurados os contratos entre as concessionárias de serviço público de fornecimento de água, luz, esgoto, gás, telefone e os usuários desses serviços.

Afirma: "Não há como defender a autonomia da vontade se o contrato é imposto... A empresa não pode recusar-se a contratar com o usuário, quando este se sujeita á condições gerais e desde que existam condições materiais para a prestação do serviço. O usuário não pode prescindir desses serviços, nem mesmo, por vezes, recusá-los". Conclui: "Ambas as partes são forçadas a contratar".

No entanto, ao final do capítulo acerca desse novo modelo contratual – o Contato Coativo – o autor se rende ao conceito de que realmente não tratamos de um contrato e sim de uma relação com "aparência de contrato" e nos passa novamente a bola. Diz que a interpretação das cláusulas e o inadimplemento, nesse caso, não podem ser vistos de forma igual aos demais contratos, nem mesmo aos contratos de adesão".

Como dito, a concessionária não pode negar o serviço público ou escolher o usuário com quem contratar, nem o usuário pode prescindir do serviço. Na verdade, as partes são obrigadas a contratar, diante da conseqüência do privilégio concedido às concessionárias que detêm o monopólio dos serviços públicos. O já citado Prof. Sacha Calmon (1999:153) até admite a existência prática do regime de contratos para tais serviços, mas considera os mesmos Contratos de Adesão [07] e não Coativos como aqui explicamos.

Na prática, contudo, o Brasil tem seguido o caminho da contratualismo de adesão, pela cobrança de preços para viabilizar o fornecimento de tais utilidades, ora permitindo aos particulares explorá-los mediante concessões de serviço, ora engedrando instrumentalidades, sociedades de economia mista ou empresas públicas concessionárias dos respectivos serviços. Destarte, hoje, a energia, a telefonia, os transportes, a água são postos á disposição da população através das empresas concessionárias, na maioria, pertencentes ao Poder Público, que contratam os serviços e os preços (tarifas) ainda que através de contratos de adesão, pois que os usuários simplesmente aderem ás cláusulas contratuais estipuladas pelos prestadores. Certo ainda que as tarifas são fixadas á luz de critérios estranhos ao regime jurídico-tributário, evoluindo de acordo com a conjuntura macro ou microeconômica.

Vale a pena relembrar que Contrato é Negócio Jurídico Bilateral. É acordo de vontades com o fito de criar obrigações entre as partes. Deve possuir os requisitos do art. 104 do Código Civil (agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei) e obedece aos três princípios tradicionais ou clássicos (Autonomia da Vontade, Relatividade e Força Obrigatória pacta sunt servanda) em harmonia com os novos princípios contrato-constitucionais da Boa-fé e Função Social.

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Sobre o autor
Humberto Gomes Macedo

Mestre em Direito e Instituições Políticas -Universidade FUMEC. Especialista em Direito Processual Civil. Professor de Direito Civil na faculdade UNA.Coodenador do Núcleo de Prática Jurídica da UNA.Advogado Autárquico do Estado de Minas Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACEDO, Humberto Gomes. Os contratos coativos na nova modelagem civil-constitucional.: Exemplo das contas de água e luz. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2469, 5 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14613. Acesso em: 5 nov. 2024.

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