No dia 27/03/2010, foi prolatada, no âmbito do 2º Tribunal do Júri da Comarca de São Paulo – Fórum Regional de Santana, sentença condenatória do casal Alexandre Alves Nardoni e Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá, referente ao homicídio da menina Isabella Oliveira Nardoni.
A proposta do presente artigo é aproveitar o caso concreto para transmitir alguns conhecimentos técnicos que norteiam o julgamento no âmbito do Tribunal do Júri, bem como, e principalmente, demonstrar as variáveis que devem ser consideradas na dosimetria da pena, uma vez sobrevindo a condenação.
1. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI
A Constituição Federal delimita a atuação do Tribunal do Júri.
Prevê a Carta Magna em seu artigo 5º, XXXVIII, que:
"XXXVIII – é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
a)a plenitude de defesa;
b)o sigilo das votações;
c)a soberania dos veredictos;
d)a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;
[…]" (grifos nossos).
Fica claro, portanto, que ao Tribunal do Júri incumbe, no nosso país, julgar apenas os crimes dolosos contra a vida, tentados ou consumados, segundo também é ratificado pelo CPP (art. 74, § 1º).
Conforme ensinam Luiz Flávio Gomes e Antonio García-Pablos de Molina (2007, v. 2, p. 525): "De acordo com o Código Penal (art. 18), diz-se o crime doloso quando o sujeito quis o resultado (dolo direto) ou assumiu o risco de produzi-lo (dolo eventual)".
Crimes contra a vida são aqueles posicionados no Capítulo I do Título I da Parte Especial do Código Penal (arts. 121. a 128), quais sejam:
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a) homicídio (art. 121);
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b) induzimento, instigação ou auxílio a suicídio (art. 121);
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c) infanticídio (art. 123); e
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d) aborto (arts. 124, 125 e 126).
Qualquer um desses crimes, seja tentado (quando o agente não atingiu o resultado por razões alheias à sua vontade) ou consumando (quando é atingido o resultado), atrai a competência do Tribunal do Júri, se for doloso, segundo já explicitado.
Consoante bem ressalta Flávio Martins Alves Nunes Júnior (2008, p. 183) a CF estabelece uma "competência mínima" do Tribunal do Júri, visto que: "[…] nada impede que uma emenda constitucional ou a própria lei infraconstitucional amplie a competência do Tribunal do Júri. Aliás, foi o que fez o Código de Processo Penal [em seu art. 78], afirmando que os crimes conexos com os crimes dolosos contra a vida serão igualmente julgados pelo Tribunal do Júri".
Como Alexandre e Anna Carolina foram acusados de um homicídio doloso, restou configurada a competência do júri no caso. Coube ao colegiado, ainda, julgar o crime de fraude processual (art. 347. do CP), também imputado ao casal por ter intencionalmente alterado a "cena do crime" no intuito de prejudicar a persecução penal, por conta deste ser conexo ao delito principal.
2. JULGAMENTO NO TRIBUNAL DO JÚRI
Citado Tribunal é composto por um juiz togado (ou seja, magistrado de carreira) e jurados leigos, segundo previsto no art. 447. do CPP, in verbis: "O tribunal do Júri é composto por 1 (um) juiz togado, seu presidente e por 25 (vinte e cinco) jurados que serão sorteados dentre os alistados, 7 (sete) dos quais constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento".
Até se chegar ao julgamento pelos jurados, normalmente se passam pelas seguintes fases:
2.1. Fase policial
Apesar de não ser indispensável o inquérito policial como procedimento preliminar para início da fase judicial, normalmente este é uma ferramenta importantíssima em se tratando de crimes contra a vida. Através dele a autoridade policial (delegado de polícia, que preside o IPL) vai coletar, com a ajuda de outros policiais e dos peritos criminais, provas da materialidade delitiva e indícios da autoria; ou seja, provas de que o crime realmente ocorreu e indícios de quem foi o responsável pelo delito.
No caso "Isabella Nardoni" os elementos coletados no decurso do inquérito policial foram determinantes para a condenação dos acusados.
Em rega, o prazo para conclusão do inquérito é de 10 (dez) dias, em se tratando de investigado preso, e 30 (trinta) dias, em se tratando de investigado solto, consoante previsto no art. 10, caput, do CPP. Admite-se a prorrogação de prazo somente quando o investigado estiver solto (art. 10, § 3º, do CPP).
A peça final do inquérito policial é o relatório elaborado pelo delegado de polícia, previsto no art. 10, §§ 1º e 2º, do CPP.
Vale ressaltar que, no curso do inquérito, identificando a autoridade policial o possível autor do crime investigado, deve ela indiciá-lo. Indiciar significa imputar a alguém, na fase policial, a prática de um determinado crime com base nos indícios coletados durante a investigação. O indiciamento consta na chamada Folha de Antecedentes Criminais que é emitida pela Polícia para encaminhamento ao Judiciário.
2.2. Fase judicial
Uma vez concluído o inquérito policial e apresentado em juízo, deve ser ele repassado ao representante do Ministério Público vinculado ao caso, visto que a este incumbe, na condição de titular da ação penal pública incondicionada (espécie de ação nos crimes dolosos contra a vida), pleitear a instauração da fase judicial através da peça chamada denúncia.
Tem o promotor de justiça (que normalmente representa o MP no Tribunal do Júri, ressalvados casos de competência da Justiça Federal, nos quais atuam os procuradores da República) o prazo de 5 (cinco) dias para o oferecimento da denúncia, no caso de investigado preso; e 15 (quinze) dias, em se tratando de investigado solto, segundo previsão constante no art. 46. do CPP.
2.2.1. Recebimento ou rejeição da denúncia
Uma vez oferecida a denúncia, cabe ao juiz do caso recebê-la ou rejeitá-la.
Se receber a peça acusatória, deverá determinar a citação do acusado para responder no prazo de 10 (dez) dias (art. 406. do CPP).
Apresentada a resposta da defesa, será dada oportunidade à acusação de apresentar uma réplica (art. 409. do CPP), no prazo de 5 (cinco) dias.
2.2.2. Audiência de instrução e julgamento
Em sequência, prevê o CPP a realização de uma audiência de instrução e julgamento (arts. 410. e 411 do CPP), no prazo e 10 (dez) dias, para coleta de provas e posterior decisão.
Nesse momento o magistrado não pode condenar o réu, podendo apenas, segundo bem pondera Flávio Martins Alves Nunes Júnior (2008, p. 193), proferir decisão de:
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pronúncia – encaminha o réu para julgamento pelos jurados, reconhecendo a existência de provas da materialidade delitiva e indícios suficientes da autoria;
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impronúncia - nesse aspecto dispõe o CPP que: "Art. 414. Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado. Parágrafo único. Enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia ou queixa se houver prova nova";
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desclassificação – nesse caso o juiz se convence da existência de crime que não é de competência do Tribunal do Júri (art. 419. do CPP), devendo remeter os autos do processo ao juízo competente;
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absolvição sumária - prevê o CPP que: "Art. 415. O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando: I – provada a inexistência do fato; II – provado não ser ele autor ou partícipe do fato; III – o fato não constituir infração penal; IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime. Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV do caput deste artigo ao caso de inimputabilidade prevista no caput do art. 26. do Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, salvo quando esta for a única tese defensiva".
Até nesta fase não há, segundo se pode perceber claramente, nenhuma atuação dos jurados.
No caso "Isabella Nardoni" a opção foi pela pronúncia dos réus.
2.2.3. Julgamento em plenário do júri
Após pronunciado o réu, iniciam-se os preparativos para julgamento em plenário do júri, através da intimação das partes para indicarem provas que pretendem produzir (art. 422. do CPP) e posterior deliberação do juiz sobre tais requerimentos de provas (arts. 423. e 424 do CPP).
A composição do Tribunal do Júri é assim prevista pelo CPP: "Art. 447. O Tribunal do Júri é composto de 1 (um) juiz togado, seu presidente e por 25 (vinte e cinco) jurados que serão sorteados dentre os alistados, 7 (sete) dos quais constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento".
O réu, portanto, será julgado por 7 (sete) jurados, escolhidos mediante sorteio. Ressalta-se que durante o sorteio tanto a defesa quanto a acusação poderão recusar, sem justificativa, até 3 (três) sorteados, cada uma (art. 468. do CPP).
Formado o Conselho de Sentença, segue-se a instrução em plenário com a realização dos seguintes atos (arts. 473. a 475 do CPP):
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a) inquirição do ofendido (vítima), se for possível;
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b) inquirição das testemunhas da acusação;
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c) inquirição das testemunhas da defesa;
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d) produção de demais provas (acareações, reconhecimentos de pessoas e coisas etc.);
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e) interrogatório(s) do(s) acusado(s).
Encerrada a instrução, passa-se aos debates entre acusação (representante do MP) e defesa (advogado ou defensor do acusado), conforme regulado pelos arts. 476. a 480 do CPP.
Superada esta fase, passam os jurados a responder aos quesitos formulados pelo juiz presidente com base na decisão de pronúncia (ou decisões posteriores que julgaram admissível a acusação), interrogatório do réu e alegações das partes (arts. 482. a 491 do CPP).
Em suma, os jurados decidirão, inicialmente, sobre a materialidade do fato (existência do crime), se o réu foi autor ou partícipe de tal delito, e se este deve ser absolvido.
Por óbvio que, se for decidido pela maioria dos jurados que o crime não existe ou que o réu não é responsável (autor ou partícipe) por ele, o julgamento se encerra com a absolvição do acusado. E, mesmo que seja reconhecida a existência do delito e que o réu foi responsável por ele, os jurados poderão optar por sua absolvição, também se encerrando o julgamento.
Pelo contrário, decidindo a maioria dos jurados que o crime existiu, que o réu é por ele responsável e que não deve ser absolvido, o julgamento deve prosseguir para que os mesmos jurados respondam os quesitos sobre (art. 483, § 3º, do CP): I – causa de diminuição de pena alegada pela defesa; II – circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena, reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação.
Tal providência é necessária para permitir ao juiz efetuar a dosimetria da pena de acordo com vontade dos jurados.
Ressalta-se que havendo mais de um acusado (que foi o caso do casal Nardoni) e a imputação de mais de um crime, os quesitos devem ser formulados em correspondência a cada um deles, ou seja, em séries distintas (art. 483, § 6º, do CPP).
Respondidos os quesitos, passa o juiz presidente a proferir a sentença.
3. SENTENÇA CONDENATÓRIA NO TRIBUNAL DO JÚRI
Dispõe o art. 492. do CPP o seguinte:
"Art. 492. Em seguida, o presidente proferirá sentença que:
I – no caso de condenação:
a) fixará a pena-base;
b) considerará as circunstâncias agravantes e atenuantes alegadas nos debates;
c) imporá os aumentos ou diminuições da pena, em atenção às causas admitidas pelo júri;
d) observará as demais disposições do art. 387. deste Código;
e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva;
f) estabelecerá os efeitos genéricos e específicos da condenação;
II – no caso de absolvição:
a) mandará colocar em liberdade o acusado se por outro motivo não estiver preso;
b) revogará as medidas restritivas provisoriamente decretadas;
c) imporá, se for o caso, a medida de segurança cabível.
§ 1º. Se houver desclassificação da infração para outra, de competência do juiz singular, ao presidente ao Tribunal do Júri caberá proferir sentença em seguida, aplicando-se, quando o delito resultante da nova tipificação for considerado pela lei como infração penal de menor potencial ofensivo, o disposto nos arts. 69. e seguintes da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.
§ 2º. Em caso de desclassificação, o crime conexo que não seja doloso contra a vida será julgado pelo juiz presidente do Tribunal do Júri, aplicando-se, no que couber, o disposto no § 1º deste artigo.
Art. 493. A sentença será lida em plenário pelo presidente antes de encerrada a sessão de instrução e julgamento".
Interessa-nos no momento a previsão contida no art. 492, inciso I, acima transcrito, considerando a proposta de trabalhar aspectos teóricos partindo de um caso prático determinado, visto que o casal Nardoni foi condenado.
Observa-se que quando júri condena o réu, já deve também decidir sobre qualificadoras e causas de aumento e diminuição de pena, restando ao juiz presidente apenas decidir pela presença ou não de atenuantes ou agravantes e fazer a dosimetria da pena, além de outras providências de ordem processual.
O júri decide sobre a condenação, assim como em relação à presença ou não de circunstâncias qualificadoras, majorantes ou minorantes, através de quesitos, não necessitando fundamentar esta decisão.
Por essa razão, a sentença condenatória no caso de júri é relativamente sintética.
No julgamento do casal Nardoni os jurados responderam aos seguintes quesitos1:
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a) relativos a Alexandre Nardoni:
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1) Existiu a esganadura que contribuiu para a morte de Isabella Nardoni?
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2) Isabella foi jogada da janela do 6º andar do Edifício London, provocando sua morte? Alexandre omitiu-se quando deveria, por dever legal, proteger a filha?
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4) Foi Alexandre quem jogou Isabella pela janela?
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5) O jurado absolve o réu?
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6) Existem qualificadoras para o crime, no caso, o meio cruel, uso de recurso que dificultou a defesa da vítima, e com o intuito de assegurar impunidade de outro crime?
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7) Houve alteração da cena do crime para enganar as autoridades?
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b) em relação a Anna Carolina Jatobá, além dos dois primeiros quesitos e do último, foram feitas as seguintes indagações:
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3) Anna Carolina Jatobá colaborou com a morte de Isabella ao aderir a toda a ação?
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4) O jurado absolve a ré?
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Nesse caso, o júri foi composto, segundo a Revista Veja (edição 2158, de 31-03-2010, p. 85) pelas seguintes pessoas: a) Mulher, técnica em vendas, cerca de 40 anos; b) Homem, eletricista, cerca de 45 anos; c) Homem, estudante universitário, cerca de 23 anos; d) Mulher, auxiliar de cobrança, cerca de 30 anos; e) Mulher, arquiteta, cerca de 35 anos; f) Homem, estudante universitário, cerca de 20 anos; g) Mulher, publicitária, cerca de 30 anos.
Na sentença constou a seguinte síntese das respostas dos jurados aos quesitos que lhes foram propostos:
"3. Por esta razão, os réus foram então submetidos a julgamento perante este Egrégio 2º Tribunal do Júri da Capital do Fórum Regional de Santana, após cinco dias de trabalhos, acabando este Conselho Popular, de acordo com o termo de votação anexo, reconhecendo que os acusados praticaram, em concurso, um crime de homicídio contra a vítima Isabella Oliveira Nardoni, pessoa menor de 14 anos, triplamente qualificado pelo meio cruel, pela utilização de recurso que dificultou a defesa da vítima e para garantir a ocultação de delito anterior, ficando assim afastada a tese única sustentada pela Defesa dos réus em Plenário de negativa de autoria.
Além disso, reconheceu ainda o Conselho de Sentença que os réus também praticaram, naquela mesma ocasião, o crime conexo de fraude processual qualificado".
Foi, portanto, integralmente acolhida a tese da acusação "de homicídio triplamente qualificado pelo meio cruel (asfixia mecânica e sofrimento intenso), utilização de recurso que impossibilitou a defesa da ofendida (surpresa na esganadura e lançamento inconsciente pela janela) e com o objetivo de ocultar crime anteriormente cometido (esganadura e ferimentos praticados anteriormente contra a mesma vítima) contra a menina ISABELLA OLIVEIRA NARDONI"2.
4. DOSIMETRIA DA PENA
A dosagem a pena no caso do Tribunal do Júri, assim como na sentença comum, deve se ater ao critério trifásico.
O juiz identifica a pena em abstrato incidente na situação e depois passa a dosá-la, no intuito de estabelecer a pena em concreto. E essa dosagem é feita em três fases, por isso fala-se em sistema trifásico.
Essa percepção é importante para respondermos à seguinte pergunta: como o juiz Maurício Fossen chegou à quantidade de pena que impôs a Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá?
O art. 68, caput, do CP, prevê o sistema trifásico de fixação da pena, conforme segue: "Art. 68. A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59. deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento".
Destarte, a operação de dosimetria da pena se dá em três fases (SCHMITT, 2006, p. 33):
"1ª) análise das circunstâncias judiciais enumeradas no art. 59. do Código Penal;
2ª) análise das circunstâncias legais (atenuantes e agravantes);
3ª) análise das causas de diminuição e de aumento de pena".
Desse modo, primeiramente deve o julgador fixar a pena-base, examinando as circunstâncias previstas no art. 59. do CP, e observando os limites mínimo e máximo previstos no tipo incriminador que se adequa ao caso. Depois de fixada a pena-base, sobre ela serão aplicados os cálculos inerentes às circunstâncias agravantes e atenuantes. Após isso, e finalmente, se aplica as causas de diminuição e de aumento previstas na legislação.
4.1. Primeira fase – análise das circunstâncias judiciais
Já vimos que é com base na análise das circunstâncias judiciais previstas no art. 59. do CP que o julgador deve fixar a pena-base; iniciando com isso a operação de dosimetria da pena a ser aplicada.
Para fixar a pena-base o juiz deve identificar a pena em abstrato aplicável à situação.
No caso Nardoni, como a hipótese foi de homicídio qualificado, segundo decidiram os jurados, o juiz vislumbrou que a pena em abstrato seria de 12 (doze) a 30 (trinta) anos de reclusão, conforme previsto no preceito secundário do art. 121, § 2º, do CP. Foi com base neste interstício que o magistrado passou a dosar a pena-base mediante a análise das chamadas circunstâncias judiciais.
As circunstâncias judiciais que devem ser analisadas são as seguintes (vide art. 59. do CP):
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a) culpabilidade: na análise dessa variável o juiz deve aferir o grau de censura da ação ou omissão do réu. Segundo explica Ricardo Augusto Schmitt (2006, p. 34), a culpabilidade a que se refere o art. 59. do CP "Está ligada a intensidade do dolo ou o grau de culpa do agente, as quais devem ser graduadas no caso concreto, com vistas a melhor adequação da pena-base";
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b) antecedentes: a questão da espécie de antecedentes que podem ser considerados na análise dessa variável desperta vários debates na doutrina e na jurisprudência. Discute-se se o envolvimento anterior do réu em inquéritos e processos no qual não houve condenação transitada em julgado pode ser levado em consideração para se concluir que ele possui maus antecedentes. Há uma inclinação hodierna ao garantismo nessa matéria, ou seja, tem prevalecido o entendimento de que somente as condenações anteriores, com trânsito em julgado, e que não possam ser consideradas para fins de reincidência é que podem ser utilizadas para macular os antecedentes do réu (nesse sentido - SCHMITT, 2006, p. 35: "Diante disso, a par de toda discussão em torno da matéria, na verdade, atualmente revela ser possuidor de maus antecedentes o agente que possui contra si uma sentença penal condenatória transitada em julgado. Trata-se da aplicação fiel do princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF/88).");
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c) conduta social: diz respeito ao comportamento do agente perante a sociedade (meio social, familiar e profissional);
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d) personalidade do agente: sob a argumentação de que o juiz não possui preparo técnico para avaliar a personalidade do réu e a partir daí extrair elementos para a fixação de sua pena-base, defende Greco (2010, v. I, pp. 538-539) que o julgador simplesmente não deve valorar esta circunstância para tal fim. Por outro lado, Schmitt (2006, p. 41) pondera que: "Dúvidas não me restam de que tal circunstância somente poderá ser analisada e valorada a par de um laudo psicossocial firmado por pessoa habilitada, o que não existe na grande maioria dos casos postos sub judice". Não há, contudo, posição pacífica sobre a matéria, havendo quem entenda que "Na análise da personalidade deve-se verificar a sua boa ou má índole, sua maior ou menor sensibilidade ético-social, a presença ou não de eventuais desvios de caráter de forma a identificar se o crime constitui um episódio acidental na vida do réu" (BITENCOURT, 2004, v. 1, p. 611), sendo que tais vetores poderiam ser analisados pelo juiz independentemente de um laudo técnico;
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e) motivos do crime: dizem respeito às razões que levaram o agente a cometer o crime e que extrapolem aqueles previstos no próprio tipo penal básico ou derivado no qual o agente foi enquadrado, isto para que se evite incorrer em bis in idem (por exemplo: se o agente está sendo condenado por homicídio cometido por motivo fútil, essa motivação já foi utilizada para qualificar o crime, não podendo mais ser utilizada para valoração de circunstância judicial). Segundo bem pondera Capez (2003, v. 1, p. 401): "A maior ou menor aceitação ética da motivação influi na dosagem da pena (praticar um crime por piedade é menos reprovável do que fazê-lo por cupidez)";
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f) circunstâncias do crime: refere-se basicamente ao modus operandi empregado na prática do delito (estado de ânimo do agente, local do crime, modo de agir etc.). Não se pode, contudo, valorar nesse particular circunstância que se revele como qualificadora, agravante ou atenuante, ou ainda, como causa de aumento ou diminuição, sob pena de incorrer em bis in idem;
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g) conseqüências do crime: busca-se nessa variável aferir os efeitos da conduta do agente. Efeitos estes que não sejam, por óbvio, elementar do tipo, pois estes já são avaliados em sede de tipicidade. No crime de homicídio, por exemplo, o efeito elementar é a morte. Não é este efeito, contudo, que se busca analisar como circunstância judicial, mas sim algo além dele. Por exemplo: a morte de um pai de família com cinco filhos para sustentar, e que deixou uma viúva grávida, traz conseqüências danosas além de uma morte comum, devendo assim ser levada em consideração para agravar a pena do réu no momento da fixação da pena-base;
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h) comportamento da vítima: aqui deve ser verificado se o comportamento da vítima contribuiu para a efetivação do crime. Caso positivo, tal ocorrência deverá ser valorada em benefício do agente.
Elencadas supra todas as circunstâncias judiciais, cabe-nos ainda fazer algumas observações sobre a valoração das mesmas:
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I) a pena-base deve ser fixada entre os limites previstos em abstrato no tipo penal;
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II) a pena-base não pode ser estabelecida acima do mínimo legal sem motivação idônea, apenas com base em referências vagas e genéricas;
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III) cada uma das circunstâncias judiciais deve ser analisada, podendo esta análise considerá-la favorável, desfavorável ou neutra (a neutralidade às vezes decorre da própria impossibilidade de valoração de determinada circunstância);
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IV) caso haja a presença de mais de uma circunstância qualificadora, apenas uma delas deverá ser utilizada para qualificar o crime;
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V) uma mesma circunstância não pode receber valoração em fases distintas, seja da tipificação ou qualificação do crime, seja da dosimetria da pena, sob pena de se incorrer em bis in idem;
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VI) o ponto de partida para a fixação da pena-base é a pena mínima prevista no tipo, a partir daí aplicando-se as circunstâncias judiciais. Desse modo, não havendo circunstâncias judiciais desfavoráveis a pena deve permanecer no mínimo.
No caso "Isabella Nardoni", o juiz Maurício Fossen fez a seguinte apreciação das circunstâncias judiciais, após ser reconhecida pelos jurados a prática de crime de homicídio qualificado:
"4. Em razão dessa decisão, passo a decidir sobre a pena a ser imposta a cada um dos acusados em relação a este crime de homicídio pelo qual foram considerados culpados pelo Conselho de Sentença.
Uma vez que as condições judiciais do art. 59. do Código Penal não se mostram favoráveis em relação a ambos os acusados, suas penas-base devem ser fixadas um pouco acima do mínimo legal.
Isto porque a culpabilidade, a personalidade dos agentes, as circunstâncias e as consequências que cercaram a prática do crime, no presente caso concreto, excederam a previsibilidade do tipo legal, exigindo assim a exasperação de suas reprimendas nesta primeira fase de fixação da pena, como forma de reprovação social à altura que o crime e os autores do fato merecem.
Com efeito, as circunstâncias específicas que envolveram a prática do crime ora em exame demonstram a presença de uma frieza emocional e uma insensibilidade acentuada por parte dos réus, os quais após terem passado um dia relativamente tranquilo ao lado da vítima, passeando com ela pela cidade e visitando parentes, teriam, ao final do dia, investido de forma covarde contra a mesma, como se não possuíssem qualquer vínculo afetivo ou emocional com ela, o que choca o sentimento e a sensibilidade do homem médio, ainda mais porque o conjunto probatório trazido aos autos deixou bem caracterizado que esse desequilíbrio emocional demonstrado pelos réus constituiu a mola propulsora para a prática do homicídio.
De igual forma relevante as consequências do crime na presente hipótese, notadamente em relação aos familiares da vítima.
Porquanto não se desconheça que em qualquer caso de homicídio consumado há sofrimento em relação aos familiares do ofendido, no caso específico destes autos, a angústia acima do normal suportada pela mãe da criança Isabella, Srª. Ana Carolina Cunha de Oliveira, decorrente da morte da filha, ficou devidamente comprovada nestes autos, seja através do teor de todos os depoimentos prestados por ela nestes autos, seja através do laudo médico-psiquiátrico que foi apresentado por profissional habilitado durante o presente julgamento, após realizar consulta com a mesma, o que impediu inclusive sua permanência nas dependências deste Fórum, por ainda se encontrar, dois anos após os fatos, em situação aguda de estresse (F43.0 - CID 10), face ao monstruoso assédio a que a mesma foi obrigada a ser submetida como decorrência das condutas ilícitas praticadas pelos réus, o que é de conhecimento de todos, exigindo um maior rigor por parte do Estado-Juiz quanto à reprovabilidade destas condutas.
[...]
Assim sendo, frente a todas essas considerações, majoro a pena-base para cada um dos réus em relação ao crime de homicídio praticado por eles, qualificado pelo fato de ter sido cometido para garantir a ocultação de delito anterior (inciso V, do parágrafo segundo do art. 121. do Código Penal) no montante de 1/3 (um terço), o que resulta em 16 (dezesseis) anos de reclusão, para cada um deles".
Nota-se que, considerando o reconhecimento da qualificadora prevista no art. 121, § 2º, V, do CP, que leva a um enquadramento na pena em abstrato de 12 a 30 anos de reclusão, o juiz considerou negativas as seguintes circunstâncias judiciais: a) culpabilidade; b) personalidade dos agentes; c) circunstâncias do crime; e d) consequências do crime.
Partindo da pena mínima de 12 anos, e considerando a presença de quatro circunstâncias judiciais negativas, o magistrado elevou a pena em um terço, chegando à pena-base de 16 anos de reclusão (ou seja, soma de 12 anos – pena mínima prevista para o delito – mais 4 anos, correspondente ao acréscimo referente à valoração negativa de algumas circunstâncias judiciais).
Quanto ao crime de fraude processual (art. 347. do CP), que comina uma pena em abstrato de 3 meses a 2 anos de detenção, e multa, o juiz assim fixou a pena-base:
"Quanto ao crime de fraude processual para o qual os réus também teriam concorrido, verifica-se que a reprimenda nesta primeira fase da fixação deve ser estabelecida um pouco acima do mínimo legal, já que as condições judiciais do art. 59. do Código Penal não lhe são favoráveis, como já discriminado acima, motivo pelo qual majoro em 1/3 (um terço) a pena-base prevista para este delito, o que resulta em 04 (quatro) meses de detenção e 12 (doze) dias-multa, sendo que o valor unitário de cada dia-multa deverá corresponder a 1/5 (um quinto) do valor do salário mínimo, uma vez que os réus demonstraram, durante o transcurso da presente ação penal, possuírem um padrão de vida compatível com o patamar aqui fixado".
Nota-se que, no tocante ao delito do art. 347, foi também imputada ao casal a pena de multa.
A pena de multa possui as balizas de fixação delimitadas no art. 49. do CP, conforme segue:
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a) será de 10 a 360 dias-multa;
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b) o valor do dia-multa será de 1/30 do salário-mínimo a 5 salários-mínimos.
O art. 60, parágrafo 1º, estabelece, ainda, que a multa pode ser aumentada até o triplo, se o juiz considerar que, em virtude da situação econômica do réu, ela será ineficaz mesmo se aplicada no máximo. Esse aumento, quando cabível, deve se dar no valor do dia-multa e não no número de dias-multa.
Sintetizados os critérios básicos para sua fixação, resta averiguar que critérios deve o juiz utilizar para estabelecê-la em quantidade determinada (pena em concreto); ou seja, o que levará o magistrado a fixar a multa em 10 dias-multa, 20, 30 ou em outro patamar.
A fixação dos dias-multa, assim como a fixação da pena privativa de liberdade, segundo entendimento majoritário, deve obedecer ao sistema trifásico para cálculo da pena (análise das circunstâncias judiciais, circunstâncias legais e das causas de aumento e de diminuição).
O valor do dia-multa, a seu turno, deve ser fixado em consonância com a situação econômica do réu, segundo previsto no art. 60, caput, do CP. Deve para isso investigar o magistrado o valor da remuneração do réu, fixando o valor do dia-multa em correspondência com o rendimento diário do mesmo. No caso de réu desempregado, sem renda, o valor de cada dia-multa deve ser fixado em 1/30 do salário-mínimo (limite mínimo estabelecido no CP).
Fixado o valor do dia-multa, e a quantidade de dias-multa, basta multiplicar um pelo outro que se encontrará o quantum da pena pecuniária a ser aplicada.
Outrossim, necessário também observar que é comum haver previsões em tipos penais onde se comina, cumulativamente, a pena privativa de liberdade com pena de multa. Nesses casos, uma vez fixada a pena privativa de liberdade em concreto, a pena de multa (fixada em dias-multa) deve possuir exata correspondência com esta; ou seja, partindo-se do mínimo em abstrato, o percentual de exasperação da pena deve ser o mesmo. De outro modo, acaso a pena privativa de liberdade seja fixada no mínimo, é claro que, obedecendo-se à proporcionalidade, a pena de multa também deverá ser fixada no mínimo.
4.2. Segunda fase – análise das circunstâncias legais
Na segunda fase da dosimetria da pena devem ser analisadas as circunstâncias legais, que são as atenuantes e agravantes. Tais variáveis estão previstas no Código Penal (artigos 65 e 66 – atenuantes; artigos 61 e 62 – agravantes) e em algumas leis especiais.
Como visto, após a fixação da pena-base (primeira fase da dosimetria da pena) passa-se à análise das circunstâncias legais visando averiguar a ocorrência de atenuantes e/ou agravantes. Nessa seqüência se dá a dosimetria da pena. Depois disso, conforme preconizado pelo artigo 68, caput, do CP, resta apenas a terceira fase: análise das causas de diminuição e de aumento da pena, que veremos em momento posterior.
Antes de adentrarmos no estudo das agravantes e atenuantes previstas no CP, necessário fazer as seguintes observações:
-
I) as circunstâncias agravantes sempre estarão previstas de forma taxativa, sem possibilidade de qualquer inclusão extensiva sem prévia previsão legal;
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II) o julgador pode reconhecer ex officio, segundo posição ainda dominante3, a presença de uma circunstância agravante ou atenuante, mesmo que não tenha sido alegada durante a instrução processual;
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III) o rol das circunstâncias atenuantes é apenas exemplificativo (ex vi art. 66. do CP), podendo ser reconhecida atenuante que não esteja expressamente prevista na lei;
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IV) o reconhecimento de atenuantes não pode levar à fixação da pena abaixo do limite mínimo previsto no tipo, e também o reconhecimento de agravantes não pode levar à fixação da pena acima do máximo previsto no tipo;
-
VI) não existe proporção fixada legalmente para o aumento ou diminuição da pena em caso de reconhecimento de agravantes ou atenuantes. O quantum do aumento ou da diminuição de pena decorrente do reconhecimento de uma ou outra deve ser fixado mediante a prudente avaliação do julgador. Greco (2010, v. I, p. 543) assevera, contudo, que: "Ante a ausência de critérios previamente definidos pela lei penal, devemos considerar o princípio da razoabilidade como reitor para essa atenuação ou agravação da pena. Contudo, face a fluidez desse conceito de razoabilidade, a doutrina tem entendido que ‘razoável’ seria agravar ou atenuar a pena-base em até um sexto do ‘quantum’ fixado, fazendo-se, pois, uma comparação com as causas de diminuição e de aumento de pena". Observe-se que o percentual de 1/6, segundo essa visão, diz respeito a cada circunstância reconhecida, segundo bem explica Schmitt (2006, p. 81): "No entanto, muito embora não se tenha atualmente um consenso quanto ao patamar ideal a ser adotado, torna-se mais aceito pela jurisprudência dos Tribunais Superiores a aplicação do coeficiente imaginário de 1/6 (um sexto) para cada circunstância atenuante ou agravante reconhecida. […] Assim, cada circunstância atenuante, ou agravante, terá valor imaginário de 1/6 (um sexto) a ser aplicado sobre a pena-base. Relembre-se: tem-se o patamar de 1/6 como ideal,a para da jurisprudência majoritária sobre o assunto, podendo, logicamente, o julgador escolher outro valor ou critério que melhor lhe aprouver, desde que guardadas as devidas proporções com o caso concreto". Fazendo referência à proporção de um sexto, mas aceitando pequenas variações, assim manifesta-se Cezar Roberto Bitencourt (2004, v. 1, p. 612): "O Código não estabelece a quantidade de aumento ou de diminuição das agravantes e atenuantes legais genéricas, deixando ao prudente arbítrio do juiz. No entanto, sustentamos que a variação dessas circunstâncias não deve ir muito além do limite mínimo das majorantes e minorantes, que é fixado em um sexto". O STJ também tem aceitado essa variação, conforme segue: "[…] VIII – Dessa forma, tendo sido fixado em 1/3 (um terço) o aumento da pena pela reincidência, dentro do critério da discricionariedade juridicamente vinculada, não há como proceder a qualquer reparo em sede de habeas corpus". (STJ, 5ª Turma, HC 103977-SP, rel. ministro FELIX FISCHER, DJe 06-04-2009).
4.2.1. Atenuantes
Prevê o art. 65. do CP, que:
Art. 65. São circunstâncias que sempre atenuam a pena:
I - ser o agente menor de 21 (vinte e um), na data do fato, ou maior de 70 (setenta) anos, na data da sentença;
Com relação a este inciso cabe esclarecer que a data da sentença a que se refere diz respeito à data da sentença prolatada em grau definitivo. Outrossim, a alteração da maioridade civil de 21 para 18 anos, operada pelo Código Civil vigente, em nada influencia na atenuante sob foco, que deve ser reconhecida na forma como está prevista.
II - o desconhecimento da lei;
"Muito embora o desconhecimento da lei seja inescusável, não isentando de pena o agente (art. 21. do CP), não restam dúvidas que, de acordo com a particularidade apresentada pelo caso concreto, poderá atuar como circunstância redutora de pena, seja ou não justificável o erro" (SCHMITT, 2006, p. 65).
III - ter o agente:
a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral;
Relevante valor social diz respeito aos interesses da sociedade (coletividade), enquanto que o valor moral corresponde ao sentimento pessoal próprio do agente aceito pela coletividade como moralmente relevante.
b) procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano;
Esta alínea não está se referindo ao arrependimento posterior ou eficaz, que estão previstos, respectivamente, nos artigos 16 e 15 do CP. A situação aqui é diferenciada, conforme se depreende da simples leitura do dispositivo e dos artigos já mencionados.
c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima;
Aqui temos três hipóteses de atenuação: i) crime cometido mediante coação resistível, mas que interferiu na capacidade de determinação do agente; ii) delito cometido em cumprimento a ordem de autoridade superior, porém em situação que o agente conheça ou deva conhecer a ilegalidade da ordem; iii) crime cometido sob influência de violenta emoção, tendo, portanto, sofrido perturbação psíquica por conta de ato injusto da vítima. As hipótese i e ii não se confundem com a coação irresistível e com a obediência hierárquica previstas no art. 22. do CP, que excluem a culpabilidade. As hipóteses aqui delineadas acarretam a mera atenuação da pena.
d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime;
A confissão pode ser tanto diante da autoridade policial (delegado) ou judiciária (juiz), porém deverá ser espontânea, não bastando, a princípio, que seja voluntária4. Essa confissão deverá, ainda, ser pura e simples, não sendo admissível atenuação, por exemplo, se o agente confessar, mas alegar excludente de ilicitude ou de culpabilidade.
e) cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto, se não o provocou.
Tal situação ocorre, por exemplo, conforme menciona Greco (2010, v. I, p. 558), nas brigas generalizadas entre torcedores nos estádios de futebol. Se um sujeito vem a agredir alguém (incorrendo, p. ex., no crime de lesão corporal), influenciado pela multidão em tumulto por ele não provocado, pode se beneficiar da atenuante em exame.
Esgotada a análise do artigo 65, resta lembrar que o art. 66. do CP traz também previsão de atenuante, contudo, nesse caso, inominada. Isto porque referido dispositivo deixa aberto espaço para o reconhecimento de atenuante não prevista expressamente. Vejamos: "Art. 66. A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei".
Podem ser citados como exemplos de circunstâncias que podem ser reconhecidas, ex vi art. 66, a confissão voluntária, o arrependimento sincero, a indicação do local do crime ou do local onde se encontra o corpo da vítima, o acometimento de doença incurável etc.
4.2.2. Agravantes
As agravantes genéricas estão previstas nos artigos 61 e 62 do CP.
Art. 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:
I – a reincidência;
A regulação da reincidência é esmiuçada nos artigos 63 e 64 do CP. Basicamente, à luz do art. 63. do CP, a reincidência será reconhecida: i) quando existir condenação anterior transitada em julgado pela prática de crime; ii) quando o condenado vir a cometer uma nova infração penal após essa condenação5.
Expressa o art. 64. do CP, que não será considerada para efeitos de reincidência a condenação anterior por crimes militares próprios e políticos, assim como aquela condenação anterior (pela prática de qualquer crime) cuja pena já tenha sido extinta ou cumprida há mais de cinco anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação.
Explicando a situação exposta na segunda parte do parágrafo anterior, que corresponde ao art. 64, I, evidencia SCHMITT (2006, p. 72) o seguinte:
"Tal situação revela as seguintes hipóteses:
1) uma vez cumprida a pena privativa de liberdade pelo agente, a partir desta data se inicia a contagem do lapso temporal de 5 (cinco) anos, ou seja, se vier a cometer novo crime neste intervalo de tempo será considerado reincidente, ao passo em que se vier a cometer novo crime somente após o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, não poderá ser considerado reincidente;
2) se o agente estiver cumprindo uma pena privativa de liberdade imposta de forma definitiva, totalizada em 6 (seis) anos de reclusão e no decorrer vier a ser beneficiado pela concessão do livramento condicional, podendo cumprir o restante da pena em liberdade, qual seja, 4 (quatro) anos, este prazo deverá ser computado para fins do cálculo da reincidência. Com isso, o prazo de 5 (cinco) anos trazido pela legislação para fins de reincidência, deve iniciar sua contagem a partir do momento em que o agente recebeu o benefício do livramento condicional e não a partir da extinção de sua pena, desde que não ocorrida a revogação do benefício. Diante disso, uma vez verificada a extinção da pena privativa de liberdade pelo decurso do prazo do livramento condicional sem qualquer revogação (art. 90. do CP), verifica-se que se o agente vier a cometer novo crime após o decurso do prazo de 2 (dois) anos contados da data em que se deu a extinção de sua pena, não será considerado reincidente, uma vez que se deve somar (computar) o período do livramento condicional, o que leva a conclusão que o agente cometeu novo crime somente após o decurso do prazo de 6 (seis) anos e não somente 2 (dois), conforme noticiado;
3) o mesmo raciocínio se aplica ao sursis (arts. 77. e segs., do CP);
4) se ocorrer a revogação de algum dos benefícios, o prazo de 5 (cinco) anos será contado a partir da data em que o agente terminar de cumprir a pena privativa de liberdade.
Apesar disso, como visto, deve-se relembrar que muito embora o agente não possa ser considerado reincidente – frente ao decurso do prazo legal de 5 (cinco) anos – a decisão condenatória anterior definitiva deverá ser levada em consideração como maus antecedentes".
Necessário pontuar, por oportuno, que a mesma condenação criminal não pode ser utilizada para efeitos de reincidência, e ao mesmo tempo, como maus antecedentes, sob pena de se incorrer em bis in idem. Nesse sentido (NUCCI, 2006, p.377):
"Cuidado especial para evitar o bis in idem: o juiz, ao aplicar a agravante da reincidência, necessita verificar, com atenção, qual é o antecedente criminal que está levando em consideração para tanto, a fim de não se valer do mesmo como circunstância judicial, prevista no art. 59. (maus antecedentes). Nessa ótica: Súmula 241 do Superior Tribunal de Justiça: ‘A reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial’. Note-se, entretanto, que o réu possuidor de mais de um antecedente criminal, pode ter reconhecido contra si tanto a reincidência quanto a circunstância judicial de mau antecedente: STF: ‘O Supremo Tribunal Federal tem entendimento pacificado quanto à possibilidade de a condenação criminal que não pôde ser considerada para o efeito da reincidência – em face do decurso do prazo previsto no art. 64, inciso I, do CP – ser considerada a título de maus antecedentes quando da análise das circunstâncias judiciais na dosimetria da pena. Precedentes’
(RO em HC 83.547, 1ª T., rel. Carlos Britto, 21.10.1003, v.u.)".
II – ter o agente cometido o crime6:
a) por motivo fútil ou torpe;
b) para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime;
c) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido;
d) com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum;
e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge;
f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica;
g) com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão;
h) contra criança, maior de 60(sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida;
i) quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade;
j) em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido;
l) em estado de embriaguez preordenada.
O art. 62. do CP, a seu turno, explicita que:
Agravante no caso de concurso de pessoas
Art. 62. A pena será ainda agravada em relação ao agente que:
I – promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes;
Diz respeito ao chefe da empreitada criminosa. A esta pessoa deve ser considerada a circunstância agravante em epígrafe.
II – coage ou induz outrem à execução material do crime;
Quem compele (coage) alguém a cometer um crime, ou ainda, cria a ideia criminosa (induz) na cabeça de outrem que vem a cometer o delito, tem sua reprimenda exasperada pela incidência da presente agravante.
III – instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade ou não-punível em virtude de condição ou qualidade pessoal;
Nucci (2006, págs. 375-376) explica da seguinte forma o presente dispositivo:
"instigar é fomentar idéia já existente, enquanto determinar é dar a ordem para que o crime seja cometido. A referida ordem pode ser de superior para subordinado, podendo até mesmo configurar para o executor uma hipótese de exclusão da culpabilidade (obediência hierárquica) ou de atenuante (art. 65, III, c, CP), podendo ainda ser dada a um inimputável, o que configura, outra vez, a autoria mediata, punindo mais gravemente o autor mediato".
IV – executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou promessa de recompensa.
Trata-se do criminoso mercenário. É impulsionado ao crime pela recompensa que lhe for oferecida ou prometida.
4.2.3. Concurso de circunstâncias agravantes e atenuantes
Podem ocorrer casos em que o juiz se vê, no julgamento de um feito, conduzido a reconhecer tanto agravantes como atenuantes para o mesmo réu.
Quando concorrem agravantes e atenuantes, deve-se recorrer ao disposto no art. 67. do CP, in verbis: "No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes , entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime , da personalidade do agente e da reincidência ". (Grifos nossos).
Vimos, pois, que são consideradas como circunstâncias preponderantes aquelas negritadas acima. Explicando Greco (2010, v. I, p. 559) que:
"Motivos determinantes são aqueles que impulsionam o agente ao cometimento do delito, tais como o motivo fútil, torpe, de relevante valor social ou moral.
Personalidade do agente são dados pessoais, inseparáveis da sua pessoa, como é o caso da idade (menor de 21 na data do fato e maior de 70 anos na data da sentença).
A reincidência demonstra que a condenação anterior não conseguiu exercer seu efeito preventivo no agente, pois que, ainda assim, veio a praticar novo crime após o trânsito em julgado da decisão condenatória anterior, demonstrando, com isso a sua maior reprovação".
Demonstradas as regras basilares do concurso de circunstâncias legais opostas, impende ainda ressaltar sobre o assunto os seguintes entendimentos já sedimentados:
-
I) a menoridade (menor de 21 anos) do réu prepondera sobre todas as demais circunstâncias legais;
-
II) as circunstâncias legais não concorrem com as circunstâncias judiciais, visto que são aplicadas em momentos distintos da dosimetria da pena.
Deve ser observado, ainda, que mesmo entre as circunstâncias preponderantes, a teor do art. 67. do CP, existe uma ordem de importância, segundo construção doutrinário-jurisprudencial.
Nesse sentido, sintetiza Schmitt (2006, p.88): "Diante disso, nos cabe formar a seguinte escala de preponderância: 1º) menoridade; 2º) reincidência; 3º) confissão; 4º) motivos do crime".
De outro modo, é claro que quando houver o concurso de uma circunstância preponderante de uma espécie (atenuante ou agravante) com uma ou mais não preponderante de outra espécie, as circunstâncias de importância secundária devem ser levadas em consideração na fixação do quantum de aumento ou diminuição a ser determinado na segunda fase da dosimetria da pena. Não se pode, portanto, apenas fazer incidir a preponderante, desconsiderando as demais que têm força oposta. Deve, nesse caso, o juiz avaliar com ponderação a situação, fazendo as devidas compensações.
Ricardo Augusto Schmitt (2006, p. 88) enfatiza muito bem essa peculiaridade:
"Ora, quando falamos na presença de circunstâncias atenuantes ou agravantes de forma isolada (sem ocorrência de concurso), estipulamos como ideal para a atenuação ou para a agravação da pena o patamar imaginário de 1/6 (um sexto) sobre a pena-base dosada.
Tal fato ocorria em vista da inexistência de concurso, onde as circunstâncias atuavam de forma isolada, sem qualquer choque com outra que estivesse em sentido contrário.
Ocorre que a situação mudou. Agora, passamos a ter, ao mesmo tempo, a presença de circunstâncias atenuantes e agravantes e não de atenuantes ou agravantes.
Com isso, tem-se que, em tese, alguma delas irá preponderar sobre a outra (art. 67. do CP), mas, embora se tenha uma "vencedora", essa não terá sua força totalmente mantida".
4.2.4. Análise das circunstâncias legais no caso "Isabella Nardoni"
No caso em referência o juiz Maurício Fossen realizou a seguinte análise das circunstâncias judiciais quanto ao homicídio:
"Como se trata de homicídio triplamente qualificado, as outras duas qualificadoras de utilização de meio cruel e de recurso que dificultou a defesa da vítima (incisos III e IV, do parágrafo segundo do art. 121. do Código Penal), são aqui utilizadas como circunstâncias agravantes de pena, uma vez que possuem previsão específica no art. 61, inciso II, alíneas "c" e "d" do Código Penal.
Assim, levando-se em consideração a presença destas outras duas qualificadoras, aqui admitidas como circunstâncias agravantes de pena, majoro as reprimendas fixadas durante a primeira fase em mais ¼ (um quarto), o que resulta em 20 (vinte) anos de reclusão para cada um dos réus.
Justifica-se a aplicação do aumento no montante aqui estabelecido de ¼ (um quarto), um pouco acima do patamar mínimo, posto que tanto a qualificadora do meio cruel foi caracterizada na hipótese através de duas ações autônomas (asfixia e sofrimento intenso), como também em relação à qualificadora da utilização de recurso que impossibilitou a defesa da vítima (surpresa na esganadura e lançamento inconsciente na defenestração).
Pelo fato do corréu Alexandre ostentar a qualidade jurídica de genitor da vítima Isabella, majoro a pena aplicada anteriormente a ele em mais 1/6 (um sexto), tal como autorizado pelo art. 61, parágrafo segundo, alínea "e" do Código Penal, o que resulta em 23 (vinte e três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão.
Como não existem circunstâncias atenuantes de pena a serem consideradas, torno definitivas as reprimendas fixadas acima para cada um dos réus nesta fase".
Note-se que o júri reconheceu a existência de três qualificadoras no crime de homicídio que julgaram, quais sejam: a) crime cometido através de meio cruel (art. 121, § 2º, III, do CP); b) crime cometido mediante recurso que impossibilitou a defesa da vítima (art. 121, § 2º, IV, do CP); c) crime cometido para assegurar a ocultação de outro delito (art. 121, § 2º, V, do CP).
O magistrado escolheu a última qualificadora acima mencionada para classificar o delito como qualificado.
Quanto às outras duas qualificadoras, filiou-se a corrente que defende que as mesmas devem ser consideradas como agravantes acaso sejam previstas como tal na legislação penal (vide comentários mais completos sobre este aspecto no item 4.3.1 deste trabalho).
Por força do reconhecimento dessas duas agravantes, previstas no art. 61, II, "c" e "d", do CP, resolveu aumentar a pena dos dois acusados em um quarto.
Desse modo, como a pena-base dos dois tinha ficado em 16 anos, aumentou-se mais 4 anos (um quatro da pena-base), passando a figurar uma pena de 20 anos para cada um.
Quanto ao réu Alexandre Nardoni, o juiz reconheceu a presença da agravante prevista no art. 61, II, "e", do CP, considerando o crime ter sido praticado contra descendente (no caso, sua filha), impondo o magistrado um aumento de pena de um sexto. Desse modo, como a pena dele estava em 20 anos, somou-se a este mais 3 anos e 4 meses (ou seja, um sexto de 20 anos), passando a figurar uma pena de 23 anos e 4 meses para o mesmo nessa segunda fase da dosimetria.
Note-se que a agravante prevista no art. 61, II, "e", do CP, não se aplicou a Anna Carolina simplesmente porque a menina não era sua descendente. Referida circunstância não é comunicável aos corréus, considerando os termos do art. 30. do CP.
Quanto ao crime de fraude processual (art. 347. do CP), entendeu o juiz que não havia circunstâncias agravantes ou atenuantes a serem consideradas.
4.3. Terceira fase - causas de aumento e de diminuição da pena
A análise das causas de aumento e de diminuição da pena, também conhecidas como majorantes e minorantes, ocorre, pelo sistema trifásico, na última fase (terceira) da dosimetria da pena.
Essas causas estão previstas tanto na Parte Geral quanto na Parte Especial do Código Penal. Encontra-se também regulação sobre as mesmas em algumas leis especiais, que, por óbvio, dizem respeito apenas às situações específicas lá reguladas.
Quanto às causas em estudo previstas na Parte Especial do CP e na legislação extravagante, as mesmas são variadas, não tendo como elencá-las de forma sintética. No que diz respeito às constantes na Parte Geral do CP, não são tantas.
Nesse sentido explica Schmitt (2006, p. 99):
"Como visto, as causas de diminuição e de aumento de pena encontram previsão legal em ambas as partes do Código Penal, sendo que as encartadas na parte geral se aplicam a todos e quaisquer crimes, inclusive aos tipificados em leis penais extravagantes, enquanto que as previstas na parte especial se aplicam tão somente aos delitos que a integram, ou seja, ao próprio tipo a que se referem.
Com isso, constata-se que na parte especial do Código Penal existem diversas causas de diminuição e de aumento de pena, devendo ser observadas a partir da previsão existente em cada tipo penal incriminador.
Por sua vez, na parte geral se tornam reduzidas, podendo-se esgotá-las facilmente: 1) causas de diminuição de pena: artigos 14, II e parágrafo único; 16; 21, parte final; 24, parágrafo 2º; 26, parágrafo único; 28, parágrafo 2º e; 29, parágrafo 1º; 2) causa de aumento de pena: artigo 29, parágrafo 2º, parte final".
Em derradeiro, explique-se que no tocante às circunstância judiciais e legais (atenuantes e agravantes) a lei não traz um quantum definido de aumento ou diminuição a ser considerado por força da incidência das mesmas, porém no concernente às causas em estudo, a própria norma já traz ínsita em seu texto a proporção em que se dará a variação da pena. Desse jeito, a Parte Especial do Código Penal, por exemplo, está repleta de disposições prevendo aumentos e diminuições de 1/3, 1/2, 1/6 etc.
Existem previsões, ainda, de causas de aumento e de diminuição em patamares mínimo e máximo. Por exemplo, pode o tipo prevê que em tal circunstância a pena aumenta-se de 1/6 a 2/3. Nesses casos deve o juiz, mediante fundamentação, escolher a proporção que utilizará dentro dos limites fixados na lei.
Em derradeiro, pertinente consignar que, diferentemente do que ocorre com as circunstâncias judiciais e legais, as causas de diminuição podem trazer a pena abaixo do mínimo legal e a causas de aumento elevá-la acima do máximo previsto no tipo, segundo ensina a melhor doutrina: "Neste terceiro momento de aplicação da pena não existem discussões sobre a possibilidade de sua redução aquém do mínimo ou o seu aumento além do máximo, pois se isso acontecesse, v. g., a pena do crime tentado deveria ser sempre a mesma do que a do consumado" (GRECO, 2010, v. I, p. 536).
4.3.1. Causas de aumento e qualificadoras
Imperioso ressaltar, todavia, que as causas de aumento não se confundem com as qualificadoras previstas na legislação penal.
Quando se trata de causas de aumento são previstas elevações da pena estabelecida no tipo básico, em proporções; de outro modo, quando há a presença de qualificadoras, na realidade, há um outro preceito secundário estabelecendo a pena mínima e a pena máxima.
Nesse andar, Bitencourt (2004, v. 1, p. 614) registra que:
"Alguns doutrinadores não fazem distinção entre as majorantes e minorantes e as qualificadoras. No entanto, as qualificadoras constituem verdadeiros tipos penais – tipos derivados – com novos limites, mínimo e máximo, enquanto as majorantes e minorantes, como simples causas modificadoras da pena, somente estabelecem a sua variação. Ademais, as majorantes e minorantes funcionam como modificadoras na terceira fase do cálculo da pena, o que não ocorre com as qualificadoras, que estabelecem limites mais elevados, dentro dos quais será calculada a pena-base. Assim, por exemplo, enquanto a previsão do art. 121, parágrafo 2º, caracteriza uma qualificadora, a do art. 155, parágrafo 1º, configura uma majorante".
Pertinente observar, também, que pode ocorrer de um mesmo crime revelar a presença de mais de uma qualificadora.
Por exemplo, existe a seguinte previsão no CP de homicídio qualificado:
"Art. 121. Matar alguém:
Pena – reclusão, de 6(seis) a 20(vinte) anos.
[...]
Homicídio qualificado
Parágrafo 2º. Se o homicídio é cometido:
I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;
II – por motivo fútil;
III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;
V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos".
Note-se que a pena para o homicídio simples é de 6 a 20 anos, enquanto que a pena para o homicídio qualificado é de 12 a 30 anos.
Qualquer ocorrência prevista nos incisos do parágrafo 2º, do art. 121, funciona como qualificadora.
Pode ocorrer, todavia, que esteja presente em um mesmo crime mais de uma qualificadora. Por exemplo: alguém cometa o crime mediante paga, e ainda, utilizando veneno contra a vítima. É claro que, diante disso, o infrator não responderá por dois homicídios qualificados. De outro modo, deve, sem dúvida, tal fato influenciar na dosimetria da pena.
Nesse particular, sintetiza Nucci (2006, p. 391):
"Existência de duas ou mais qualificadoras: quando um delito é qualificado, há uma mudança de faixa na aplicação da pena (ex.: um furto simples passa de 1 a 4 anos de reclusão para 2 a 8 anos, quando qualificado). Portanto, há polêmica na doutrina e na jurisprudência a respeito do que fazer quando houver duas ou mais qualificadoras para o mesmo crime. São três as posições principais: a) a segunda qualificadora, em diante, passa a valer como agravante (se existir correspondência), devendo ser lançada na 2ª fase de individualização; b) não é obrigatório qualquer tipo de aumento, pois a função da qualificadora é apenas mudar a faixa de aplicação da pena, o que já foi atingido pelo reconhecimento de uma delas; c) a segunda qualificadora, em diante, funciona como circunstância judicial, ou seja, deve ser lançada na 1ª fase de individualização para compor a pena-base. Preferimos utilizar a primeira corrente, quando é possível (existência de agravante correspondente). Quando não, valemo-nos da terceira posição, lançando a 2ª ou 3ª qualificadora no contexto da pena-base. O que não nos parece admissível é simplesmente desprezar a sua existência somente porque uma delas já foi reconhecida e utilizada".
Capez (2003, v. 1, p. 415) sustenta posição semelhante à de Nucci, defendendo a valoração da segunda qualificadora em diante na segunda fase da dosimetria da pena, como agravante.
Contudo, ressalte-se que, segundo Schmitt (2006, págs. 100-101), o entendimento acima não é o dominante, visto predominar na jurisprudência a tese de que as qualificadoras não utilizadas na tipificação do delito devem ser valoradas sempre na primeira fase da dosimetria da pena (no momento da análise das circunstâncias judiciais) e não na segunda (como agravante), visto que o art. 61, caput, do CP, vedaria a análise de qualificadoras como agravantes.
Falamos em qualificadoras, que se configuram verdadeiros tipos derivados, não se confundindo com as causas de aumento. A par disso, necessário também esclarecer que alguns tipos básicos são acompanhados de disposições que revelam modalidade privilegiada (ou seja, crime privilegiado). Esta previsão não se confunde com as causas de diminuição, visto que também revelam tipo derivado. Como exemplo disso, temos: "corrupção privilegiada, art. 317, parágrafo 2º; explosão privilegiada, do art. 251, parágrafo 1º; favorecimento pessoal privilegiado, do art. 348, parágrafo 1º; dentre outros" (NUCCI, 2006, p. 390). Nesses crimes, igualmente como ocorre nos crimes qualificados, a própria lei traz uma previsão de pena mínima e pena máxima a ser aplicada, com o diferencial que esta fixação se dá (no caso dos crimes privilegiados) abaixo do quantum previsto no tipo básico.
4.3.2. Concurso entre causas de aumento e de diminuição
Havendo a incidência de somente uma causa de aumento ou de diminuição, a operação matemática que deve ser feita na última fase é bem simples. Basta aplicar a proporção prevista na lei sobre a pena encontrada na segunda fase do sistema trifásico, chegando-se à pena a ser aplicada.
Podem ocorrer situações, todavia, em que hajam:
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1ª) mais de uma causa de aumento;
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2ª) mais de uma causa de diminuição;
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3ª) uma ou mais causas de aumento juntamente com uma ou mais causas de diminuição.
Primeiramente, deve se distinguir se as causas de aumento ou de diminuição estão previstas na Parte Geral ou na Parte Especial do Código Penal. Isto porque o art. 68, parágrafo único, do CP, prevê que: "No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua".
Portanto, em se tratando de causas (de aumento ou diminuição) previstas na Parte Geral, devem ser aplicadas todas. No tocante à previstas na Parte Especial (concorrendo entre si), poderá o juiz optar por aplicar somente a que mais aumente ou diminua, conforme previsão transcrita supra7. Acaso ocorra o concurso de causas previstas na Parte Geral com causas previstas na Parte Especial, deve o juiz aplicar as duas, primeiro a específica, depois a geral8.
Feitas estas considerações, voltemos às situações antes sintetizadas, considerando-se haver presença concomitante de causas de aumento e/ou diminuição:
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1ª) mais de uma causa de aumento: nesse caso, aplica-se, segundo posição dominante, uma causa sobre a outra; ou seja, calcula-se o primeiro aumento sobre a pena encontrada na segunda fase da dosimetria, e depois de feita esta operação, calcula-se outro aumento sobre a pena antes já aumentada pelo primeiro aumento, e assim por diante. Nesse sentido: Nucci (2006, p. 392);
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2ª) mais de uma causa de diminuição: o raciocínio é o mesmo da situação anterior, devendo incidir diminuição sobre diminuição;
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3ª) uma ou mais causas de aumento juntamente com uma ou mais causas de diminuição: faz-se primeiro incidir as causas de diminuição e depois as de aumento9, sempre na seqüência, ou seja, fazendo as novas incidências sobre a pena então encontrada após a aplicação do aumento ou diminuição (critério semelhante ao das situações anteriores).
4.3.3. Análise das causas de aumento e diminuição de pena no caso "Isabella Nardoni"
O magistrado, no caso em evidência, fez a seguinte análise:
"Por fim, nesta terceira e última fase de aplicação de pena, verifica-se a presença da qualificadora prevista na parte final do parágrafo quarto, do art. 121. do Código Penal, pelo fato do crime de homicídio doloso ter sido praticado contra pessoa menor de 14 anos, daí porque majoro novamente as reprimendas estabelecidas acima em mais 1/3 (um terço), o que resulta em 31 (trinta e um) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão para o corréu Alexandre e 26 (vinte e seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão para a corré Anna Jatobá.
Como não existem outras causas de aumento ou diminuição de pena a serem consideradas nesta fase, torno definitivas as reprimendas fixadas acima".
Nota-se que se fazia presente no caso a seguinte causa de aumento de pena, prevista no art. 121, § 4º, parte final, do CP: "Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos".
Observe-se que a proporção de aumento é fixa. Resta ao magistrado, portanto, uma vez identificada a presença da majorante, apenas aplicar o aumento determinado pela legislação.
No caso concreto abordado, a pena de Anna Carolina tinha ficado em 20 anos na segunda fase da dosimetria. Aplicando o aumento de um terço (ou seja, 6 anos e 8 meses), a pena ficou em 26 anos e 8 meses.
Quanto a Alexandre Nardoni, a pena dele tinha ficado, na segunda fase, em 23 anos e 4 meses. Aplicando-se o aumento de um terço (ou seja, de 7 anos, 9 meses e 10 dias), temos uma pena final de 31 anos, 1 mês e 10 dias.
Quanto ao crime de fraude processual, o magistrado fez a seguinte análise, na terceira fase da dosimetria:
"Presente, contudo, a causa de aumento de pena prevista no parágrafo único do art. 347. do Código Penal, pelo fato da fraude processual ter sido praticada pelos réus com o intuito de produzir efeito em processo penal ainda não iniciado, as penas estabelecidas acima devem ser aplicadas em dobro, o que resulta numa pena final para cada um deles em relação a este delito de 08 (oito) meses de detenção e 24 (vinte e quatro) dias-multa, mantido o valor unitário de cada dia-multa estabelecido acima".
Nota-se que o parágrafo único do art. 347. do CP impõe que a pena do agente deve ser dobrada quando a fraude processual visa produzir efeitos em processo penal, ainda que não iniciado. O juiz apenas aplicou referida majorante na proporção que determina a legislação, visto o reconhecimento de que a ação de Alexandre e Anna Carolina objetivou interferir no futuro processo criminal que seria (como de fato foi) instaurado contra eles.
Ao final, assim foram delimitadas, na sentença, as penas impostas aos corréus:
"9. Isto posto, por força de deliberação proferida pelo Conselho de Sentença que JULGOU PROCEDENTE a acusação formulada na pronúncia contra os réus ALEXANDRE ALVES NARDONI e ANNA CAROLINA TROTTA PEIXOTO JATOBÁ, ambos qualificados nos autos, condeno-os às seguintes penas:
a) corréu ALEXANDRE ALVES NARDONI:
pena de 31 (trinta e um) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, pela prática do crime de homicídio contra pessoa menor de 14 anos, triplamente qualificado, agravado ainda pelo fato do delito ter sido praticado por ele contra descendente, tal como previsto no art. 121, parágrafo segundo, incisos III, IV e V c.c. o parágrafo quarto, parte final, art. 13, parágrafo segundo, alínea "a" (com relação à asfixia) e arts. 61, inciso II, alínea "e", segunda figura e 29, todos do Código Penal, a ser cumprida inicialmente em regime prisional FECHADO, sem direito a "sursis";
pena de 08 (oito) meses de detenção, pela prática do crime de fraude processual qualificada, tal como previsto no art. 347, parágrafo único do Código Penal, a ser cumprida inicialmente em regime prisional SEMIABERTO, sem direito a "sursis" e 24 (vinte e quatro) dias-multa, em seu valor unitário mínimo.
B) corré ANNA CAROLINA TROTTA PEIXOTO JATOBÁ:
pena de 26 (vinte e seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão, pela prática do crime de homicídio contra pessoa menor de 14 anos, triplamente qualificado, tal como previsto no art. 121, parágrafo segundo, incisos III, IV e V c.c. o parágrafo quarto, parte final e art. 29, todos do Código Penal, a ser cumprida inicialmente em regime prisional FECHADO, sem direito a "sursis";
pena de 08 (oito) meses de detenção, pela prática do crime de fraude processual qualificada, tal como previsto no art. 347, parágrafo único do Código Penal, a ser cumprida inicialmente em regime prisional SEMIABERTO, sem direito a "sursis" e 24 (vinte e quatro) dias-multa, em seu valor unitário mínimo".